Uma pesquisa recente revelou que um em cada cinco brasileiros de 18 a 24 anos já usou cigarros eletrônicos pelo menos uma vez na vida. É muita gente! Uma vitória para a indústria do cigarro, que tinha dificuldades em conquistar fumantes entre os jovens.
Sou André Biernath, repórter da BBC News Brasil aqui em Londres, e nesse vídeo eu explico o que se sabe sobre os riscos à saúde dos cigarros eletrônicos e, principalmente, da substância viciante que você joga no seu corpo quando fuma, a nicotina. Para entender esse assunto, eu fui atrás do posicionamento de diversas entidades, de pesquisas publicadas nos últimos anos e também conversei com a cardiologista Jaqueline Scholz, diretora do Ambulatório de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração, o Incor, e uma das referências mundiais nessa área. Os cigarros eletrônicos foram inicialmente desenvolvidos como uma alternativa mais saudável aos cigarros comuns.
Eles não contém alcatrão, metais pesados, amônia e monóxido de carbono, entre várias outras substâncias que aumentam ainda mais os riscos de câncer no pulmão e doenças cardíacas. Mas uma substância que aparece no cigarro comum costuma aparecer também na versão eletrônica: a nicotina. E ela é o nosso foco hoje.
Segundo pesquisas e artigos da Universidade da Califórnia em São Francisco e da Universidade de Chicago, ela pode ser tão viciante quanto a cocaína e a heroína. Durante o uso do cigarro eletrônico, a nicotina é tragada pela boca, passa pelos pulmões, cai na corrente sanguínea e, em poucos segundos, vai parar no cérebro, onde provoca uma sensação momentânea de bem-estar. E é justamente o consumo constante dela que vai gerar a dependência.
Alguns cigarros eletrônicos chegam a trazer uma carga de nicotina ainda maior que as versões tradicionais. Uma droga psicoativa como nicotina, com um produto super especializado. Agora que é a quarta geração que usam sais de nicotina, que são os "podzinhos", que o indivíduo recebe uma carga de sal de nicotina enorme.
Eu tenho tratado homens aqui que, como te falei, eu faço rotina urinária. Indivíduo de 16 a 24 anos vêm com taxa de nicotina de mais de 20 cigarros, muitas vezes usando um produto a menos de seis meses. Assim, é um potencial de adição enorme.
Além da nicotina, os cigarros eletrônicos também trazem o propilenoglicol e as substâncias aromáticas. Eu falo sobre eles daqui a pouco. Mas qual seria o problema disso tudo, além de criar um vício caro para a vida toda?
É aí que entram as pesquisas que trouxeram à tona os riscos à saúde da nicotina. A Associação Americana do Coração lembra que a nicotina pode aumentar a pressão arterial, os batimentos cardíacos e o fluxo sanguíneo. E ainda contribui para o endurecimento das artérias, o que pode levar ao infarto.
Então, o que eu posso dizer é que os níveis de nicotina dessa turma são muito altos e a nicotina não é um produto inócuo. Primeiro que os metabólitos são cancerígenos, nitrosaminas e por aí vai. E segundo, que ela tem efeito cardiovascular.
Ela aumenta a pressão arterial, ela aumenta a frequência cardíaca, ela gera dano endotelial. Por isso que o risco cardiovascular do usuário do eletrônico não baixou, é que nem o cigarro comum: duas vezes maior em relação ao não fumante. Só que em gente mais jovem, gente que, pelo amor de Deus, tem essa idade que eu estou falando.
É muito ruim. Falando nos mais jovens, num artigo de 2017, especialistas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos também se mostraram preocupados com o efeito da nicotina no cérebro de adolescentes e jovens adultos. Os pesquisadores apontam que o uso de cigarros eletrônicos nessa faixa etária, além de viciar, pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro, que ainda não está maduro o suficiente até chegarmos aos 25 anos de idade.
Estudos apontam que a nicotina prejudica o aprendizado, a memória e a atenção dos mais jovens. Uma revisão de estudos feita na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, ainda detectou substâncias cancerígenas na bexiga e na urina de usuários do cigarro eletrônico. Já a Organização Mundial da Saúde destaca que os efeitos de longo prazo desses dispositivos ainda não estão claros o suficiente.
E vale lembrar aqui que os cigarros eletrônicos surgiram como uma espécie de alternativa saudável ao cigarro comum, para ajudar dependentes a largar o vício. Em muitos países, como o Reino Unido, eles são aceitos como uma forma de tratamento do tabagismo convencional. A Jaqueline Scholz avalia que não existem estudos científicos suficientes para dar suporte a essas afirmações — e toda a publicidade relacionada a esses produtos parece estar mais voltada a conquistar novos usuários, especialmente os jovens, e praticamente ignora esse viés terapêutico.
Para a cardiologista, não faz sentido ver o cigarro eletrônico como um tratamento médico e deixá-lo apenas na mão das pessoas, para que elas decidam quando e como usá-lo, sem prescrição médica ou venda em farmácias. Esse produto teria que ser terapêutico, não poderia ser vendido em qualquer lugar, é outro cenário. E eu, como médica, como profissional de saúde, vou tirar essa conclusão de que realmente o que eu tentei não é possível.
Será que alguma coisa que reduza danos, que é a aposta que a Inglaterra fez, não tem combustão, então isso é suficiente Mas a literatura está mostrando que não é o suficiente. O fato de não ter combustão, as outras coisas presentes no cigarro eletrônico perpetuam riscos como o risco cardiovascular. O que a gente está vendo, então, é toda uma nova geração que pode se tornar cada vez mais dependente da nicotina.
Bom, além dos efeitos nocivos da nicotina, temos que lembrar de outros dois ingredientes do cigarro eletrônico que também trazem ameaças. O primeiro deles é o propilenoglicol. Esse composto funciona como uma espécie de veículo.
Ele dilui e carrega a nicotina pelo nosso organismo. Propilenoglicol e glicerol o pessoal usa na indústria alimentícia. Tem vários produtos que usam propilenoglicol via oral.
Só que quando o cigarro eletrônico foi concebido, a primeira e a segunda geração, não houve nenhum estudo para avaliar qual seria o impacto do propilenoglicol e do glicerol inalado. Então esse veículo é utilizado para que a nicotina se dissolva, vire um aerossol que possa ser inalado e chege ao pulmão. Do pulmão, passa para a corrente sanguínea e faz os efeitos psicoativos.
Só que não teve teste disso. Eles simplesmente partiram do pressuposto que o propilenoglicol e o glicerol eram usados na indústria alimentícia, portanto já se usa, é seguro. Só que não se usa inalado, né?
O segundo ingrediente são os compostos aromáticos, que garantem cheiros diferentes, que vão de menta e chocolate a morango e creme brulée. Além de todas as reações químicas ainda desconhecidas dessas misturas, há um aspecto social no uso desses aromas: eles são mais agradáveis e fáceis de aceitar, ainda mais se lembrarmos do fedor dos cigarros convencionais. Ainda mais esses produtos que têm aromas, um tem cheirinho bom de uma coisa, outro tem cheirinho bom de outra.
Há uma curiosidade inata. Então, o indivíduo socialmente: "O que você está usando? " "Ah, esse aqui é de morango".
"Ah, o meu é de crème brulée". "Ah, o meu é de menta". A Jaqueline Scholz avalia que a junção de vários fatores, como a publicidade voltada aos mais jovens, a alta carga de nicotina, os cheiros agradáveis e a facilidade de uso, incentivam que cada vez mais jovens comprem esses produtos.
Eu trato pessoas de 16 anos. Isso não acontecia com o cigarro convencional. Eles têm um grau de dependência tão elevada que eles usam o produto continuamente.
Nada impede. Você pode colocar no seu bolso, dar uma baforada e guardar, você faz um "puf" várias vezes. Isso cria uma rotina de condicionamento que nada impede de pousar no banheiro da escola, onde se estiver na rua, em casa, deitado na cama, não deixa vestígio, vamos dizer assim.
Você não incomoda ninguém, então não existe limite para isso. É exatamente aí que mora o perigo da dependência. Você fica estimulando seu cérebro a todo momento, Você está em abstinência: minutos, já usa, minutos de abstinência você já usa.
Os especialistas orientam que o melhor é nem começar a utilizar o cigarro eletrônico, que inclusive está proibido no Brasil. E para as pessoas com dependência ao cigarro comum ou aos dispositivos mais modernos que desejam abandonar o vício, existem opções de tratamento disponíveis, inclusive no SUS. Durante a apuração desta reportagem, eu entrei em contato com as principais empresas do ramo, para que elas pudessem se posicionar sobre toda a discussão.
A única que enviou respostas até a gravação deste vídeo foi a British American Tobacco Brasil, conhecida antigamente como Souza Cruz. Eles destacaram que uma decisão recente da Anvisa, que manteve a proibição da venda de cigarros eletrônicos no Brasil, é "mais uma etapa do processo regulatório e não representa a conclusão final da agência. " Para a empresa, a liberação traria maior controle sanitário para a produção e a venda dos cigarros eletrônicos.
O texto continua: "Entendemos que a Anvisa, ao manter o tema na Agenda Regulatória, continuará avaliando as evidências científicas que substanciaram a decisão de cerca de 80 países que já regulamentaram esses produtos. Além disso, a diretoria da Anvisa externou sua grande preocupação com o mercado ilegal dos cigarros eletrônicos no Brasil, que segue crescendo, abastecido por produtos contrabandeados e sem qualquer controle sanitário". A OMS calcula que há hoje 1 bilhão e 300 milhões de usuários do tabaco no planeta.
A entidade também considera que o consumo destes produtos é uma epidemia e uma das maiores ameaças de saúde pública que o mundo já enfrentou. Ainda segundo a OMS, mais de 8 milhões de pessoas morrem todos os anos por causa do cigarro. Bom, com isso eu fico por aqui e espero que você tenha gostado do vídeo.
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