[música] A Emilia foi aluna do Piaget, em Genebra. Depois, ela fez parte do grupo de pesquisadores que ele mantinha permanentemente. Ela é uma psicolinguista.
Essa é a formação dela. Ela tinha um foco na questão política do fracasso das crianças pobres na escola. Essa foi sempre uma questão para ela.
[música] Ela começou um trabalho que era o oposto daquilo que no mundo inteiro se fazia. Todo conhecimento científico que se tinha, até aquele momento em que ela começou a pesquisar, era sobre o que faltava para as crianças. Porque era isso que deveria criar dificuldade que elas tinham de aprender a ler.
Então, o olhar era: o que falta para quem não consegue. Ela deu uma virada total nisso, porque ela perguntou: "Como é que quem consegue aprender a ler aprende? " Na verdade, ela foi olhar o que as crianças pensavam sobre escrita antes que lhes fosse ensinado alguma coisa.
Ela tinha uma hipótese piagetiana de que as crianças pensam sobre os objetos de conhecimento. Elas não dependem de que alguém lhes ensine. Elas não ficam paradas, com a cabeça vazia, esperando que alguém ponha coisas lá dentro.
Ela mostra que existe um processo de aquisição da escrita, que é o processo pelo qual as crianças vão pensando sobre escrita e, se tiverem informação, vão aprendendo a ler. Quando a Emilia começou a interrogar as crianças, dentro de uma técnica piagetiana de interrogatório, e as crianças começaram a mostrar que elas pensavam, sim, sobre o que estava no mundo escrito, aí, é que ela foi se dando conta de quais eram os obstáculos epistêmicos que existiam para a criança chegar a uma escrita convencional. Na verdade, o grande obstáculo que existia era o que a escrita representa.
O momento que a criança se dá conta de que o que a escrita representa é o que se fala, isso produz uma diferença enorme na abordagem dela. E é, nesse momento, que vai se construindo o como ela representa. O que ela representa e como ela representa.
E o primeiro como que elas pensam é que, cada vez que eu abro a minha boca, eu ponho uma letra. Porque esse é o lógico para eles naquele momento. [música] Uma das coisas que ela descobriu é que muitas crianças achavam que você escreve uma letra para cada vez que você abre a boca.
E, estudando a história da escrita, existem várias línguas que se escreve assim. E que isso tudo tem uma lógica. E as crianças, que estão em cada sociedade, fazem o percurso para compreender a escrita do país onde elas vivem.
Você pensa em uma criança de classe média, aqui em São Paulo, que vai para pré-escola, e que os pais lêem de noite, tudo isso, com cinco anos são alfabetizadas. Às vezes, muito antes de alguém dizer para ela: "Vamos aprender a ler". Então, no caso aqui do Brasil, a escrita é alfabética.
Mas a escrita alfabética não é acessível imediatamente nem diretamente para nenhuma criança. Nenhuma criança sai de um momento que ela nem pensou ainda sobre a escrita para escrever alfabeticamente. Foi uma coisa muito importante a Emília ter descoberto, que havia um momento em que as crianças, que se criavam em sociedades onde a escrita era alfabética, que elas tinha um momento onde elas pensavam que a escrita fosse um objeto silábico, como é o japonês, por exemplo.
[música] O melhor livro dela foi publicado, na verdade, chamava-se, aliás é um título absurdo, " A escrita antes das letras", o que é uma coisa muito esquisita. Na verdade, é uma síntese de tudo que ela publicou sobre a questão da aprendizagem da leitura e da escrita das crianças. Esse livro, ela fez uma síntese, que eu acho que é a mais precisa das obras dela.
Porque ela, como Piaget, ia pesquisando e ia publicando, ia pesquisando e ia publicando. O que eu recomendo, de mais recente, é esse livro. Chama-se "O ingresso na escrita e nas culturas do escrito".
É um trabalho muito interessante, muito importante, onde você tem um artigo sobre as suas pesquisas, que ela foi orientadora. E tem muitas pesquisas dela aqui, dela sozinha. E outras com as orientandas dela.
Essa é uma síntese do conjunto de publicações que foi sendo produzido, a partir do trabalho da psicogênese da língua escrita. Este livro é de 2013. Dependendo de qual é o seu sentido de tempo, ele é antigo ou não.
Mas ele é, talvez, o trabalho mais recente em Português.