Estados Unidos, União Europeia e China costumam compartilhar os holofotes em discussões sobre mudanças climáticas por serem as maiores economias e grandes emissores de gases poluentes. Mas o Brasil tem um papel fundamental na luta pelo controle do aquecimento da Terra. E não é só por causa da Amazônia.
Sou Nathalia Passarinho, repórter da BBC News Brasil, e hoje eu vou falar de três fatores que tornam o Brasil essencial para evitar efeitos catastróficos das mudanças climáticas. Vamos direto a eles. O primeiro é o volume de emissões de gás carbônico.
As pesquisas mais recentes colocam o Brasil em quinto ou sexto maior emissor de gases do efeito estufa. Só por estar entre os top 10 grandes poluidores, ele já seria importante para alcançar as metas do chamado Acordo de Paris. Só para lembrar, esse acordo foi assinado em 2015 por mais de 100 países, entre eles Estados Unidos, União Europeia e Brasil.
E prevê que as nações adotem metas de redução de emissões para limitar o aquecimento da Terra em 1,5 graus Celsius até 2100. O planeta já está cerca de 1,2°C mais quente do que no século 19. Segundo cientistas limitar a subida da temperatura da Terra a 1,5°C é essencial para evitar as consequências mais dramáticas das mudanças climáticas, como desertificação em várias áreas do planeta, inclusive do Brasil, desparecimento de países formados por ilhas e alagamento permanente de bairros e cidades inteiras.
As emissões de gases do efeito estufa estão diretamente relacionadas a esse aquecimento acelerado do planeta. E uma forma de medir a responsabilidade de um país no controle climático é calcular o volume de CO2 que ele liberou na atmosfera ao longa da história. Acontece que uma nova pesquisa sobre acumulado histórico de emissões de gás carbônico põe o Brasil entre os maiores poluidores do mundo – está em quarto no ranking de emissões desde 1850.
A China, gigante emergente que só pretende começar a reduzir suas emissões a partir de 2030, é apontada como o segundo maior emissor de gases do efeito estufa no acumulado histórico, atrás dos Estados Unidos – que é, de longe o maior poluidor, responsável por 20% do CO2 global. O levantamento foi feito pelo think tank internacional Carbon Brief e leva em conta dados de emissões de queima de combustível fóssil, mudanças no uso do solo, produção de cimento e desmatamento de 1850 a 2021. E por que o Brasil de repente apareceu como grande poluidor histórico?
Pesquisas anteriores só consideravam no cálculo as emissões decorrentes de queima de combustível, sem incluir a poluição provocada pela destruição de florestas. A mudança de metodologia alterou a lista de top 5 maiores poluidores. Antes, eles eram Estados Unidos, China Rússia, Alemanha e Reino Unido.
O estudo atualizado, publicado em outubro, inclui Brasil e Indonésia entre os grandes emissores, por causa da liberação de CO2 na atmosfera causada pelo desmatamento e manuseio do solo ao longo dos últimos 171 anos. Segundo essa pesquisa, é a partir de 1950 que o desmatamento nos dois países começa a aumentar pra valer e, com isso, as emissões explodem. Para complicar esse cenário, a emissão de CO2 pelo Brasil aumentou muito nos últimos dois anos.
Era de se esperar que com a pandemia e a paralisação de serviços, voos, e comércio, a poluição diminuísse no mundo todo. Foi o mais ou menos isso que aconteceu mesmo. Mas não no Brasil.
Enquanto a média de emissões globais diminuiu sete por cento em 2020, as emissões do Brasil cresceram quase 10% em plena pandemia, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. A poluição gerada pelo setor de energia diminuiu com a quase paralisação da economia – caiu 4,5%, no ano passado. Mas os aumentos no desmatamento das florestas e nas emissões provocadas pela agropecuária foram tão grandes a ponto de puxar os números para cima.
Então o Brasil é um dos maiores emissores do mundo em gases de efeito estufa atualmente. Provavelmente o quinto ou sexto lugar nas emissões anuais e ainda historicamente o quarto maior em emissor. Então, tem obrigação de também cumprir com a sua parte e reduzir emissões, apesar de ainda ser um país em desenvolvimento e que tem desafios para a redução de pobreza e redução de desigualdade.
O segundo fato que coloca o Brasil como país fundamental na luta contra as mudanças climáticas é, claro, a Amazônia. Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, explica que algumas áreas de alta absorção de carbono da atmosfera, como a Amazônia e as geleiras do Ártico, podem, sozinhas, colocar as metas de controle climático a perder se deixarem de existir ou sofrerem muita degradação. A floresta ajuda a equilibrar o clima do planeta, ao capturar e estocar enormes de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases do efeito estufa.
Uma pequena parte do CO2 que as árvores absorvem no processo de fotossíntese é emitida de volta para a atmosfera durante sua respiração. A outra parte é transformada em carbono e usada na produção dos açúcares que a planta necessita para seu metabolismo Quando árvores são derrubadas, parte desses gases é liberada para a atmosfera e novas absorções deixam de ocorrer. Existem hotspots de emissão no planeta que, se acionados, colocam a perder a meta de 1,5ºC.
Groenlândia, os oceanos, o ártico e a Amazônia. A Amazônia estoca o equivalente a cinco anos das emissões globais. Junta todo carbono de cinco anos de emissões do mundo, isso está estocado na Amazônia em forma de árvore e no solo.
Se a gente perde a floresta a gente perde a corrida pela manutenção do equilíbrio do clima. Agora por que a floresta Amazônica absorve tanto carbono? Por ser composta em sua maioria por floresta primária, a Amazônia tem uma capacidade maior de absorção de CO2 que áreas replantadas e reflorestadas em outras regiões do Brasil e do mundo.
As florestas primárias são aquelas que se encontram em seu estado original — não foram afetadas ação humana. Por serem mais antigas, elas têm mais diversidade de espécies e guardam mais gás carbônico. Isso porque é lá que vivem árvores de centenas ou milhares de anos de idade que agem como um enorme armazém de dióxido de carbono.
A quantidade de carbono em uma árvore é medida pela espessura do tronco, esse tronco armazena, em forma de biomassa o carbono. Por isso, quanto mais antiga uma árvore, mais carbono ela costuma armazenar. E a derrubada de uma árvore dessa vai provocar uma liberação maior de carbono.
Um dos efeitos do desmatamento é liberar o CO2 guardado na floresta de volta para a atmosfera, pela queimada ou pela decomposição da madeira cortada - processos que transformam o carbono das árvores novamente em gás. Por este motivo, os cientistas temem que a região deixe de ser um armazém de carbono e se transforme em um importante emissor de CO2, acelerando os efeitos da mudança climática. Um estudo publicado na revista científica Nature revelou que, por causa do aumento das queimadas e desmatamento, a floresta amazônica brasileira liberou 20% mais dióxido de carbono na atmosfera do que absorveu entre 2010 e 2019.
O temor é que, se o desmatamento continuar nesse ritmo, a floresta chegue no “ponto de não retorno” – como é chamado o momento em que a degradação, em conjunto com as mudanças climáticas mudam de maneira irreversível o ecossistema tropical da floresta. Segundo o biólogo americano Thomas Lovejoy e o climatologista brasileiro Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP, esse “ponto de não retorno” será alcançado quando entre 20% e 25% da floresta original forem desmatados. No ritmo atual, isso aconteceria em cerca de 30 anos.
Atualmente, pouco mais de 18% de toda a floresta original foi desmatada, de acordo com dados do projeto de monitoramento Mapbiomas. Se a Amazônia alcançar a Amazônia alcançar o tal ponto de não retorno, as metas atuais de controle das mudanças climáticas caem por terra, segundo cientistas. Agora, o terceiroe último ponto.
O Brasil é crucial para evitar um dos efeitos mais temidos de um aquecimento terrestre que supere 1,5 graus – a falta de alimentos. O Brasil é um dos maiores fornecedores de alimentos do mundo – é o segundo maior produtor de carne de boi, segundo maior exportador de soja, além de ser grande fornecedor de carne de frango, milho, entre outros. O problema é que as mudanças climáticas ameaçam a agricultura em várias partes do planeta, inclusive no nosso país.
Segundo relatório climático da ONU, o aquecimento da Terra já está provocando mais secas no Nordeste e norte de Minas Gerais, afetando a produção agrícola. E isso pode piorar. No cenário atual, a gente já tem dois, antes a gente tinha um, agora tem dois eventos de seca a cada dez anos, ou seja um a cada cinco, vamos dizer assim.
Em um cenário de quatro graus, a gente tem cinco eventos de seca severa a cada dez anos, ou seja, ano sim, ano não. Muitas dessas áreas perdem a capacidade de serem áreas produtivas para a agricultura Já a agricultura no Sul, Sudeste e Centro-Oeste é diretamente impactada pelo desmatamento na Amazônia. Cerca de 70% das chuvas que irrigam as plantações nessas regiões de potência agrícola vem da floresta.
E só 5% da agricultura brasileira tem sistema de irrigação artificial. O que coloca o Brasil numa situação muito vulnerável ao clima. Para o bem ou para o mal, todos esses três fatores que eu citei estão interconectados.
Se você reduz o desmatamento, garante o volume atual de chuvas no Sudeste e controla emissões, porque mais de 70% da liberação de gás carbônico no Brasil vem da destruição de florestas e da agropecuária. Por outro lado, o oposto também é verdadeiro. Quanto mais desmatamento, mais emissões, mais secas, menos produção de alimentos.
É isso por hoje. Espero que você tenha gostado do vídeo. Até a próxima!