A terceira maior economia do mundo enfrenta uma combinação de crise econômica com turbulências políticas em um forte contraste com a trajetória de crescimento que marcou os últimos 50 anos na Alemanha. A recuperação do país depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com o nascimento de uma indústria que se colocou como as mais competitivas do mundo, foi tão potente que ficou conhecida como Wirtschaftswunder, o milagre econômico alemão. Desde então, a Alemanha havia se consolidado como um dos três maiores exportadores do mundo, junto de China e Estados Unidos.
Mas o cenário parece estar mudando. Eu sou Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil, e neste vídeo detalho 4 motivos que ajudam a explicar por que a economia da Alemanha está em apuros – e como isso se reflete também no cenário político. Mas antes, dá uma olhada nos dados do PIB alemão.
Ele encolheu 0,3% em 2023, o pior índice desde a crise financeira de 2009, descontando o período da pandemia de covid. A previsão das autoridades europeias pra 2024 é de nova queda, ou seja, de contração da economia alemã pelo segundo ano consecutivo. O que nos leva ao primeiro ponto: Parte desse desempenho é reflexo da queda expressiva da produção industrial, de 16 pontos percentuais desde 2017, conforme o indicador que exclui a construção civil.
Um cenário que, para muitos economistas, tem como consequência a perda de competitividade da economia da Alemanha. Uma notícia sintomática nesse sentido foi o anúncio da montadora Volkswagen de que fecharia fábricas na Alemanha pela primeira vez em 87 anos de história. Os trabalhadores responderam fazendo greves e protestos.
A Volks acabou fazendo um acordo com o sindicato da categoria, prometendo manter abertas as fábricas e preservar os empregos até 2030, mas com salários congelados. O caso jogou luz sobre o declínio de uma das indústrias mais importantes da economia alemã. Aliás, pra alguns pesquisadores, um dos problemas seria o próprio modelo econômico da Alemanha, que é bastante dependente da exportação de manufaturados.
Outro ponto destacado pelos analistas é a percepção de que a Alemanha não tem acompanhado o ritmo de digitalização e adoção de novas tecnologias. A Alemanha ocupa o penúltimo lugar da União Europeia no quesito cobertura de internet ultraveloz de fibra ótica. Em um mundo cada vez mais digital, os analistas ouvidos pela BBC acham que esse tipo de problema também contribui pra reduzir a competitividade das empresas alemãs.
Outro exemplo vem do próprio setor automotivo, em que a Alemanha era conhecida pela liderança. O país é o maior fabricante de veículos elétricos na Europa, mas, no cenário global, tem perdido espaço pra China – que hoje concentra 60% da produção global de carros elétricos. Nesse sentido, críticos afirmam que essa perda de protagonismo se deve em parte à falta de reformas ou pelo menos de ajustes no modelo econômico, sobre o qual eu comentava há pouco Um relatório do Instituto Econômico Alemão afirma que, na ausência dessas mudanças, o país corre o risco de perder um quinto da sua produção industrial até 2030.
E aqui os analistas destacam a importância do investimento, algo que tem ficado em segundo plano na Alemanha, que durante anos, principalmente depois da crise de 2008, sob o governo de Angela Merkel, se concentrou em adotar medidas de austeridade fiscal – ou seja, de um controle rígido dos gastos públicos. Para o governo alemão, a crise também é um reflexo de problemas demográficos, como o envelhecimento da população e a insuficiência de trabalhadores qualificados, o que afeta a produtividade. O autor Wolfgang Munchau acredita que a situação o cenário desafiador pro país vai levar problemas pra todo o continente.
Isso porque, nas últimas décadas, a Alemanha tem sido o principal motor de crescimento europeu e um pilar essencial do orçamento da União Europeia. A geopolítica também complicou as coisas pra Alemanha mais recentemente. Fatores externos, como a saída do Reino Unido da União Europeia e a política mais protecionista dos Estados Unidos alteraram o panorama econômico global e impactaram o país – que, como eu já disse, depende muito das exportações.
A isso se soma um grave problema energético. A Alemanha dependia muito do petróleo e do gás russos, e precisou buscar outras fontes de combustível por causa da guerra da Ucrânia. Isso, junto com o fechamento de usinas nucleares alemãs, fez dispararem os preços da energia.
Esse acúmulo de tensões econômicas também teve repercussões políticas. Em novembro, uma disputa em torno do orçamento de 2025 acabou culminando no colapso da coalizão do governo liderado pelo chanceler Olaf Scholz. O partido de Scholz, de centro-esquerda, defendia regras mais flexíveis pro endividamento alemão, com o objetivo de manter o apoio financeiro pra Ucrânia e também custear projetos internos de infraestrutura.
Mas isso foi vetado pelo próprio ministro das Finanças de Scholz. Christian Lindner defendia como prioridade diminuir a dívida alemã. Lindner foi demitido, e a coalizão de governo acabou desmoronando.
Scholz passou então a liderar um governo de minoria incapaz de aprovar leis. O chanceler fez o cálculo político de que seria mais vantajoso antecipar as eleições do país e se submeteu a um voto de confiança no Parlamento alemão que ele já sabia que iria perder – e de fato perdeu. O resultado é que a Alemanha vai ter eleições gerais antecipadas em fevereiro de 2025, seis meses antes do previsto.
Se soma à crise um outro problema político grave: a fragmentação do eleitorado, com apoio a cada vez mais partidos, que têm dificuldade em chegar a acordos no Parlamento. Um desses partidos, por sinal, é o AfD, de direita radical, que tem abocanhado apoio popular com uma retórica anti-imigração. Bom, tendo dito tudo isso, a Alemanha ainda é uma das economias mais pujantes do mundo.
Existe uma discussão grande sobre o papel dos fatores cíclicos e estruturais na crise e o que isso significa pro futuro do país. E enquanto muitos economistas estão preocupados, outros dizem que o país já mostrou, ao longo da sua história, que consegue se reinventar e se recuperar. Eu fico por aqui.
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