Queridos irmãos e irmãs, nós, depois de termos meditado as tentações de Jesus e a transfiguração do Senhor segundo São Lucas, agora entramos nos três domingos em que iremos, de um modo um pouco mais concentrado, entrar nos temas específicos da quaresma do ano C; ou seja, iremos meditar cenas segundo São Lucas que carregam um forte significado de conversão, de chamado à conversão para todos nós. Hoje lemos a parábola da figueira estéril; domingo que vem leremos a parábola do filho pródigo e, no domingo seguinte, a cena da mulher adúltera, que é um texto não de São Lucas, mas de São João, porém que se harmoniza muito bem com a lógica do ano C no que diz respeito à Quaresma. O Evangelho de hoje começa com duas cenas.
A primeira cena é a cena de um ato violento operado por Herodes. Naquele tempo, vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando o seu sangue com o dos sacrifícios que ofereciam. Esta cena não é referida deste modo por nenhum dos cronistas do tempo; é uma cena muito marcante, muito violenta, e é de se estranhar que não venha narrada pelos cronistas da época.
Todavia, os escritos antigos são complexos, né? Porque algumas partes deles somem, outras são mudadas ao longo do tempo. A cena em si não é nada improvável; era, por exemplo, época da Páscoa.
Pilatos sempre vinha para Jerusalém para poder impor a sua autoridade, de modo a não haver nenhuma rebelião. Ele era um homem violento, paranoico; quando surgia o menor ato de rebelião, ele mandava que as forças do Estado viessem com toda intensidade sobre os rebeldes para acabar com aquilo de uma vez por todas. Então, é possível que essa cena tenha realmente acontecido, inclusive do seguinte modo: uns galileus um pouco revoltosos vêm para o templo de Jerusalém para a festa da Páscoa apresentar o sacrifício e aí começam a provocar os guardas.
Os guardas começam, de alguma maneira, a revidar, e aí começa a pancadaria. E Herodes diz: "Olha, mata e junta com o sangue do sacrifício. " Ou seja, faz logo um sacrilégio, faz logo algo horrível, porque assim, de uma vez por todas, eles aprendem.
Muito típico de Herodes. Jesus lhe respondeu: "Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus por terem sofrido tal coisa? " É um tipo de raciocínio que todos nós, vez ou outra, fazemos quando acontece uma chacina: "Por que Deus permitiu que acontecesse isso?
Será que essas pessoas não eram mais erradas do que nós? " Jesus exclui qualquer tipo de causalidade moral. Ele diz: "Eu vos digo que não.
" Ou seja, vocês são tão pecadores quanto eles, mas se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo. Essa sentença "ireis morrer todos do mesmo modo" não significa do mesmo modo que os galileus, mas significa do mesmo modo porque todos iremos morrer. Se vós não vos converterdes, ireis morrer.
Jesus está falando desse juízo que é pedido a nós na hora da nossa morte. Então, Jesus mesmo conta um outro caso, desta vez não sobre galileus. É muito interessante porque a impressão que dá, nós sabemos que Jesus, embora segundo o Evangelho tenha nascido em Belém, ele viveu na Galileia, por isso era chamado de Galileu.
Então, quando Jesus está ali e vem um grupo de pessoas falando dos galileus que foram mortos por Pilatos, exatamente dá a impressão que eles estão alfinetando Jesus. Os galileus, então Jesus fala sobre outro episódio, só que desta vez aconteceu em Jerusalém. Então parece que é Jesus alfinetando de volta, né?
"E aqueles 18 que morreram quando a torre de Siloé caiu sobre eles, pensais que eram mais culpados do que todos os outros moradores de Jerusalém? Eu vos digo que não. " Ou seja, vocês são iguaizinhos a todos eles, sem tirar nem pôr, pecadores do mesmo modo, mas se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo.
Vejam, é a segunda vez que essa mesma frase aparece numa sequência de dois relatos de crônica, feitos primeiro pelos interlocutores de Jesus e, em segundo lugar, pelo próprio Jesus, mas que aparecem apenas aqui no Evangelho de São Lucas. Em outras palavras, o Senhor está salientando a necessidade que todos nós temos de mudar a nossa maneira de pensar. Conversão, metanoia, significa literalmente mudança de pensamento.
Eu tenho que pensar segundo os critérios do Evangelho, os critérios de Jesus Cristo. Então Jesus lhes contou esta parábola. Aí vem a parábola da figueira estéril: “Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha.
Foi até ela procurar figos e não encontrou. Então disse ao vinhateiro: 'Já faz 3 anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro. Corta-a, porque ela está inutilizando a terra.
' Ele, porém, respondeu: 'Senhor, deixa a figueira ainda este ano; vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto; se não der, então tu a cortarás. '" Em outras palavras, o que o Senhor está mostrando, ao devolver o ensino aos próprios ouvintes mediante esta palavra, é que Deus tem paciência conosco.
O dono da vinha, o pai, entregou a vinha ao vinhateiro, que é o filho. Que a cultiva Cristo tem cultivado o nosso coração. Ele tem semeado a sua palavra, ele tem continuamente derramado a sua graça.
Ele nos tem convidado a viver uma vida de fé. No entanto, onde está o fruto? O critério do Evangelho sempre é o fruto: pelos seus frutos, os conhecereis.
No próprio Evangelho de São Lucas, no capítulo 3, São João Batista exorta os seus ouvintes a produzirem frutos de conversão e ele explica quais são esses frutos de conversão: se contentem com o seu soldo, não peçam mais o que é devido, não exijam dos outros aquilo que eles não podem oferecer; deem aquilo que sobra de vocês, entreguem para as outras pessoas que precisam. Ou seja, tenham um pensamento diferente desse egoísmo de vocês. Ou seja, Deus é paciente conosco, mas ele espera encontrar em nós os frutos da sua palavra, porque se não encontrar os frutos, uma hora essa árvore vai ser cortada.
Nós iremos morrer assim como morreram os galileus, assim como morreram os 18 da torre de Siloé. Nós também iremos morrer, com a morte mais trágica, menos trágica; violenta, menos violenta; tanto faz, a árvore vai ser cortada. E a pergunta é: onde estão os frutos?
As pessoas, quando provam de nós, quando, por assim dizer, experimentam a nossa vida, elas sentem o gosto do evangelho de Jesus ou não? Ou elas sentem o gosto de um paganismo disfarçado de cristão? Ou seja, nós somos uma árvore que carrega o fruto e a qualidade do evangelho, ou nós somos apenas folhas, aparências, mas por dentro, na verdade, não temos a pujança da vida do Espírito que nos leva a produzir fruto.
Deus é solidário conosco, é amigo nosso. Nós vemos na primeira leitura Deus se apresentando a Moisés. A tradução que nós temos no lecionário de quando Deus se apresenta é a clássica: "Eu sou aquele que sou.
" Embora o texto hebraico seja menos metafísico e, portanto, talvez, uma tradução mais precisa seria: "Eu estou que estou com vocês. " Ou seja, eu não estou longe, eu estou perto, estou junto do sofrimento do meu povo. Ou seja, ele é o nosso Deus, ele está conosco, ele está perto de nós.
Mas nós podemos correr o risco apresentado por São Paulo, na segunda leitura, de endurecermos o nosso coração, de nos rebelarmos, de não aceitarmos aquilo que Deus tem para nós, de nos entregarmos ao mal. E diz São Paulo: "Não murmureis como alguns deles murmurearam e, por isso, foram mortos pelo anjo exterminador. Portanto, quem julga estar de pé, cuide para que não caia.
" É uma exortação poderosa de São Paulo que nos leva a questionar a nossa própria conversão. Os frutos do evangelho estão sendo produzidos em mim? Os frutos, aqueles mesmos mencionados por São Paulo na carta aos Gálatas: caridade, alegria, paz, bondade, mansidão, paciência, autodomínio.
Isso está se manifestando em mim de verdade ou eu sou apenas folhagem ornamental? Cada um de nós precisa se examinar e verificar no seu coração se a palavra de Cristo tem produzido uma verdadeira mudança; se a nossa forma de pensar tem sido alterada dia após dia, num confronto corajoso com o evangelho. Caso contrário, todos corremos o risco de, a qualquer momento, sofrermos o corte repentino da morte.
O Senhor nos ajude! Então, também nós podemos louvar o quanto ele é bom, compassivo, clemente, o quanto ele perdoa, o quanto ele cura. Deus tem paciência conosco, mas o tempo da paciência acaba.
Acaba no exato dia em que ele nos chama à sua presença e diz: "Agora eu quero os frutos, agora eu quero ver o quanto essa vinha produziu. " Que Deus tenha misericórdia de nós e nos faça, ao longo desta quaresma, provar a graça de uma verdadeira conversão, de uma verdadeira transformação do nosso interior.