Vida ESPIRITUAL e vida INTELECTUAL: o lugar especial da DIVINA COMÉDIA no meu livro AMOR À SABEDORIA

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Victor Sales Pinheiro
Neste, que é o terceiro evento de lançamento do meu livro Amor à Sabedoria, fui convidado pelos amig...
Video Transcript:
Obrigado, Lourdes! Vocês têm uma pessoa tão virtuosa, tão dedicada, tão engajada aqui no grupo. E eu vejo, pela cara de vocês, pelo semblante, uma aura muito boa. Que bom! Já conhecia esse grupo. Eu acho que eu tinha sido convidado ali por 2021 ou 2022 para falar do meu outro livro "A Crise da Cultura e Ordem do Amor", por meio de um aluno e amigo, Samuel Lobato. Ele, eu realmente não tinha tempo, e eu disse: "Fala tu mesmo do meu livro, se tu acha que meu livro tem alguma coisa a dizer". Eu tenho uma foto
que guardo com muito carinho dele, com vários de vocês, talvez, ou outros, falando do meu livro. Depois, eu vi que a minha amiga Ana Luí veio aqui, depois o meu amigo Lucas, e que bom que deu certo. E presencial sempre é melhor, né? Eu acho que a gente tem que usar o online, usar o digital, mas nunca ficar preso nele; senão a gente fica, né, preso no digital. E que bom também que eu posso dar a vocês um pouco mais do que uma palestra, que é o livro, né? Porque a linguagem escrita tem um poder
e uma força diferente da linguagem oral. As duas são complementares. São João, por exemplo, no quarto evangelho, quando acaba, diz: "Se fossem escrever tudo e todas as coisas que Jesus Cristo fez e disse, nem todos os livros do mundo caberiam", né? Cristo é a palavra de Deus, e Cristo, essa palavra de Deus, se fez carne, habitou entre nós e não escreveu nada. A única coisa que a gente vê, o único momento que a gente vê Cristo escrevendo alguma coisa no Evangelho, é naquela passagem do apedrejamento da adúltera, em que ele escreve com o dedo na
areia: "Aquele que nunca pecou, atire a primeira pedra", né? Fora isso, Jesus não foi visto ou não foi registrada nenhuma palavra escrita de Jesus. Escrever na areia significa que não dá para guardar, né? Talvez o gesto dos apóstolos seria de: "Vamos tentar guardar essa areia aqui, vamos tentar registrar isso", mas não dá, porque a areia... é como se Jesus não quisesse petrificar e cristalizar nenhuma palavra, porque é isso que o texto escrito faz. O texto escrito, ele registra. E por isso que, graças a Deus, Cristo escreveu, mas se escreveu muito sobre ele, e a Igreja
reconheceu quatro Evangelhos canônicos, depois muitas cartas de Paulo, ou atribuídas a Paulo, como no caso da carta aos Hebreus, as cartas de Tiago, Pedro, Judas, João e o Apocalipse, que formam o cânone do Novo Testamento. Isso quer dizer que a nossa fé tem uma dimensão literária. A tradição judaica já tinha se baseado no texto escrito, por exemplo, e Deus deu a Moisés as tábuas da lei, escritas pelo seu próprio dedo, segundo o livro do Êxodo. Isso é algo bastante... é uma passagem da revelação que facilmente a nossa razão duvida e quer interpretar metaforicamente. Não, isso
é uma metáfora, na verdade. Claro que foi Moisés que escreveu, e para dar mais autoridade ao texto, disse que recebeu escrito de Deus na pedra. Depois, quando o profeta Jeremias diz que a antiga aliança foi escrita em pedra e foi imposta e não foi vivida, e que a Nova Aliança será escrita no coração, que é de Cristo, né? E será vivida de dentro para fora, digamos assim, né? Escrita no coração. Então, a gente vê muitas alusões à palavra, desde o Antigo Testamento, à palavra de Deus. E Deus falou, e essa palavra Deus falou oralmente. Moisés
e Arão reproduziram, sobretudo, verbalmente, oralmente, e depois se escreveu. O Pentateuco, por exemplo, é atribuído a Moisés. Se o próprio Moisés tivesse escrito os cinco primeiros livros do Pentateuco, né? Depois, é atribuído ao profeta Samuel os livros de Samuel e assim por diante, né? Digo "atribuído" porque não se sabe ao certo, do ponto de vista histórico, quem escreveu; para a gente, também não faz muita diferença, porque a gente crê que é revelação, a gente crê que é inspirado pelo Espírito Santo, que é o autor, em última instância, da Sagrada Escritura. E por causa disso, porque
a gente tem um livro, que é a Bíblia, e que é o livro mais importante da história, e que é um livro divino, que é um livro sagrado, que é uma coleção, uma coletânea de livros, uma biblioteca de 73 livros: 46 do Antigo e 27 do Novo Testamento, surgiu desde o começo uma rica tradição literária cristã. Por isso, vocês terem um clube de leitura e se dedicarem à formação intelectual é muito importante. E eu acredito que a grande renovação pela qual passa a nossa Igreja no Brasil depende também de um fortalecimento doutrinário e intelectual. Depende
dos livros. A gente tem grandes sacerdotes pregadores no Brasil, hoje em dia, vocês sabem: dois que são grandiosos, o Padre Paulo Ricardo e o Padre José Eduardo, por exemplo, são homens de letras, homens de estudo, homens que conhecem a filosofia, que conhecem a teologia, que já leram muito, né? Então, dois exemplos de sacerdotes que estão fazendo um bem enorme pela boa e reta doutrina que eles colheram nos livros. A gente teve dois grandes Papas intelectuais escritores: o Papa Bento XV e o Papa João Paulo I. E, na história da Igreja recente, mesmo, a gente pode
falar do Papa Pio XII, do Papa Pio X, Leão XI... Todos esses são intelectuais. Os sacerdotes estudam filosofia, estudam teologia, e nós, leigos, devemos também, obviamente, estudar e ter a leitura em alta conta. Portanto, parabéns pela iniciativa do clube de leitura! Eu acho... eu não sei os livros que vocês já selecionaram, mas que o meu livro, que eu venho lançar aqui com vocês, "Amor à Sabedoria", pode ajudar na seleção de livros e na explicação de algum. Desses livros que merecem ser lidos, que eu explico na introdução do meu livro: boa parte do meu trabalho foi
encontrar obras que me guiassem no caminho da sabedoria, mesmo antes de eu estar convencido que a sabedoria é Cristo, é o Logos de Deus. A palavra de Deus é o caminho, a verdade e a vida, a fonte da qual emana toda luz, toda a sabedoria, toda a verdade que, espraiada em outras obras, em outras pessoas, dos Santos, eu adquiri o hábito da leitura. Então, eu leio muito há muito tempo, e boa parte do meu dia é dedicada a isso. Eu percebi que se eu só lesse, eu não assimilaria a leitura. Então, eu logo comecei a
escrever e a ensinar. Eu sou professor na faculdade de direito e, obviamente, nunca obriguei os alunos de direito a quererem saber de filosofia, de teologia, de literatura, embora devessem, embora eu tente convenci-los, embora eu ensine também tudo isso a eles. Então, eu criei esses cursos livres de filosofia e teologia, comecei a ensinar Platão, a ensinar Santo Agostinho, a ensinar Dante, de quem eu vou falar hoje para vocês, Santo Tomás, Aristóteles, porque eu precisava entendê-los; eu precisava estudá-los. E, quando a gente tem um compromisso de ensinar, a gente aprende muito mais, né? Por isso que aqueles
que têm talento intelectual, têm vocação intelectual, leem a Sagrada Escritura, leem o catecismo, leem livros espirituais, têm, de algum modo, o dever de partilhar o que leem. Então, nada impede que vocês sentem com três, quatro, trinta; não interessa a quantidade. Digam: "Olha, acabei de ler esse livro aqui, esse livro é maravilhoso! Me chamou atenção esse e este ponto. Eu pesquisei um pouquinho mais, vi que tem esse e esse outro ponto." E pronto! De acordo com a profundidade e a extensão que vocês queiram, vocês terão feito um grande serviço, principalmente se conseguirem estimular a pessoa a
ler por ela mesma, né? E é isso que eu tento fazer no meu trabalho como professor e no meu trabalho como escritor, que são duas vertentes convergentes de um mesmo ato de participar do Logos de Deus, de participar da palavra de Deus. Quando a gente... o que é a oração que a gente fez aqui? Oração vocal, né? Vem do Espírito Santo e Ave Maria. A gente fala palavras formuladas, fórmulas litúrgicas, a gente se une à Igreja; são orações litúrgicas, orações públicas e oficiais da Igreja que nos unem à Igreja no mundo inteiro, né? Ainda que
falemos em português, isso tinha uma dimensão de ser falada em latim, para que todos falassem exatamente a mesma palavra. Mesmo que a gente use o vernáculo, a gente fala a mesma coisa que todo mundo está falando, invocando Nossa Senhora, invocando o Espírito Santo, nosso Senhor Deus Pai, etc. Então, da mesma forma, quando eu falo de Dante, quando eu falo de Santo Agostinho ou quando eu falo de Cristo diretamente no Evangelho, como eu tô falando nesta introdução, eu tô participando espiritualmente daquilo que eu estou dizendo. Então, tem um poder muito grande a fala. Vejam: Cristo é
Deus. Fala, Deus fala. E a fala de Deus é tão poderosa que é uma outra pessoa, que é Cristo. E Deus ama, e o amor de Deus é tão poderoso que é outra pessoa, que é o Espírito Santo; o Espírito Santo é o amor de Deus. E é Deus. Cristo é a palavra de Deus e é Deus. Então, quando a gente fala de Deus, como agora, ou quando a gente fala com Deus, que é mais importante ainda, a gente tá, de algum modo, ufl esse espírito em nós e nos outros, porque a palavra é difusiva
e o sopro é. Por isso que a palavra tá ligada ao sopro de vida, né? Jesus sopra! Cristo, Deus sopra o Espírito Santo, né? Sem esse sopro, portanto, palavra e espírito... Se quiser apertar aqui, eu não sei se tem lugar para sentar aqui. Não sei se pode, ou no chão, para mim não tem problema. Fiquem à vontade. E aí surge a pergunta: muito bem, o que eu leio? Eu já disse: os dois livros mais importantes que todo católico tem que ler, conhecer e saber são a Bíblia e o catecismo. E isso tem que ser aos
poucos; tem que se tornar pouco para vocês. A Bíblia e o catecismo têm que ser lidos e relidos até morrer! Tudo lá não tem que rodar, gente! Nossa religião não é a nova... eu vou inventar aqui uma coisa, você vai errar; você quer ter criatividade? Você vai ser... eu lembro do grande Chesterton, que tá contemplado aqui no meu livro. Tentei inventar a minha ortodoxia e percebi que repeti uma antiga heresia, né? Você quer ter o seu cristianismo? Então tá! O novo é só o esquecido — segundo Chesterton. Você não vai ser o primeiro a errar
a Trindade ou a virgindade de Maria; você vai errar, não tem erro! Você vai errar por causa do pecado original e porque o demônio. Agora, se você obedecer, for fiel, aí sim, você vai longe. Essa é a ideia da literatura católica, como a de Santo Agostinho e a de Dante. Mas, antes de entrar neles, eu queria mencionar essa dimensão da vida intelectual ligada à vida espiritual. O primeiro ensaio do meu livro é sobre a vida intelectual, que é um livro do grande Sertil, que eu acho que muitos já devem ter ouvido falar, porque essa expressão
"vida intelectual" está popularizada em um certo meio digital e cultural brasileiro atual. Então, um brasileiro tem comprado mais livros; não sei se tem lido, isso é outro problema, né? O meu livro pode ser comprado e não ser lido porque a capa é linda. Então, você, professor: eu comprei, mas não vou ler. Tá bom! A casa agradece, o pão das crianças agradece, mas pelo menos poste, mesmo que você... Não leia, poste a capa e me marque. Então, a vida intelectual nada mais é do que levar a sério o pensamento e, quanto mais nós pensarmos, mais será
qualificada a nossa oração. Quanto mais nós entendermos a liturgia da palavra, a Sagrada Escritura — uma festa, por exemplo, hoje gente — de São Francisco de Sales, você pode escutar uma homilia de 5 minutos, você pode escutar "O Falar com Deus", que é um belíssimo livro, ou ler "O Falar com Deus" do Padre Francisco Fernandes Carvajal, publicado pela Editora Quadrantes, mas disponível gratuitamente no site "Ablar com Deus" e no aplicativo de São José Maria Escrivá. Ou você pode ler uma biografia de São Francisco de Sales, ou você pode ler a "Filoteia" de São Francisco de
Sales, que é uma maravilha, ou você pode ler o "Tratado do Amor de Deus", que é um calhamaço de 500 páginas, que é um tratado de teologia mais profundo, mais desafiador, mas que você não tem pressa, e você vai entender porque ele fala do Evangelho, já que é o "Tratado do Amor de Deus". E você experimenta o amor de Deus, e você vive o amor de Deus, passiva e ativamente. Você se sente amado por Deus; senão, você não estaria aqui. E você quer amar como Deus amou, você quer viver a caridade que eu chamo aqui
de ser a forma das virtudes. A caridade é a forma das virtudes cristãs. Você tem um ensaio aqui sobre a caridade como modulação das virtudes cristãs, como modulação do amor de Deus. Então, a vida intelectual nada mais é do que se dedicar a questões que despertam o nosso interesse para além da profissão, para além do ganhar pão, para além do dinheiro. E essas questões são, na minha opinião, de três ou quatro ordens: filosóficas, teológicas, literárias e históricas. Ou seja, questões históricas, como era o contexto da Reforma Protestante. São Francisco de Sales era bispo de Genebra,
uma das capitais da Reforma, uma cidade protestante que é a cidade de Calvino, segundo grande reformador, depois de Lutero. Você sabe quem foi Calvino? Você conhece um pouco do calvinismo, um pouco da doutrina dele, um pouco do que ele fez em Genebra? Vale a pena conhecer. Ah, professor, eu não tenho tempo, sou de outra área, eu sou do marketing, sou advogado. Tá bom, você tem quanto tempo? 15 minutos? Então, a leitura espiritual: São José Maria Escrivá dizia que uma hora de estudo para o apóstolo moderno é uma hora de oração. Você tem que servir a
Deus com a sua inteligência; estudar é uma obrigação grave. E vocês, provavelmente, que estão num grupo jovem, desse que recebe um professor, um escritor, que tem um clube de leitura, têm vocação intelectual e, portanto, têm a obrigação de servir a Deus com a inteligência. Não interessa quão profunda é a inteligência de vocês, não interessa se vocês são grandes intelectuais eruditos que sabem grego, hebraico e latim, ou se vocês mal sabem o português. Interessa que, o que tiver ao alcance de vocês, vocês têm que realizar. O talento que Deus lhes tiver dado tem que ser fecundado
e multiplicado. Ou seja, o apostolado, a leitura, a leitura espiritual, a inteligência, o cultivo da inteligência vai beneficiar diretamente a vida espiritual de vocês, a vida de piedade de vocês. Vocês vão poder ficar mais perto de Deus em São Francisco de Sales, no dia de hoje, por exemplo, com muito mais calor, com muito mais fervor. No dia de São Bento, no dia de São Francisco, no dia de Santa Maria, Nossa Senhora do Brasil, Imaculada da Conceição. Quanto mais vocês tiverem cultura religiosa, literatura religiosa, quanto mais conhecerem a vida dos santos e os grandes doutores, como
São Francisco de Sales, que é um dos grandes doutores da Igreja, mais vocês vão articular fé e razão. Esse pedido não é meu; esse pedido é do Papa João Paulo I, do Papa Bento XV e do Papa Francisco, que recentemente publicou uma carta sobre o papel da literatura na formação do cristão. No começo, ele ia se voltar só aos presbíteros, só aos sacerdotes, mas depois resolveu expandir para todos. Gustavo, por exemplo, é um médico. O que impede de um médico ou uma médica também terem uma formação religiosa, intelectual e cultural proporcional ao nível tão complexo
e exigente de um curso como a Medicina? Quer dizer que eles vão ser excelentes médicos, intelectualmente capacitados, com uma formação longa, um vestibular concorrido, com uma especialização, residência de anos e milhares de informações, e vão ser neófitos na religião? Profissionalmente, médicos, mas na religião, amadores? Não tem sentido isso! Cada um tem que adquirir a formação intelectual proporcional à sua capacidade, ao seu tempo. Então, na capa do meu livro, que vocês podem contemplar se o tiverem na mão, está o grande modelo disso tudo, na minha modesta opinião, que é Santo Agostinho de Hipona, que é um
símbolo da inteligência católica, da piedade intelectual católica, de um coração iluminado pela verdade. Alguns símbolos dessa capa podem ser reconhecidos de imediato. Talvez o mais evidente seja o coração: um coração apaixonado, um coração inflamado. Quando foi perguntado pelos fariseus qual era o maior dos mandamentos, nosso Senhor disse: "Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua mente, entendimento, com toda tua força" — força moral, força intelectual, força afetiva, né? Toda a nossa vida tem que ser consagrada a Deus; senão, a gente não sabe nem quem é Deus. E Santo Agostinho
entregou-se por inteiro. Mas um outro símbolo, muito caro, que a tradição usou para representá-lo, é o da luz e do fogo. A luz, como vocês sabem, é a inteligência, é a razão, é a verdade que ilumina. Então, a paixão pela verdade, a paixão intelectual pela verdade que estava em São Paulo, que estava em... São João, que já são grandes escritores, que já são intelectuais, por assim dizer, filósofos, por assim dizer. São Paulo era um que nós chamaríamos de intelectual. São Paulo era intelectual grego, cidadão romano e fariseu. Muito obrigado, minha amiga. Ele estudou sobre Gamaliel,
ele é a fina flor da inteligência judaica do tempo, a fina flor da argumentação do tempo; conhecia tudo, conhecia o direito romano, sabia ao Imperador, conhecia a filosofia grega, citava poetas gregos, Menandro, falava do epicurismo, do estoicismo, citava as escolas, se situava muito bem. Santo Agostinho é considerado, no ocidente latino, na nossa tradição, digamos, europeia ocidental, a grande fonte do que ficou conhecido como literatura cristã e arte cristã. Então, é claro que o clube de leitura de vocês já tem os livros, já escolheram a seleção de livros? Lourdes, ainda não? Não, não poderia; não é
recomendado que Santo Agostinho fique de fora de uma seleção como esta, se vocês ainda não o leram em grupo ou individualmente, tá? E Santo Agostinho escreveu... ela fala ainda há pouco; a Lourdes apresentou dizendo que a literatura clássica e a literatura cristã, por providência, não nascem com Adão, não nascem com Abraão, não nascem, como eu disse, do próprio Cristo. Cristo não foi um escritor; outros fundadores de religião, como Maomé, foram escritores. No islamismo, ou seja, o fundador é um escritor, e o Corão é poesia. É a alta poesia árabe, né, que pertence à tradição árabe,
mas que já eleva a tradição árabe para um outro nível, tá? Esses fundadores, como Santo Agostinho e como Dante, na poesia. Então, Santo Agostinho é o grande na prosa e Dante é o grande na poesia, e provavelmente esses são os dois maiores autores da literatura católica, da literatura de inspiração católica, que vem da Bíblia, mas não só da Bíblia. Se é católico, se é cristão, a fonte máxima é a Bíblia, a fonte primeira é a Bíblia; fala de Cristo, em última instância. Só que tanto Agostinho quanto Dante tiveram inspirações pagãs. Quando a gente fala em
literatura clássica, eu não sei quais são os nomes que vêm à mente de vocês, mas deveria vir à mente Homero, por exemplo. Esse é o primeiro grande clássico da tradição grega, e nós somos greco-romanos, judaico-cristãos, por assim dizer. Então, a igreja é a síntese de Atenas e Jerusalém em Roma. Atenas, capital da Grécia, não era capital, mas era o polo da Grécia, Jerusalém, né? E Roma, a igreja é romana, mas a língua era grega. O Novo Testamento foi escrito em grego até São Jerônimo traduzi-lo, depois, do antigo para o latim na Vulgata, a pedido do
Papa Damaso, no século IV, V. Quarto, na época de Santo Agostinho. Santo Agostinho mesmo não tinha toda a Bíblia, e por isso uma das coisas que ele diz nas Confissões é que não gostava do grego da Bíblia, não achava bom. Por quê? Porque ele estava pautado em uma literatura muito bela, que é na prosa de Cícero e na poesia de Virgílio. Portanto, o modelo literário de Santo Agostinho para ele escrever boa prosa latina é Cícero, e um grande modelo literário de Dante para escrever boa prosa no toscano nascente, no dialeto toscano que virou o que
hoje nós temos como a língua italiana, no vernáculo, é Virgílio. Isso quer dizer que Homero está para os gregos como Virgílio está para os latinos, para os romanos. É a grande, é a Bíblia deles, entre aspas; de fato, é o livro que fala dos deuses, das origens, da vida, da morte, do amor, das guerras. É a Bíblia deles, literalmente. E os cristãos aceitam Homero e Virgílio no que eles têm de belo, de verdadeiro, de bom, de justo e de louvável, e principalmente a capacidade que eles tiveram de construir um monumento literário, assim como na arquitetura.
Por exemplo, os cristãos assimilaram as formas gregas e romanas da basílica. Por exemplo, a basílica foi a forma arquitetônica católica até o século X, quando os cristãos criaram uma forma católica arquitetônica própria, e que muitos, eu entre eles, considera que supera a forma arquitetônica da basílica, que é a catedral gótica. Isso aí é propriamente da Igreja Católica, mas ela não pode inventar uma forma arquitetônica como a catedral se ela não tivesse a basílica, e a forma da basílica é romana, pagã, é o lugar da rainha, né, do basileu, do rei e da rainha, e era
uma instituição política, porque para eles a religião e a política estavam completamente fundidas. Então, eu resolvi apresentar a vocês, propus isso à Lourdes, uma obra que é muito importante para tudo isso, que é a Divina Comédia de Dante. É uma obra que eu demorei a entender, demorei a assimilar, demorei a... e nunca é uma obra tão enorme que ela nunca é abarcada por inteiro. Ela é inexaurível, inesgotável, né? Mas eu acho que consegui, no ensaio do meu livro, inserir alguns dos principais argumentos que capacitam a que vocês leiam a obra. E, principalmente, mesmo que não
forem lê-la, eu cito dezenas, senão uma centena, de versos da Divina Comédia. E eu convido a que vocês abram o livro, no sumário, procurando o texto 14. Tem mais livro aí, com certeza; para quem não tiver o livro nas mãos, eu peço que distribuam. Com certeza tem mais livro aí, porque sobraram. Ontem, alguém deu alguma pergunta? A gente está em casa, tá? A gente está literalmente na sala de casa e somos uma família. Agora é o momento, se vocês quiserem, de fazer alguma pergunta de ordem geral sobre vida intelectual, literatura cristã, as fontes clássicas. Diga,
meu amigo! Já que para fazer a pergunta... E algumas pessoas católicas, inclusive, que cursam colégio no Brasil e tal, tomaram uma opção... eu não sei se... Uma influência americana ou algo do tipo é o seguinte: vamos ter só autores explicitamente católicos. A parte pagã não é necessária, legal, mas as obras, especialmente as católicas, são suficientes. Então, mitologia grega, Homero e tal. Os romanos não são necessários, porque tudo já está contido no catolicismo. De certa forma, fiquei indignado, só que eu não consegui contra-argumentar de forma razoável, né? Então eu queria saber: poderia falar? E qual seria
a origem dessa visão? Que eu acho que, provavelmente, é a questão americana mesmo, de eram católicos e acabaram certo puritanismo, né? Mentalidade. Isso mesmo, essa é a resposta certa. Isso é influência do fundamentalismo protestante biblista, que se foca na Bíblia e se fecha ao resto, como se a Bíblia fosse autossuficiente. Mas a Bíblia, literariamente, tem fontes humanas fora dela, e estudá-las não significa negar a inspiração divina da Bíblia. Em segundo lugar, além do fundamentalismo protestante americano, você está coberto de razão que é puritano também, tá coberto de razão de origem calvinista. Também talvez um certo
tradicionalismo que vê a Igreja de modo um pouco fechado em relação ao mundo secular e tem uma visão um pouco clerical de que a sociedade teria que se clericalizar. Função social, né? Por isso, o colégio tem que ser confessional. Por isso, há uma visão muito estreita da confessionalidade da fé, e é uma posição que talvez seja respeitável. Eu acho, principalmente diante do caos que nós vivemos, diante da confusão generalizada que nós vivemos. Por outro lado, a postura católica mesma é de Santo Agostinho, por exemplo, que tinha a Bíblia aberta e que enfatizava a Bíblia, mas
que também tinha Cícero aberto, que também tinha Virgílio aberto. Não só porque era um pagão convertido, mas porque havia nele sabedoria humana e força expressiva. Isso é tão... porque a forma literária desses autores é extraordinária. A gente vai negar a internet? A internet foi criada por um católico. A internet, a rede social, foi criada por um católico. Quer dizer que a gente não vai usá-los? Usá-las? Claro que não, a gente vai usar a rede social, a forma de comunicação da rede social, para fazer apostolado, para evangelizar, para se comunicar. Então, a gente aprende a se
comunicar, inclusive com os não cristãos. Eu entendo perfeitamente a psicologia de quem defende isso, e mesmo a sociologia e mesmo a filosofia de quem defende isso. É um instinto de proteção, é um instinto de: vamos tentar arrumar a casa primeiro, vamos tentar pelo menos transmitir a Bíblia e não vamos tentar ensinar Dante e não confundi-lo com Virgílio. Mas eu acho que o ideal mesmo é Dante é Virgílio. É verdade que o catolicismo tem tudo; é verdade que a gente não precisa, culturalmente falando, de nada. É verdade isso. A gente não está no primeiro século, que
o catolicismo não tinha nada. A gente tem arquitetura, a gente tem música, a gente tem literatura, a gente tem poesia, a gente tem teologia, a gente tem filosofia, a gente tem política, a gente tem direito. Não tem economia. Então, o catolicismo é uma visão de mundo, é uma civilização. Isso é importante, a gente saber. Isso é o que eu digo aqui muito claramente no ensaio do Peter Kreeft: catolicismo não é uma religião subjetiva que eu gosto, que eu acho. É uma forma de viver, é uma forma de pensar, é uma forma de sentir, é uma
forma de organizar a sociedade, né? Então, o sacramento do matrimônio, por exemplo, que eu trato aqui, é a forma com que a Igreja santifica a sociedade civil. Não é a política, é a família. Por isso que se você tiver famílias católicas, a sociedade vai ser católica. Agora, se você tem famílias que vivem a sexualidade, que vivem a paternidade de forma não cristã, é claro que não é a política que vai resolver isso. A política não vai entrar no seu quarto e resolver como você se relaciona com ela. Ela pode até proibir, obrigar, ela pode até
fazer e atrapalhar muito a vivência adequada, mas é o cônjuge que vai olhar para sua esposa e vai dizer: “Eu te amo incondicionalmente.” Isso significa, por exemplo, abertura à vida. Isso significa, por exemplo, um casamento válido que não é boicotado e castrado por um método contraceptivo. Não é o Estado que vai resolver isso, é a consciência moral de cada católico que vai entender o que é o amor conjugal, né? Então, essa visão um pouco mais fechada de proteção pode servir em determinadas épocas e talvez em determinadas idades. Mas se a gente quer realmente restaurar uma
tradição católica intelectual e culturalmente robusta, a gente precisa conhecer tanto como os pagãos pensavam quanto como os neopagãos pensam, os modernos, por exemplo, com a diferença que uns vieram antes de Cristo e outros vieram depois de Cristo. E o neopagão é um pós-cristão, digamos assim. Tanto é que eu acho que você talvez saiba como eu penso, senão me apresento. Neste livro, tem uma seção dos clássicos antes de Cristo, que são dois os que eu mais estudei: os gregos, não Platão, que permeia a teologia de Santo Agostinho, de Santo Tomás, ou Aristóteles, que permeia a teologia
de Santo Tomás. Mas Homero e Sófocles, e a visão de morte de Homero é tão diferente da nossa visão de morte que ajuda a entendê-la. Sabe essa ideia? Já deve ter acontecido com vocês: quando a gente estuda uma língua estrangeira, a gente começa a conhecer melhor o português por comparação e oposição. Da mesma forma, quando você convive com uma pessoa que é budista, caramba, eu sou católico mesmo! Sabe por quê? Eu não penso assim. E você fala: como é que você pensa morte? Ah, tá, não tem nada a ver com o que eu penso. Como
é que você pensa Deus? Não, não tem nada a ver. Como é que você pensa amizade? Não tem nada. A ver, as castas dos hindus fosse completamente diferente. Você vê um muçulmano como ele considera a mulher; é muito diferente do cristão, para quem a mulher é diferente e complementar ao homem. O pagão grego via a mulher como uma propriedade, como um escravo, né? Isso é o que a gente aprende a valorizar também a nossa tradição pela sua especificidade, pela sua verdade, firmada pela oposição dialética, com o diferente que é necessário. Por exemplo, a parte central
do livro tem essas três conversões filosóficas da segunda parte. Chesterton, que é um convertido e que estudava as heresias modernas para defender a ortodoxia, cujo primeiro grande livro foi "As Heresias", antes de escrever "A Ortodoxia", que eu comento aqui num longo ensaio de quase 100 páginas. Ou Gustavo Corção, que é o Chesterton brasileiro, por assim dizer. Eu também comento aqui que ele é um grande autor que foi ateu, materialista, devoto da ciência positivista, engenheiro mecânico, burocrata, revolucionário progressista, que falou: "Isso tudo é uma bobagem." Morreu uma esposa dele; ele falou da morte dela. Nada disso
explica, e eu tô aqui com o coração esvaziado, pois minha esposa, a pessoa que eu mais amo, morreu. E eu não tenho que pensar. Ele se converte. Depois vem Homero e Sófocles. Depois, o núcleo que é a Sagrada Escritura, a partir do Peter Kreeft, que explora três livros sapienciais: o livro do Eclesiastes, o livro... vocês podem acompanhar, se quiserem, pelo sumário aqui na sessão seis: "A Celebração do Amor". Ainda tem gente sem livro; eu tenho a impressão de que há livro suficiente, acabou, pelo menos aqui, mas deve ter em outro lugar. Lourdes tá aí... Ah,
tá porque as caixas que sobraram ontem... não sei se acredito que ainda tenham. De todo modo, Eclesiastes, Jó e Cântico dos Cânticos. E o Peter explora essas obras filosoficamente, por isso que me interessou tanto, não só teologicamente. Qual é a diferença? Teologicamente, a gente encontra uma resposta dogmática da doutrina da Igreja e articula com Cristo e, digamos, resolve o que está ótimo, graças a Deus. Filosoficamente, a gente pergunta, abre, explora, investiga, questiona. Isso me atrai muito, tá? E é claro que isso não é incompatível com a abordagem teológica, porque não vai chegar a perguntas ou
respostas incompatíveis com a resposta da trinária da Igreja. Então, a fé não impede a razão, a fé não impede a cultura, a criatividade. Então, aqui a gente tem uma reprodução de Michelângelo, por exemplo. Então imagina se Michelângelo dissesse assim: "Eu não vou aprender a partir das esculturas gregas." Ele aprendeu com as esculturas gregas e esculpiu a Piatá, esculpiu Davi, esculpiu Moisés e pintou a Capela Sistina inspirado nas esculturas pagãs. Pediu autorização para o Papa, desenterrou cadáveres para estudar os músculos, para estudar a anatomia humana, para saber como é que é o tríceps, o bíceps, como
é que são os órgãos do corpo, principalmente os músculos. Tá aí Michelângelo, provavelmente o maior pintor, né? Já falei das basílicas que são formas gregas e assim por diante. Depois vem Santo Agostinho, que tá na capa, um estudo sobre "As Confissões". Depois Dante, que eu vou tratar, mas só para fechar esse argumento, depois vêm dois autores na transição da era moderna para uma sociedade que se paganizou com o cristianismo por tendências modernas: iluministas, maçônicas, positivistas, niilistas, ateístas, materialistas, que são Dostoiévski e Manzon, exatamente para tratar dessa abertura. E claro que os dois, do que é
cristão, ortodoxo, e o Manzon se conversa, é o catolicismo, mas eles não são teólogos ou santos no sentido de uma fé robusta, como São Francisco de Sales ou como São Francisco de Assis. Eles não são santos, mas eles mostram a caridade cristã permeando uma sociedade caótica, confusa, anticristã, do pecado. Então, aqui estou. Eu acho que se você não ler Dostoiévski, você vai ter um horizonte reduzido. Se você não ler o Manzon, você vai ter um horizonte reduzido. São duas obras grandes: "Os Irmãos Karamazov" tem mais de 1000 páginas, "Os Noivos", do Manzon, deve ter umas
800, mas isso não deve afugentá-los, não deve assustá-los. Leia um pouquinho por dia, aos poucos vocês vão ter lido muito mais. Alguma pergunta geral assim sobre esse aspecto? Então vamos entrar na "Divina Comédia". O sumário aqui tá... Olha, chegaram mais livros aqui. O meu amigo Gustavo tá sem... tocou no livro, comprou, tá... tocou pix, não tem? É imediato, tá? É imediato. É o mesmo ato: com uma mão você pega, com a outra você faz o pix. Tá bom, tô brincando, pessoal. Isso aqui é só o plano de aula. Por quê? Porque esse livro vem das
minhas aulas e palestras, tá? Por isso, então o nome do ensaio é "O Amor que Move o Sol e as Estrelas". A primeira grande ideia de Dante é que é colhida do Evangelho, desculpa, da primeira carta de São João. Há duas definições diretas de Deus na Escritura: uma, que Deus é Logos. Já falei: Deus é palavra, Deus é razão, proporção, inteligência, tá? É a verdade. E outra definição é Deus como amor. Deus é Caritas. É o nome de uma belíssima Encíclica do Papa Bento XVI. E Dante tinha essa compreensão de que Deus é amor. Deus
é um amor cósmico. Para Dante, em que sentido ele é o amor que move o sol e as estrelas? Os pagãos consideravam o sol um Deus e as estrelas um Deus. Por exemplo, a gente, de vez em quando, vê Vênus; a gente chama o planeta Marte ou o planeta Vênus, que é um astro, né? Tá no céu. Isso é nome de deuses latinos. A gente não sabe... O sol era Hélio; era um Deus. O mar era um... Deus é, né, e assim por diante, porque tudo era Deus, até que Tales de Mileto, um primeiro filósofo,
disse que tudo está cheio de deuses, considerando uma espécie de exacerbação da religião em tudo. Ele queria observar os fenômenos naturais, por ser considerado um dos primeiros filósofos-cientistas. E, para Dante, tudo é criação de Deus; portanto, tudo é belo, e a natureza é bela. A beleza no homem, além do corpo, é a beleza moral. Portanto, o grande tema de Dante é o amor de Deus que se expressa na criação, na beleza do Cosmos e na beleza moral das virtudes da santidade. Então, a grande imagem de Dante é a luz do sol; o que o sol
faz? O sol ilumina e aquece. Se a gente estivesse um pouco mais longe do sol, não conseguiríamos viver por causa do frio. E se a gente tivesse mais perto do sol, não conseguiríamos viver por causa do calor. Estamos na única possibilidade. Agora, estão explorando para ver se há vida, e parece que em Marte há uma camada de ozônio; não sei, parece que em Marte pode haver vida, até onde a gente sabe. E, independente disso, essa é a nossa experiência aqui na Terra: a gente tem uma distância ótima do sol. O sol pode ser iluminado, não,
o sol pode ser conhecido diretamente. Por isso, a imagem do sol é muito poderosa de Deus, porque, sem ele, nada existiria; sem ele, não há vida. O sol ilumina e permite que nós conheçamos as coisas. Por isso que a luz do sol e o calor do sol... olha aqui, também está na capa: o sol é a fonte da luz, e o sol é uma bola de fogo. O fogo não dá para parar. A luz de que se comentava na sarça ardente... se eu entendi o que ela disse, ela falou outra palavra, só brisa suave. E
a sarça ardente... acho que você usou até outra palavra em vez de centelha, centelha, né? Portanto, a sarça ardente é uma manifestação, uma epifania de Deus a Moisés no Monte Sinai, que não se consome. O fogo queima, o fogo ilumina e o fogo é uma imagem do Espírito. Por isso que São João Batista diz: "Virà aquele que é batiz em água, mas virá aquele que batizará no espírito e no fogo." Cristo diz: "Todos serão salgados pelo fogo." Cristo diz: "Vós sois a luz da terra; vós sois o sal da terra." A luz do mundo; ninguém
acende uma lâmpada para colocá-la debaixo da mesa. Ao contrário, se põe a lâmpada no altar, no candelabro, num local específico para que ela ilumine toda a casa. Então, a ideia de Dante é a seguinte: a luz deixa as coisas claras, deixa as coisas aquecidas. Luz é conhecimento, é vida, é ordem, é proporção. E essa simbologia entre os gregos estava focada em Apolo, que é o pai das musas; inclusive, poesia, que é uma musa. A música que nós chamamos é uma das artes das musas. Para a gente, a música — desculpem a redundância — é a
arte musical, instrumento, canto. Mas havia várias musas; a música era o conjunto de artes, como a dança, o teatro, a poesia lírica, a poesia trágica... até a agricultura era uma musa, filha de Apolo. A própria música que nós chamamos de música instrumental, né? A astrologia, tudo isso era musa, que era uma forma de cantar a glória de Apolo, que era o Deus da luz e da beleza do mundo. Só que nós não somos gregos pagãos. Nós não somos adoradores de Apolo; nós sabemos qual é a fonte de tudo isso: é Deus. Por isso, Dante canta
a beleza do mundo. Por isso, A Divina Comédia é formada por 100 cantos, como Virgílio e Homero; os capítulos dessas epopeias são cantos. Não tem instrumento, mas a forma lírica da poesia é rimada e ritmada. E qual é o metro? Qual é o critério? A Trindade, o três. Quantos livros compõem A Divina Comédia? Três: Inferno, Purgatório e Paraíso. Quantos cantos tem o Purgatório e o Paraíso? 33. Poderia ser 99 ao todo, se o Inferno tivesse só 33 cantos, mas ele quis, mantendo o três, fechar em 100 cantos. Por isso, o Inferno tem 34 cantos, para
que os três juntos tivessem 100 cantos, porque 100 também é um número de plenitude, de cheio, né? 100. 10 também é o número de totalidade. E, entrando, eu não vou entrar em detalhes técnicos, porque a forma da rima é a rima terça e a estrutura é a de tercetos. Então, quando vocês forem... a gente vai abrir depois; daqui a pouco, vocês vão ver que são sempre três, tá? A estrutura tem uma estrutura que é a b a b, c b c, d c na rima, tá? Então, a rima do primeiro verso é a e vai
rimar com o terceiro verso, que é a também. Mas, no meio desses dois, tem a rima B, que vai dar a toada do segundo terceto, que vai começar com B, seguido pelo C. O terceiro vai ser B de novo. Então, é como se fosse uma onda que vai e volta, que dá um passo para trás, dá um para frente, dá dois para frente, dá um para trás, dá dois para frente, vai andando mais ou menos assim. E eu vou ler algumas coisas aqui, mesmo sendo português, uma tradução, e mesmo eu carecendo de vivacidade dramática, vocês
vão perceber uma certa poesia lírica de movimento. A Divina Comédia é um movimento da alma a Deus, só que tem um empecilho, que é o pecado, que são as trevas, que é o diabo, que nos quer levar para o Inferno. A lógica do pecado original é que nós todos vamos ao Inferno. A gravitação da vida humana é para baixo, é para o Inferno. Tá? É preciso... Que haja uma intervenção divina para nos resgatar. Cristo é o nosso resgatador, o nosso Redentor, o nosso Salvador, é o Messias. Tá, não da situação de opressão política como achavam
muitos judeus da época, mas do pecado. E Ele fez isso sem pecado, sofrendo e derramando o seu sangue pelos nossos pecados. Então, Dante começa a sua epopeia. E, aqui, só para vocês se situarem no sumário: um canto de amor do sumário, depois uma montanha pela dificuldade de escalá-la e os guias que eu usei para entendê-la e que vocês podem também recorrer. Os guias de compreensão de Dante, que sozinho é muito difícil entender; primeiro você precisa de um tradutor, a menos que você saiba muito bem o italiano antigo, que é dificílimo. É raro que se saiba
mesmo o italiano; não consegue ler Dante como nós temos muita dificuldade de ler Camões ou um americano de ler Shakespeare, porque é muito antigo e difícil. Tá, depois, qual é o tema de Dante? Se eu falei que é uma poesia de amor a Deus, de busca de Deus, e é necessária a conversão. Então, A Divina Comédia é uma espécie de Confissões de Agostinho, que trata da história da sua conversão. Todo mundo, acredito, saiba disso, né? Quando você se confessa... Eu passei ali, e uma das coisas mais bonitas dessa bela Igreja são os confessionários ali na
lateral. E a gente confessa para se converter; a gente confessa, penitente, para mudar de vida, para lutar contra o pecado. A gente está nessa dinâmica que é, como eu falei, a dinâmica da Divina Comédia. Tá, comédia é o gênero das coisas que começam bem e acabam bem, começam mal e acabam bem. Comédia não é gargalhada. Um aluno meu, um dia, me disse: "Professor, estou lendo A Divina Comédia, não entendi porque ainda não ri nenhuma vez; tem alguma coisa errada? Quando é que vai começar a parte engraçada da Divina Comédia?" Não, você vai chorar A Divina
Comédia inteira. No final, você vai chorar de emoção. O choro é o normal na Divina Comédia: Dante chora, Dante cai, Dante desmaia. Não é para rir; não é comédia nesse sentido. A tragédia, por outro lado, é uma narrativa de algo que começa bem e acaba mal. Então, a tragédia é uma queda. Vocês vão ver aqui uma tragédia verdadeira, que é Antígona, de Sófocles. No meu livro, essa é uma verdadeira tragédia, marcada pela morte generalizada, como Hamlet, que eu tenho um texto sobre Hamlet — não incluí aqui, tá? Quem sabe em um próximo volume? Essa é
uma grande tragédia; eu considero a grande tragédia da modernidade, Hamlet, e a da antiguidade me parece ser Antígona. Aqui é uma comédia porque acaba bem. O cristão é otimista, o cristão é alegre, o cristão tem esperança — não de que as coisas vão resolver "Ah, não vai dar tudo certo"? — "A próxima eleição, o Brasil vai resolver". Você tem esperança disso? A próxima eleição? Não, tem que ter esperança nisso! Meu Deus do céu, eu trato da esperança política imanente no último ensaio. Você tem que ter esperança em Cristo; só nossa esperança é em Deus. O
resto é o resto. E, ao mesmo tempo que a gente considera o resto, o resto, a gente ama o mundo apaixonadamente, como dizia São José Maria Escrivá, e faz o que está ao nosso alcance para amar, ajudar, fazer apostolado e converter, sabendo que não está nas nossas forças, sabendo que é graça. Depois, eu menciono todo o contexto político de Dante entre papas e santos — entre políticos, papas e santos. Dante é um autor universal; ele fala de tudo na Divina Comédia. A Divina Comédia, no Inferno principalmente, fala muito de política, da guerra entre guelfos e
gibelinos, e de Florença com as cidades vizinhas e da Itália contra a França; não havia ainda o Reino da França, né? Devo já falar disso nas três feras que ele encontra no começo. Depois, o mundo como janela aberta. Essa passagem é uma das que eu mais gosto, junto com o poema sacro. Esses dois eixos do ensaio me agradam, sem narcisismo, porque eu os escrevi, mas pelos autores que eu cito e os argumentos que eu levanto. Porque, para Dante, todo mundo é simbólico; tudo é simbólico não porque substitui ou porque é uma metáfora, mas porque é
uma alegoria. Tudo que é material é uma alegoria do espiritual. Por exemplo, quando eu falo que os olhos são a janela da alma e que eu posso penetrar no seu espírito pelos seus olhos, todo mundo entende isso, certo? Quer dizer que você tem uma interioridade, um pensamento, um sentimento. Se eu falo assim: "Estou olhando para o seu coração", é claro que eu não sou um cardiologista. Todo mundo entende, na hora, que eu não estou falando que vou fazer um cateter — sei lá o quê. Você é médico também, tá? Percebi pela sua... pela propriedade. Todo
mundo entende que o coração é um símbolo de vida, de sentimentos, de crenças profundas, de afetos enraizados, não epidérmicos. Quando eu falo do fundo do meu coração, eu agradeço do fundo do meu ser, da minha alma. Então, para Dante, os olhos são a janela da alma, mas as estrelas, o céu, as montanhas, os animais, tudo é simbólico, e ele explora isso como ninguém. Eu nunca vi, nem Homero nem Virgílio — embora sejam inspirações de Dante, ou Virgília, entre outros —, eu nunca vi um autor tão simbolicamente rico, porque praticamente não há nenhum verso que não
traga uma imagem. E, às vezes, Dante é como se fosse um filme em que as imagens vão passando muito rápido, e a gente tem que pausar. Pausa, pausa, deixa... volta, volta. Hoje em dia é fácil, né? Pausar, voltar. Eu sou da época do vídeo cassete; não sou tão velho assim. Mas tinha que parar, rebobinar, né? Demorava. Hoje em dia a gente para, faz assim, dá dois cliques aqui, 10 segundos, porque são imagens e imagens e imagens que vão sendo apresentadas para nós. Então, vamos aqui para a página 359. É engraçado que eu estava muito cansado,
mas eu começo a falar: "Esta selva escura, áspera e forte". Primeiro, antes de ler os famosos versos iniciados da Divina Comédia, que eu acho que todo mundo tem que ler uma vez na vida, e por isso eu vou ler para vocês, eu quero ler uma citação. Não, deixa! Vamos lá, 360. O célebre começo do poema merece nossa atenção. Eu não vou mencionar aqui, mas no livro que vocês vão comprar há as referências aos tradutores que eu usei. Não foi só um, porque eu nunca encontrei, não que eu saiba italiano a ponto de corrigir os tradutores,
o que seria soberba da minha parte, mas eu nunca encontrei uma tradução que me parecesse escorreita, plenamente escorreita em português. Então, eu sempre usei, quando eu comecei a estudar a comédia, quatro ou cinco tradutores que estão aqui, e eu sempre ia comparando. Via o italiano... muitas edições são bilíngues. Repito: não sei o italiano suficiente para julgá-lo diretamente, mas sei o português. Aponte-me, pareceu que é de julgar o que me parece mais claro, mais limpo, mais compreensível. E eu coloco aqui as melhores traduções das passagens respectivas. Tá aqui, por exemplo, só para dar uma ideia: o
Vasco Graça Moura é um grande poeta português, e eu vou ler: "No meio do caminho, em nossa vida, eu me encontrei por uma selva escura, porque a direita via era perdida. Ah! Só dizer o que era é coisa dura, esta selva selvagem, áspera e forte, que de temor renova a mente, a agrura tão amarga é que pouco mais é morte." Mas, por tratar do bem que eu nela achei, direi mais coisas vistas de tal sorte. Nem saberei dizer como é que entrei; tão grande era meu sono no momento em que havia. Veraz abandonei vocês. Talvez
tenham percebido que nós lemos aqui quatro tercetos, portanto 12 versos, e são rimados, né? De uma situação que, no meio da vida, o poeta teria 35 anos, porque 70 era, digamos, a expectativa de vida dessa época. E era o meio da vida. E ele se encontrava numa selva escura, escura, por longe de Deus, longe do Sol, longe da luz que nos mostra uma via pavimentada. A selva não é o jardim; o jardim é a natureza domesticada, porque o homem foi lá e colocou as plantas, as flores. A selva é um lugar de perigo, é um
lugar selvagem: selva selvagem, como ele repete aqui, né? E ele, de repente, entrou numa espécie de êxtase, de sono, e um conjunto de imagens oníricas parece surreal que vai acontecer, porque ele começa a ver coisas. E muitos especulam se foram realmente sonhos que ele lembrava e conseguia, ou se foram delírios. Até mesmo especula-se que ele poderia ter usado entorpecentes, drogas, para estimular a inteligência, o que me parece uma hipótese muito fraca, porque há muita razão aqui, há muita proporção, há muita matemática para uma pessoa... Agora, também, por outro lado, uma imaginação como essa pode sim
ser citada por, por exemplo, Dostoiévski. Era alcatra e escreveu obras bêbado, né? Mas não tem em Dostoiévski o mesmo apuro formal que tem tanto em Tolstói quanto em Dante, né? Porque a prosa de Tolstói, por exemplo, é linda, parece poesia, né? E a poesia de Dante é toda marcada. E ele sente medo, ele sente temor, ele se sente abandonado e ele sabe que ele perdeu a via correta. Então, o primeiro gesto aqui é um gesto de humildade, de consternação, de abandono e de necessidade de uma intervenção da graça. E a gente vai já ver como
surgirão três feras demoníacas de três pecados fundamentais, que são origem de outros pecados, e três mulheres que são as suas intercessoras, por assim dizer: Nossa Senhora, Santa Luzia, padroeira dos olhos, que era padroeira de Florença, sua amada cidade, e Beatriz, que é uma figura mariana, que é sua mãe, que é aquela menina que ele olhou aos 9 anos e teve um êxtase de contemplação de Deus nos olhos dela e que considerou responsável por esse amor puro, por esse amor que o elevou até Deus. Um amor platônico no sentido próprio do termo, como um amor que
é um trampolim ou uma escada que nos eleva ao desejo de perfeição, ao desejo de bondade, ao desejo de retidão e que está purificado de paixões carnais que o tornassem egoístas ou interessados ou autorreferentes. É o amor, no fundo, como um relance do amor a Deus. Depois, vocês vejam aqui no mesmo canto, na página 361, eu separei o final do canto: "Tempo era do princípio, o matutino, e o sol ia subindo com as estrelas, que eram com ele, quando o amor divino moveu primeiro aquelas coisas belas." Então, aqui a gente tem a Aurora, a noite
escura e a Aurora, que é a dinâmica do Inferno ao Paraíso: das trevas à luz. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. E o Verbo era a luz do mundo, que resplandecia nas trevas; e o Verbo veio para os que eram seus, e os seus não reconheceram; e o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Prólogo de São João: luz e trevas. O Verbo, o Logos, a Palavra, Cristo, brilha nas trevas. A gente sempre vai ser um pequeno fósforo na escuridão. Alguns são tochas, alguns são
fogueiras, alguns realmente iluminam. Me ocorreu, me lembrei agora de uma passagem no começo do Livro dos Abraços, do Eduardo Galeano. Eu lia há muito tempo. É quando o meu amigo Álvaro Ciro foi a Belém e a gente se aproximou e ficou dois dias juntos. Eu senti isso; até escrevi num post que eu dediquei a ele. O Eduardo Galano diz que conta uma história de uma tribo que é sobrevoada e vem de cima e diz: "Vejo pequenas luzes", e cada um é uma luz, uma imagem bonita. E alguns são uma luz tão poderosa que é impossível
se aproximar sem se aquecer e se incendiar. O Álvaro é um desses. Alguém conhece o Álvaro Ciro pessoalmente? Já viu, né? O homem tem uma luz, tem um fogo, tem uma fibra, tem uma energia, não só musical; também tem essa vantagem, digamos assim, mas espiritual e moral. Os seus olhos brilham, seus braços abrem. Ele tem uma vibração, uma energia, uma positividade, um otimismo, uma alegria, né? E isso é o amor de Deus, no caso do Álvaro, isso é bastante evidente, que é o amor de Cristo que ele recebe. Ele sente que atravessa seu coração e
que ele transmite apostolicamente aos outros. Então, amor tá no primeiro canto. Agora, eu pensei: eu, bem no meio da selva escura (não interessa aqui a página que eu falo isso), ele encontra três feras que o matariam: uma pantera, um leão e uma loba. Então, isso já é uma imagem assim extravagante, extraordinária. Ele tá lá, perdido, entorpecido de sono, meio embriagado no escuro de uma selva, e de repente aparecem três feras, o assediando, e que iriam atacá-lo. O leão representa a França Imperial, cujo pecado característico é o poder, é a ira, é a intrepidez, uma coragem
exagerada, exacerbada, a sede de poder, de domínio e a morte dos Inocentes. A pantera simboliza Florença, cujo pecado é o desejo de dinheiro. Florença era um lugar de bancos e de produção econômica. O leão é o poder político, a pantera é o poder econômico, do dinheiro que acha que pode comprar tudo e que corrompe, relacionado com o pecado da ganância, da cobiça, da avareza, do materialismo e do consumismo, para usar palavras contemporâneas. Essa era a cidade de Florença. E a loba, talvez vocês saibam de imediato, é o símbolo de Roma, Roma papal, que conspurca a
época, o poder espiritual, o poder religioso, e que tergiversa e que conspurca a inteligência da fé, ensinando heresias e usando a autoridade religiosa para fins alheios. Portanto, é o desejo. Quem conhece um pouco da psicologia, por exemplo, de Platão, sabe que nós temos um desejo baixo, um desejo material, ligado aos nossos prazeres sensíveis. Está na República de Platão que é o baixo ventre, ligado ao elemento material da comida, da bebida, do prazer sexual. E eu estava em Florença, na opinião dele, como se essa parte tivesse desviada. E Dante era um florentino. O peito, na psicologia
de Platão, estava ligado à honra, ao poder, à vontade, à força, à ira. Então, aqui é o apetite concupiscente; aqui no peito é o apetite iracundo, poder. E isso era a França Imperial, o leão, e na inteligência, que é o mais nobre dos nossos elementos, a mais nobre das nossas faculdades, está a loba de Roma, conspurcando a teologia, a liturgia, a ética e assim por diante. Então, ele se vê engalfinhando e escanteado entre essas potências da alma, porque tudo na Divina Comédia fala da alma. Ontem, eu lancei meu livro na Bela Vista com cinco intelectuais
de prestígio e de relevância, na minha opinião, e que eu respeito, por isso que os convidei. Um deles foi o professor Gabriel Dev Vito, e ele lembrou o começo daquele belo livro do Étienne Gilson, "O Espírito da Filosofia Medieval", que diz que a filosofia medieval, filosofia católica, filosofia cristã, que se desenvolveu na Idade Média, não agrega nada de substancial à filosofia grega, exceto a concentração e o foco em dois únicos elementos. E o Gabriel diz que o meu livro é muito claro nisso: Deus e a alma. Só por quê? Porque o homem medieval é um
homem inteligente, é um homem sábio. Ele não tá preocupado com o cosmos. Se o cosmos pode se tornar prioritário em relação à alma, ele não tá preocupado com o que está fora de nós, se o que há de mais importante é o que está dentro de nós. O que o monge faz? O monge fecha a janela de fora para abrir a janela de dentro. Quem é mais sábio? Leia "As Confissões". Isso é o gesto de Santo Agostinho. Ele procurava fora. Santo Agostinho diz: "Eu estava preso fora de mim porque eu estava baseado nos meus sentidos
carnais." Eu estava preocupado com o que diziam de mim. Olha as redes sociais hoje em dia, por exemplo, a gente tá tão preocupado com o que dizem de nós, com quem nos segue, e menos preocupado com o que Deus pensa de nós, que é a única pessoa cuja opinião é relevante e importante. Então, Dante estava como Agostinho, preso, e por isso estava pecando e precisava superar o lobo do poder, a pantera do prazer e a loba de uma religião distorcida, que macula a nossa inteligência. Porque, para Dante, a fé não é irracional. Dante estudou teologia
tomista. Dante é um desses autores que acredita que a pessoa purificada do pecado adere à fé também pela razão. Não é só pela razão; isso é heresia. A fé não cabe na razão, nunca caberá, porque existe a graça. Você supera a razão. Eu gosto muito do Pascal quando ele diz que o último passo da razão é entender que infinitas coisas a transcendem. Agora, a pessoa não estudou, a pessoa não é sábia, não se demorou nas questões e acha que já pode superar a razão em nome da fé? Não, você não esgotou a razão para superá-la.
Dante esgotou. Santo. Agostinho esgotou, porque esses homens eram realmente intelectuais, digamos assim, mas também tiveram fé. Ao esgotar a razão, eles se apropriaram de todas as suas potências expressivas, de toda sua capacidade de falar o que eles estavam vendo, que era muito. Portanto, essas duas grandes obras, nesse sentido do Gilson, se os objetos são só Deus e a alma, a filosofia medieval é teologia e psicologia; é uma teologia psicológica, uma psicologia teológica. Veja uma psicologia moral tomista, por exemplo, que também é uma teologia, uma psicologia espiritual sobre como, na nossa alma, nós acolhemos as virtudes
teologais da fé, esperança e caridade, ou os dons do Espírito Santo: fortaleza, sabedoria, ciência, entendimento, prudência e conselho. Fortaleza e piedade; aliás, vejam desses sete dons do Espírito Santo que estão em Isaías 11.4, Isaías do Livro de Isaías: são intelectuais, sabedoria, ciência, entendimento e conselho, quatro dos sete dons do Espírito Santo. Os outros três são fortaleza, piedade e temor, né? Esses não são tão intelectuais. Agora, ciência é até sinônimo de entendimento; de sabedoria, em certo sentido, sabedoria é o maior deles. Por isso que amor é sabedoria; sabedoria se confunde com o sabor de Deus em
nós. E conselho, como é que você vai aconselhar se você não tiver inteligência, se você não tiver perspicácia intelectual, se você não tiver entendimento, ciência e sabedoria? Vai aconselhar o quê? Você vai ser um cego guiando outro cego. Bem, entremos no inferno: “Deixai toda esperança, vós que entrais.” Página 361: “Por mim se vai à cidadela ardente; por mim se vai à coitadinha dor; por mim se vai à condenada gente.” Esta é a inscrição famosíssima da porta do inferno na Divina Comédia. Vou ler 362. Vejam como essa citação aqui é do Cristiano Martins, que é outro
tradutor, respeita e divide os tercetos; mais fácil e mais didática que aquela da citação do Vasco, o graça do Vasco Graça Moura, que não divide os tercetos. Aliás, me ocorreu até pedir na próxima impressão ou edição que se dividam esses tercetos. Aqui, essa citação é dos mornos, dos tíbios, dos preguiçosos, dos medíocres, daqueles que não se entregaram completamente, daqueles que podiam ser santos, daqueles que podiam ter feito grandes coisas. São José Maria Escrivá diz: “De que tu e eu sejamos santos, disso dependem muitas coisas grandes.” Esses aqui foram tíbios. Ah, eu melhor não. Mas Deus
conta contigo. E você não conta consigo mesmo; você não confia em você. Você não é magnânimo, você não tem fibra, você é um morto-vivo, você é um sonâmbulo, você é um moribundo, você tá morto e finge que tá vivo. Sabe o que vai acontecer com você se você morrer? Você vai ser vomitado. “Lembrai-vos: fosses quentes ou frios, mas como sois mornos, vou vomitar-vos da minha boca”, diz o anjo da igreja de Laodiceia, o Livro do Apocalipse, que é uma das grandes referências de Dante, porque é cheio de imagens. Então Dante mistura, entre aspas, mistura mesmo,
não é entre aspas, não, imagens da mitologia pagã, sobretudo de Virgílio e de Horácio, com a imagem da literatura cristã, sobretudo os grandes profetas e o Apocalipse, que é o livro profético do Novo Testamento. Ali, suspiros, queixas e lamentos cruzavam-se pelo ar na escuridão, fazendo-me tremer. Por uns momentos, línguas estranhas, giro em profusão, exclamações de dor, acentos de ira, gritos, rangidos e bater de mãos produziam um rumor que eu nunca ouvira no nevoeiro sem fim, se propagando como areia que um turbilhão espira. E eu, que de horror à fronte abaixando, mestre, indaguei: “Os ais que
ouço, o que são? Que gente é esta em dor?” “Deblatas,” as almas, respondeu-me, “que aí vão são dos que pelo mundo transitaram sem merecer louvor ou execração.” Esse mestre aqui é o Virgílio, que é o poeta pagão que Beatriz mandou para conduzir Dante pelas sendas do inferno e do purgatório. Por que Virgílio? Ele só pode transitar; ele só pode entrar, ele estava no limbo, verdade. Ele só pode transitar no inferno e no purgatório por uma intercessão que Beatriz conseguiu junto a Santa Luzia, Santa Maria, junto a Jesus Cristo, nessa cadeia de intervenções. E ele tanto
que pergunta: “O que você está fazendo aqui? Como você está andando?” Porque quando você entra no círculo e for condenado no inferno, você vai ficar preso para sempre num único círculo. Não tem passeio, não tem saídinha de final de semana. A mesma coisa no purgatório. Não, no purgatório você sai para o paraíso e, eventualmente, você tem que purgar pecados diferentes. No purgatório, então, se você tiver os sete pecados capitais ainda a purgar, você vai passar pelos sete patamares do purgatório, que é uma montanha de sete terraços ou sacadas, sete andares. No inferno, não: ninguém sai
do círculo a que for condenado. Esses aqui foram condenados pela mornidão, pela mediocridade. Isso me parece muito, porque a nossa época é uma época tíbia, é uma época liberal, tolerante, no sentido da indiferença. Tanto faz, pode ser. Ninguém toma decisão, ninguém tem coragem, ninguém quer casar, ninguém quer ter filhos, ninguém quer apostar, ninguém quer se expor. Não, não é bem isso, desculpa, eu não quero lhe ofender; é uma época muito milindrosa. Leiam os Evangelhos: ninguém é assim. Cristo não é assim. Cristo veio causar o escândalo, veio trazer a espada; ele não veio agradar. Respeito humano
é um pecado grave, o que não quer dizer que você vá sair gritando em todo mundo, não é isso. Tem que ser manso, tem que ser humilde, tem que ser paciente, cortês, mas tem que ser viril, tem que ser forte, tem que se manter de pé, né? Outro dia, a gente comemorou Santa Enes, a virilidade. Aqui não, não tô falando do homem, Santa Enes era viril. Essa é uma santa de 13 anos. Viru? Sabe quem tinha piedade por Santo Enes? Sabe quem tinha devoção por Santo Eni? Santo Ambrósio, bispo de Milão, homem que debatia com
o imperador e que olhava para aquela menininha virgem que se manteve de pé e foi martirizada para não ceder o seu corpo porque ela já era casada com Cristo. Isso é força! A castidade existe, força! A pureza exige força! A pureza e a castidade não são para a gente frígida; pelo contrário, são para a gente saudável, para a gente que tem o corpo muito saudável, que tem apetite sexual, mas põe no lugar. E, para isso, é preciso força. Então, Dante vê que esses aqui são covardes e pusilânimes. Passando para a página 364: o amor nos
conduziu à mesma morte. E aí eu epigrafo esta sessão com um canto posterior, dizendo: relembra a vossa origem, a vossa essência; criados, não fostes como animais, mas donos de vontade e consciência. A gente vive uma época animalizada, uma época inclusive biologista, em que o corpo é supervalorizado. Que, se você quer ser ouvido, basta falar de neurotransmissores, basta falar de aspectos materiais, de neurônios, de cérebro, de músculo, de enzimas, de sangue, de epigenética. E aí, ah não, então é sério! É verdade que tudo isso é sério e é bom, mas a linguagem psicológica, a linguagem moral,
a linguagem espiritual também consegue e deve descrever tudo isso. Isso porque a gente considera que nós somos uma espécie de animal racional, mas a ênfase é a animalidade. Ah não, você tem que ter equilíbrio hormonal, né? Então, relatório Kinsey defendendo a masturbação como regulação homeostática do apetite sexual... isso é uma estupidez! Isso é uma estupidez sem tamanho, né, considerar o sexo do ponto de vista animal. Aqui tem um ensaio que é um dos meus preferidos também sobre o livro do grande Futon Chin, "Três para Casar", que eu prefácio com o título "A Divina Trindade do
Amor Humano". O Futon Chin fala do ateísmo e do erotismo — o erotismo no sentido que nós temos hoje, do sexo como uma espécie de necessidade fisiológica do corpo, visão freudiana, por exemplo, do princípio prazer pelo processo de canalização que vai ser articulado por sublimação. Né, tudo isso, no fundo, é uma visão animal do ser humano. E qual é o traço distintivo nosso? A vontade e a consciência, ou a vontade e a inteligência, que também podem, por sua vez, estar conspurcadas ou deturpadas. Porque os nove círculos do Inferno de Dante se subdividem em três grandes
pecados, que são aqueles que eu mencionei a partir das feras da selva escura: o pecado que destoa e desvirtua o desejo; o pecado que destoa, vamos chamar isso aqui de prazer, todo tipo de prazer. Né, crise da dopamina. A revolução dopamina! A gente percebe que tá viciado em dopamina, que é outra forma de dizer que a gente é intemperante. Tá viciado em prazer, em recompensa. A gente é curioso, a gente é, né? Mesma coisa, outra linguagem para dizer isso: ah, descobriram que a dopamina vicia! Que descoberta! Não que coisa nova, né? Que novidade que o
prazer vicia! O nome técnico é vício. E pecado vicia porque aprisiona. Porque você pode não fazer o bem que você está habituado a fazer, porque a virtude sempre exige a vontade e a liberdade, embora seja um hábito. Mas o vício, você é obrigado a fazer o que você está acostumado. O alcoólatra não tem escolha; ele vai beber. O vício na pornografia não tem escolha; ele vai praticar o pecado do onanismo, que é a masturbação. Ele tá viciado, ele não tem outra escolha, ele não é livre; ele alienou a sua liberdade no pecado. Por isso que
Dante também mostra que o pecador antecipa a experiência do inferno. Aqui, por exemplo, a gente viu na leitura passada que ele ouvia ruídos. Isso é uma coisa bem interessante. No inferno, embora se fale, se converse, Dante conversa com Virgílio. Virgílio tá no Limbo, os pagãos nobres como Sócrates e Aristóteles estão no Limbo, que é o local em que não há sofrimento, a não ser a ausência de Deus, o que já é, por si só, algo terrível. Mas não há sofrimento, não há pena no Limbo, e eles conseguem conversar com os condenados. Mas isso é uma
expedição. Porque no inferno não se conversa, só se grita, só tem ruído; é uma cacofonia tão radical que as pessoas não se entendem, porque não usam a razão, não se comunicam. Porque a verdadeira comunicação depende da razão, e a razão é Deus, é o Logos. Já no Paraíso, ninguém fala, todo mundo canta e todo mundo canta em uníssono. Todo mundo canta de forma harmônica, como se fosse um grande coro de constante louvor a Deus. Lembram? O Apocalipse cita Isaías: “Santo, santo, santo”, uma miríade de anjos e santos que ele viu. Que é o céu, que
é a liturgia celeste, que é glorificar a Deus por toda a eternidade; uma missa eterna é o banquete nupcial do Cordeiro. E é só música no Paraíso. E isso é muito lindo. Então, a fonte do pecado é desvirtuar a razão, que, por sua vez, distorce a vontade e que permite que o homem sucumba nos prazeres carnais. Por isso que o primeiro nível, o primeiro círculo do inferno será o dos gulosos, porque você não consegue controlar o prazer na mesa, você fica de algum modo submetido ao prazer na mesa. Depois vêm os luxuriosos, que estão submetidos
ao prazer venal, carnal da cama. E você fala: ah, não, mas eu sou só um pouquinho guloso! Não, você é guloso. Eu também sou, todos somos! Todos temos os sete pecados capitais. E aí, claro que para mostrar a gravidade desses pecados, ele mostra situações extremas. E a situação extrema que é uma das mais célebres, que aconteceu na época dele, foi a do famoso adultério com a cunhada ou com o... Cunhado de Piero e Francesco da rim que gerou o assassinato do traído que está em outro círculo, portanto, o círculo dos violentos, porque ele não domou
dessa vez o prazer, mas não domou a ira e acabou querendo fazer justiça. O apetite é o desejo de justiça, mas descontroladamente, porque deveria punir, mas não com a morte. Você não pune adultério com a morte; não é justo. Ele foi lá e matou a esposa e o irmão que o traiu - Piero e Francesco. Então, podemos ir para o purgatório e depois para o paraíso para a gente concluir. Alguma pergunta? A minha ideia é rapidamente responder muitas perguntas e daria isso aqui como um tira-gosto. Não é um poço sem fundo. O purgatório é muito
legal porque aqueles pecados todos já mencionei: a gula, a luxúria, o desejo, o poder, a heresia, a apostasia, enfim, todos os tipos. Dessas três dimensões da alma - o desejo, a vontade e a consciência - o poder, digamos, econômico, o poder político e o poder espiritual, tudo isso é distorcido, confundido, embaçado nos pecados que são condenados no inferno. Aqueles que morrem impenitentes, aqueles que morrem sem arrependimento. Porém, nós temos uma esperança muito grande, que é o ato de misericórdia de Deus de não nos punir pelas nossas faltas, mas nos permitir, mesmo depois da vida, uma
purificação que nos permitirá chegar aos céus. Daí o purgatório, como local de purificação desses pecados. E Dante, o Purgatório é um belo livro. Normalmente, as pessoas falam do inferno e do paraíso, que são talvez os mais famosos, mais conhecidos, mas o purgatório é muito interessante porque, no purgatório, Dante desenvolve uma teoria do amor. Ele defende que os pecados são amores desvirtuados e, aqui na página 374 abaixo, eu reproduzo um canto do purgatório que trata dessa teoria. O amor do bem, me disse, descuidado aqui se purifica e a displicência. O cumprimento do dever sagrado a entenderes
melhor do amor à essência. Atenta bem no que te vou dizer: vale Lúcifer cai, e os seus demônios, os que o seguiram na desobediência de não servir a Deus. O inferno, então, é precipitado, virando a terra. Assim, esse declive vira a misericórdia de Deus no purgatório. Então, a montanha do purgatório é o resultado do que Deus é capaz de extrair do mal. O pai do pecado nos leva a pecar, mas Deus nos redime se nós nos arrependermos em vida. Como nós vimos aqui, o purgatório é uma montanha de sete patamares para purificar exatamente os sete
pecados capitais, que já estão mais ou menos nos nove ciclos do inferno. O paraíso, no topo do purgatório, está o paraíso terrestre, que Dante descreve a partir de uma écloga de Virgílio, que é poesia parnasiana, de uma espécie de paraíso terrestre que muitos de nós queremos. Por exemplo, essa imagem de uma praia caribenha: uma praia no Caribe, gostosa, um coco, todo mundo bonito, elegante, a praia, lagoa azul e uma rede. Ah, isso é o paraíso? Que não é o paraíso? Você não sabe o que é o paraíso. O paraíso é mais próximo de uma igreja,
de um coro, de uma liturgia e não de uma praia. "Cheguei ao paraíso!" Essa é uma visão muito pobre. Claro, a gente pode chamar de paradisíaco, é belo e por isso é divino, mas não é. O paraíso é um lugar de música, de profusão de amor e de energia. Por isso, uma rede nunca vai ser uma imagem do paraíso. Por isso, uma caipirinha nunca vai ser uma imagem do paraíso; uma música lounge nunca vai ser a imagem do paraíso, tão entendendo? E aí, ele chega lá e, de repente, é uma das passagens mais lindas que
eu transcrevo aqui. Virgílio desaparece nesse paraíso terrestre e aparece subitamente Beatriz, que é uma imagem mariana. Ele vê aquela mocinha que ele contemplou na adolescência e que ele ama tanto, conduzi-lo ao paraíso. Eu vou ler apenas um trecho do paraíso pra gente concluir: página 400. A visão... Não, não, antes, desculpa. Eu fico muito feliz de ver aqui que eu citei tantas passagens. Isso aqui é uma amostra, me parece representativa da Divina Comédia, mesmo que vocês não a tenham lida ou mesmo que não venham a lê-la. Aqui tem muitas passagens que mostram a riqueza dessa obra.
Página 386, pra gente concluir: o paraíso tem os nove círculos que são os nove planetas, incluindo a lua, na antiga cosmologia ptolomaica. E é hierárquico. Sabe o que isso quer dizer? Que, por um lado, todo mundo no paraíso está pleno, por outro, alguns estão muito mais próximos de Deus do que outros. Se você amar pouco, você vai ter um coração de 200 ml. Agora, se você for uma Madre Teresa, você vai ter um coração que é um oceano e que tem 400 milhões de toneladas de água. Dá nem pra mensurar a quantidade de água. Mas
você pode ter um amor muito profundo, muito limpo, mas raso. Tá bom? Você vai ficar longe de Deus, porque não cabe. Claro que em nenhum coração cabe todo Deus. Por isso que o amor é sempre um êxtase. Mas lá estão, numa hierarquia, e o Dante fica impressionado com isso. E aí eu leio aqui para vocês na página 386: "A glória do Senhor, que tudo move no universo, difunde-se, resplandece, onde mais, onde menos se comprove. No céu que mais a sua luz favorece, estive e coisas vi que redizer nem sabe ou pode quem de Laura desce.
Porque, se aproximando ao seu querer, a nossa mente se aprofunda tanto que a faz de sua memória se perder. Porém, tudo do que do reino santo pode o intelecto seu fazer tesouro. Ora será a matéria do meu canto." Página 393, realmente para acabar. Vocês já perceberam que eu não sou confiável? Porque, para mim, é muito difícil não mergulhar nesse oceano infinito de poesia amorosa. Tudo aqui tá ligado ao amor. Por isso que essa passagem é muito linda. Porque ele pergunta para as pessoas que estão abaixo, umas das outras: "Olha a mentalidade! Vem cá, você tá
aqui abaixo, você tá meio..." E a pessoa não está carente só porque ela tá num círculo inferior. Então, ela diz assim: "Mas conta-me, se acaso estão felizes ou se aspiram a voar mais alto ainda, para ver melhor as celicas raízes dentre as demais." Sorriu, pré-clara e linda, e respondeu-me a pressa, como quem arde do primo amor na chama infinda: "O nosso anseio, irmão, se aieta o bem da caridade e o faz por entender que o que temos nos basta e nos convém. Se fôssemos movidos a acender, longe estaria em nós nossa vontade, da Vontade que
aqui nos quer manter. O que não pode ser, na realidade, nessa etérea paragem submetida ao bem, por sua própria qualidade, é condição da alta e serena vida sujeitar-se à divina volição que torna sua própria com ela unida. Por isto, a natural distribuição de céu em céu, ao reino inteiro, a praz e a praz, ao Rei Universal da criação. Sua vontade é para nós a paz, o grande oceano que recebe à frente o que ela cria e a natureza faz." E eu vi que tudo ali, coerentemente, era um só Paraíso. Ah, que a pia graça opere
os seus dons diversamente! Bem, teria muito mais a dizer, convido a que vocês leiam o meu livro e a Divina Comédia e que tenham um excelente ano de grupo e de leitura.
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