Você já percebeu que vive como se o mundo tivesse um manual secreto de conduta moral, mas ninguém nunca te entregou uma cópia. E mesmo assim você segue regras, repete crenças e teme o julgamento de um Deus que talvez esteja morto ou nunca tenha existido. Mas se ele morreu, quem assume agora o lugar de juiz, criador e verdugo.
E mais importante, o que isso diz sobre você? O maior acontecimento dos tempos recentes, que Deus está morto, que a crença no Deus cristão perdeu sua força, começa a lançar suas primeiras sombras sobre a Europa. Você vive cercado por dogmas, uns herdados, outros absorvidos como poeira fina que se acumula em móveis antigos, quase imperceptíveis, mas presentes em cada decisão, cada pensamento, cada culpa que te faz baixar os olhos sem saber porquê.
E é justamente contra essa poeira que Niet se lança com a Gaia Ciência, publicado em 1882. Essa obra não é apenas um livro, é uma fogueira onde ele joga as certezas da civilização ocidental para queimar e você, mesmo sem querer, acaba sentindo o calor. Niet olha para você.
Sim, você que talvez tenha sido ensinado a não fazer perguntas demais, a aceitar que o mundo tem uma ordem moral pré-definida e te diz com todas as letras, isso tudo é invenção, é mentira, é amarra. A provocação começa já no tom da obra que mistura lirismo com desdém, alegria com demolição. Niet apresenta uma ciência alegre, não porque o conteúdo seja leve, mas porque ele exulta diante da queda dos ídolos.
Como ele mesmo diz no prefácio da edição de 1887, este livro inteiro não é senão uma recompensa e uma tarefa. Ele fala de si mesmo. Ele tem de se criar.
Ele já antecipa o desafio ao leitor. Você não vai passar ileso por essas páginas. Vai precisar se refazer.
Logo nos primeiros aforismos, Niet começa a desmantelar conceitos caros à moral tradicional. No aforismo um, ele diz: "A falta de personalidade moderna. Onde quer que se olhe, vê se há ausência de algo.
Isso é de fato algo, a personalidade. O que ele está dizendo é que você foi se esvaziando ao longo do tempo. A modernidade não te tornou mais livre.
Ela te tornou mais raso, mais conformado, mais adaptado a uma coletividade que não pensa, apenas repete. Quantas vezes você já sentiu isso? Essa sensação de que a sua individualidade foi sendo substituída por uma caricatura moldada por redes sociais, religião, política e boas maneiras.
Niet não está interessado em amenidades. Ele quer provocar colapsos. Quer fazer você olhar para dentro e perceber o quanto da sua bondade é só medo.
No aforismo 26, ele escreve o insensato. O insensato é o homem que sempre diz a verdade. Uma ironia que escancara.
O mundo não está preparado para quem pensa fora da convenção. E você, quando foi a última vez que disse o que realmente pensa? Quantas vezes se calou para não ser julgado, excluído, condenado?
A Gaia ciência é também um ensaio sobre o fim das ilusões. Niets escreve: "Quando se tem o porquê de viver, suporta-se quase qualquer como, mas ele completa mais adiante com uma nuance perigosa. E se esse porquê for uma mentira?
E se toda a sua motivação existencial estiver calcada numa fantasia milenar, num castelo de areia construído por homens que temiam viver sem um pai celestial? Niet não quer destruir a sua fé só por prazer. Ele quer que você investigue se ela é realmente sua ou se é só uma bengala herdada de gerações de temor.
O aforismo 107 é uma verdadeira confissão de guerra contra as estruturas da tradição. Quero cada vez mais aprender a ver o necessário nas coisas como o que é belo. Assim serei um dos que tornam as coisas belas.
Repare bem nisso. Ele não quer mais lutar contra o sofrimento. Ele quer abraçá-lo, torná-lo parte da criação.
Isso te escandaliza? É compreensível. Você foi treinado a evitar a dor, a buscar o prazer, a fugir de tudo o que pareça sombrio.
Mas Niets te propõe um outro caminho, aceitar a tragédia da existência como palco da liberdade. E isso exige que você destrua muita coisa dentro de si, que você pare de pedir permissão para pensar, que você olhe para sua vida e diga: "Tudo isso aqui foi construído sobre um chão falso". Ele escreve no aforismo 125, que discutiremos com mais profundidade logo adiante, que matamos Deus.
E se isso for verdade, então todo o edifício da moral desaba junto. Isso inclui os conceitos de bem e mal, de certo e errado, de punição e recompensa. Você está pronto para viver num mundo onde não há mais céu te vigiando, nem inferno te ameaçando?
Ou prefere continuar fingindo que o juízo final ainda vai acontecer? Niet te estende uma alternativa, a criação de novos valores. E isso não é para qualquer um, é para quem aguenta o peso do próprio pensamento.
É para quem consegue rir depois do desespero. É para quem entende que viver de verdade é caminhar sem mapa. E nesse ponto, a Ga e a ciência se tornam um divisor de águas, não só na filosofia, mas dentro da sua própria biografia.
Porque depois de lê-lo, ou você continua como sempre esteve, ou começa enfim a viver como nunca usou. Niet não escreve para tranquilizar. Ele fere expectativas, rasga, véus de conforto e com um sorriso envenenado arranca de você o que ainda restava de ilusão.
A Gaia ciência não oferece atalhos ou promessas. Ela exige que você enfrente o abismo com os próprios olhos, sem garantias de sentido, sem esperança de retorno. Cada aforismo é um campo minado.
Você nunca sabe se vai sair ileso. E talvez essa seja justamente a intenção, desestabilizar para acordar, porque o sono da fé cega é profundo e você, por mais moderno que se achee, ainda cochila sobóis de uma moral antiquada que só serve para te manter domesticado. O ressentimento, esse verme silencioso, é um dos alvos principais de Niet.
Aquele que não pode agir, aquele que não tem potência para afirmar a própria existência, acaba por transformar sua impotência em virtude. No aforismo 92, ele denuncia desconfiança contra os mais impulsivos defensores da moralidade. Todos têm sangue ruim.
Ele está falando de você quando acusa o mundo de injustiça, mas secretamente deseja punição e vingança quando finge nobreza, mas o que quer mesmo é ver o outro cair, ser humilhado, pagar. Niet aponta sem hesitação. Os moralistas são muitas vezes os mais rancorosos dos seres humanos.
Você talvez já tenha percebido isso em si mesmo, mas teve medo de admitir. É mais fácil se proteger sob o disfarce da virtude. Mas o que Niets te propõe é que abandone esse jogo, que olhe para dentro e reconheça que sim, há vontade de poder em você.
Há desejo de impor, de conquistar, de deixar sua marca. E isso não é pecado, é natural. O problema é negar essa força e substituí-la por um falso altruísmo.
A moralidade é o instinto de rebanho no indivíduo", ele declara no aforismo 116. "E você por acaso não se move como rebanho? Não modula suas palavras, seus gestos, sua presença inteira para não desto dos demais?
O medo de ser excluído te paralisa. A ânsia por aceitação te transforma em sombra de si mesmo. Niet se volta contra toda tentativa de padronizar o humano.
Ele quer singularidade, afirmação, caos criador. Por isso, no aforismo 290, ele escreve com mordacidade: "Uma alma que se justifica, que quer convencer, que precisa de testemunhas, não é uma alma nobre. A nobreza para ele não está em seguir mandamentos, mas em ser capaz de viver sem pedir licença.
Você já tentou isso? Já experimentou agir sem consultar o olhar alheio, sem medir suas vontades com a régua da convenção? Talvez não.
E talvez por isso você esteja aí estagnado, apertando os próprios desejos até que eles parem de incomodar. A Gaia ciência é, antes de tudo, um elogio ao espírito livre. Aquele que, segundo Niets, se desamarra da moral de rebanho e se lança em direção à incerteza com entusiasmo.
No aforismo 347, ele afirma: "Ame o destino, o que quer que aconteça, diga para si mesmo: "Eu quero". Eis o amor fati, o amor ao destino, como uma das maiores expressões de força interior. Niet não está pedindo para você aceitar passivamente o sofrimento.
Ele está te convocando a transfigurar a dor em arte, em riso, em dança, a transformar cada perda, cada angústia, cada queda em parte essencial do seu caminho. Mas não confunda esse convite com autoajuda barata. Niet não quer que você pense positivo.
Ele quer que você olhe nos olhos daquilo que te dilacera e diga: "Sim, eu escolho isso também, porque do contrário, você será eternamente escravo de expectativas não realizadas. O que me preocupa não é que me tenhas mentido, mas que de agora em diante não possa mais acreditar em ti. Essa frase presente no aforismo 183 pode muito bem ser dita por você para si mesmo, cada vez que ignora seus impulsos mais autênticos e se trai em nome de uma imagem idealizada que só serve para conquistar o respeito dos outros.
A proposta nitiana é exigente, requer coragem para abandonar a zona de conforto das certezas prontas e mergulhar numa vida trágica, mas verdadeira. E é justamente aqui que muitos fraquejam, porque viver sem garantias, sem absolutos, sem um sentido último dado de fora, isso exige uma maturidade que a maioria prefere não desenvolver. Niet escreve quase como um sussurro cruel.
Temos a arte para não morrer da verdade. Então, você vai continuar vivendo de mentiras bem contadas ou vai ter ousadia suficiente para abraçar uma existência sem rede de segurança, mas plena de autenticidade. Se você chegou até aqui, é porque alguma parte de você está inquieta.
Alguma parte de você sente que há algo de profundamente errado no modo como vive, pensa, escolhe. E Niet, com sua pena afiada, só faz intensificar esse desconforto, porque ele sabe que é daí que nasce o verdadeiro espírito livre, daquele que foi obrigado a despir-se de tudo até encontrar a si mesmo nu, sem máscaras, mas finalmente inteiro. Há um momento em aia ciência que não pode ser lido apressadamente.
pulsa, ele ecoa. Ele destroça séculos de metafísica com uma única pergunta. E essa pergunta surge não como um argumento racional, mas como um grito encarnado num personagem.
O louco? Sim, o louco. Aquele que corre pela praça com uma lanterna acesa em plena manhã, olhos desvairados buscando Deus.
Niet não escreveu esse aforismo como quem ensina uma doutrina, mas como quem acende um incêndio no meio da cidade. E você, se estiver atento, sentirá o cheiro de fumaça. Este é o aforismo 125, um dos mais poderosos da história da filosofia ocidental, onde Nietzsche diz pela primeira vez com todas as letras aquilo que a modernidade ainda tenta digerir.
Já não ouvistes falar daquele homem louco que, em pleno dia, acendeu uma lanterna, correu ao mercado e pôs-se a gritar sem parar? Procuro Deus. Procuro Deus.
Como ali se encontrassem muitos daqueles que não acreditavam em Deus, seu grito provocou grandes risadas. Então, ele se perdeu? Perguntou um.
Extraviou-se como uma criança, disse outro. Ou está escondido, tem medo de nós? Embarcou num navio, emigrou.
Assim gritavam e riam uns com os outros. O homem louco saltou no meio deles e, trespassando-os com o olhar, exclamou: "Para onde foi Deus? Vou dizer-lhes: Nós o matamos.
Vós e eu, todos nós somos seus assassinos. Mas como o fizemos? Como conseguimos esvaziar o mar?
Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte inteiro? Que fizemos ao desatar esta terra da corrente de seu sol? Para onde se move ela agora?
Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis. Não estamos caindo continuamente para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções.
Ainda há um acima e um abaixo. Não vagamos como que através de um nada infinito. Não sentimos o sopro do vazio.
Não faz mais frio. Não vem à noite e sempre mais noite. Não é preciso acender lanternas pela manhã?
Não ouvimos ainda o rumor dos coveiros que sepultam Deus? Não sentimos ainda o cheiro da decomposição divina? Também os deuses se decompenem.
Deus está morto. Deus permanece morto e nós o matamos. Como nos consolaremos nós, assassinos dos assassinos?
O que havia de mais sagrado e mais poderoso no mundo até agora sangrou até a morte sobs punhais. Quem limpará esse sangue de nossas mãos? Que água nos purificará?
Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? Não é a grandeza desse ato demasiado grande para nós? Não teremos nós próprios de nos tornar deuses para ao menos parecer dignos dele?
Nunca houve um ato maior. E quem quer que nasça depois de nós pertencerá? Por causa desse ato a uma história mais elevada do que toda a história até agora.
Aqui o homem louco se calou e olhou de novo para seus ouvintes. Também eles se calaram e o fitaram espantados. Por fim, atirou sua lanterna ao chão, de modo que ela se partiu em pedaços e se apagou.
"Venho cedo demais", disse então: "Meu tempo ainda não chegou. Esse evento tremendo ainda está a caminho. Ainda vagueia, ainda não alcançou os ouvidos dos homens.
O raio e o trovão precisam de tempo. A luz das estrelas precisa de tempo. Os atos, mesmo quando já realizados, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos.
Esse ato ainda está mais distante deles do que as mais distantes estrelas. E, no entanto, foram eles que o realizaram. E você, que me ouve agora, consegue entender a profundidade dessas palavras?
Quantas vezes você seguiu regras, repetiu crenças, defendeu valores que nunca foram seus? Quantas vezes você foi à igreja, não por fé, mas por medo do vazio? Quantas decisões suas nasceram de uma moral herdada, não escolhida?
Niet te olha nos olhos e diz: "Você vive com medo de ser livre. Você se esconde atrás da fé como uma criança que não quer dormir sozinha. A Gaia ciência é uma bofetada no rosto de toda essa covardia espiritual disfarçada de devoção.
Mas Niet não para no abismo. Ele caminha além. Porque se tudo foi dissolvido, cabe agora à humanidade, a você, a tarefa mais temível de todas, criar novos valores.
A pergunta que explode nas entrelinhas do aforismo 125 é: O que fazer com essa liberdade insuportável? Quando todos os referenciais transcendentais são removidos, resta apenas o homem diante de si mesmo. Niets afirma: "Não ouvimos ainda nada da decomposição desse acontecimento?
Ainda nos chega o rumor de que Deus está morto. Ainda não chegaram os coveiros de Deus? Ele está dizendo que o impacto dessa revelação ainda está por vir e que talvez nem você, nem sua cultura tenham maturidade para lidar com o vazio deixado por essa ausência.
Você se pega perguntando: "Então é isso? Tudo é permitido? Nada importa?
" Inite, sorrindo com desprezo pela ingenuidade da pergunta, responderia: "Não, não é que tudo seja permitido, é que agora tudo depende de você. Nada mais será dado de cima. Não há mais escritura sagrada, não há mais mandamentos escritos em pedra.
Agora, a única pedra é o chão instável sobre o qual você precisa construir uma nova ética, uma nova estética, uma nova existência. É por isso que o aforismo termina com o louco declarando: "Cheguei cedo demais. Meu tempo ainda não chegou.
Este acontecimento tremendo ainda está a caminho. Ainda anda. Não chegou aos ouvidos dos homens.
Nietzs sabia que sua mensagem seria recusada, mal compreendida, ignorada, porque exige um tipo de força que poucos possuem. A força de viver num mundo onde o sentido é criação contínua e não revelação divina, onde a luz vem da lanterna do louco e não do céu estrelado. Então eu te pergunto, com a mesma intensidade com que Niet pergunta à Europa de seu tempo, você já enterrou o seu deus ou ainda vive debaixo de sua sombra, fingindo que é livre, quando na verdade só substituiu a cruz por ideologias, gurus, coaches ou mantras de autoajuda?
Você suporta realmente o peso de não ter ninguém acima de você? Ou ainda precisa que alguma entidade te diga o que é certo, o que é bom, o que vale a pena? Essa é a provocação.
Não basta matar Deus. É preciso lidar com o cadáver. E o cadáver está dentro de você.
Depois do luto, vem a embriaguez da criação. Friedrichn, longe de se contentar com a destruição das velhas certezas, celebra o vazio deixado por Deus como terreno fértil. É no chão despido das ilusões teológicas que o filósofo, sem piedade, mas também sem sinismo, planta a semente da liberdade mais radical.
Liberdade que não se aprende nos livros, não se ensina nas escolas e muito menos se vive nas rotinas domesticadas dos que apenas obedecem. Essa liberdade exige de você algo raríssimo. O cultivo de um espírito dançante, alegre diante do caos, senhor de sua própria mesa de valores.
É preciso ter caos dentro de si para dar a luz uma estrela dançante, ele afirma. E você já gerou alguma estrela ou apenas carrega caos mal resolvido no peito? Niet convida, ou seria mais correto dizer, desafia você a tornar-se artista da própria existência?
E não há arte verdadeira que nasça da obediência. Por isso, em Gaia ciência, ele finca o pé na noção de que a vida, para ser digna, precisa ser inventada. Aprendemos gradualmente a substituir os sentimentos morais por outros e mesmo por outros não morais.
Depois de havermos aprendido a compreendê-los historicamente e a nos acautelar contra a sua arrogância, também os deixamos de lado. Está no aforismo 103. A arrogância de um sentimento moral.
Você percebe quando você se sente superior apenas por seguir regras impostas? Você já deixou de viver. Você apenas cumpre funções e Niet, no fundo, quer saber até quando você vai aceitar uma existência que não é sua, porque o que ele está propondo é a mais árdua das jornadas, a transvaloração de todos os valores, isto é, o questionamento profundo e ativo de tudo aquilo que foi dado como sagrado, correto, virtuoso.
Não há mais espaço para valores herdados, apenas para aqueles forjados na experiência direta, vivida, sofrida e conquistada. No aforismo 335, ele escreve com ironia desconcertante: "Todos os que criam algo grande fizeram-no do prazer em criar, não por dever". Ouça isso com atenção.
O prazer em criar, não o medo da punição, nem a esperança de recompensa, mas o deleite trágico de construir algo próprio. Mesmo que isso custe a solidão, a incompreensão, a ruína. Você tem suportado o suficiente para chamar suas decisões de verdadeiramente suas?
Nietzs propõe que o mundo sem Deus é o mundo do eterno retorno, não como crença metafísica, mas como teste de potência. Ele te pergunta: "Se você tivesse que viver sua vida exatamente como ela é, repetida eternamente, sem nenhuma alteração, você a suportaria? Você a desejaria?
" "Essa ideia aparece com mais força em Assim". falou Zaratustra, mas sua semente já está plantada aqui em Gaia ciência, especialmente no aforismo 341, onde ele escreve: "E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, como tu agora a vives e a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes, e nada haverá de novo nela. Mas cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro, tudo voltará a ti na mesma sucessão e ordem.
Essa visão te entusiasma ou te desespera porque sua resposta diz mais sobre a sua vida do que qualquer currículo ou confissão. Esse teste brutal, viver como se cada instante fosse eterno, não é um jogo, é um termômetro. revela até que ponto você está vivendo com autenticidade ou apenas esperando que o tempo passe, que o fim chegue, que algo mude fora de você.
Mas nada vai mudar, nada de fora, pelo menos. Niet te lança no centro da própria responsabilidade. Se a vida é um palco, você não é mais espectador.
É autor, ator, diretor, figurante e crítico. E o público, o público é sua consciência. e ela é impiedosa.
No aforismo 276, ele sintetiza essa provocação com uma frase que arde como ácido. Não há fatos, apenas interpretações. Isso significa que você, ao contrário do que te ensinaram, não é um leitor da realidade, é seu intérprete.
E cada escolha sua é uma versão do mundo. Você já se perguntou de onde vem seus valores, seus gostos, seus medos? A maior parte deles não nasceu de sua experiência, mas foi colocada em você como um software disfarçado de instinto.
Niet quer que você desinstale esse sistema, que quebre o código, que recomece do zero, mesmo que isso implique o desconforto insuportável da liberdade. Essa é a promessa e a maldição do espírito livre. Criar o próprio chão, onde antes havia abismo.
Criar a própria verdade onde antes havia doutrina. E fazer isso com alegria, não com arrogância, não com melancolia, mas com uma leveza séria, como quem dança à beira do fim, como quem canta sobre as ruínas do antigo templo, não para zombar, mas para consagrar o novo. Porque para Niet, a verdadeira espiritualidade não está em adorar o que foi, mas em amar aquilo que ainda pode ser criado.
Você tem coragem para isso ou vai continuar mendigando sentido nas sobras metafísicas de um mundo que já se foi? Mas o preço da liberdade verdadeira não é um luxo que se paga em moedas, é um fogo que consome todas as suas certezas, um êxodo sem retorno das zonas de conforto mentais. Niet sabia que poucos estariam dispostos a caminhar por essa cenda íngreme, onde não há trilhas marcadas, nem placas, nem pastores.
Ele escreve no aforismo 283: "O caminho para a grandeza de qualquer homem passa por sua própria solidão. Alguém que quer viver uma vida elevada deve acostumar-se a viver sozinho. E é nessa solidão que você, finalmente despido de máscaras herdadas, começa a ouvir a sua própria voz, aquela que o barulho do mundo abafava.
aquela que talvez você tenha medo de escutar, porque ela não diz o que você quer ouvir. Ela exige, ela acusa, ela lembra e ela convoca. É nesse ponto que a Gaia ciência deixa de ser apenas uma obra filosófica para tornar-se um espelho trágico do espírito humano.
Não para refletir o que somos, mas para expor o que fingimos ser. Niet ironiza, desafia, provoca, porque entende que há momentos em que a verdade só pode ser dita aos gritos, como no aforismo 289, em que ele afirma com um sarcasmo cortante: "Querer libertar-se é uma coisa, querer ser livre outra". A primeira é típica do ressentido, a segunda do criador.
Quantas vezes você já confundiu rebeldia com autonomia? Quantas vezes se iludiu, acreditando que a simples oposição ao sistema significava superá-lo? Niet ri disso porque ele sabe, e você também sabe, que quebrar as correntes ainda não significa ter pernas para caminhar sozinho.
Por isso, ele insiste: "Antes de querer mudar o mundo, reforme seu coração, purifique suas motivações, reconheça as raízes mais secretas de seus impulsos". No aforismo 301, ele coloca isso em termos quase confessionais. Somente como criadores é que podemos destruir.
Ou seja, não basta negar, é preciso oferecer algo no lugar. A crítica por si só é impotente. O sarcasmo é um truque barato quando não se é capaz de construir.
A zombaria fácil é o vício dos fracos. Niet quer mais de você. Ele quer que você se erga não como um acusador do mundo, mas como um ofertante de novas possibilidades.
Você está disposto a isso? E não pense que isso é um convite ao ego inflado ou à vaidade espiritual. Nada disso.
É exatamente o contrário. Pois o verdadeiro criador para Niet é aquele que aceita morrer continuamente para dar lugar ao novo. "Morremos muitas vezes em nossa vida," ele escreve, e não apenas simbolicamente.
É o eterno morrer do que se acreditava ser. para que se abra espaço ao que ainda não tem nome. Ele chama isso de amor fate, o amor ao destino, o sim incondicional à totalidade da existência, com suas dores, seus labirintos, suas injustiças, suas alegrias mínimas.
No aforismo 276, ele sintetiza esse pensamento com uma beleza devastadora. Quero aprender a ver o que há de necessário nas coisas como belo. Assim serei um daqueles que tornam as coisas belas.
Isso, meu amigo, é o contrário do niilismo. É o otimismo trágico. É dançar sobre o abismo com um riso nos lábios.
Não porque se ignora o perigo, mas porque se aceitou que cair também é parte da dança. A Gaia ciência é, portanto, o livro de um filósofo que ri, não porque não sofre, mas porque encontrou no riso a única resposta honesta ao absurdo da existência. Ele não quer te salvar.
Ele quer te incendiar. Não oferece saídas fáceis, oferece labirintos. E não porque seja cruel, mas porque entende que a salvação verdadeira, se é que ela existe, só pode vir de uma transformação radical e íntima.
Torna-te quem tu és, ele grita, não como conselho, mas como desafio. Quem você é de verdade? Você sequer se arriscou a descobrir ou continua vivendo uma versão protocolar de si mesmo?
Por fim, Niet nos dá um aviso, talvez o mais importante de toda a obra. O novo mundo que você criará não será isento de dor, pelo contrário, mas será seu. E isso para ele já é redenção suficiente.
A liberdade é o maior perigo de todos, mas é também a maior promessa. No instante em que você assumir seu destino como obra de arte inacabada, como um projeto em constante demolição e reconstrução, você passará a caminhar com os que dançam. Aqueles poucos que, como ele, aprenderam a transformar o caos em beleza, a perda em potência, o fim de Deus, não em desespero, mas em alvorada.
E agora me diga, você ainda quer continuar vivendo sob as muletas de ideias que já apodreceram ou está pronto para o salto no desconhecido que exige de você não fé, mas coragem? A coragem de ser o autor da sua existência, mesmo que para isso precise renunciar a tudo o que você acreditava ser. Se isso te fez estremecer, se você sentiu esse soco no estômago, ótimo.
Era para doer, porque só assim você acorda. Então se inscreva no canal, ative o sino e venha descobrir outras verdades que você preferiria nunca ter ouvido. E se quiser ir ainda mais fundo nesse mergulho sem volta, considere entrar para o clube de membros, onde discutimos os abismos sem cortes.
E agora me diga o que você faz com a sua liberdade? Agora que Deus está morto, responde nos comentários. [Música] Ah.