Esse é um vídeo que será sobre heroísmo, triunfo, patriotismo, mas também sobre estética nazifascista, cafonista do Alex Ross e a falta de ideias do Zack Snyder. Já faz algum tempo que estão me pedindo aqui no canal pra eu falar de estética nazifascista, ou melhor, estética totalitária, que hoje é um termo um tanto em desuso, mas que serve de guarda-chuva e que nos ajuda a entender melhor como que foi todo um processo histórico aí e que afeta uma série de produções hoje da cultura pop. Muitos artistas hoje em dia são grandes expoentes dessa estética totalitária, entre eles figuras como Alex Ross, Zack Snyder e tantos outros.
Esse papo voltou à tona por causa da repercussão que teve no Twitter essa semana da capa que o Alex Ross fez em apoio aos ucranianos ali na guerra na Ucrânia. Muito foi comentado o quanto que o Alex Ross aqui deu uma surtada bonita ao associar os russos a comunistas, porque assim, indo direto no papo, né, Putin ser chamado de esquerda já é um negócio meio complicado, comunista então, aí é delírio. Um comunismo é diferente, né, comunismo freestyle.
Mas enfim, o papo nem é esse, não tô a fim de falar de guerra na Ucrânia, já fiz vários vídeos aqui no canal sobre isso e já fiz questão de comprar briga com muito orgulho com tacanhos da esquerda e da direita a respeito desse assunto. O que importa olhando pra essa capa do Alex Ross, pra além da estética, que é algo que a gente vai desenvolver nesse vídeo, é que é muito curioso que quando ele precisa vilanizar alguém, quando ele precisa pensar no inimigo, ele evoca o imaginário do comunismo. E bicho, essa capa é igual aquelas propagandas nazifascistas do fantasma do comunismo, do quanto que o comunismo pode destruir a família, os valores, do quanto que ele vai corromper a nação.
Também acabou de sair a notícia que o deputado Daniel Silveira, um deputado bolsonarista, uma figura bastante exemplar, acabou de ser comparado ao Superman do Zack Snyder. Sim, a galera que curte super-herói tá vendo aí uma equivalência entre o ex-PM que rasgou a placa de uma vereadora assassinada com o Superman do Snyder. Tudo isso é muito interessante pra gente pensar por que que isso acontece, por que que rola isso, o que que tá pegando?
Eu vou nesse vídeo, então, explicar pra vocês o que é estética nazifascista, o que que é estética totalitária, explicar muito brevemente as suas principais características, como é que esse negócio começa e por que Alex Ross, Zack Snyder e tantos outros são expoentes dessa forma de arte. Daí que pra aqueles que são fãs desses artistas, eu só tenho uma pergunta a fazer. Você chora?
Vai chorar. Mas antes do oceano de lágrimas, eu peço que você curta o vídeo, se estiver curtindo, compartilhe, isso é muito importante, principalmente se você estiver com muita raiva. E seja um apoiador, é graças aos apoiadores que esse canal está aqui de pé fazendo vídeos como esse.
Nós temos recompensas bem legais aos apoiadores, como grupo de estudo, lives aqui comigo, sorteio de gibi. Eu vou deixar o link na descrição do vídeo e no primeiro comentário fixado. Mas vamos lá, antes de eu chegar chegando no Alex Ross, no Zack Snyder e companhia, vamos explicar um pouco o que é essa tal estética totalitária.
A estética totalitária tem como característica um grande apelo à monumentalidade, sobretudo na arquitetura, isso é muito visível. Linhas retas e homogêneas, grandes estruturas, muitas vezes apontadas pra cima. Há também uma grande valorização do heroísmo, seja ele individual ou coletivo.
A coreografia, a marcha, os corais, ou seja, tudo aquilo que evoca um esforço coletivo, uma valorização da fisicalidade, isso é algo muito, muito presente. Há um profundo culto ao corpo, seja o corpo da nação, seja o corpo do herói. E esse corpo, obviamente, é um corpo dentro de valores clássicos, greco-romanos, portanto é aquilo que a gente entende tipicamente como um corpo sarado, musculoso, viril e tal.
Por isso que é muito comum na estética totalitária todo um revivalismo, toda uma nostalgia de formas greco-romanas. Ou seja, de uma maneira bastante simplista, mas para fins didáticos, dá pra dizer que a estética totalitária é uma espécie de classicismo reacionário. Vamos analisar caso a caso, assim, bem rapidamente, pra vocês perceberem como isso é bastante comum.
O fascismo italiano. Tem muitos desses traços que eu citei aqui, contudo, o fascismo também tinha uma proximidade com uma vanguarda da arte moderna, que era o futurismo. Porém, essa sintonia com o futurismo se dava muito pelo culto à máquina, pelo culto ao progresso que a Itália estava vivendo.
Daí que a máquina, o movimento, a motocicleta do Mussolini e tudo mais, serviam pra resgatar uma espécie de triunfo perdido da Itália, outrora Império Romano, e recuperar esse patriotismo, esse heroísmo, que acabou sendo perdido por causa das tantas guerras e humilhações que a Itália passou. Indo pro lado da esquerda, nós temos o realismo socialista-stalinista. Alguns autores vão discordar se dá pra colocar no mesmo balaio gente de extrema-esquerda e extrema-direita, mas o lance é que ali nós temos alguns pontos em comum.
Cabe lembrar que quando houve a Revolução Russa em 1917, as vanguardas artísticas estavam ali em alta, o construtivismo bombando. Só que depois quando o Stalin assumiu o poder, a União Soviética se burocratiza, se torna cada vez mais autoritária e policialesca, o realismo socialista acaba se tornando uma estética oficial, e foi assim por décadas. Notem como no realismo socialista há um grande culto ao corpo do povo, seja ele coletivo, seja ele muitas vezes individualizado na figura heroica do próprio Stalin.
Notem que por trás disso tudo está uma imagem muito triunfalista da mãe-Rússia, desse povo que se mostra a partir do seu cotidiano heroico. Contudo, quando se pensa em estética totalitária, quem reúne melhor esses traços, até de maneira um tanto caricata, é a estética nazista. Muito porque o nazismo, na verdade, foi um regime de artistas.
O alto escalão do nazismo era todo composto de artistas frustrados. Hitler, por exemplo, era um pintor. E o nazismo, muito objetivamente, queria embelezar o mundo.
Por isso o nazismo era tão racista, porque entendia que haviam raças que eram menos belas e, portanto, deveriam ser descartadas, eliminadas, exterminadas. A questão artística era tão, tão fundamental que, inclusive, durante o regime nazista, foram feitas as exposições de arte degenerada. Eles pegavam obras de arte moderna e colocavam do lado de fotos de pessoas que tinham doenças de ordem genética, doenças degenerativas ou mesmo pessoas com problemas mentais.
O que os nazistas tentavam comprovar com isso é que a arte moderna era uma arte doente e reflexo de uma sociedade degenerada. Daí o elogio da arte clássica, daí o elogio desses corpos viris, desses corpos fortes, saudáveis, musculosos. Eles entendiam que era preciso resgatar a arte clássica porque ela, sim, era reflexo de uma sociedade saudável.
Pra isso, descambar em pureza racial, como vocês podem ver, é dois passos. Eu tô dando só alguns exemplos, existem muitos outros nos dias de hoje, embora, hum, é, eu não vou lembrar nenhum, não vou lembrar nenhum. Seja como for, muita gente costuma dizer assim, tá cara, esses ditadores se utilizaram de arte clássica, mas arte clássica não é algo inerentemente ligado a autoritarismo, certo?
Mais ou menos, ok? Mais ou menos. Pode-se dizer que esse processo de associação entre classicismo e autoritarismo começou ali no final do século 18, início do 19, principalmente com a figura do Napoleão Bonaparte.
E talvez o grande artista responsável por essa estética seja Jacques-Louis David, uma espécie de Alex Ross ou Zack Snyder da sua época. O neoclassicismo, ele ganhou corpo principalmente a partir da Revolução Francesa, foi visto como uma estética que se opunha a esses rococós, essas frescuras que vinham da família real, e cada vez mais começou a incorporar valores como heroísmo, patriotismo, triunfo, e foi tomando esses contornos que a gente hoje identifica nisso que se chama de estética totalitária. Aí, mais uma vez, você vai dizer o seguinte, tá, então a culpa aí é do Napoleão, pô!
Não é porque um artista se utiliza de arte clássica que ele vai se alinhar automaticamente com valores totalitários, certo? Galera, é mais complicado, sacou? Olha só, durante o século 19, pensadores, sobretudo alemães, Holderlin e Nietzsche, apontavam o seguinte, essa visão da cultura greco-romana é uma idealização.
Uma idealização que serve, em linhas gerais, pra babacas autoritários construírem uma ideia extremamente romantizada de si e do regime que eles querem manter. Porque assim, você não precisa ser nenhum estudante de história pra saber que a cultura greco-romana não era só isso. Os gregos não eram só adoradores da boa forma, da beleza, não cultuavam só o deus Apolo.
Poxa, os gregos cultuavam Dionísio, o deus da embriaguez, do teatro, da suruba. No tanto que o nome romano pra Dionísio é Baco, e daí que vem a palavra bacanal. Ir pra missa naquela época significava assim: oba, hoje a morena não me escapa, nem o irmão dela e provavelmente o pai eu também pego.
Eu até talvez não fosse ateu se as missas hoje fossem assim. Mas tô perdendo o foco aqui, deixa eu voltar. O lance é que a cultura grega e a cultura romana, por mais que fossem culturas guerreiras e, portanto, tinham esse lado que procurava valorizar a saúde, a boa forma dos guerreiros e tal, eram culturas muito diferentes das de hoje e, portanto, também tinham toda uma valorização do delírio, das artes.
E, sobretudo, a homossexualidade não era esse tabu todo. Pelo contrário, antes do cristianismo, a relação sexual entre homens era uma coisa até bastante comum e vocês podem ver isso, inclusive, nas esculturas greco-romanas, essa valorização enorme da bunda masculina. Ou vocês acham que eles faziam bundas extremamente bonitinhas, empinadinhas e tal, simplesmente porque eles queriam ser anatomicamente corretos.
Vocês acham que também não tem um componente erótico aí. Por isso que quando dizem assim: ah, o Brasil é o país que cultua a bunda. Meu amigo, quem começou esse papo de cultuar a bunda foram lá os primórdios da sociedade ocidental.
Por isso que desde o século 19, filósofos, arqueólogos, historiadores já estavam dizendo: olha, essa visão que a gente tem aí da cultura greco-romana é uma visão muito, muito, muito fantasiada. Portanto, faz parte dessas esculturas toda uma sensualidade do corpo masculino, um elogio da delicadeza, dos gestos habilidosos nos seus pequenos detalhes. Caso vocês não saibam, as Olimpíadas, na verdade, eram uma cerimônia religiosa e os atletas competiam nus.
E também havia nessas esculturas um forte senso trágico, algo bastante diferente desse triunfalismo neoclássico, esse triunfalismo nazifascista, etc. Porque os antigos gregos e romanos, eles tinham uma noção muito clara de que o destino deles pertencia aos deuses. Tudo muito diferente dessa idealização mais contemporânea, que vê, daí por sua vez, no herói, no povo, como aqueles capazes de dominar o destino e, portanto, serem donos do mundo, donos do mundo que eles têm a criar para si.
Eu não sei se eu tô conseguindo me tornar claro, mas vocês estão percebendo quanto que essa noção idealizada de arte clássica dos dias de hoje é uma grande corrupção da experiência artística da cultura greco-romana? Daí a gente chega no nosso querido Alex Ross, né, esse grande artista. Notem como o Alex Ross é uma espécie de nostálgico do clássico em vários níveis.
Não só pela arte que ele faz, que por sua vez resgata uma série de valores clássicos no sentido artístico mais amplo, mas porque, notem os corpos que ele faz, os uniformes que ele gosta de desenhar, ele sempre tá procurando desenhar os super-heróis dentro daquilo que os super-heróis eram lá no seu começo, lá nos 30, 40. Ou seja, o clássico pro Alex Ross não é só estético, é também temático. É uma forma clássica de abordar os heróis clássicos.
E, obviamente, ele está sempre se debatendo com esse heroísmo que está perdido, que a modernidade corrompeu. Como o Alex Ross costuma trabalhar com diferentes roteiristas, é muito difícil de delimitar o que é que ele pensa e o que que é os outros pensando. Assim, sendo, a gente só consegue avaliar melhor olhando para as imagens que ele produz, sem atentar tanto para o enredo.
Ainda que, se a gente for olhar para o enredo, como, por exemplo, para Justiça, que é um quadrinho que ele produziu, muita coisa ali também dá bandeira. Porque tudo no Alex Ross tem um apelo ao monumental. Porque essa monumentalidade, típica de uma estética totalitária, no caso dele, se dá em termos arquitetônicos, não só no sentido de casas, prédios ou tal, mas também se dá em termos narrativos.
Tudo não só é grandioso, como tem que ser mostrado de uma maneira grandiosa. Daí o apelo dos enquadramentos de baixo para cima. Daí essa recorrência de imagens que apelam para um senso clássico, seja clássico dos quadrinhos, seja clássico da arte.
E os constantes paralelismos com heróis mitológicos, heróis bíblicos. Nessa capa mesmo que deu bafafá durante a semana, anotem, ele usou a história de Davi Golias para poder representar a guerra na Ucrânia. Então tudo que ele constrói graficamente é sempre de maneira a tornar muito claro uma batalha do bem contra o mal.
E o bem está sempre ao lado dos valores clássicos. Um clássico que, eu repito, é sempre colocado de uma maneira muito específica. Ele sempre está olhando para gente de cima para baixo.
Ele é sempre forte, saudável e puro. Não há sujeira espiritual nos quadrinhos dos heróis do Alex Ross. Por isso que O Reino do Amanhã é um trabalho muito bom, porque ali ele e o Mark Waid brigaram muito para sair o resultado final que saiu.
Eu não sei exatamente por qual motivo eles brigaram, mas eu acho que o Waid sacou muito bem que a estética do Alex Ross era muito boa para contar a história de um Superman que, no final das contas, resolve fazer campos de concentração. O grande problema ali é que talvez o Alex Ross ou o público dele não entendeu que para aquele quadrinho funcionava aquela estética nazifascista. E daí ficou o apelo para que ele replicasse esse tipo de abordagem para toda porqueira em que ele encostasse a mão, como o fortíssimo sonífero chamado Justiça que eu acabei de falar aqui.
Outro elemento que é muito presente no Alex Ross, e isso é uma coisa típica da cultura norte-americana, é esse patriotismo inflamado. Só que notem, com ele esse patriotismo ganha uma forma muito semelhante àquela que a estética totalitária sempre trabalhou. Só que como o desgraça pouco é bobagem, tem coisa pior.
E essa coisa pior se chama Zack Snyder. Zack Snyder, como vocês bem sabem, é um cara que veio da publicidade. Não que todo diretor que veio da publicidade seja medíocre, não é o caso, inclusive tem alguns que são geniais, mas o Zack Snyder é um cara que herda os piores procedimentos do mundo publicitário.
E eu posso falar com tranquilidade porque eu fui diretor de comerciais para a TV por anos. E muitas vezes eu trabalhei com a agência me dizendo, ah, tá vendo esse comercial premiado na Noruega? Faz igual.
O Snyder é formado nessa escola, nessa escola que replica o que os outros já criaram. O Snyder é um cineasta sem ideias, visivelmente sem ideias, ele não tem nenhuma ideia própria. No tanto que pode ver a maneira como ele adapta quadrinhos, é o tempo todo procurando imagens que sejam impactantes para poder produzir um forte clichê.
Por isso que os filmes dele são comerciais de quatro horas de duração, porque é exatamente isso que ele sabe fazer. Eu já fiz um vídeo comentando sobre a mediocridade do Snyder, vou deixar aqui no card. Só que tem mais coisa aí.
O Snyder, ele também replica a rodo essa estética totalitária, mais especificamente a nazifascista. No Snyder, a monumentalidade está no fato de que os filmes dele são um clímax desde o começo. Na verdade, os filmes do Snyder não tem esse tipo de clímax.
O filme já começa no talo e vai até o final. Tudo é grandioso, os efeitos, a ação, tudo tem que ser muito over. Reparem o tesão que o Snyder tem pelo corpo masculino atlético, esse corpo que é sempre muito violento, mas também que é bastante coreográfico nas suas ações.
Uma coreografia que sempre busca imagens que são extremamente esculturais e que tem uma trilha sonora nas tampas, muitas vezes acompanhadas de um coral, que remete por sua vez a um povo que clama, que ovaciona essas esculturas. É um canto aos heróis, a esses heróis perdidos que é preciso resgatar, que o cinema tem como missão resgatar. E é uma visão extremamente reacionária e idealizada do classicismo, porque vocês podem notar uma coisa muito curiosa no Snyder.
Quando ele tem mais liberdade autoral, os seus vilões são sempre homens afeminados. O mal tem um caminho e esse caminho é a homossexualidade. No Madrugado dos Mortos, que é um filme que ele teve menos controle criativo, notem que, de uma maneira mais sutil, o cara vilão, xarope ali do final é um figurão meio afetado.
Só que vai ser no 300 esparta que vai ficar mais na cara esse tipo de cacuete do Snyder, porque ele transforma o Xerxes na Vera Verão. Aí você vai dizer, mas no 300 esparta o Frank Miller já tinha feito um pouco isso, não? Então vamos pro Watchman do Snyder.
Quando ele compõe os Ozymandias utilizando os mamilos metálicos. Sim, ele usa no uniforme dos Ozymandias aqueles mamilos que foram usados nos filmes do Batman e do Joe Schumacher, uma referência claramente gay. Na visão do Snyder, um vilão, pra ser vilão, tem que ser gay.
Ou ter referências, correspondências gays. Homem de Aço pode fugir a essa regra, mas caso vocês não saibam, Homem de Aço foi um filme feito com muita presença de produtor, ali o Snyder não teve muita liberdade criativa. Lembrem que o Christopher Nolan era produtor do filme.
Eles estavam ainda muito ligados à trilogia do Batman. Então foi um filme onde o Snyder estava muito amarrado. Porém, foi só o Snyder voltar a ter mais liberdade em Batman vs Superman.
E como é que ele compôs o seu Lex Luthor? Ele fez um rapaz frágil, afetado, cheio de trejeitos. Enquanto que os heróis do filme são dois brutamontes que basicamente são colocados um contra os outros quando eles deveriam se unir e se mostrarem os heróis que são.
O corpo masculino, atlético e saudável, poderoso, filmado de baixo pra cima, esse é o corpo do herói. O corpo do vilão é aquele rapaz ali, magricela, que fica falando cheio de coisas, hum, suas mentes perigosas. Vocês estão vendo a caricatura?
Ou eu preciso deixar mais óbvio? Ah, mas na Liga da Justiça ele não fez isso. Claro, porque essa crítica que eu tô fazendo aqui, mais gente já tá fazendo há bastante tempo.
Aí na Liga da Justiça ele resolveu ir pra um outro caminho. Ele simplesmente encarou que o Darkseid e todos ali que são personagens criados pelo Jack Kirby para serem claramente uma referência ao fascismo. Já fiz vídeo sobre isso aqui.
Kirby não disfarça. Kirby é muito óbvio quando cria o Darkseid como uma grande metáfora ao fascismo. Mas o Snyder, que é um cineasta muito talentoso, ele resolve, na verdade, tornar o Darkseid uma espécie de descamisado bárbaro e encarar Apokolips como, basicamente, os estrangeiros estão chegando.
Uma espécie de povo além-mar, ou no caso mais específico, além-mundo. Aliás, é um tanto curiosa as escolhas da direção de arte pra construir Apokolips. É um misto de imagens de barbarismo, com referências persas, pagãs, tudo isso em cenários palacianos mais profanos.
Ou seja, uma profusão de clichês naquilo que você imagina ser o oposto da civilização moderna judaico-cristã. Isso tudo, então, de alguma maneira explica muito desse fascínio que pessoas que estão num espectro muito à direita sentem por autores como Alex Ross, Zack Snyder e tantos outros. Porque é bastante curioso que toda vez que essa galera da extrema-direita procura referenciais heróicos, vai justamente nesses artistas.
Inclusive, o Batman do Snyder, que é de longe o Batman mais burro já feito no cinema, ele é abertamente um torturador, e ele é um cara que tortura as pessoas com seu anel em chamas. Uma coisa que eu sempre achei que rendia uma piada bastante tosca pra essa galera que já é naturalmente cafona. Se a galera não consegue ver a diferença entre pegar personagens moralmente problemáticos e explorá-los nas suas nuances, nas suas zonas cinzentas, ou heroificá-los como o Snyder faz, aí eu já também não tenho mais como ajudar.
Eu também não sou herói de ninguém aqui. De resto fica aqui apenas uma ponderação que é o seguinte, eu tô falando muito de artistas, eu não tô entrando na questão pessoal. Talvez Alex Ross, Zack Snyder e companhia se vejam como pessoas progressistas.
Às vezes até mesmo pessoas de esquerda. Tanto Alex Ross quanto Zack Snyder, por exemplo, apoiaram o Joe Biden, se colocaram contra o Donald Trump na última eleição. Não quer dizer que o cara recebeu um carimbo, olha, ele é de esquerda, mas também dá pra dizer que ele resolveu não aderir à extrema direita de pronto.
Isso não diz muita coisa, mas por isso que a gente já sabe que trumpistas eles não são. Então uma hipótese que é uma das mais razoáveis é que as pessoas são complexas. Ao contrário desse flaflu de Twitter, que fica querendo botar as pessoas na direita ou na esquerda e piriri pororó, a grande verdade é que as pessoas têm opiniões que ficam transitando entre diferentes espectros políticos.
Às vezes elas pensam assim e se manifestam assado. Ou seja, as pessoas, todas elas, nós somos todos contraditórios. Mas também tem um outro papo aí, né?
A classe artística nos Estados Unidos, ela é eminentemente liberal, muito ligada ao Partido Democrata. Mesmo os artistas ligados ao Partido Republicano são ligados à parte do Partido Republicano que rompeu com Trump. Ou seja, se você é um artista nos Estados Unidos e quer emprego, é melhor não ser trumpista.
Então também não podemos descartar que pode ter aí muita, muita covardia em assumir o que se pensa. Mas enfim, eu só tô arejando ideias, eu não tô fazendo aqui biografias. Como sugestão de leitura fica o livro Depois do Futuro, do italiano Franco Berardi, pra pensar a estética fascista italiana.
Pra pensar o realismo socialista, recomendo o pesquisador russo, Boris Groys, no livro Arte e Poder. Pra pensar a estética nazista, tem um documentário feito com base em pesquisa documental excelente do Peter Cohen, tem aqui no YouTube, se chama Arquitetura da Destruição. Um outro livro que eu acho que ajuda a dar um contexto bacana nesse processo todo que eu falei é Mundo de Sonho e Catástrofe, da pesquisadora Susan Buck-Morss.
No mais, fica o convite pra que nos siga nas nossas redes sociais, Twitter, TikTok, Instagram. Obrigado por arranjar confusão. Valeu, pessoal.