O palco do encontro dos Brics desse ano foi a Rússia e o anfitrião, Vladimir Putin O encontro foi visto como oportunidade para Putin demonstrar que não está isolado, em meio à guerra contra a Ucrânia. Lula não participou pessoalmente, porque sofreu um acidente doméstico um dia antes de embarcar. Os Brics, originalmente formados por Brasil, China, Índia e Rússia, e África o Sul agora tem nove membros no total.
E cada vez mais é visto internacionalmente como um bloco anti-ocidente. Ou seja, anti Estados Unidos e Europa. Título que coloca o Brasil em posição delicada.
Eu sou Julia Braun, da BBC News Brasil, e neste vídeo explico em 4 pontos o que foi decidido nessa reunião dos Brics, os rumos que esse bloco parece estar tomando e o que isso tudo significa para o Brasil. Primeiro, o que foi decidido? A principal novidade é que novos países serão admitidos como parceiros.
A lista oficial de associados não foi divulgada oficialmente, mas 13 nomes circulam nos bastidores da cúpula. Eles não serão integrantes plenos, mas poderão desfrutar de muitos dos benefícios fornecidos pelo grupo. Para o Brasil, o grande ponto de tensão foi o veto à adesão da Venezuela entre os associados.
Eu explico em detalhes essa polêmica no final do vídeo. O encontro dos Brics foi realizado na cidade de Kazan. E marcou a primeira vez que o bloco se reuniu após a entrada dos novos membros no começo de 2024.
O grupo surgiu tendo como integrantes Brasil, Índia, Rússia e China. Ganhou a adesão da África do Sul em 2011. E, a partir desse ano, Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos e Etiópia passaram a ser membros formais.
A Arábia Saudita foi convidada e esteve presenta na reunião, mas ainda não concretizou os trâmites para se juntar oficialmente e seu status segue um enigma. Ao final da cúpula também foi definida a lista de países que serão parceiros do bloco. O Brasil foi representado em Kazan pelo chanceler Mauro Vieira e à distância, por videoconferência, pelo presidente Lula.
Em discurso, o presidente brasileiro criticou as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio e defendeu a criação de uma "moeda comum" para transações entre países do Brics. Como disse o presidente Erdogan na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo. Essa insensatez agora se alastra para Cisjordânia e para o Líbano.
Evitar uma escalada e iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia Agora, o segundo ponto desse vídeo. Os rumos que o bloco está tomando. Bom, a primeira coisa que os analistas com quem eu conversei notaram sobre os Brics é a percepção de um viés cada vez mais anti-Ocidente.
Essa tendência está ligada principalmente a uma dominância no grupo da China e da Rússia, que travam atualmente uma batalha contra os Estados Unidos por influência na ordem internacional. E essa dominância se reflete diretamente na escolha dos novos integrantes e parceiros, segundo os especialistas. Então há um ganho de representatividade de relevância, de peso, de densidade, né?
Mas o grupo cada vez mais virado, né para uma dimensão não ocidental e cada vez mais uma postura revisionista da ordem vigente. É um Brics que já surgiu como espaço revisionista, né? Um revisionismo soft, eu diria, moderado brando, e isso cada vez mais ficar latente, né?
Quando a gente vê por exemplo um Irã dentro do grupo, né? E essa visão do Brics como um bloco anti-Ocidente também se relaciona com a própria dinâmica da política internacional atual. Além de o mundo estar extremamente polarizado, ainda enfrenta dois grandes conflitos - na Ucrânia e no Oriente Médio - que envolvem muitas potências de forma indireta.
Por tudo isso, a Rússia parece ter visto nos Brics uma oportunidade para mostrar ao mundo que não está isolada, apesar das sanções ocidentais. O governo de Vladimir Putin investiu em propaganda por meio da imprensa estatal e de declarações oficiais. Segundo os especialistas, tudo seria um esforço para promover a cúpula como um desafio direto aos seus adversários políticos e comunicar aos países do Sul Global que a Rússia pode ser uma boa parceira.
Mas ao mesmo tempo que cresce a percepção sobre o viés antiocidental do grupo, analistas temem que mais membros ampliem também as divergências dentro do bloco e dificultem uma abordagem comum. Um conflito de interesses latente se dá entre Arábia Saudita e Irã, que são inimigos declarados. Mas há tensões também entre China e Índia.
Os especialistas ainda preveem uma certa divergência em torno dos debates sobre transição energética, já que há uma divisão clara entre alguns membros que são grandes produtores de petróleo e gás. E outros que são vozes importantes na transição para uma energia limpa. É o caso do Brasil, por exemplo.
O próprio criador do termo Bric, que é o economista britânico Jim O’Neill, demonstrou preocupação com essa expansão do bloco. Ele disse inclusive que o Ocidente pode se beneficiar do fato de China e Índia não conseguirem concordar em nada. Isso porque, se os dois países se unissem de verdade, o Brics provavelmente teria muito mais poder e influência.
O quarto ponto do vídeo é o papel do Brasil nisso tudo. O país chegou em Kazan com o objetivo claro de pressionar para o estabelecimento de critérios e requisitos mínimos para a entrada de novos parceiros. O governo brasileiro queria impedir que os novos membros fossem escolhidos às pressas e seguindo apenas a pressão de China e Rússia, como aconteceu em 2023.
Lula também queria evitar que Venezuela e Nicarágua fossem admitidas no bloco. Os dois países estavam entre os interessados. E Nicolás Maduro até apareceu de surpresa na cúpula, em um movimento que muitos entenderam como parte de uma campanha russa em favor do chavista.
As relações de Lula com Venezuela e Nicarágua passam por um momento difícil. O Brasil não reconheceu o resultado das eleições presidenciais venezuelanas das quais Maduro diz ter saído vencedor. No caso da Nicarágua, o desconforto brasileiro é motivado principalmente pela expulsão do embaixador brasileiro de Manágua em agosto e as críticas feitas pelo líder Daniel Ortega a Lula.
Bom, mas no fim a vontade do Brasil predominou e os dois países sul-americanos ficaram de fora da lista. O desfecho foi visto como uma pequena vitória do Brasil. Ainda assim diplomatas brasileiros têm relatado preocupações com o caminho seguido pelo Brics, com temores de que a posição mais anti-Ocidente do grupo e a dominância da China e da Rússia afastem outros aliados.
É um Brics que ganha relevância, mas é um Brics que se torna um ator cada vez mais incômodo para o diálogo com o Ocidente. Então atores que tem um diálogo com o Ocidente, que precisam ter, como o Brasil, talvez comecem a ter no brics um estorno Mas analistas também enxergam uma oportunidade de usar a posição mais moderada e neutra do Brasil como um elo entre os Brics e as grandes potências ocidentais, como os Estados Unidos. Eu acho que o Brasil vem tendo maior poder de barganha nesse sentido.
Por quê? Porque se entende é que o Brasil é um dos poucos países dentro do BRICS onde os Estados Unidos e os países europeus, né, os aliados norte americanos podem ter alguma influência, né? E nesse sentido, portanto, para eles eu sempre digo, é melhor um BRICS com o Brasil, porque sem o Brasil é porque justamente é ali que algumas agendas podem ter uma entrada.
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Obrigada e até a próxima.