PRÍONS: A doença que DERRETE o seu cérebro

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Ciência Todo Dia
Há mais de 400 anos, uma terrível doença foi descrita em uma das obras mais trágicas e conhecidas da...
Video Transcript:
Uma história de ambição, poder e loucura. Uma disputa por um trono é capaz de expor o que há de pior no ser humano. E eu não tô falando de Game of Thrones.
Há mais de 400 anos, William Shakespeare escreveu uma das tragédias mais sombrias da literatura. A tragédia de Macbeth. Mas o que poucos sabem é que essa obra talvez seja uma história sobre uma doença terrível que destrói cérebros e pode ser que não seja só mais uma história de traições e assassinatos.
E se a loucura de Macbeth não fosse apenas fruto da sua consciência pesada, e sim de uma misteriosa doença neurodegenerativa? Uma doença que desafia a lógica e a ciência até os dias de hoje. O fato é que cientistas encontraram na obra de Shakespeare indícios de que Macbeth convive com uma doença causada por Prions.
A loucura de Macbeth pode ser interpretada tanto como um problema psicológico, quanto como deterioração neurológica e cognitiva. Os sintomas como movimentos involuntários, alucinações e insônia não são apenas indícios de alguma doença degenerativa, eles são indícios de que a doença é causada por prions. Prions não podem ser destruídos nem mesmo com fogo, e se você for infectado por eles, não tem volta.
Você não pode vê-los, e se você sentir algo, já é tarde demais. Ninguém sobrevive. Mas o que exatamente são prions e por que eles são tão devastadores para seres vivos?
Só bem rápido, antes de eu falar sobre Prions, eu só queria dizer que existe uma outra coisa extremamente devastadora para seres vivos, que é não aproveitar oportunidades perfeitas para aprender coisas novas. E eu digo isso porque esse vídeo foi feito em parceria com a Alura, que é a melhor escola online de tecnologia para você aprender as habilidades mais quentes do mercado. O curso de Lógica de Programação com JavaScript, por exemplo, é um dos mais famosos da Alura, e ter essa habilidade pode ser a diferença que faltava no seu currículo.
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Mas não demore. Clique aqui e comece a aprender algo novo hoje mesmo. No século XVIII, pastores espanhóis observaram uma doença que, em um primeiro momento, tinha um efeito bem estranho.
Ela fazia ovelhas se esfregarem contra as cercas. E não muito tempo depois, as ovelhas morriam. Essa doença ficou conhecida como Sheep's Scrapie, ou tremor episoctio de ovelhas.
E a origem dela era um mistério que levou séculos para ser resolvido. Na época, a comunidade científica ainda nem concordava se existiam micróbios que causavam doenças. Não havia uma certeza sobre o que causava as doenças.
Para muitos pastores, as ovelhas tinham sido possuídas por espíritos. E dois séculos mais tarde, em outro canto do mundo, dois cientistas descreveram uma doença neurodegenerativa que possuía bastante similaridade com o que estava acontecendo com as ovelhas e fazendo elas ficarem doentes. Ambas as doenças começavam com uma alteração no comportamento do indivíduo que, eventualmente, levava à morte.
A doença descrita por esses dois cientistas hoje é conhecida como Doença de Creutzfeldt-Jakob. E junto da misteriosa condição que atingia as ovelhas, faz parte de um grupo de doenças conhecidas como encefalopatias esponjiformes transmissíveis. Doenças que literalmente transformam o cérebro do indivíduo em uma esponja.
E, pior de tudo, são transmissíveis. Mas aqui entra um detalhe que só aumentava o mistério dessas doenças. Elas não eram causadas por bactérias, nem vírus, muito menos fungos.
Nada conhecido que causava outras doenças explicava o porquê dessas encefalopatias existirem. E para encontrar uma explicação, foi necessária uma revolução no nosso entendimento sobre como os agentes causadores de doenças infecciosas podem se multiplicar. Fungos, vírus e bactérias usam código genético, DNA ou RNA, para se reproduzirem.
Mas essa nova infecção nem sequer usava código genético. A origem dela era uma proteína que recebeu o nome de prion e garantiu o Nobel de Medicina e Fisiologia em 1997 para o seu descobridor, Stanley Prusiner. Para que você consiga entender o quão inusitado é uma proteína se replicar e causar infecções, eu preciso fazer um rápido parênteses.
Toda a vida na Terra é baseada em código genético, e a função dele é servir como uma espécie de manual de instruções para gerar proteínas. Sempre que um ser vivo se reproduz e dá origem a um novo ser vivo, o código genético é multiplicado para que esse novo ser vivo também seja capaz de sintetizar proteínas. Mas se tratando de prions, é como se a gente pulasse essa primeira etapa que até então nós considerávamos essencial.
Os prions não precisam de material genético nem nada parecido para se multiplicar. Eles já são a proteína, eles já são o resultado final. Mas então, como que uma proteína pode se replicar, ser infecciosa e causar doenças tão graves?
Para responder a essas perguntas, é preciso que a gente entenda melhor o que é um prion. O seu corpo já tem proteínas que podem virar prions caso você seja contaminado. Essas são as proteínas prionicas normais, que estão em diversas células do seu corpo, principalmente nas células do sistema nervoso central.
As evidências apontam que a função das proteínas prionicas normais é ajudar a remover o excesso de cobre no sistema nervoso e atuar na morte celular programada. Mas nós ainda temos muito a entender sobre a função dessas proteínas. O prion que provoca a doença é uma versão alterada da proteína prionica normal, que são as proteínas prionicas anormais, aberrantes.
Para a proteína atuar no organismo, não basta ela ter a composição certa, ela precisa ter também o formato certo. A maneira como uma proteína atua no organismo não é definida só pela composição dela, mas também por como essa proteína se dobra no espaço. Proteínas compostas pelas mesmas substâncias, só que dobradas de diferentes jeitos, podem se comportar de maneiras diferentes.
E um prion é uma proteína prionica que se dobra errado no espaço e se comporta de forma diferente das proteínas normais, causando uma doença. Isso lembra muito como células normais do corpo podem ser alteradas e se tornarem malignas, causando câncer. As proteínas prionicas podem se dobrar de forma defeituosa e se tornarem malignas, virarem prions, que é uma doença.
Só que prions, diferente de câncer, podem ser transmitidos para os seres vivos. Prions são proteínas com um formato anormal que causam doenças, são transmissíveis e que o nosso corpo pode produzir por acidente. Normalmente, quando uma proteína produzida apresenta algum defeito, o nosso corpo tem mecanismos para destruir essas proteínas mal dobradas.
Inclusive, esse processo é um análogo bioquímico de picotar papel com tesoura ou passar uma folha de papel em uma máquina de picotar. E é isso que acontece com a maior parte das proteínas dobradas do jeito errado, salvo pelos prions. Os prions não são destruídos pelas nossas células.
Eles conseguem escapar do sistema que destrói proteínas defeituosas. E é daí que surge a infecção por prions. E é a partir daqui que as coisas começam a ficar estranhas.
Uma infecção por prions não é nem vírus, nem bactéria, nem fungo e nem sequer tem código genético. Então como os prions se multiplicam sem ter o código genético que o resto da vida usa para se multiplicar? Como que isso pode até ser transmitido?
Como que uma única proteína faz tudo isso sozinha? Quando prions se ligam a outras proteínas normais, elas transformam as proteínas normais em prions. Então prions não estão se multiplicando, mas sim modificando as proteínas que já existem no seu corpo e transformando elas em novos prions.
Uma infecção causada por um prion nada mais é do que uma alteração das proteínas normais. Basta um único prion para alterar as proteínas normais ao redor e criar mais prions, que então podem alterar as proteínas mais próximas e transformar elas em mais prions também. E aí o resto você já sabe.
A alteração estrutural de um prion pode ser replicada em outras proteínas normais, o que espalha prions por todo o corpo e desencadeia a doença. Sabe aquela história de que uma laranja podre estraga todas as outras? É basicamente isso.
Um prion que se dobra de maneira incorreta vai fazer com que outros prions se dobrem incorretamente quando ele se ligar às proteínas prionicas normais. E aí a doença pode se instalar e provocar danos, especialmente no sistema nervoso central. E isso explica como os prions se multiplicam e como eles causam a doença.
Mas como exatamente os prions passam de um ser vivo para o outro? O quão grave a doença? Vamos começar pelo exemplo mais famoso.
Você lembra de já ter escutado notícias sobre a doença da vaca louca? A doença da vaca louca, que é uma encefalopatia esponjiforme bovina, acomete bois e vacas. A doença pode ocorrer espontaneamente, quando uma proteína priônica normal de um boi ficou mal dobrada, e então acaba provocando alterações neurológicas no animal.
Aquela história de transformar o cérebro em esponja. É assim que uma doença priônica pode começar sem precisar ter sido transmitida. Mas como eu falei agora há pouco, a doença também pode ser contraída, como uma infecção.
E uma forma disso acontecer é quando rebanhos se alimentam com rações feitas a partir das vísceras de animais que contém prions. Ou seja, se um prion entrar no corpo do animal vindo de fora, ele vai produzir mais prions, usando as proteínas prionicas normais do animal e vai começar uma infecção prionica. Quando aparecem casos de doença da vaca louca, é recomendado não ingerir a carne desses animais devido ao risco de humanos se infectarem.
Ou seja, consumir um prion pode desencadear a reação em cadeia de transformar suas próprias proteínas em prions, desencadeando a infecção. E é assim que prions podem contaminar outros animais a partir de um primeiro animal infectado. O próprio Macbeth pode ter se infectado consumindo carne contaminada.
Na obra de Shakespeare, antes da manifestação dos sintomas, o Macbeth se encontra com um trio de irmãs estranhas, que oferecem para ele poções contendo vísceras de animais e humanas. Justamente o tipo de órgãos e tecidos que podem carregar prions infecciosos. Não fica claro se Macbeth realmente ingeriu as porções, mas se ele ingeriu, ele pode muito bem ter contraído uma infecção prionica.
Então fica a que eles são, cuidado com porções misteriosas de bruxas estranhas. Pra piorar, se um pedaço de carne está contaminado com prions, cozinhar não ajudaria como ajudaria em outros tipos de infecção. Os prions são resistentes ao calor do fogo da sua cozinha e também ao frio do seu congelador.
Não existe nenhum processo usual de cozinhar que destrói os prions. Não é nada fácil destruir prions e prevenir a doença. Os prions infecciosos são resistentes, inclusive à digestão.
Nem mesmo o ácido do seu estômago destrói eles. E por causa disso, os casos da doença da vaca louca são frequentemente monitorados, muitas vezes levando a suspender a comercialização de alimentos possivelmente contaminados. Prevenir que prions se espalhem é importante porque não existe uma boa forma de destruir eles.
E assim como bovinos, o maior perigo é que nós, humanos, também podemos pegar infecções de prions. As doenças prionicas em humanos não são tão diferentes das encefalopatias que bois e oveiras sofrem com prions. O sistema nervoso central está cheio de proteínas que podem virar prions.
E se os prions chegarem lá, eles vão fazer mais prions, usando as proteínas que já existem no seu cérebro. Prions são realmente destruidores de cérebro. Por exemplo, a doença de Creutzfeldt-Jakob é um tipo de encefalopatia espongiforme que afeta humanos.
E nessa doença, a desordem cerebral costuma levar à demência e a uma série de outros sintomas. Problemas como insônia, distúrbios de sono, alterações emocionais, alucinações visuais e auditivas, tremores, convulsões. Inclusive, se Macbeth tivesse contraído a doença de Creutzfeldt-Jakob por conta da poção misteriosa, ele teria apresentado os exatos sintomas que ele apresenta na obra.
Shakespeare obviamente não sabia dessas proteínas priônicas que podem causar doenças, mas ele provavelmente usou histórias reais como base para os sintomas do Macbeth. Shakespeare pode ter acidentalmente criado um caso de doença de Prion sem mesmo saber da doença. E é fascinante como o avanço do nosso conhecimento pode mudar como nós olhamos para coisas escritas séculos atrás, quando nós não tínhamos nem ideia de como doenças infecciosas funcionavam.
Menos ficcional, mas igualmente trágica, é a história da tribo Fore que habita a Papua Nova Guiné. A tribo sofria de um número notável de uma doença neurodegenerativa que eles chamavam de Kuru. A primeira hipótese é que a doença era hereditária, e por isso ela afetava tantos membros da mesma tribo.
Mas o antropólogo Daniel Carleton Gajdusek investigou a doença mais a fundo e ele notou similaridades entre a doença Kuru e doenças como a vaca louca e a doença das ovelhas. Gajdusek conseguiu usar os restos mortais de membros da tribo decimadas por Kuru para infectar primatas, e ele provou que a doença era contagiosa. A tribo Fore praticava canibalismo, os casos da doença Kuru pararam.
Na época os prions não eram conhecidos, mas em retrospecto fica claro que a história da tribo Fore é um exemplo de infecção de prions se espalhando por consumo de carne contaminada. Gajdusek recebeu o prêmio nobel de medicina em 1976 pelo seu trabalho. Então agora que sabemos de onde os prions vem e como eles se espalham, inclusive em humanos, só resta uma pergunta.
Como exatamente os prions afetam o nosso corpo? Nas doenças prionicas, o cérebro é o local mais atingido justamente por ser um órgão que contém alta concentração da proteína prionica normal. Mas como exatamente um prion que dobrou errado destrói um cérebro inteiro?
Lá no cérebro, o prion vai transformar as proteínas prionicas normais em prions, que são as proteínas anormais. E cada novo prion vai conseguir transformar outras proteínas em mais prions, gerando uma reação em cadeia. Primeiro, as proteínas prionicas normais vão ficando em número reduzido e então elas não vão estar disponíveis para executar suas funções normais.
E além disso, as proteínas anormais geradas pelos prions vão se acumular em agregados insolúveis de proteínas que o corpo não consegue destruir. E o que segue é a morte das células nervosas, que são as células que formam o seu cérebro e o sistema nervoso central. Uma das causas prováveis da morte celular é a formação de vacúolos, que é como se fossem bolhas dentro das células do cérebro.
E essas bolhas talvez se formem por conta do excesso de cobre nas células, que normalmente teria sido removido pelas proteínas priônicas normais, mas que agora viraram prions. E aí as células do cérebro vão morrendo e as funções neurológicas vão se deteriorando com o tempo, gerando o tipo de sintoma que Macbeth teve até sua morte, que foi causada por um rival e não por prions. Atualmente, doenças causadas por prions resultam em evolução da doença e morte.
Nós não sabemos tratar doenças de prions. O que é assustador, mas calma. Doenças causadas por prions são muito, mas muito raras.
A forma esporádica da doença é a mais comum, e ela ocorre com a formação espontânea de um prion no organismo, e a frequência disso acontecer é mais ou menos de um caso a cada um milhão de pessoas por ano. A forma hereditária da doença e as formas transmissíveis são mais raras ainda. Mesmo que exista a possibilidade de você pegar uma infecção por prions ingerindo carne ou por causa de uma transfusão sanguínea, essa possibilidade é mínima.
Prions com certeza estão entre as piores doenças que podem infectar um ser humano. A ideia de lentamente perder suas capacidades mentais é bem assustadora. E não é à toa que Shakespeare usou o tipo de sintoma que os prions geram como uma forma de criar drama na sua história.
Mas prions existem. E essa é uma verdade que nós não podemos mudar. O que nós podemos fazer é estudar a doença mais a fundo e talvez um dia desenvolver tratamentos ou formas de prevenir ela.
No passado, doenças como tuberculose eram fatais e hoje existem tratamentos adequados. Então, esse vídeo não é o fim da história dos prions. Nós ainda temos muitas descobertas para fazer e quem sabe daqui a alguns anos eu faça uma nova versão desse vídeo, só que no final explicando uma possível cura.
Muito obrigado. . .
ou não. Eis a questão.
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