novel novelo novelo bem-vindo ao rádio novelo apresenta eu sou a Branca Viana vai chegando o fim do ano e dá aquela sensação de que alguém adiantou o relógio em algumas semanas ou até alguns meses de que o tempo engatou uma quinta tem tanta coisa que a gente deixou de fazer deixou para depois e agora estamos aqui no depois no episódio dessa semana para dar uma equilibrada no universo a gente trou troue duas histórias sobre pessoas tentando voltar ao relógio de diferentes formas tentando dar um passo em direção ao passado seja para entender ele melhor seja
para tentar voltar para aquele mundo perdido o primeiro ato de hoje Fica por conta da Bia Guimarães Como que você conta PR as pessoas o que você faz e quem você é hoje em dia é esse é é um é um X da questão hoje em dia eu perguntei pra aen Alexo como ela se apresenta hoje em dia porque muita coisa mudou na vida e na carreira dela nos últimos tempos a imagem que eu tenho dela na minha cabeça de quando ela era jurada do Top Chef Brasil que é uma competição de chefes de cozinha
que passa na Record prato tá realmente muito bonito mas o sabor não faz us a beleza essa imagem da ain já tá meio ultrapassada exatamente por mais de 20 anos ela teve um trabalho que muita gente consideraria dos sonhos fui crítica gastronômica eu trabalhei como editora de várias revistas né da Playboy da Vip da alpa da época São Paulo da viagem turismo n em várias dessas revistas onde a aen trabalhou ela editava as sessões de abertura aquelas sessões que geralmente falam de comportamento de viagens de gastronomia então acabei viajando muito para várias partes do mundo
vários hotéis indo em muitos restaurantes e a paixão dela era escrever sobre comida em 2009 ela até criou um site sobre esse assunto chamava gastrolândia ele se tornou um site Grande para esse nicho né a carreira dela era regada de viagens e pratos incríveis quer mais o quê era gostoso era divertido era interessante era glamoroso acontece que uns se se anos atrás uma chavinha começou a virar na cabeça da aen não foi da noite pro dia mas era como se uma sementinha de incômodo tivesse crescendo dentro dela uma sementinha que colocava em jogo que ela
tinha levado um tempão para construir comecei a ter questões com essa minha função de crítica gastronômica ela começou a achar que meu trabalho era fútil demais a minha relação com a comida era muito superficial E daí deu um bug deu um bug ela hava as notícias que estavam pipocando no jornal os dados sobre o colapso ambiental a crise do clima quase 30% de toda a comida plantada é desperdiçada entre o campo e a mesa a gente tem contaminação de água com agrotóxicos nossos Rios estão ficando poluídos o mar tá cheio de plástico quer dizer Acho
que são Dados suficientes para entender que esse modelo não tá certo não tá certo aen começou a enxergar melhor um monte de coisas que estavam escondidas atrás de cada prato de comida não que antes ela pensasse que tava tudo indo às mil maravilhas no mundo ou que ela não fizesse nenhum link entre a tragédia do planeta e o alimento que a gente come mas mas era um aprofundamento era assim tipo piscina de criança que você entra na água mas fica até o tornozelo é Raso coisas que antes estavam no pano de fundo do trabalho dela
foram ficando cada vez mais difíceis de ignorar o impacto do agronegócio a relação da pecuária com desmatamento o prejuízo da monocultura pro meio ambiente a maneira como as pessoas os bichos a natureza como tudo é afetado pela no Nossa maneira de produzir alimento era muita coisa e eu olhava pro meu lado assim eu falava gente mas isso não faz menor sentido o planeta tá pegando fogo literalmente né e eu tô aqui falando de ponto de cozimento o equilíbrio entre acidez e amargor t não não não não tem mais o menor sentido para mim não tem
mais o menor sentido né e depois desse estalo a minha vida complicou e agora que você faz quando tudo que você passou anos construindo a sua carreira oou seu ganha pão quando tudo isso deixa de fazer sentido para você quando você passa a ver uma coisa que não dá para desver no caso da aen ela decidiu saltar eu tive que ir largando aos poucos mas foi um salto no escuro mesmo ela foi largando os trabalhos de crítica gastronômica e em 2021 ela saiu da bancada do Top Chef Brasil ela transformou o site de gastronomia que
ela tinha num site sobre como o que a gente come molda o mundo o vice food que aliás também é um po podcast ela começou a pesquisar sobre tudo que tá por trás da produção de alimentos e passou a viajar não para escrever sobre turismo e restaurantes badalados mas para conhecer fazendas e investigar o trajeto que vai do campo até o nosso prato e nessas andanças no meio de coisas que ela preferia nunca ter visto e nem sabido aen visitou um lugar que ficou marcado na cabeça dela eu fui lá como eu fui em várias
outras fazendas e foi aí que eu conheci o seu João ela conheceu o João Pereira Lima Neto que também é conhecido como João louco você já vai entender o porquê desse apelido a fazenda do seu João tem 444 hectares e chama Santo Antônio da água limpa ela fica em Mococa no interior de São Paulo eu fui para lá também café banana é diversidade C Pitanga e quando eu vi aquela fazenda do seu João e fui andando com ele ele me explicando as coisas me mostrando Nossa come isso aqui essa folha tem gosto de amêndoa nossa
tem gosto de amêndoa que que é isso então as pessoas jogam fora mas isso aqui não sei o qu pode comer assim po comer assim de repente eu vi que cara existe outro jeito você pode entrar numa fazenda e não entender de car o que ela produz porque é assim na fazenda do seu João parece uma floresta aind disse que aquela visita na fazenda do seu João anos atrás foi a gota que faltava para ela decidir saltar no escuro de vez porque lá ela teve um vislumbre de um outro mundo possível esse vislumbre mexeu muito
comigo assim mas essa aqui não é uma história de mundo perfeito pelo contrário aliás se a fazenda do seu João tivesse sido sempre assim com cara de Floresta talvez a ailey não tivesse se impressionado tanto com essa história e hoje quando Você dirige por aqui ou anda por aqui é muito diferente do que era quando você era Nossa Senhora que aqui era um cafezão só é era só café café café nada disso nada disso aqui nada nada totalmente diferente o ponto é justamente que muita coisa Teve que mudar para esse lugar ser do jeito que
é e olhar pro passado dessa fazenda e para como ela se transformou ao longo do tempo é meio que olhar para como a própria agricultura e a nossa relação com a natureza foram mudando também antes do seu João me levar para conhecer a propriedade a gente sentou para conversar na varanda da casa dele Me fala seu nome e quem você é João Pereira Lima Neto e eu sou um administrador um administrador provisório deste local que que você quer dizer com administrador provisório quem quem administra mes é natureza eu vou cumprindo as orientações dela tentando cumprir
as orientações dela se algumas Décadas atrás ele escutasse alguém falando isso falando que na verdade quem manda na fazenda é a natureza ele ia pensar que essa pessoa enlouqueceu assim como tem meso gente que acha que ele [Música] enlouqueceu A Fazenda na verdade ela foi aberta aqui em 1822 era do bisavô do meu bisavô Mococa fica numa região de Fronteira do serrado com a Mata Atlântica e 200 anos atrás quando a família do seu João botou o pé naquelas terras o lugar era cheio de vida anta tinha muita anta paca cateto Queixada quati macacos mateiro
catingueiro pássaros tinha muitos tipos de pássaros certo a Jacutinga tinha demais Jacutinga aqui era a primeira metade do século XIX e tava começando o ciclo do café aquele período de mais de 100 anos em que o café foi o principal Pilar econômico do Brasil tudo isso claro movido por mão de obra escravizada pelo menos até a abolição a fazenda aqui ela foi uma das primeiras da região a plantar café primeiro pé de café plantado foi em 1844 daí para cá foi uma revolução plantado Tom muito muito café conforme as décadas passavam os Cafezais tomavam conta
da paisagem e a monocultura foi virando regra não só naquela fazenda mas em muitas espalhadas pelos Estados de São Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro e outros cantos do país derrubava as aves punha fogo matava tudo e plantava café quando o seu João nasceu em 1948 o BUM do café já tinha passado mas a fazenda da família dele seguia em plena produção e desde Novinho ele adorava ver com os assuntos da Fazenda mesmo quando ele foi morar com a mãe dele em São Paulo e depois quando ele entrou pra faculdade de engenharia civil nos anos
60 sempre que dava ele voltava pra fazenda todo intervalo vha na fazenda com vi com A Fazenda depois de formado ele trabalhou em São Paulo e depois se mudou pro Maranhão e só voltou de vez pra Mococa quando o pai dele morreu em 1982 foi quando ele e o irmão dele que também já morreu tiveram que assumir as rédias da fazenda só que nesse meio tempo muita coisa coisa tinha acontecido na verdade se a gente pegar o período que tá contido entre o nascimento do seu João nos anos 40 e o retorno dele paraa Fazenda
nos anos 80 Esse é um recorte de tempo em que a agricultura como um todo no mundo todo passou por transformações Profundas foi na década de 40 ali no rastro da Segunda Guerra Mundial que a indústria química começou a comercializar os agrotóxicos de amplo espectro e uma parte do conhecimento que antes era usada para fazer armas químicas se direcionou para a agricultura os inseticidas fungicidas herbicidas e outros cidas foram chegando no mercado para resolver os problemas dos Agricultores tipo eliminar plantas daninhas ou matar algum bicho que tivesse comendo a produção e junto com os maquinários
e outras tecnologias que vinham surgindo os agrotóxicos abriram o caminho pra chamada revolução Verde a promessa dessa revolução era aumentar a produtividade das lavouras e a oferta de alimentos já do lado da indústria química Claro A ideia era vender cada vez mais desses insumos aí 665 mais ou menos chegou um um agrônomo uma firma de herbicida e veio convencer meu pai a ensinar um novo método de capinar o café certo sen vim aqui falar com senh tal talaz F vai embora daqui que não quer capinar café um Guatambu bem Cavado na mão da pessoa que
sabe trabalhar vai embora vai embora pro pai do seu João o jeito certo de se livrar plantinhas indesejadas no meio do Cafezal era capinando no braço mesmo ele nunca tinha pensado em usar um veneno para isso mas Tod fazzin foi mudando foi usando os rebd certo o pai dele resistiu no começo mas de tanta pressão ele resolveu testar papai deixou experimentar pegava uma bombinha de 5 l pingava 10 gotinha e saia pulverizando certo o mato morria o café morria era um milagre certo era um milagre o veneno Fazia tudo sozinho dali em diante muitos outros
produtos iam entrar na rotina da fazenda glifosato para acabar com o mato endosulfan para matar a broca do café que é um besourinho que ataca os Cafezais E aí insetos fungos Matinhos e outros importunador eram milagrosamente varridos para longe do cafezão o cenário já era assim quando seu João e o irmão dele assumiram o comando da Fazenda nos anos 880 nós produzimos muito café nós chegamos a ser tá entre os três maiores produtores café do Brasil eu e meu irmão chegamos a produzir mais de 50.000 por ano A Fazenda deles representava exatamente o que uma
fazenda devia ser pelo menos aos olhos da indústria naquele momento o seu João conta que eles costumavam receber visitas de agrônomos e até de representantes da indústria química eu fiz cinco vídeos com monsantos como usar o produto eu achava que era certo hoje em dia se fala bastante dos riscos de US agrotóxicos indiscriminadamente seja risco pra nossa saúde ou pra natureza mas por muito tempo isso não era questionado no auge da revolução Verde tinha pouca gente acendendo alerta de que Todas aquelas soluções pros problemas das lavouras podiam acabar gerando outros problemas pouca gente mas tinha
em 1962 a bióloga e escritora Carson lançou um livro chamado Silent Spring ou primavera silenciosa a Carson era fascinada pela maneira como as coisas estão conectadas na natureza como as plantas os insetos os peixes as aves a gente como tá tudo conectado de um jeito delicado de modo que uma mudança pode afetar a cadeia inteira e tirar tudo de lugar e ali na virada pros anos 60 ela começou a ficar encocada com o uso do DDT que vinha crescendo em várias partes do mundo inus na região onde ela morava nos Estados Unidos a questão do
DDT é que ele é um veneno indiscriminado ou seja ele consegue matar várias espécies de insetos de uma vez só se para boa parte das pessoas isso era um ótimo negócio para Carson era motivo de preocupação ela não parava de Pensar No Impacto que isso ia ter para toda a cadeia de vida na Terra Então ela escreveu Primavera silenciosa que falava desse e de outros problemas dos agrotóxicos [Música] o livro da Rachel Carson incomodou muito a indústria química lá em 62 a mon Santo aquela mesma para quem o seu João fez propaganda anos mais tarde
a mon Santo chegou a fazer uma brochura parodiando o livro chamada the desolate Year o ano desolado eles descrevem a tragédia que seria um mundo sem pesticidas com pragas Fora de Controle e a humanidade passando fome e na época Carson chegou a sofrer ataques mais pessoais também ela foi pintada como louca histérica mas as perguntas dela estavam plantadas e anos depois o DDT foi banido de vários países incluindo dos Estados Unidos em [Música] 72 só que o problema era muito maior que os Estados Unidos e muito maior do que o DDT o que Se matava
de rato de cobra de insetos dentro do cafezão coisa absurda na fazenda do seu João o pesticida mais usado era o endosulfan que ficou mais conhecido pelo nome comercial de tiod o tiod tá banido do Brasil desde 2013 por causa dos riscos pra saúde humana mas lá atrás ele era um dos venenos mais recomendados para controlar a broca o tal do Bezinho que ataca o café sim ele acabava matando vários outros bichos nessa leva mas pro seu João até aquele momento isso Não era um problema até que um dia em 19 90 ele recebeu uma
visita na fazenda era o Jorge Abraão um engenheiro agrônomo que tinha feito carreira no Instituto biológico de São Paulo aí então ele chegou andou andou falou assim João você tem muita broca né tem tem tem que passar muito chod porque senão não consigo comer café a broca come todo meu café Você sabe porque você tem broca João não não sei porque você US o tiod e quando você passa o tiod você mata as brocas Sim mas você mata os inimigos da broca o Jorge explicou que o veneno matava os besourinhos que estavam ali perambulando pelos
pés de café mas que as larvas e os ovos do Besouro que ficam dentro do fruto do café continuavam na boa e o veneno não só não chegava direito lá dentro como ele matava os predadores da broca que estavam do lado de fora e que poderiam fazer um controle natural desse inseto você tá limpando a casa pras bloca morarem seu João ficou intrigado Ele não costumava pensar nessa conexão delicada que existe entre os bichos e nem imaginava como seria o mundo ou aquela Fazenda sem o tiod professor então vou fazer o quê Vou tirar o
Tião nós vamos usar o qu aqui na fazenda nada não vamos usar nada como usar nada nós não vamos conseguir colher café vai ser o caos a ideia de parar de usar esse agrotóxico era o oposto do que o seu João tinha aprendido ao longo da vida inteira e era o oposto do que todo mundo estava fazendo nas fazendas ao redor eu fiquei uns TRS meses que eu não conseguia dormir uma dor de cabeça Danada não conseguia dormir mas aquela orientação vinha de um agrônomo experiente de todo modo manter os insumos tinham um C muito
alto cada hora era um produto novo que surgia no mercado e se tornava essencial Se desse para eliminar o tioda dessa lista Ia ser ótimo pras contas da fazenda então ele pensou pensou e decidiu arriscar ainda em 1990 ele parou de aplicar o tiod Dan nas plantações de café e ficou só observando as brocas 91 em 91 nada tinha mudado as brocas continuavam lá mas não tinham aumentado ou seja interessante 92 em 92 Também nada nenhuma mudança na quantidade em 93 começou a diminuir em 93 começou a diminuir um pouquinho pequena certo em 94 em
94 caiu muito caiu barbaridade tinha dado certo parece que tirando o veneno os outros insetos e fungos que são inimigos naturais da broca voltaram a circular pelo Cafezal ainda tinha broca Claro mas parecia tá rolando um certo equilíbrio ali e nisso o seu João se deu conta que às vezes pode ser uma boa ideia dar um passo atrás não tá certo isso daí tirar a mão para ver como as coisas se desenrolam quando a gente não interfere muito quis voltar ao tempo antigo a partir daquele momento ele tomou uma decisão arriscada ele sabia que não
ia ser fácil nem rápido era meio que um salto no escuro para usar as palavras da ain ele decidiu que ele não só ia parar com tiod Dan como ele ia parar com todos os insumos químicos todos os fertilizantes e todos os sidas fungicida herbicida inseticida tudo tudo que mata tudo Cid nós tiramos certo aí de 94 para cá fazendo ficou natural nem a Duo orgânico é só entre a terra fértil ar puro e Água Limpa certo só essas três forças que tocam A Fazenda foi nesse momento que ele virou o João louco então eu
eu era muito amigo desses desses agrônomos e o dia que eu passei a a não usar mais nada que era contra a orientação eu era louco certo o João é louco tudo diente os funcionários da fazenda do seu João também estranharam a mudança e até o irmão dele ficou com pé atrás na verdade o irmão dele ficou com os dois pés atrás ele não concordava nada com a nova visão de mundo do seu João e por causa disso eles romperam a parceria então é o João louco é o João Louco Só que mas as pessoas
que começaram a chamar ele de João louco mal sabiam o que estava por ver porque depois daquela primeira virada a decisão de tirar todos os fertilizantes o Sid e os adubos veio uma outra virada ainda mais radical outras na verdade é que com o tempo ele entendeu que para ter aquela cadeia de vida rolando de verdade nas plantações de café e conseguir controlar as pragas e nutrir o solo usando o próprio ciclo natural das coisas não dava para aquilo continuar sendo uma monocultura a monocultura é simplesmente o contrário do que a natureza faz é o
contrário da diversidade ele precisava de árvores de outras plantas e de outros bichinhos é aumentar a diversidade aí em 2000 comecei a plantar a árvore quer dizer de 90 que eu fiz a mudança até era arrancava todas as árvores que nasci na fazenda C então ele começou a plantar árvores pela propriedade mas não qualquer árvore de qualquer jeito o que o seu João tava começando ali é o que se chama de transição agroecológica que é quando você pega uma terra que passou por anos décadas de desequilíbrio e tenta restabelecer aquele sistema quanto maior a diversidade
de um sistema maior a abilidade que ele tem então o sistema mais sustentável a gente pode pensar de produção de alimentos é uma agrofloresta Esse é o José Maria guzm Ferraz atualmente sou professor do programa de pósgraduação desenvolvimento territorial e meio ambiente da Uniara e sou ex pesquisador da embrap mas hoje José Maria é biólogo de formação e ao longo da carreira ele se especializou na área da agroecologia que é basicamente um jeito de pensar o mundo em que a agricultura a Ecologia e questões sociais andam juntas elas são inseparáveis e a agroecologia trabalha com
a vida porque a gente faz justamente as interações entre plantas animais e o ecossistema e apesar de não fazer tanto tempo assim que a gente usa essas palavras agroecologia agrofloresta a ideia de plantar o nosso alimento ali junto com a mata não tem nada de Nova agricultura tradicional que a gente conhece feito pelas quilombolas comunidades tradicionais é a verdadeira agroecologia de certa forma fazer a transição de um sistema convencional que estava degradado para um sistema agroecológico é um movimento de redução de danos porque a gente não pode voltar ao relógio e apagar os séculos de
exploração que aconteceram naquelas terras e a gente não vai simplesmente parar de plantar o que a gente consome tipo café mas tem jeitos de fazer isso sem envolver monocultura e eliminar todas as outras espécies que não são o foco da atividade comercial da Fazenda José me explicou que essas transições não são fáceis nem rápidas pode ter muitas etapas e desafios começando pelo solo como dependente químico n você tem que tirar aquela dependência ele vai ter crises vai ter problemas até aquilo estabilizar a ideia é que tudo que a gente acostumou fazer com produtos químicos passa
a ser feito com base nas próprias interações da natureza nacultura convencional a gente pega compra a dubo nitrogenado em agroecologia ultura orgânica a gente põe uma planta que fixa nitrogênio tem planta que fixa nitrogênio árvore que retém mais umidade no solo espécies que atraem os inimigos dos bichos que a gente quer controlar por exemplo já que a gente tá falando de café tem estudos que mostram que se você tiver árvore de Ingá perto do Cafezal o café fica mais protegido do ataque da broca e de uma mariposa batizada de bicho Mineiro do cafeeiro porque o
Néctar que o Ingá libera atrai os predadores naturais dessas pragas do café tudo isso é um jogo delicado de e lev anos um sistema se reequilibrar e PR Floresta crescer quando José Maria conheceu seu João ele estava no meio dessas transformações muito tempo se João uma figura então MDO sistema dele hoje el produz menos porque el reduziu área Plant de café tem á Floresta jun faz pouco mais de 20 anos que Ases aota do seu João tempo para você entender o que que ele produz ali porque a gente tá muito acostumado a relacionar a fazenda
automaticamente com aquele má de plantas iguais plantadas de um jeito super alinhado e limpinho entre aspas as fazendas vizinhas do seu João são assim e quando você para ali na divisa Entre uma e outra é que a diferença fica mais gritante de um lado da Seca São várias linhas de café café café café não tem sombra de árvore não tem outras plantinhas menores não tem bichinhos visíveis E aí do lado do seu João você vê vários trechos de Mata com árvores de todo tipo Muitos são de pássaros de insetos e espalhados ali no meio tem
os pés de café e ainda tem os animais de criação que foi Outra loucura que ele fezi aprendi com meu pai com meu avô com avô que café não podia ter animal juntos ainda nos anos 2000 o seu João fez mais uma escolha que deixaria um cafeicultor convencional de queixo caído ele começou a criar bichos soltos tipo vaca porco cavalo ch sistema ag Silvio pastoril você usa os três sistemas né os três sistemas a agricultura que nesse caso é o plantil de café a floresta que foi regenerada e a criação de animais o José Maria
me explicou que esse é um dos vários tipos de agrofloresta e a gente geralmente pensa em criação de gado como o oposto da sustentabilidade né porque essa costuma ser a regra Eu até perguntei disso pro José Maria mas ele me falou que naquela quantidade menor e do jeito como aqueles animais estão vendo ali eles ajudam a adubar o solo a fazer o controle de algumas espécies de plantas e até a fazer a floresta crescer a vaca cavalo porco Carneiro são Plantadores de árvores cer Ele pega a semente das plantas e coloca no coxo das vacas
né então ela sai andando pro lá e elas vão defecar Claro os porcos as vacas eles estão ali literalmente cagando e andando mas sem saber eles ajudaram a fazer uma floresta ali com árvores nativas da região graças a Deus com mais de eh 60% coberto com com floresta e os bichos nativos fazem parte desse mutirão também Porque conforme o ambiente foi se restabelecendo algumas espécies que tinham sumido daquelas terras voltaram a das caras tipo o lobo guará o veado mateiro e a Jacutinga que parece uma galinhona estilosa preta com um as manchinhas um topete branco
e um bico azulado a mata que cresceu ali ajuda a proteger os pés de café do calor Extremo e da GE no passado já deram prejuízo seu João e hoje A Fazenda Não vende só o café que diminuiu em quantidade mas aumentou em valor agregado eles vendem uma porção de outros produtos vaca o café a goiabada a jaca muito Brasil D certo e d Fartura só um exato certo você diversidade bem grande vários estratos João agricultor e sim um coletor mas não é bem verdade ele ainda planta só que não do jeito convencional que eu
f plantin Meu pegar café e jogar imitar o passarinho assim entendeu onde cair [Música] nasce existe intervenção humana ali e não é pouca a mata não vai voltar a ser o que era e a gente vê ali espécies que não são nativas a começar pelo café e aquelas terras mesmo tendo se transformado continuam sendo exploradas comercialmente A ideia é reduzir os danos tantos do passado como os que ainda tão porv quando eu subi com Seu João no Mirante da Fazenda Ele me mostrou como a paisagem de hoje revela a história daquelas terras por mais que
a fazenda inteira tenha sido semeada em algumas partes a floresta simplesmente não cresceu ou as árvores cresceram e morreram cresceram e morreram ele vê isso principalmente nos lugares onde a plantação de café era mecanizada no passado e mais ainda nos trechos onde eles chegaram a plantar algodão e cana de açúcar as secas também T sido um problema nos últimos tempos Elas têm ficado cada vez mais severas e mais frequentes como reflexo do colapso do clima hoje em dia o seu João já não consegue plantar o café sem [Música] irrigação se 1962 a primavera silenciosa da
Rachel Carson pegou muita gente de surpresa com todo aquele papo de DDT rendeu até uma resposta Debochada da Monsanto hoje a gente vê acontecendo bem na nossa frente o cenário apocalíptico que ela pintava pro Futuro tipo o Apocalipse dos insetos que tá rolando para citar só um dos problemas você já deve ter ouvido falar que as populações de insetos estão caindo drasticamente os dados ainda são escassos principalmente pras regiões tropicais Mas tem uma pesquisa de 2018 da Universidade de Sydney que estimou que cerca de 40% das espécies de insetos do mundo estão em declínio e
1 terço delas está ameaçado de extinção é muita coisa isso coloca em jogo toda aquela cadeia de vida na Terra que tanto fascinava Rachel Carson e que hoje fascina o seu João os insetos são o maior grupo animal do planeta as variam Mas é possível que eles representem uns 80 ou até 90% de todas as espécies animais eles polinizam decompõem matéria orgânica fazem controle natural de pragas melhoram a qualidade do solo Sem falar que eles são alimento para muitos animais inclusive pra gente várias culturas pelo mundo comem insetos é muito difícil imaginar como seria o
mundo sem eles é claro que os agrotóxicos não são os únicos culpados nessa chacina tem o desmatamento o avanço das monoculturas a mudança do clima as espécies invasoras mas tudo isso tá conectado né o DDT foi proibido nos anos 70 anos depois da publicação do livro da Carson mas lá para cá vieram muitos outros pesticidas Alguns ainda mais tóxicos pros insetos do que o DDT e eles podem acabar afetando muito mais espécies do que só aquela praga que tá no alvo do Agricultor especialmente se o produto não for usado do jeito certo só que muitas
vezes esses impactos Miúdos dos agrotóxicos e eu digo Miúdos no sentido da pequeneza dos Bichos e não Do tamanho do problema esses impactos muitas vezes são ignorados na hora de criar as regras pro uso dos venenos malemá levam em conta a nossa saúde que Dirá dos insetos o Brasil tem normas bem frouxas se comparado com outros países como os da União Europeia pro José Maria o que falta não é só mais rigidez mais impostos e mais fiscalização PR os agrotóxicos mas também mais incentivo público para quem quer fazer é diferente se a gente tivesse 10%
do incentivo que o Agro convencional tem a a agroecologia estaria aí Mas ela cresceu muito o Brasil é o país que tem mais conhecimento e mais áreas trabalhando com agroecologia no mundo se de um lado tá cada vez mais comum a gente ouvi falar de agroecologia de agrofloresta de produção orgânica do outro o uso dos agrotóxicos tá cada vez mais intenso para piorar as pesquisas apontam que esse uso pode aumentar ainda mais com o colapso climático que a gente tá vivendo porque os sistemas que já estão desequilibrados podem ficar mais ainda quanto mais pragas Fora
de Controle mais veneno vão jogar nas plantações e o ciclo parece não ter [Música] fim enquanto isso muitos colegas do seu João continuam achando que a decisão que ele tomou lá atrás é coisa de louco ah hoje não que loucura hoje continua achando que era loucura porque mudou muito pouco terra fértil ar puro e água limpa a nossa agricultura nós temos convencional Terra cada vez mais pobre ar cada vez mais poluído e e água cada vez mais suja é o inverso Mas eu sou [Música] louco Essa foi a b produtora Sênior da Rádio novelo essa
história foi produzida com apoio da fundação Heinrich bow uma organização política alemã que atua em defesa da ecologia da sustentabilidade da democracia e dos direitos humanos em 2023 eles publicaram o atlas dos agrotóxicos que tá disponível para download a gente colocou o link lá no post do episódio no site da rádio novelo voltar pra casa dos pais é sempre o relógio um pouco não tem como a gente não voltar a ser quem a gente foi anos ou Décadas atrás pode ser bom ou pode ser ruim pode ser nenhum dos anteriores Mas acontece no segundo ato
do episódio de hoje a Natália Silva traz uma história de uma viagem [Música] dessas o George Steiner que foi um crítico literário franco-americano tinha uma definição curiosa do que é um intelectual para ele um intelectual ou uma intelectual é um ser humano que tem um lápis na mão enquanto L é um livro O intelectual é alguém que não lê passivamente mas que interage com o livro seja fazendo anotações num papel ou rabiscando o próprio livro tem um nome para isso aliás marginália é a palavra em latim para essas anotações feitas da margem do texto impresso
tem gente que acha isso um crime eu sei que acredita que o livro precisa voltar paraa estante do mesmo jeito que ele saiu mas eu acho que se o leitor mudou nada mais justo que o livro mude também eu entendo o preciosismo de quem não tem coragem de grifar uma frase ou fazer uma anotação na pontinha da página Dá um medo mesmo mas depois que eu li essa frase do Steiner eu comecei a pensar o quanto esse cuidado não acaba distanciando o leitor do livro Como se os pensamentos que a gente tem ao ler fossem
menores do que aqueles de quem escreveu não são essas anotações zinhas esses riscos meio tortos que a gente faz para grifar uma frase eu sinto que são eles que criam a ponte entre o que o autor quis dizer e aquilo que você entendeu eu te falei tudo isso porque a história que eu vou te contar hoje é um tipo de marginália só que sonora de um livro que eu li uns meses atrás e que me marcou muito chama o que é meu então Começando aqui o que é [Música] meu começar no capítulo um o autor
é o José Henrique bortoluci eu lembro exatamente onde eu tava quando eu li as últimas páginas do livro dele eu chorei por um bom tempo Quando a gente chegar nessa parte do livro eu conto o motivo Me surpreenda Nat não sei para onde a gente vai com essa conversa vamos lá pode deixar pode ir eu escrevi pro José uns dias depois dizendo que eu queria conversar com ele para entender o que levou ele a escrever o que ele escreveu eu comecei a escrever esse livro porque eu senti um desejo muito grande de duas coisas primeira
era escrever de um jeito diferente daquele que eu tava acostumado o Zé que eu prefiro chamar assim e que eu acho que também prefere ser chamado assim é doutor em sociologia ele passou muitos anos dentro do mundo acadêmico estudando em universidades mundo afora dando aula no Brasil mas em 2020 ele decidiu que queria escrever não sobre conceitos complexos Marx Weber Aristóteles não ele queria escrever sobre um caminhoneiro o pai dele o outro motivo para eu ter mergulhado nesse projeto de livro foi a memória das histórias que meu pai contava desde sempre então desde criança eu
cresci ouvindo essas histórias né e elas certamente tiveram um impacto muito muito grande na minha vida na minha formação na minha imaginação do que que é o país do que que é a vida de um caminhoneiro da classe trabalhadora tudo que era muito diferente da minha vida mas que eu também viia no dia a dia da minha família para poder escrever esse livro O Zé decidiu entrevistar o pai dele que foi caminhoneiro durante 50 anos só que era 2020 e eu só consigo visitar meu pai em dezembro de 2020 eh fisicamente né eu tava indo
muito pouco para Jaú por medo de levar covid né levar o vírus o o coronavírus comigo alguma coisa assim né E quando eu fui para lá era dia 17 de Dezembro um pouco antes do Natal e eu comento com o meu pai que eu quero gravar ah várias entrevistas com ele para escrever um livro depois aí eu falei bom então vamos pai pode ser ele falou pode ser naquela T isso foi na hora do almoço Naquela tarde no café da tarde ele fala ah mas eu tô sentindo umas dores estranhas como se não fosse nada
e outros sintomas eu lembro desse dia que eu me senti muito tocado quase com uma uma intuição de que não era coisa boa TR três dias depois ou quatro dias depois mais ou menos um pouquinho depois do Natal ele é diagnosticado com o câncer de intestino Mas a questão é que durante os primeiros meses a gente não sabia o quão grave era esse câncer se era super avançado se tava em outros órgãos porque não dava para fazer nenhum exame porque o Hospital do Câncer tinha se tornado um hospital covid então todas as entrevistas foram feitas
depois do diagnóstico e sem a gente saber a real gravidade qu encam tratament então p essa aqui é uma primeira conva PR gente discutir aou todas as conversas que ele e o pai tiveram essa primeira foi em 15 de fevereiro de 2021 no quintal da casa dos pais do Zé em Jaú no interior de São Paulo deit agora na rede né me fala dessa rede de onde vem essa rede que que você lembra dela Então essa rede aqui foi companheira minha minha companheira muitos anos deitava na hora do sol quente ou à noite na traseira
do caminhão para passar umas horas e descansar Essa é a voz do José BOL pai os dois TM o mesmo nome mas em Jaú onde ele nasceu e cresceu o pai do Zé é conhecido como Didi o Didi nascido em 1943 quinto filho de uma família de irmãos caminhoneiro desde os 22 anos diagnosticado com câncer de intestino ao 77 Eu acho que isso realmente transformou muito das das entrevistas né Porque durante vários momentos das entrevistas ele se pergunta por que eu tô fazendo isso por que que eu tô entrevistando ele né que que eu quero
fazer com esse material Ô filho essas conversas que nós estamos tendo aqui você vai ter como lembrança uma gravação de Lembrança sua porque você sabe que logo o pai vai embora você vai só curtir a saudade escutando isso ou você vai ter algum aproveito disso daí quer dizer tem ess essa sombra da possibilidade da Morte rápida não é que era uma realidade que a gente enfrentava de uma dúvida que que você que que você acha que eu devia fazer com essas gravações Por que que você tá achando que eu tô te fazendo essas perguntas Ah
o que que o pai pode achar que você vai ter como uma lembrança uma recordação das palavras do papai é uma recordação também mas eu tô escrevendo um livro um livro sobre o pai e sobre o Brasil também muito bom é isso que eu tô fazendo agora não sei se a gravação eu também vou usar para alguma outra coisa por exemplo um uma coisa de programa de rádio Tomara que se aproveite bem esse tempo nosso que dê tudo certo que você seja feliz com isso Você tá gostando da eu tô gostando muito então todo o
livro desde a pesquisa as entrevistas e depois a escrita foi todo ele durante o tratamento de saúde e isso entrou como um elemento muito transformador do processo de escrita do livro do conteúdo do livro e eu acho Claro das das relações com o meu pai e acho que o livro é muito mais emotivo Ah muito mais afetuoso do que eu podia imaginar lá no começo eu falei no começo que essa história é uma marginália sonora mas na verdade eu vejo o que é meu o próprio livro do Zé bertulucci como um livro marginalia porque ele
não é uma biografia ele é um ensaio que é um gênero literário menos descritivo e mais reflexivo em vez de simplesmente contar o que aconteceu com o pai dele o Zé pensa sobre isso ali nas páginas do livro ele conecta a história do pai do país e a dele mesmo é como se ele fosse fazendo anotações na beirada de uma história que já tava ali antes dele chegar quando eu era criança bom essa é uma história que eu falo muito no livro que eram como filho de caminhoneiro ele aparecia ficava três quatro dias e sumia
por 30 40 dias para trabalhar então não dá para dizer exatamente que era uma relação próxima porque não era cotidiana então eu na primeira viagem que eu fiz com o camião já me apaixonei sou até hoje apaixonado poram Unhão só não continuo porque a idade chegou e a possibilidade de de est mais na estrada já já mudou não é mais a mesma tinha medo do meu pai não voltar e quando ele voltava também tinha angústias misturadas né então nunca era uma relação pacífica porque sempre que ele chegava o ritmo de tudo mudava era uma pessoa
nova na casa uma pessoa que eu amava que era meu pai mas que também era de certa forma um pouco estranho um estranho pro dia a dia fic longe da família não é fácil é complicado mas por fim a gente acaba acostumando não acostumando você se adaptando com isso e depois quando ele ele passa a morar com a gente ele tá muito doente do coração quando ele tem 48 anos então é um pai que chega para ficar muito doente e como foi para você essa volta do seu pai doente eu acho que foi Hum você
tinha quantos anos eu tinha 8 anos eu me lembro de eu voltar da escola e meu pai não era quando ele iria voltar de viagem mas ele tava ali né alguém tinha trazido ele para Jaú nessa época ele trabalhava Numa cidade chamada Vargem Grande do Sul eh no norte do estado quase fronteira com Minas Gerais transportando areia principalmente né e meu pai tava lá e eu tinha sete para 8 anos e aí falar não seu pai tá aqui porque ele tá tem que passar por consultas ele tá no hospital e depois a gente descobriu que
ele tava tendo infarto por semanas né provavelmente né e e o médico lá em Vargem Grande tratando ele para uma de barriga alguma coisa assim a sensação que eu tenho nesse momento foi uma sensação de me tornar adulto muito cedo mas aí você vem morar definitivamente né ficar com a gente aqui em Jaú E aí muda muito também a vida né ah mas mudou não vou falar para melhor porque eu tava infartada mas para mim foi foi o tesouro da minha vida que eu tava com meus filhos com a minha esposa mas aquele momento quando
eu tinha sete para 8 anos estão dos meus oit aos nove a sensação que eu eu tenho né e a marca que me deixou foi que eu me forcei tive a me tornar adulto eu me lembro da angústia da falta de dinheiro n eh que era uma angústia real né de de conseguir colocar meus pais conseguiram colocar comida na mesa e o que fazer até a próxima volta dele e as dívidas que se acumulavam então isso ficava muito mais claro Quando ele estava lá que era a questão da dívida dívida é uma palavra muito importante
para minha infância né uma das soluções que eu que eu tive para lidar com esse caos todo foi me tornar uma criança leitora esse lugar de refúgio na escrita eu acho que também foi uma forma na escrita Olha o at falho Maravilha na na leitura eh que depois acho que virou escrita né Eh é uma memória muito antiga para mim e muito importante da de quem eu era como criança eu era uma criança que Lia muito o que eu lembro de de que eu consigo falar alguma coisa é da idade de 6 anos e meio
7 anos de idade que eu já trabalhava com o meu pai seu avô né eu trabalhava na roça com 7 anos de idade eu era tratorista profissional eu ia na escola de manhã e voltava correndo da escola para ir pegar o tratoria era terra eu acho que a história de todo filho que muda de classe social que estuda muito mais do que seus pais que frequenta um universo social muito diferente os pais uma sensação de afastamento nãoé e é extremamente contraditório Porque quanto mais sucesso você tem na sua carreira mais você se afasta do mundo
dos seus pais meus pais nunca entraram no avião nós não tínhamos livros em casa não sei um catecismo em uma Bíblia coisas assim né e eu tenho uma biblioteca em casa que que você acha por que que você acha que que a vida é tão diferente Nossa por que que a gente seguiu esse esses caminhos Ah eu não sei explicar uma uma foi os incentivo nosso desde já antes vocês já pequeno Já foram fazer o pré e foram estudando e se interessavam emem em estudar viha em casa fazer as liçãozinhas certa Foi mesmo decisão suas
de ser incentivo nosso que tinha que estudar tem que estudar mas ninguém consegue fazer alguém estudar se a pessoa não tiver a vocação e a vontade não tem como e é um afastamento que em alguns casos pode gerar afastamentos definitivos rupturas né mas que também convida a viver com essa diferença e também a valorização das coisas que já são coisas de proximidade né então coisas muito cotidianas o jeito que a gente fala das coisas As Memórias a comida os feriados as festas ah Realmente a vida cotidiana que é a vida a vida cotidiana que é
a vida vamos ter ter mais conversa ainda vamos gosta de contar história né Ah mais ou menos e de inventar história você gosta também não de inventar não eu lembro que você inventava umas histórias criança era de brincadeira falava que tinha sapo gigante não era um galo gigante galo gigante essas coisas mas era brincadeira para você ir dormir mas você lembra que toda a história que você conta dava para mim pro João e depois também pro Geovani né que o nosso primo é que também tava sempre aqui quando era nenê era sempre de estrada é
não tinha outra coisa para falar minha vida foi na estrada então o tempo de que sobrou para mim contar essas coisas de estrada mais nada a única coisa que a gente não que eu me arrependa porque não tinha não tinha na época um negócio para filmar uma uma um para tirar uma fotografia não é que nem hoje que você tem o celular você tem o mundo na mão você vê uma coisa você já grava já filma faz tudo aquele tempo não tinha então a única coisa que tem é tentar recordar o que você fez e
contar [Música] Uhum Então você perguntou mais ou menos aonde que o pai trabalhou eu te falei que eu trabalhei no Brasil inteiro mas eu tem umas obras importantes que eu gostaria de ter gravado pelo menos com fotografia onde que eu passei por exemplo eu levei material lá no aeroporto internacional de Manaus trabalhei também no aeroporto internacional de Guarulhos Trabalhei na Rodovia dos Imigrantes Bandeirantes Mugi das Cruz e a Bertioga quando que tava abrindo asfaltando levei muito material lá lá em Angra do Reis Quando estava fazendo a usina nuclear ajudei a abrir a Transamazônica quando eu
falo ajudei a abrir não é que eu fiquei lá o um do anos trabalhando eu levava material voltava ficava lá uns 20 dias um mês alguma coisa e voltava então Trabalhei na Transamazônica ajudei fazer o asfalto da Belém Brasília Itaipu Itaipu também também trabalhei em Itaipu sabe pai tem um tem uma poesia tem um poema de um poeta que chama brash e ele fala dos trabalhadores que ajudaram a construir um monte de coisa então ele fala assim ai os trabalhadores que ajudaram a construir a Muralha da China onde é que tá o nome desses trabalhadores
onde é que eles celebravam depois de trabalhar o dia inteiro e eu sempre lembro do pai de como o pai trabalhou em tanta coisa e a gente não comemora né os trabalhadores que trabalharam em tanta coisa é esqueci Uhum é um um herói esquecido pode dizer caminhoneiro é um herói esquecido Ah vocês consideram um herói esquecido Com certeza sou só não sou esquecido por vocês eu acho que a escrita desse livro foi um jeito de expressar meu amor por ele a escrita bruta foi surgindo nesse meio tempo que eu tinha às vezes eu escrevi no
hospital e eu me lembro de não conseguir dormir direito no hospital de ficar num cantinho eu tava espremido entre a a maca do meu pai e um armário onde os as pessoas guardavam hã os os acompanhantes os pacientes guardavam suas coisas e o espremido ali numa cadeira de hospital mal conseguindo dormir eu escrevi meio Capítulo assim meio convulsivamente assim ao longo ao longo da noite h e ele seria operado Logo de madrugada no dia seguinte ou muito cedinho né esse foi o momento mais crítico dessa trajetória do seu pai essa última cirurgia foi foi o
momento mais crítico foi a cirurgia que foi postergada muito tempo um primeiro médico se recusava a fazer porque ele achava que meu pai não sobreviveria a cirurgia o outro médico discordava um terceiro médico jogava pro primeiro e a gente ficou meses nesse processo desespero usando todos os recursos possíveis para tentar resolver isso num grande Hospital H público com uma burocracia complexa então sentindo perdido num num labirinto né para saber qual o próximo passo basicamente a gente chegou numa situação de impasse total e aí a gente decide mudar o médico a gente Traz ele para São
Paulo faz passa para outros médicos e decide que a gente vai e propor para ele para que ele passe pela cirurgia porque naquele momento ele já falava não já não não vou mais operar eu acho que é isso mesmo porque ele ouviu isso do médico por muito tempo né que que ele provavelmente não sobreviveria eu não tinha ideia de como eu ia fechar o livro e eu só escrevi as três páginas finais depois que meu pai passa pela cirurgia e chega em uma situação de um pouco mais de estabilidade aí eu consigo escrever eu bom
agora eu sei como esse livro termina e termino de uma forma mais mais alegre felizmente você tá me ouvindo bem assim deixa eu ver se tá gravando acho que tá acho que tá tudo certo você pode falar o que você quiser tá só põe o microfone um pouquinho mais para cá acho que assim isso assim tá bom então Pando aqui o que é meu o Didi Sobreviveu ao tratamento e a essa cirurgia não sem sequelas mas sobreviveu quando ele me contou a primeira vez era de relembrar para contar agora eu que tô contando de volta
as histórias que ele trouxe para mim retrabalhadas na formaa do livro o título do capítulo é Recordar e contar lembra que esse aeroporto pai ajudou a construir para você poder voar ouça essa frase do meu pai tura agora para ele é um outro jeito de expressar esse amor de dizer olha esse livro também é seu é seu no sentido você pode fruir dele como todas as pessoas podem mesmo o livro sendo algo estranho para você pro meu pai o livro é um objeto muito Alienígena né alienígina no sentido de que realmente ele não tá acostumado
né nunca lê um livro do começo ao fim ou um texto mais longo então desde o começo eu falei não vou ler vou ler para ele em Julho de 2023 o Zé finalmente pode ler o livro coautor dele toda vez que ele ia para Jaú visitar o pai e a mãe ele Lia em voz alta PR os dois continuo É tá bom tá bom para parar ou tá bom para continuar não a gente nunca enjoa de escutar mas pode parar vai lá naquelas partas que você não leu ainda tá bom então vamos pra parte que
eu não li ainda a leitura em muitos lugares do mundo é uma leitura coletiva em que as pessoas leem em voz alta pras outras né contar histórias e aí uma frase do pai aqui que é a seguinte o que é meu só eu posso enfrentar bonito ele falou bastante vez o que é meu aparece duas vezes no livro mas essa é que eu mais gosto é E aí por causa dessa frase aqui e da outra que tá lá no comecinho eu decidi o título do livro né que é que é meu o que é meu
uhum bem dessa frase bonito filho gostou gostei vamos vamos parar por hoje eu quero é você quer mais um pouquinho mais um pedacinho Então vamos pra outra história vamos pra história eu acho que essa ideia de que ler é um exercício de aprofundamento do eu e se dá de forma solitária quase como um exercício de estoico né de Formação isso é algo que não é não é o mundo da leitura em todos os lugares em todos os momentos da história humana se a gente pensa por exemplo até poucas Décadas atrás a imensa maioria das pessoas
em países em desenvolvimento era analfabeto e não quer dizer que por exemplo elas não tivessem acesso ao jornal às vezes alguém da família comprava jornal ou uns amigos e li em voz alta o jornal para essas pessoas outras cenas de leitura né que são cenas de leitura que uma vida de classe média tira tira de cena né gera a cena do leitor individual essa cena de ler pros meus pais que pode parecer muito estranha se a gente pensa na leitura só como um ato individual é algo bastante comum no universo das classes trabalhadoras como meu
pai meu avô também tinha sete irmãos você tem a a memória boa né mãe você lembra da idade e tudo lembro Beleza tem assim como meu pai meu avô também tinha sete irmãos como ele também era conhecido por saber construir ou concertar qualquer coisa e gostava de caçar eu me lembro tem um momento que ele ficou muito emocionado e eu fiquei muito emocionado também que é quando eu tava contando a história do cachorro quando seu cão de caça mais querido adoeceu cobe a meu pai sacrificá-lo e ele meu avô amava tanto esse cachorro que ele
não conseguiu matar o próprio cachorro meu pai tinha 12 anos ele entrega uma espingarda de boca dupla então uma mega esping devia ser do tamanho do meu pai e fala vai lá e mata aí o pai conta assim ele corria pra frente ele voltava ele me cheirava E chegou a hora que eu precisei atirar nele tá emocionado Pai tô chegou a hora que eu precisei atirar nele meu pai tinha 12 anos você quer que eu pare quer que eu continue quer que eu continue mais um pouquinho tá para terminar essa história continua meu pai tinha
12 anos e eu devia ter essa mesma idade quando ouvi a história pela primeira vez aos 12 ele já havia abandonado a escola e já assumia esse tipo de Missão penso em meu pai adolescente realizando um sacrifício em nome do seu pai para poupá-lo da dor é bonita essa história também é eu acho vamos parar por hoje é por hoje chega que que você achou dessa última História é meio emocionante você lembra dos detalhes de quando [Música] aconteceu bom agora vem a partezinha final do livro tá esse capítulo é um capítulo mais pesado que é
sobre tratamento no último capítulo O Zé mais do que em qualquer outro trecho do livro escreve na condição de filho não o filho de 8 anos que se viu forçado a ser adulto Mas na condição do filho adulto de verdade de um filho que foi capaz de olhar pro pai e entender que existe um motivo para ele ser como ele é uma história Nem sempre o olhar que a gente tem pros nossos pais é tão Generoso assim sim Leva tempo para chegar aí tempo e conversa porque a gente precisa descobrir o que aconteceu antes da
gente chegar para eles serem assim o meu pai aprendeu a cozinhar coisa rara entre homens de sua geração as longas distâncias entre restaurantes e a necessidade de economizar com a alimentação exigiam que ele cozinhasse na beira da rodovia dispondo de um FZ poucos atos eu já te conto um cozinheiro primoroso desenvolveu ao longo do tempo um vasto cardápio próprio o meu prato favorito é a polenta que ele prepara no ponto perfeito mais mole do que dura com um molho de frango ensopado e um ovo frito por cima com a gema bem mole dessa vez você
não fez polenta né Não mas não deu tempo filha mas ele também é conhecido entre amigos e parentes pelo seu arroz carreteiro pelo frango assado com batatas e linguiça calabresa pela maminha preparada na cerveja pela lngua de boi no molho vermelho e por uma fejoada de comer ajoelhado pelo menos a feijoada teve ontem né comer feijoada até hoje sempre que falamos pelo telefone ele faz questão de perguntar se eu já jantei muitas vezes diz meu maior medo é que vocês passe fome quando eu li esse trecho essa frase eu estava deitada numa cama confortável num
apartamento bem grande pelo menos pros padrões de Nova York o aluguel por mês custava cinco vezes o meu salário mas não era eu quem tava pagando eu ganhei uma bolsa para passar umas semanas nos Estados Unidos com tudo pago trabalhando numa redação americana mas essa linhazinha me lembrou de onde eu vim me lembrou de uma história que a minha irmã me contou na época quem tava fora do Brasil era ela morando na Suíça fazendo doutorado minha mãe que fala pouquíssimas palavras em inglês tinha ido visitar ela em Zurique minha irmã saiu para trabalhar e quando
ela voltou ela encontrou a minha mãe esperando ela com jantar pronto e uma geladeira cheia de comida minha irmã ficou me incomodada sem entender porque a minha mãe tinha comprado não só os ingredientes para cozinhar mas mais coisas iogurte geleia manteiga umas coisas meio caras a resposta da minha mãe foi que a geladeira estava vazia e ela tem trauma disso minha mãe me passou fome na infância e na adolescência na nossa primeira conversa depois de eu me instalar nesse apartamento em Nova Yorque Ela me perguntou Você tá comendo bem eu sabia o motivo da pergunta
nos últimos anos ele tem se dedicado a fazer marmitas para os dois filhos que trazemos com conosco quando visitamos Jaú em cima de cada marmita então assim conta aqui que você faz as marmitas né que a gente pega quando para Jaú E aí eu conto em cima de cada marmita Ele cola uma etiqueta em que descreve o prato Aí eu escrevi aqui do jeito que o pai escreve em cima das etiquetas carne moída feijoada arroz com s no final carreteiro linguiça com s as palavras vêm assim escritas da forma como ele as Ouve essa é
a arte de sua ortografia tão pessoal e verdadeira quanto a comida que ele prepara eu gosto do jeitinho que vem escrito em cima recentemente ele comprou novos potes mais resistentes para preparar as marmitas E aí o pai fala assim vai durar mais e eu ainda vou cozinhar bastante para vocês quando eu os Visitei pouco depois da cirurgia nos sentamos no quintal de casa logo depois do jantar em noites quentes ele costuma descansar ali aqui fora né em noites quentes ele costuma descansar ali numa cadeira de balanço Aí eu pergunto pro pai você senta aqui para
tomar um ar fresco e pensar na vida não é pai você responde ah pensar na vida a vida é a vida não tem muito o que pensar é a última frase do livro Eu acho esse um dos grandes aprendizados de ouvir meu pai eu acho que já passou por situações de risco a vida tantas vezes que eu acho que ele tem uma relação de muito h não é de ausência de medo não não é isso mas de um Realismo muito grande o realismo de que e a finitude existe ela ela se coloca ela se impõe
e o máximo que a gente pode fazer é viver que que você quer dizer que a vida não tem muito que pensar eu sempre penso nessa frase você não pensa muito na vida não adianta não adianta pensar no dia 26 de novembro de 2023 o Zé publicou no Instagram que o pai dele tinha feito a última viagem o Didi morreu naquela madrugada poucos minutos depois do Zé chegar em Jaú para visitar ele o Zé escreveu que o pai dele teve uma vida grande e que essa vida se multiplicou com as histórias que ele contou que
eles dois contaram pai pintou e bordou dessa terra filho graças a Deus conheceu muita coisa né velho fiz você na estrada essa história você vai contar outro dia a detalhe mas agora não tá mais grav não tá gravando mas depois essa eu quero contar que conte em detalhe que tem muita coisa para contar dessa história toma uma aguinha aí essa foi a Natália Silva produtora da Rádio novelo obrigada por ficar com a gente até o final de mais um episódio do rádio novela apres presenta a gente vai tirar o nosso já tradicional recesso entre o
natal e o ano novo então vamos pular a quinta-feira que vem e reencontrar vocês em 2024 para quem quiser matar a saudade eu recomendo fortemente que reescalar é o Episódio número seis essa semana no nosso site tem fotos do Zé e do Didi e também do passeio da Bia pela fazenda do João um agradecimento especial a Brut tatu uma super artista e fã de carteirinha da novelo que fez a arte desse Episódio pra gente essa imagem também tá no site da novelo e a Bruna tá com o projeto de ilustrar todos os episódios do apresenta
no Instagram dela que você consegue conferir no @ bratu os desenhos são muito lindos os episódios do r de novela apresenta estão disponíveis nos principais aplicativos de áudio você pode seguir a gente no Spotify no Apple podcasts e no Amazon music na dezer é só favoritar também dá para se inscrever no Google podcasts no cast box e no canal da Rádio novelo no YouTube e não esquece de seguir a rádio novelo no Twitter e no Instagram no @ rádio novelo e marcar a gente sempre que for recomendar ou comentar sobre algum episódio o rádio novelo
apresenta é um original da Rádio novelo a gente tem o apoio da Open society foundations tem Episódio novo toda quinta-feira a direção criativa é da Paula escarpim e da flora Thomson Dev e a produção executiva É do Guilherme Alpendre a gerência executiva é da Marcela casaca e a gerência de produto é da Juliana yeger nossos produtores Sênior São o Vitor Hugo Brandalise a Evely argenta a Bia Guimarães e a Sara zel as produtoras da nossa equipe são a Bárbara rubira a Natália Silva e a Júlia Matos a checagem desse Episódio foi feita pela Luisa Silvestrini
e pelo Bruno Lima nesse Episódio a gente usou música original de Aline Gonçalves e também da Blue dot a mixagem é do pipoca sound o desenvolvimento de produto e audiência é feito pela Bia Ribeiro o design das nossas peças foi feito pela taa gompers e a nossa analista administrativa e financeira É a Tainá Nogueira muito obrigada E a gente se vê no ano que [Música] vem