[Música] Benedita passava o glacê no bolo com cuidado; uma expressão de leve cansaço em seu rosto, marcado pelos anos. Era difícil para suas mãos, agora trêmulas, fazerem o trabalho delicado, mas ela havia se esforçado, e o resultado estava ali: um belo bolo de chocolate, sua especialidade. O cheiro doce enchia a cozinha simples, misturado com o aroma familiar de café recém-passado.
O dia seguinte marcaria seus 70 anos, e, apesar de o corpo já não responder como antes, ela ainda tinha o hábito de fazer suas próprias comidas. Pelo menos, assim tinha certeza de que tudo seria preparado com o carinho que gostava de transmitir. Ela pegou o telefone com mãos firmes e discou o número de seu filho mais velho, Sérgio.
O toque soou algumas vezes antes de cair na caixa postal. “Oi, aqui é o Sérgio. Não posso atender agora.
Deixe seu recado. ” Benedita suspirou, mas não se deixou abater. “Oi, filho!
Aqui é a mãe. Eu só queria te lembrar que amanhã é meu aniversário. Eu fiz um bolo e estou ansiosa para ver todos vocês aqui.
Me ligue quando puder, tá bom? Beijo. ” Ela repetiu o processo com os outros dois filhos, Jonas e Márcia, sem muito sucesso.
Márcia atendeu rapidamente, mas apenas para dizer que estava ocupada e retornaria mais tarde. Com os netos mais novos, ela mandou mensagens pelo aplicativo de celular, sempre cuidadosa para não parecer estar cobrando. “Oi, meu amor!
A vovó está com saudades. Amanhã é um dia especial. Se você puder passar aqui, seria ótimo.
” Terminada a rodada de ligações, Benedita sentiu uma pontada de saudade mais forte. Fazia tempo que não via nenhum deles. Ela sentiu o peito apertar ao pensar no vazio da casa nos últimos meses.
Respirou fundo, tentando afastar o pensamento; amanhã seria diferente, eles viriam. Ela tinha certeza. Afinal, sempre foi uma mãe presente, fazia de tudo para ajudar e estar por perto.
No dia seguinte, Benedita acordou cedo como sempre fazia. Preparou doces e salgados com a habilidade que a prática de anos lhe dera. À medida que arrumava a mesa com uma toalha florida e pratos de louça que usava em ocasiões especiais, o entusiasmo crescia em seu peito.
O bolo estava perfeito, no centro da mesa, rodeado pelos quitutes que fizera com carinho. Tudo estava pronto, mas as horas começaram a passar. Primeiro, um silêncio que Benedita interpretou como simples atraso; talvez estivessem presos no trânsito ou se preparando.
Ela arrumou as cadeiras em volta da mesa e conferiu se o café estava quente, sempre mantendo a expectativa. Conforme o tempo avançava, a confiança começou a dar lugar à ansiedade. A cada som do telefone, seu coração acelerava, mas eram apenas propagandas ou enganos; ninguém aparecia.
Ao final da tarde, Benedita olhou para o relógio e percebeu que já era tarde demais para continuar esperando. Um nó se formou em sua garganta, e as lágrimas que ela tentava segurar o dia inteiro finalmente escorreram. Sentada à mesa, com os olhos fixos no bolo intocado, Benedita segurava o telefone na esperança de uma ligação, qualquer sinal, mas o telefone permaneceu mudo.
Ela não sabia o que doía mais: o esquecimento ou o silêncio que a tolhi. “Eu já devia saber,” murmurou, levantando-se e começando a recolher a comida com mãos trêmulas. “Amanhã dou isso para algum morador de rua, pelo menos não vai estragar.
” No exato momento em que colocou o bolo de volta na geladeira, o telefone tocou. O coração de Benedita acelerou. “Quem seria?
Talvez um de seus filhos percebendo o erro, ligando para se desculpar. ” Ela correu até o telefone, enxugando rapidamente as lágrimas. “Alô?
” A voz ainda embargada pela emoção. “Oi, vó! Feliz aniversário!
” Era Brenda, sua neta mais velha, que estudava no Japão. A voz alegre da jovem atravessou o oceano e preencheu o coração de Benedita com uma onda de alívio. “Brenda, minha querida!
Obrigada, meu anjo. ” Benedita se esforçou para soar animada, afastando a tristeza. “Vó, desculpa ligar tão tarde.
Aí no Brasil já é madrugada, mas eu não podia deixar de te ligar, né? Como está a festa? ” Benedita olhou para a mesa vazia e, sem querer preocupar a neta, disse: “Ah, está tudo ótimo, todos estão aqui conversando.
Sabe como é. ” “Fico tão feliz que a senhora esteja se divertindo. Eu sinto tanta saudade, mas logo logo estarei de volta em um voo para o Brasil.
Estou contando os dias! ” “Minha filha,” respondeu Benedita com a voz embargada, “mas por enquanto cuida bem de você por aí. Estou muito orgulhosa.
” Após mais alguns minutos de conversa, Brenda se despediu, e Benedita desligou o telefone, sentindo o coração mais leve, mas ainda machucado. “Pelo menos alou havia no anejado,” colocou os doces e salgados em potes, pegou o bolo e caminhou até uma área próxima onde sabia que encontraria moradores de rua. Distribuiu a comida com um sorriso triste, mas sincero.
A gratidão nos olhos daquelas pessoas a confortou de uma forma que não esperava. “Pelo menos esse dia não foi em vão,” pensou quando voltou para casa. Exausta, o telefone tocou novamente.
Benedita sentiu uma pontada de esperança ao ver o nome de sua filha. Ela atendeu com um tom que misturava expectativa e cautela. “Mãe?
” “Oi, preciso falar com você. ” Benedita respirou fundo. “Oi, Márcia, você está bem?
” “Sim, sim, estou. Na verdade, preciso de um favor. Será que você poderia me emprestar um dinheiro?
Estou com uns problemas aqui. ” “Parabéns,” nenhum reconhecimento do dia anterior, apenas um pedido de dinheiro. Ela ouviu incrédula enquanto a filha continuava falando, sem sequer mencionar o aniversário.
“Não, Márcia, não vou emprestar dinheiro. Você sequer me ligou ontem! ” A filha fez uma pausa, sem parecer perceber a gravidade do que a mãe acabara de dizer.
“Ah, tá bom, falo com você depois, então. ” Sem mais palavras, Benedita desligou o telefone. O peso da decepção parecia maior do que qualquer tristeza.
Por fim, ela abriu o celular, buscando uma distração nas redes sociais. Redes sociais. Foi então que viu as fotos dos filhos e netos.
Estavam todos ocupados, passeando, curtindo a vida, enquanto ela passava o dia sozinha. Benedita estava sentada em sua poltrona favorita, encarando-a, como fazia quase todas as noites. A casa, outrora repleta de vozes e risadas, agora parecia um eco distante de tempos melhores.
Desde que seu marido falecera, a solidão havia se tornado sua companheira constante, mas o que realmente a machucava era o vazio deixado pelos filhos e netos que pareciam só lembrar dela quando precisavam de algo. O carinho que ela esperava nunca vinha, e as ligações tornavam-se cada vez mais raras, exceto, é claro, quando havia pedidos de dinheiro. Ela lembrava de quando eles a chamavam de mãezinha e vovó querida, mas esses termos afetuosos logo desapareceram quando ela começou a negar os pedidos de empréstimos.
No começo, ela cedia, querendo se sentir amada, desejando que a atenção durasse mais do que alguns minutos ao telefone, mas, com o tempo, foi percebendo que, a cada negativa, a distância entre ela e seus filhos se ampliava. Um mês havia passado desde sua última interação com qualquer um de seus filhos, e o silêncio a envolvia como uma névoa pesada. Ela suspirou, o coração apitado com a tristeza que parecia nunca ir embora.
Naquela tarde, o telefone tocou, quebrando o silêncio sufocante. Benedita se levantou com esforço, as articulações protestando com a idade avançada. Ao pegar o telefone, viu o nome de sua filha, Márcia, no visor.
— Alô? — disse Benedita, já sabendo o que viria a seguir. — Mãe.
. . — Oi, preciso falar com você — começou Márcia, com um tom que Benedita conhecia muito bem, aquele tom que precedia o pedido de dinheiro.
— O que foi? — Márcia perguntou ela, com uma voz tensa. — Então, eu quero um dinheiro, estou precisando de umas férias, sabe?
— disse a filha, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Benedita fechou os olhos, tentando conter o nó que se formava em sua garganta. — Não, Márcia, eu não vou te dar dinheiro.
O silêncio que se seguiu foi pesado, até que Márcia explodiu: — Você é tão egoísta, mãe! Não é à toa que você está sozinha! Ninguém quer ficar perto de alguém assim!
A dor dessas palavras atingiu Benedita com uma força que ela não esperava. Suas mãos começaram a tremer enquanto ela segurava o telefone. Sem dizer mais nada, ela desligou na cara da filha.
As lágrimas vieram quase imediatamente, e Benedita chorou de forma incontrolável. Ela não era egoísta; sempre dera tudo o que podia para os filhos, desde carinho até dinheiro, e agora era chamada de egoísta por negar um pedido de dinheiro para uma viagem fútil. Minutos depois, o telefone tocou novamente.
Com as mãos ainda trêmulas, Benedita atendeu. Era Jonas, seu outro filho. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela já sabia o que viria.
— Mãe, eu estou em uma situação complicada, preciso de dinheiro para pagar um agiota. É urgente! Benedita não respondeu.
Apenas desligou o telefone sem dizer uma única palavra. Sua visão ficou turva, as lágrimas já tinham secado, mas a tristeza que ela sentia era profunda demais para expressar. Sentiu um peso imenso em sua cabeça, como se todo o estresse e dor dos últimos anos tivessem finalmente se acumulado.
Ela tentou levantar, mas suas pernas não responderam; o chão parecia mais perto do que o normal, e então tudo ficou escuro. Horas se passaram sem que ninguém aparecesse. A casa ficou em silêncio absoluto, exceto pelos sons de um ventilador girando lentamente.
Benedita permanecia no chão, sem forças para se mover ou pedir ajuda. Mas, naquele mesmo dia, uma visita inesperada estava a caminho. Brenda, sua neta, havia terminado a faculdade no Japão e estava de volta ao Brasil.
Elas sempre tiveram uma ligação especial, mais próxima do que com os próprios pais. Ao chegar ao Brasil, Brenda decidiu que passaria uns dias na casa de Benedita enquanto procurava um lugar para morar. Era já de noite quando Brenda chegou à casa da avó.
Ela estacionou o carro na frente da casa e desceu, com uma pequena mala em mãos. A luz da sala estava acesa, o que lhe pareceu um bom sinal. Ao se aproximar da porta, bateu algumas vezes e esperou alguns minutos, mas não houve resposta.
Estranhando, bateu novamente, desta vez com mais força. — Vó, sou eu! Brenda, cheguei!
— chamou, mas ainda sem resposta. Um frio subiu pela espinha de Brenda; algo estava errado. Ela olhou ao redor e, pela janela da sala, viu algo que a fez gelar: sua avó estava no chão, imóvel.
— Meu Deus! — vó gritou, puxando o celular do bolso e ligando imediatamente para o número de emergência. — Emergência, qual sua emergência?
— Minha avó está desmaiada, acho que ela teve um derrame! Por favor, mandem alguém! O endereço é.
. . Brenda mal conseguiu terminar a frase; sua voz tremia com o pânico.
Dentro de poucos minutos, os bombeiros chegaram. Brenda assistiu nervosa enquanto eles arrombavam a porta e encontravam Benedita ainda inconsciente no chão. O resgate foi rápido e ela foi levada às pressas para o hospital.
Brenda seguiu o mais rápido que pôde atrás da ambulância. Ao chegar no hospital, ela mal conseguia respirar, o coração disparado e as mãos suadas. Após o que pareceram horas de espera, o médico finalmente apareceu.
— Você é parente de Benedita? — Sim, sou a neta. Como ela está?
— perguntou, a voz trêmula. — Infelizmente, sua avó sofreu um derrame severo. Já faz horas desde que aconteceu, e ela entrou em coma profundo.
Não podemos prever quando ou se ela vai acordar. Brenda sentiu o chão sumir sob seus pés. Ela se segurou no encosto de uma cadeira próxima para não desabar.
Lágrimas brotaram em seus olhos enquanto o médico continuava a falar, mas as palavras pareciam distantes. Tudo o que Brenda conseguia pensar era na imagem de sua avó sozinha naquela casa, sem ninguém para cuidar dela. Brenda estava exausta, as noites no hospital com o som constante das máquinas e a.
. . A respiração pesada de sua avó estava desgastando seu corpo e sua mente.
Ela dormia no hospital ou na casa da avó, onde a solidão a sufocava. Em cada visita que fazia à casa, a jovem se deparava com algo diferente: objetos sumiam, móveis estavam fora do lugar, e o silêncio das ruas não combinava com o caos que seus parentes criavam. Na primeira vez que viu sua mãe e seus tios revirando gavetas, Brenda ficou incrédula.
Eles entravam na casa como ladrões, pegando o que queriam, como se Benedita já estivesse morta. Certo dia, enquanto estava na sala, ela ouviu conversas na cozinha. Silenciosamente, foi até lá e se deparou com seus primos discutindo sobre quem levaria um micro-ondas antigo que ainda funcionava.
“Ela nem vai notar a falta disso,” sussurrou um deles. Brenda respirou fundo, escondida no corredor; o peso da decepção crescia no peito. A cada novo dia, aqueles que deveriam estar ao lado de Benedita, esperando por sua recuperação, estavam mais interessados em saquear o que podiam.
E agora, ali no hospital, a situação parecia estar prestes a explodir. Quando sua mãe chegou com seus tios e primos, Brenda soube imediatamente que algo estava errado. Eles nunca apareciam juntos, e de repente ali estavam, todos em uma reunião quase formal no corredor do hospital.
“Por que estão todos aqui? ” perguntou Brenda, tentando manter a calma. “Precisamos resolver uma coisa,” disse sua mãe, sem nem ao menos olhar para ela.
Antes que Brenda pudesse fazer mais perguntas, seu tio mais velho, Carlos, assumiu a palavra. “A mãe provavelmente não vai acordar, Brenda. Preocupados com a situação, sem a ajuda dela fica difícil para nós.
” Brenda ficou em silêncio, observando a postura fria e calculista dos presentes. Ela sabia que aquilo não era sobre preocupação com a saúde de Benedita. “É isso,” continuou Carlos.
“Precisamos interditar a mãe para termos acesso às contas e os bens. ” “Não para parar, esperar os óculos! ” Eles já estavam pensando em tomar tudo, mesmo com Benedita ainda viva ali naquele quarto.
Sua mãe, que estava ao lado de Carlos, apenas balançou a cabeça em concordância. “Eu fico responsável por tudo,” anunciou ela, com uma voz firme. “Conheço bem os detalhes da vida da mamãe e posso cuidar de tudo.
” Imediatamente, os outros filhos começaram a reagir. “Por você? Eu sou o mais velho, eu deveria tomar conta!
” disse Carlos, inflando o peito. “Você? A última vez que apareceu na casa dela foi há quanto tempo?
Três meses? ” “Eu sempre fui a mais presente! ” rebateu a mãe de Brenda, elevando o tom.
A discussão se acendeu rapidamente; cada um dos irmãos começava a argumentar sobre quem deveria ser o responsável pelos bens de Benedita. Mas nenhum deles mencionava a saúde da própria mãe ou demonstrava preocupação com seu estado. Ofensas começaram a ser trocadas, e Brenda se sentiu enjoada ao ver a verdadeira face de sua família.
“Você só quer o dinheiro dela! Sempre foi assim. Não é à toa que ela sempre confiou mais em mim!
” gritou Carlos, apontando o dedo na direção da irmã. “Confiança? Que piada!
A mãe sempre soube que você era um interesseiro! ” A gritaria aumentava, e Brenda, parada em um canto do quarto, observava tudo sem acreditar no que estava acontecendo. Ela olhou para a cama onde sua avó estava deitada, e o choque a atingiu como um raio.
Os olhos de Benedita estavam abertos, observando atentamente a cena que se desenrolava à sua frente. “V! ” sussurrou Brenda, sua voz mal saindo.
Benedita, com um esforço visível, levou lentamente o dedo até os lábios, pedindo silêncio à neta. Brenda engoliu em seco, sem saber o que fazer. Sua avó fechou os olhos novamente, fingindo estar em coma, mas claramente ouvindo cada palavra da discussão dos filhos.
A discussão entre os irmãos continuava intensa, agora com acusações mais diretas sobre quem havia tirado mais dinheiro ao longo dos anos. Ninguém parecia se importar com a gravidade do local onde estavam ou com a condição de Benedita, que todos já tratavam como alguém que não voltaria a ter consciência. “Eu sempre ajudei ela com as contas da casa!
” gritou a mãe de Brenda. “Você só ajudava porque tirava vantagem! Quantas vezes a gente viu você sair com o dinheiro dela para suas coisas?
Vai negar? ” rebateu o tio mais novo. Brenda mal podia acreditar no que ouvia; eles estavam brigando descaradamente como se nada mais importasse além dos bens materiais.
E enquanto a discussão acalorava, o som da voz de Benedita continuava a ressoar em sua cabeça. O gesto de silêncio da avó era algo que Brenda ainda tentava processar; Benedita não queria que ela interviesse. Uma enfermeira entrou no quarto, visivelmente incomodada com o barulho.
“Por favor, senhoras e senhores, estamos em um hospital! Precisamos de silêncio,” pediu ela, com um olhar severo. Mas os filhos de Benedita não pararam; estavam tão imersos na disputa pelo controle dos bens que ignoraram completamente a advertência da enfermeira.
A gritaria continuou, e a tensão no quarto aumentava a cada minuto. Brenda, com o coração partido, olhou novamente para a avó. Benedita continuava com os olhos fechados, mas sua expressão era serena, quase como se já esperasse por aquela cena lamentável.
O tempo passava, e a discussão não mostrava sinais de acabar. As acusações voavam de um lado para o outro, e a atmosfera no quarto ficou insuportável para Brenda. Ela se sentia impotente diante de tanta mesquinharia, mas decidiu respeitar o pedido silencioso de sua avó.
Sentada em uma cadeira no canto do quarto, Brenda cruzou os braços e manteve os olhos fixos em Benedita, esperando o momento certo para agir, se fosse necessário. Meia hora se passou, e os gritos diminuíram de intensidade. Os filhos de Benedita estavam exaustos, sem chegar a um acordo.
Enquanto o quarto voltava ao silêncio, Brenda só conseguia pensar no que sua avó faria com tudo o que ouvira. Quando todos saíram do quarto, o silêncio que permaneceu parecia mais pesado. Do que nunca, Benedita, ainda deitada na cama do hospital, segurou a mão de Brenda com força, e lágrimas escorriam lentamente por seu rosto enrugado.
Eles sempre foram assim. Brenda, desde que se tornaram adultos, só pensam no que podem tirar de mim, sussurrou Benedita, tentando manter a voz estável, mas o choro a fazia tremer. Eu não sei onde foi que errei.
Brenda apertou a mão da avó, sentindo a dor profunda que ela carregava. — Vó, a senhora não errou. Eles fizeram as escolhas deles.
A senhora sempre deu tudo o que pode, mas agora, agora é hora de cuidar de você. Benedita assentiu, ainda com os olhos marejados. — Graças a Deus você é diferente.
Brenda, eu não sei o que faria sem você. Brenda respirou fundo e olhou para a avó com ternura. — Eu estou aqui para a senhora.
Sempre estive e sempre estarei. A gente vai dar um jeito nisso, vó. Eu vou falar com o médico e nós vamos tirar você daqui.
Benedita esboçou um sorriso fraco, mas sincero. — Obrigada, minha querida. Eu só quero ir para casa.
Dias depois, os filhos de Benedita e alguns netos voltaram ao hospital, entraram no quarto com a expectativa de ver sua mãe ainda lá, mas a cama estava vazia. Um deles, Carlos, olhou ao redor, confuso. — Ué, onde ela está?
— perguntou, cruzando os braços com uma expressão de impaciência. Antes que alguém pudesse responder, o médico entrou no quarto. — Ela teve alta — informou calmamente sua neta.
Brenda a levou para casa. Os irmãos se entreolharam surpresos. — Como assim, ela teve alta e ninguém nos avisou?
— reclamou a filha mais velha, Márcia, com a voz alterada. — Vocês não sabiam? — questionou o médico, franzindo a testa.
— Brenda esteve aqui, todos os dias, e ela está ciente de tudo. A confusão rapidamente se transformou em pânico. Carlos pegou o celular e começou a ligar para Brenda, enquanto Márcia tentava ligar para a mãe.
Nenhuma das ligações foi atendida. — Ela não está atendendo! — exclamou Márcia, frustrada, enquanto Carlos bufava ao tentar, sem sucesso, falar com Brenda.
— Onde elas estão? Na verdade, Brenda e Benedita estavam em casa, mas o cenário que as aguardava não era acolhedor. As gavetas estavam reviradas, o dinheiro que Benedita guardava para emergências havia sumido e alguns eletrodomésticos importantes, como o liquidificador e a televisão, também tinham desaparecido.
Benedita caminhou pela casa com os ombros pesados de tristeza. — Vó, sinto muito por isso — disse Brenda, olhando ao redor, tentando absorver o impacto da devastação causada por seus parentes. Benedita balançou a cabeça, cansada.
— Eles não têm limites. Brenda, pegaram o que quiseram e ainda acham que é pouco. Brenda sentiu uma onda de revolta, mas tentou se controlar.
— O que a senhora quer fazer agora, avó? Benedita suspirou profundamente, seu olhar distante refletindo toda a decepção e dor acumulada ao longo dos anos. Então, finalmente, tomou uma decisão.
— Vamos sair daqui, minha neta. Não quero mais ficar nesse lugar. Brenda franziu o senho.
— Para onde vamos, vó? Com determinação, Benedita respondeu: — Para um local onde ninguém pode nos perturbar. E assim, no dia seguinte, ambas saíram da casa sem olhar para trás.
Benedita havia decidido alugar um apartamento em um bairro distante, longe dos olhares curiosos e das garras da família. O apartamento era pequeno e simples, mas para Benedita, era um refúgio, um lugar onde ela finalmente teria paz. Nos dias que se seguiram, a família de Benedita ficou desesperada.
Eles continuaram tentando ligar, mandando mensagens, mas nem Brenda nem Benedita respondiam. A falta de notícias incomodava, mas o que realmente os afligia era a ausência do dinheiro que Benedita sempre fornecia para sustentar seus luxos. Agora, com as contas acumulando, os filhos tiveram que enfrentar uma dura realidade.
Carlos, que sempre viveu de maneira confortável, teve que vender seu carro importado e reduzir os gastos. Márcia, que estava acostumada a frequentar salões de beleza e viagens internacionais, teve que cortar os luxos. Os netos, que costumavam pedir dinheiro para festas e roupas, perceberam que precisariam arrumar empregos para sustentar seu estilo de vida.
Com o tempo, todos sentiram o peso da ausência de Benedita, não apenas como mãe e avó, mas como a fonte de recursos que sustentava suas vidas. Enquanto isso, no pequeno apartamento, Benedita experimentava uma sensação de tranquilidade que não sentia há anos. Brenda conseguira um emprego, e embora estivesse ocupada, sempre voltava para casa o mais rápido possível para cuidar da avó.
As duas passaram a criar uma rotina simples, mas cheia de carinho e companheirismo. Benedita já não se sentia mais sozinha, mesmo que ainda houvesse tristeza ao pensar nos filhos. Ela se sentia mais calma e feliz ao lado de Brenda.
Os dias eram preenchidos com conversas, risadas discretas e pequenos momentos de paz. Certa tarde, depois de alguns dias sem atender as ligações da família, Benedita finalmente decidiu pegar o telefone. Ela sabia que mais cedo ou mais tarde precisaria dar uma resposta.
Sua filha, Márcia, ligava insistentemente. Benedita suspirou, atendendo à chamada. — Alô?
— disse Benedita, sua voz calma. — Mãe, finalmente você atendeu! — exclamou Márcia, do outro lado da linha, com uma mistura de alívio e ansiedade.
— Onde você está? O que está acontecendo? Benedita fez uma pausa antes de responder.
— Eu estou bem, Márcia. Estou com a Brenda. Decidi que preciso de um tempo longe de todos vocês.
— Como assim, mãe? O que fizemos? — questionou Márcia.
Benedita suspirou novamente. — Eu preciso pensar em mim agora. Preciso de paz.
Passar um tempo longe de vocês é para o meu bem. Eu não vou discutir isso. Antes que Márcia pudesse protestar, Benedita encerrou a ligação.
Não havia mais o que dizer. Ao colocar o telefone de volta na mesa, olhou para Brenda, que estava ao seu lado. — Você está bem, Brenda?
— Pra mais verdadeiro, estou, minha querida. Pela primeira vez em muito tempo, acho que estou. Brenda sorriu de volta, aliviada.
Agora, finalmente, sua avó parecia encontrar a paz que tanto merecia. Os meses haviam passado como um borrão para Brenda; o ritmo de sua vida girava em torno da nova realidade que se estabelecia para ambas. Torno de trabalho e cuidados com a avó, cada dia parecia igual ao anterior: sair do emprego e ir direto para casa, onde Benedita esperava.
Brenda amava sua avó profundamente, mas sabia que o equilíbrio entre sua vida pessoal e os cuidados com ela estava se desgastando. Seu relacionamento com o namorado, Thiago, estava começando a sofrer; eles mal conseguiam sair juntos e, quando conseguiam, ela estava sempre preocupada em voltar para casa o mais rápido possível. Benedita, observadora como sempre, notou as mudanças.
Ela sabia que a neta estava se sacrificando demais. Embora apreciasse o amor e a dedicação de Brenda, não podia ignorar o fato de que estava, de alguma forma, impedindo sua neta de viver plenamente. Foi então que Benedita tomou uma decisão importante.
Uma tarde, enquanto estavam sentadas juntas, Benedita olhou para Brenda e sorriu com um ar tranquilo: — Brenda, querida, precisamos conversar. Brenda, sem suspeitar de nada, assentiu: — Claro, vó. O que foi?
— Eu encontrei um lugar para onde eu vou me mudar. Brenda franziu o cenho, confusa: — Mudar? O que você está dizendo?
— Vou morar em um asilo. A surpresa tomou conta do rosto de Brenda. Ela imediatamente balançou a cabeça, protestando: — Não, de jeito nenhum!
Vó, eu posso cuidar da senhora! Não preciso de ajuda, e você não precisa ir para um asilo. Benedita segurou as mãos de Brenda com firmeza, seu olhar sereno e resoluto: — Brenda, eu já tomei minha decisão.
Eu não quero que você se sacrifique por mim. Esse asilo vai ser o meu lar agora e eu vou estar bem. Não precisa se preocupar.
— Mas, vó, eu não estou sacrificando nada! Eu faço isso porque quero, porque amo a senhora! — A voz de Brenda estava embargada, as lágrimas ameaçando cair.
Benedita, com um sorriso doce, balançou a cabeça: — Eu sei, minha querida, mas eu quero que você viva a sua vida: namore, saia, construa seu caminho. E, além disso, eu guardei um segredo de todos. Brenda a olhou surpresa: — Segredo?
Que segredo? Benedita apenas sorriu, enigmática: — Você vai descobrir quando for o momento certo. A despedida não foi fácil.
Dias depois, Brenda foi ao asilo que ela havia escolhido. O local era simples, mas aconchegante, embora estivesse à beira da falência. Quando Benedita o descobriu, ainda assim estava decidida a fazer daquele lugar sua nova casa.
Ao chegar, as duas se abraçaram com força e, Brenda, com lágrimas nos olhos, prometeu visitar sempre. E assim o fez. Semanas se passaram e cada visita trazia sempre conversas longas e risadas compartilhadas.
Ela sabia que, apesar da distância, sua conexão com a avó permanecia intacta. Entretanto, para a surpresa de Benedita, seus outros filhos e netos começaram a aparecer também. A vida sem o apoio financeiro de Benedita estava sendo mais difícil do que imaginavam.
Pareciam mais abatidos e Benedita os recebeu com cordialidade, mas sempre mantendo certa distância emocional. A cada visita, repetiam a mesma proposta: queriam que Benedita voltasse a morar com eles. — Mãe, você deveria voltar a morar com a gente!
Lá em casa tem espaço! — insistia Carlos em uma das visitas. — Não, Carlos.
Este é meu lar agora. Aqui, tenho meus amigos e não preciso me preocupar com nada. As visitas dos filhos e netos foram se tornando cada vez mais frequentes, mas Benedita, sempre educada, negava todos os convites para sair do asilo.
Ela sabia que o carinho que demonstravam agora era, em grande parte, movido pela falta do dinheiro que antes costumavam receber dela, mas também sabia que, no fundo, era o melhor para todos: eles aprenderem a viver sem depender dela. Um ano se passou. Benedita estava feliz no asilo, rodeada de amigos e aproveitando a tranquilidade que aquele lugar lhe proporcionava.
No entanto, a idade finalmente pesou sobre seu corpo frágil; uma noite, enquanto dormia, Benedita partiu serenamente, sem dor, sem sofrimento. Brenda recebeu a notícia e, como esperado, foi devastador. Ela sempre soubera que esse dia chegaria, mas nada a preparou para o vazio que se instalou em seu peito.
Os filhos de Benedita também sentiram a perda, mas logo após o luto inicial, começaram a se agitar com o pensamento da herança que esperavam receber. O dia da leitura do testamento chegou e todos estavam reunidos, ansiosos, na sala do advogado. Brenda, ainda de luto, estava presente, mas sabia que a situação logo tomaria outro rumo.
Ela conhecia o segredo de sua avó. O advogado abriu a pasta e começou a ler. Os filhos de Benedita mal conseguiam se conter de expectativa, esperando ouvir os números que poderiam mudar suas vidas, mas, ao ouvir o valor, suas expressões mudaram rapidamente para descrença.
— Isso só pode ser uma piada! — gritou Carlos. — Esse valor é ridículo!
— Impossível! — exclamou Márcia. — Ela tinha mais dinheiro!
O advogado manteve a calma e então revelou o segredo que Benedita havia guardado de todos, exceto de Brenda: — Benedita gastou quase todo o seu dinheiro comprando o asilo onde morava. Ela transformou o lugar em um asilo beneficente. O choque foi visível nos rostos dos filhos.
Eles não sabiam como reagir. Em meio às murmurações, o advogado continuou: — O único bem restante era um apartamento, que foi transferido para o nome de Brenda enquanto Benedita ainda estava viva. Nesse momento, o silêncio caiu sobre a sala.
Todos se voltaram para Brenda, alguns com raiva, outros com inveja. — Ela deixou uma carta póstuma para vocês — disse o advogado, entregando o envelope. Brenda já sabia o conteúdo, mas os outros ouviram com atenção enquanto o advogado lia: — Queridos filhos e netos, eu sempre os amei, mas acredito que agora é a hora de vocês conquistarem o mundo por seus próprios esforços.
Deixo um bem apenas para Brenda, pois ela deixou de viver alguns anos de sua vida para cuidar de mim. Espero que vocês encontrem seu caminho. Brenda permaneceu em silêncio enquanto os outros processavam as palavras da mãe.
O que antes parecia ser uma oportunidade de enriquecimento rápido agora se transformara em um. . .
Ensinamento sobre Independência e, talvez, um novo começo para todos. Brenda vivia agora no apartamento que sua avó Benedita lhe deixara. Os anos passaram, e sua vida tomou novos rumos; casou-se com Thgo, o namorado com quem compartilhava tantas histórias, e, para sua felicidade, já estavam esperando o primeiro filho.
Mesmo assim, às vezes a saudade da avó surgia inesperadamente nos momentos mais simples do dia. No entanto, Brenda sabia que Benedita estava em paz, e isso a confortava. O asilo que Benedita comprou e transformou em um lugar beneficente prosperava cada vez mais.
Idosos encontravam refúgio ali, com suas vidas renovadas pela ajuda que Benedita proporcionara, mesmo após sua partida. O legado dela continuava a tocar inúmeras vidas. Quanto aos filhos e netos de Benedita, eles aprenderam a viver sem as facilidades que o dinheiro da mãe lhes proporcionava.
Embora tivessem sofrido no início, adaptaram-se à nova realidade, trabalhando para conquistar suas próprias vitórias. Com o tempo, eles refletiram sobre seus erros e perceberam o quanto não valorizaram Benedita enquanto ainda a tinham por perto. Mas agora seguiam em frente, levando consigo o aprendizado daquela dura lição.