A programação do espírito - INÉDITA PAMONHA #17

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Clóvis de Barros
Neste episódio: reflita sobre a ociosidade e a tristeza segundo o pensamento de Montaigne. Se inscr...
Video Transcript:
[Acorde de violão] [Buzina de carro] Começa agora Inédita Pamonha, por instantes felizes, virginais e irrepetíveis. [Fundo musical] Quinta-feira chegou e na quinta, você sabe, é Inédita Pamonha que chega junto. Chega com o patrocínio de Eastman Chemical do Brasil.
BNP Paribas Asset Management e Profuse Aché. Inédita Pamonha. Podcast semanal de reflexão sobre a vida.
[Fundo musical] Bem, hoje dou a palavra a Montaigne. Montaigne que nos seus ensaios, mais especificamente no capítulo oitavo. Fala da ociosidade.
Nossa, eu com 55 anos quantas vezes me pego antecipando a vida a viver, pensando sobre o devir da minha existência e desejando ficar de papo pro ar. E de papo pro ar olhando pro teto, olhando para o céu, o espírito vaguearia à Puxa foram tantos anos focado, concentrado dedicado à tarefas, lendo, produzindo. Que tal agora, já mais pro final da vida, em tempo de maturidade avançada, que tal deixar o espírito à vontade com a rédea solta, para que pense no que quiser, vaguei pelas paradas que bem entender.
Que pare onde quiser parar e observe o que quiser observar? Como seria bom se fosse assim, sempre pensei, mas aí eu li o capítulo oitavo dos Ensaios de Montaigne e o que ele propõe é exatamente o contrário. Não há nada pior para o espírito do que esta suposta liberdade para passear pelos cantos que bem entender.
Montaigne aposta que se você resolver deixá-lo à solta, ele trará desagradáveis experiências, ele dará causa a afetos tristes, apequenadores, afetos que você não gostaria de sentir. Ele compara o espírito a solta com terreno baldio e ervas daninhas tomando conta, sem freio, sem programa, sem foco. Por isso Montaigne é partidário que você conceda o espírito sempre uma atividade, porque quando entretido por esse trabalho dirigido, era assim que na escola chamávamos, aí ele estará impedido de ir solto e faceiro por onde ele achar melhor, ele estará impedido de produzir conteúdos de consciência devastadores.
Conteúdos de consciência macabros que certamente povoarão a tua mente se você não colocá-lo nos eixos. [Fundo musical] Nossa! O que Montaigne propõe então é que ficar de papo para o ar não é nada legal e portanto é preciso sempre dar ao espírito uma atividade programada.
Toda vez que você estuda isso acontece, afinal de contas aqui mesmo, falando sobre esse capítulo de Montaigne, o que eu estou fazendo é colocar o espírito a serviço da produção desse discurso, assim ele está focado numa problemática e impedido de ir fuçar onde não deve e me proporcionar representações de mundo que eu não quero. Toda vez que na aula de matemática resolviamos uma equação do segundo grau, uma derivada, uma integral, também estávamos com espírito entretido. Talvez mais do que nunca, focado na resolução daquele problema.
Como também na física, com os problemas de cinemática. Como também na química, decorando a tabela periódica. E até mesmo nas Ciências Humanas, investigando as causas da Revolução Francesa, estudando as bacias hidrográficas e por que não aprendendo com Platão sobre o Mito da Caverna.
Então todo esse período de estudo é um período que preenche de maneira dirigida o espírito e o impede de vaguear a solta. Hora, na filosofia aprendemos que o ócio, o ócio verdadeiro, é o tempo para estudar. O tempo para dirigir o espírito, o tempo para torná-lo fértil.
É essa atividade programada que permite, graças a nossa inteligência, dar ao nosso próprio espírito um destino, uma direção, um programa de atividade. Perceba, então, que o ócio da filosofia é exatamente o contrário da ociosidade do título de Montaigne. Pensemos agora naquilo que Montaigne combate.
Quando o espírito vaga à solta, para onde que ele vai? Para onde ele costuma ir? Assim poderemos entender quais são as consequências nefastas desses passeios descontrolados.
Imagina que você entrou no ônibus com destino a sua cidade natal, no meu caso aqui, pego rápido o Ribeirão ou a Cometa e vou para Ribeirão Preto. Quatro horas de viagem de ônibus, tô na janelinha e o espírito vagueia solto. Aquilo que eu vou vendo não captura o espírito, o mundo vai passando sob a minha vista na velocidade determinada pelo motorista, o veículo, mas o espírito este não tá capturado pelas paisagens da janela, o que ele está é realmente em plena liberdade e aí o que pode vir à mente é o passado, o passado que talvez tenha sido bom, mas aí me enche de nostalgia, de saudade diríamos nós.
E a nostalgia é um afeto cheio de hibridismo, afinal quando passado foi bom é inevitável contrastá-lo com o presente imediato. Menos bom, tão menos bom que nos remeteu a um passado melhor. Pior ainda seria que o espírito vagasse por passados nada auspiciosos, experiências entristecedoras, devastadoras, apequenadoras.
Quando isso acontece são dois os tipos, aquele passado que demos causa e nos arrependemos, e aí o espírito nos joga, aí mesmo, na culpa, no arrependimento. No remorso. Às vezes o passado ruim tem como causa o mundo, o mundo dos acontecimentos que se impõe, o mundo das variáveis que não controlámos, o mundo decidido pelo outro, por exemplo.
E neste caso, nesse caso somos tomados pelo ressentimento, o ressentimento de ter vivido o que não gostaríamos de ter vivido. [Fundo musical] Muito bem, o espírito pode ao invés de ter ido para trás, pode nos levar para frente. Antecipar mundos, antecipar experiências, antecipar a nossa presença diante das coisas, e aí são duas as possibilidades: a primeira delas, a mais comum, pelo menos para mim, é quando o espírito antecipa o que não é bom de acontecer.
O espírito antecipa aquilo que eu não gostaria de encontrar, o espírito proporciona antecipadamente um encontro apequenador, entristecedor, e aí eu não quero que aquilo aconteça, mas o espírito levanta essa possibilidade. E nesse caso ele me joga no temor, no medo, no receio. Claro que o espírito pode correlatamente, como que virar a mesma moeda do temor e me jogar na esperança, na esperança de uma ocorrência contrária à aquela temerária.
A esperança de uma ocorrência boa, mas a esperança que num primeiro momento pode ser entendida por auspiciosa, por boa, por generosa e por alegradora, essa esperança será sempre na impossibilidade, ou pelo menos na incapacidade de fazer advir ali mesmo a ocorrência esperada. Assim a esperança, ela denuncia a minha impotência, porque se fossemos potentes para fazer advir o mundo esperado não esperaríamos, faríamos advir ali mesmo. A esperança também denuncia a carência, denuncia o desencontro, denuncia um presente que ainda não coincide com o mundo esperado, denuncia a falta de gozo, a falta de contato, a falta de realidade.
A falta de atrito. Ah, a esperança, a esperança denuncia tanta coisa que nos falta e assim ficamos vagueando, hora temendo, hora esperando. Dois lados da mesma moeda, dois lados inseparáveis, porque como já sabemos quem teme espera pelo contrário, mas quem espera também teme pelo contrário.
[Fundo musical] Claro que qualquer direção do espírito poderia nos tirar, se tivéssemos esse empenho, poderia nos tirar tanto do passado quanto do futuro. Definindo um presente que nos entretenha. Claro também que o passado pode ser programado e neste caso o espírito não vaguearia à solta e não nos surpreenderia com seus conteúdos tristes.
Sim, poderíamos fazer do passado um projeto do espírito, e aí faríamos um inventário programado de ocorrências, neste caso programando o espírito para inventariar o passado, estaríamos a salvo das suas surpresas. Da mesma maneira o futuro não precisa estar à deriva, o futuro também pode ser dirigido, também pode ser programado em forma de projeto. Projeto criteriosa e sistematicamente definido.
Com fases, subfases, etapas e neste caso dando ao espírito que tem o futuro por objeto uma programação, também nos impediríamos das suas surpresas que nos trazem tanto temor e tanta esperança temerária. [Fundo musical] E aí é claro, Montaigne nos brinda com um "grand", mas um "grand finale", preste atenção! Se a tentação é imensa de ficar de papo pro ar deixando vagar à solta na ociosidade da aposentadoria ou do final de semana, em atividade de atrito com a ponta dos dedos naquilo que protege a produção das sementes da fecundidade.
Saiba, é protetivo da vida a programação do espírito, o trabalho dirigido. E assim cada um sabe de si. Eu gravo este podcast, que durante os últimos quinze minutos me impediu de tanta tristeza, mas você?
Você não precisa fazer o mesmo, afinal é outro. É singular, é distinto. Programe o seu espírito como achar melhor, mas dê a ele um foco, assuma a sua presença no mundo, foque a sua consciência para o que está fazendo, só terá a ganhar com isso.
A atividade de lavar a louça, esta poderá ser feita com o espírito destrambelhado, sem rédeas e aí não se queixe depois de não gostar de lavar a louça, porque o espírito fez a atividade se deixar acompanhar de conteúdos de consciência que te reduziram a pó. Na hora de lavar a louça, você tem a chance de programar o espírito para coincidir com experiência, e aí você perceberá que focando a mente no lavar a louça, Permitindo-se estar onde de você está, a vida será protetiva da vida, como diria o Tio Ali e todos aqueles da sabedoria Árabe, "que Ala te proteja de ti". Naturalmente, a hora que você pensa sobre a possibilidade de se proteger de si mesmo você entende que é convidativo para você e protetivo da tua existência não dar sopa para o azar e não deixar o espírito fuçar onde não deve, essa tal da livre associação de ideias que diante do terapeuta te faz ir aqui e acolá será sempre na programação da terapia, portanto dê ao espírito um programa espiritual e segundo Montaigne, sempre segundo ele, a vida será melhor.
[Fundo musical] Era esse o nosso podcast desta quinta-feira. Inédita Pamonha, um oferecimento sempre generoso e entusiasmado de Eastman Chemical do Brasil. BNP Paribas Asset Management e Profuse Aché.
Se você gostou. E só neste caso. Quinta-feira que vem a gente volta para voltar a falar sobre a vida e dar à palavra aos sábios para que você possa avaliar, na liberdade da tua lucidez, se o que eles estão dizendo é bom para você ou não.
Fique bem! Você ouviu o Inédita Pamonha, por Clóvis de Barros Filho, trazido até você pela revista INSPIRE-C. Acesse: www.
revistainspirec. com. br E nos siga nas redes sociais!
Este podcast foi editado por Rádiofobia - Podcast e Multimídia.
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