[Música] Olá boa noite sejam muito bem-vindas muito bem-vindos ao Roda Viva estamos no ar para todo o Brasil pela TV Cultura e emissoras afiliadas e nas telas do mundo todo nas mais diferentes plataformas digitais este programa de hoje é um desejo antigo acalentado aá anos de trazer ao centro da nossa roda de discussão uma das artistas mais relevantes e originais do mundo na atualidade portuguesa vivendo há muitos anos na Alemanha ela rompeu Barreiras entre a academia e as artes e as categorias que compartiment os saberes e os gêneros artísticos O resultado é uma obra multidisciplinar
que tem como amálgama a desconstrução do pensamento colonial e do racismo em todas as suas expressões inclusive de gênero depois de ser uma das curadoras da 35ª Bienal de São Paulo no ano passado ela volta ao Brasil para inaugurar com uma performance poética a monumental obra O barco de 2021 que permanecerá por do anos exposta no instituto em Otim em Minas Gerais sua relação com o país e com a língua portuguesa o seu idioma nato não é simples a crítica a visão luso-brasileira de enaltecer o colonialismo ainda hoje permeia toda a sua obra e é
um dos pontos fundamentais do livro Memórias da plantação lançado primeiro em inglês e publicado no Brasil pela Editora cobogó em 2019 ano em que ela foi a autora mais aclamada da Flip a feira literária de Parati para tratar dos muitos aspectos de uma obra que transita entre diferentes saberes vamos receber a acadêmica formada em psicanálise e Doutora em filosofia e artista multidisciplinar grada quilomba grada kilomba nasceu em Lisboa em 1968 e vive em Berlim artista multidisciplinar teve seus trabalhos expostos nos mais proeminentes museus do mundo como palé do tquio em Paris e suas fazem parte
de grandes coleções como a da Tate Modern em Londres é doutor em filosofia e psicanálise pela fria universitet Berlim e Dr honores causa pela Universidade ISPA de Lisboa é autora do bestseller Memórias da plantação episódios de racismo cotidiano em 2023 foi uma das curadoras da 35ª Bienal do São Paulo e neste ano está com a sua aclamada escultura monumental barco e performance no maior M Museu a céu aberto da América Latina o Instituto iotim em Minas Gerais para entrevistar a grada quilomba a nossa bancada de hoje também é multidisciplinar Joice Bert urbanista e escritora Tatiane
de Assis crítica de artes visuais e repórter da revista Piauí Júlia Rebolsas curadora e diretora artística do instituto Inhotim Túlio Custódio sociólogo da inesplorato e Silas Mart editor de Cultura da Folha de São Paulo voltamos ainda com os desenhos em tempo real do nosso Luciano Veronesi grada querida obrigada finalmente conseguimos trazê-la aqui ao Roda Viva uma honra te receber é uma grande honra Obrigada eu queria começar falando sobre o barco essa obra multisensorial monumental que você tá trazendo pela primeira vez ao Brasil para ficar exposta no Inhotim por do anos e que é acompanhada de
uma performance de poemas enfim Ela realmente tem muito mos aspectos muitas Faces queria que você Contasse um pouquinho sobre a concepção dessa obra como foi transpô-la para cá eu sei que tem uma parte que teve de ser construída aqui no Brasil Então queria saber exatamente isso E como que ela se materializou para você Como foi o processo de criação dessa obra que surgiu Salvo engano na pandemia você a lançou em 21 né esta obra O Barco realmente é é extremamente complexa porque começa com um trabalho na floresta esta com a escolha de madeiras passa pelo
fogo passa pela água passa pela cenografia passa por uma grande pesquisa à volta de histórias apagadas e esquecidas passa por uma reflexão sobre o que é um monumento E se o monumento eh existe para contar histórias e quais histórias h e passa à poesia e à gravação à pintura e depois à performance também eh esta peça veio especialmente depois de um trabalho intenso que eu fiz de vídeo e com sobre a antígona e eu fiz um um um trabalho em volta da do do mito da antígona e de todas as questões que a antígona traz
embora seja um uma mitologia grega antiga traz questões atuais para agora para este momento antigona tem dois irmãos que se matam e que morrem simultaneamente e kon diz o rei dita que um irmão pode ser enterrado e o outro irmão não pode ser enterrado por questões políticas e que fica abandonado no chão e fica como comida para aves e para pássaros então levanta todas estas questões de quem morre na rua quem é que tem direito a ser enterrado quem é que tem direito a ser lembrado quem é que tem direito a um ritual H quem
é que tem direito a ter o seu o seu nome escrito todas estas questões que se levantaram levaram para uma peça da galeria do espaço fechado da galeria para um espaço público onde o barco depois foi criado maravilhoso a gente vai discutir esses muitos aspectos ainda Júlia grada você é uma artista uma multiartista e sua obra tem como prima a linguagem né na relação com os idiomas ela atravessa referências como a mitologia grega Campos de conhecimento como a psicanálise eh e bom eh ganha corpo em performances obras audiovisuais fotografias instalações nas salas de museus e
como a gente tá aqui comentando mais recentemente em 2021 e a sua obra começou a ocupar o espaço público de maneira mais expressiva né eh como é o caso desse trabalho barco eh que foi montado a beir do Tejo e que chega agora ao Brasil nessa montagem em Otim eh como essa ocupação de larga escala né esse projeto Questiona um outro marcador muito importante do projeto Colonial que são os os monumentos fixados nas nossas cidades né eu queria que você falasse um pouco particularmente dessa passagem né de uma obra é de obras que saem das
salas dos museus né que ganham os espaços públicos e que agora enfim voltam de alguma de outra maneira para dentro eh de uma sala de m Qual o impacto desse trabalho qual o impacto dele estar no Brasil né uma vez que ele foi mostrado em Lisboa na Inglaterra mas que chega agora o Brasil eu acho que ocupar o espaço público é extremamente importante nós sabemos que todas as cidades são ocupadas por monumentos e por arte pública que geralmente é produzida por homens e e geralmente é produzida por homens brancos porque é um lugar de grande
poder são um espaço que não são Dados a mulheres e muito menos a artistas mulheres negras portanto há uma uma interrupção do coletivo Imaginário quando nós nos trazemos uma peça de arte para o espaço público depois eu acho que h a monumentalidade da arquitetura eu acho que é algo a ser questionado agora Quais são os monumentos e as obras que ocupam o espaço público hã quem é que é lembrado nesses monumentos quem é que é esquecido quem é que pode ser de facto lembrado lembrado o quê que memórias As Memórias de quem então são todas
estas questões que começam a ser levantadas quando artistas trazem trabalham tanto dentro dos museus como fora h o que eu acho interessante ter essa flexibilidade e conseguir H movimentar entre o dentro e o fora mas eu acho que também é um movimento entre o tempo entre a temporalidade ou seja nós temos a tendência de olhar para os monumentos como algo do passado algo que foi construído no passado mas de facto eles existem no nosso presente e ocupam o espaço urbano no presente portanto estão constantemente a contar histórias nós poderíamos olhar para a arte pública e
para os monumentos como uma forma de contar histórias também porque quando eu passei com as minhas crianças nas mesmas ruas que eu passei quando era criança ou que a minha mãe passou quando era criança a mesma história contada através da arte pública portanto a importância de interromper os espaços públicos ou de usar o espaço público para entrar em diálogo direto com com com a nossa audiência com as pessoas que passam e interromper a narrativa dominante com uma história contada e perceber que essa história embora e o monumento tenha sido construído talvez há 200 ou 300
Anos Atrás neste preciso momento conta exatamente a mesma história e repete exatamente a mesma narrativa Eu acho que o que me interessa muito trabalhar no meu na no nas minhas obras é é H um pouco desmembrar ou entender este conceito de repetição e de repetição histórica e como é que esta repetição está intimamente ligada com processos de violência sim Joice grada eh a gente tem aqui no Brasil um grande expoente da do pensamento do espaço urbano da geografia dos territórios como um todo que foi o querido Milton Santos que escreveu grandes obras a respeito disso
e ele tinha um apontamento que eu acho bem bacana que inclusive eu acho que aproxima ele da sua figura já vou explicar por que é o seguinte ele dizia que ele já tinha sido Negro em todos os continentes possíveis e que a experiência de ser negro ela se mobilizava ou se adaptava de acordo com o território que a gente tá ocupando o Milton Santos tinha uma particularidade que é Apesar né o viés de trabalho dele era eh diferente do seu e tudo mais mas ele tinha uma postura que eu acho que se aproxima da sua
no sentido de que não tem um marcador eh explicitamente geográfico ser é uma artista nascida em Portugal mas quando eu olho para você eu vejo uma conexão com o restante do mundo muito presente e o Milton Santos também tinha essa particularidade E aí Eu sempre tive essa curiosidade de perguntar para você se esse apontamento do Milton Santos também ressoa eh na sua formação na sua vivência e nas suas andanças pelo mundo isso é uma uma comparação muito linda que eu agradeço eu acho que quando se entra no espaço que é ser artista eu acho que
que há uma série de construções com uma nação que deixam de me interessar eu não estou interessada em representar uma nação Ah estou interessada em questionar O que é uma nação e sabendo que a nação Vem de um processo Colonial eh e que curiosamente eu vivo em Berlim e que muitas das Nações que existem hoje começaram exatamente com a conferência de Berlim em 1885 em que a a Ton bismar o kaisa alemão convidou todos os países europeus todos os representantes dos países europeus a virem a Berlim eh os homens sentaram-se à volta de uma grande
mesa abriram o mapa de África e com uma régua e com um lápis riscaram e dividiram o continente em diferentes partes aí vem a construção da Nação o continente Africano foi dividido em nações em Berlim e a todos os e representantes europeus e dos Estados Unidos foram convidados a vir a Berlim e discutiram quem é que ficava com qual parte Portugal foi uma delas Alemanha também França e etc nós sabemos a história mas é muito importante perceber também o que é uma nação e quem é que é incluído numa nação e quem é que pode
representar uma nação Quais são os corpos que podem representar uma nação e que podem representar o cano Nacional Hum E também quais são os corpos como o meu que atravessam várias diásporas e onde é que nós nos localizamos nessa nessa nação ou como muitos outros corpos que pertencem a Nações ou territórios que vão para além da noção de e de de de nação e de país então a mim pessoalmente eu acho que o que é interessante é é é desmembrar e entender hum entender de onde vêm estas construções e que são construções que estão intimamente
ligadas com uma história de violência com uma história Colonial portanto que não devem ser repetidas com simplicidade e por isso talvez artistas e pensadores pensam e vem-se para além da da noção de de nação ou de país ou de nacionalidade e nós não podemos também esquecer que essa questão da nacionalidade e da nação é um dos instrumentos mais violentes hoje em dia em que nós excluímos quem é que pode pertencer e quem não e quem é que pode atravessar quais Nações hum tudo está ligado e e portanto não é nenhuma surpresa que tantas artistas e
pensadoras pensem eu estou aqui mas eu relaciono me h a a minha relação com o mundo vai para além da ideia de nação obviamente eu sou portuguesa e nasci em Lisboa e Adoro estar em Portugal e obviamente vivo em em em Berlim e amo trabalhar em Berlim e amo ainda mais vir ao Brasil maravilhoso mas eu movimento no mundo ou em São Tomé príncipe ou na África do Sul eu tenho conexões Se eu colocar as nações que eu tenho dentro da minha família mais íntima nós temos pelo menos cinco Nações como é que eu me
vou posicionar temos que ter uma uma noção muito mais HUM H múltipla do que isso é eu diria lind sim maravilhoso obrigado tulo por favor grada tudo bom prazer em conhecê-la prazer estar aqui contigo uma honra eh nos últimos anos a gente tem tido diria o privilégio de nos relacionarmos mais com intelectuais negros no sentido Global né obra sendo traduz idas intelectuais visitando o Brasil e estabelecendo conversas e trocas e uma coisa que tem chamado atenção é algumas dessas intelectuais como Angela Davis ou Sadia hartman tem comentado da importância da gente olhar para dentro ou
seja o Brasil olhar pra sua produção para os seus intelectuais negros que têm produzido o pensamento há décadas anos enfim eu tenho a curiosidade de saber quais são os intelectuais brasileiros que você tem algum contato alguma relação e quando eu falo intelectuais eu não tô pensando só nos livros tô pensando em todas as esferas dees músic enf que de alguma forma inspire o seu trabalho você tenha maior interlocução Ah será um prazer eu não vou nomear nomes porque eu não quero magoar ninguém então é uma lição que eu já aprendi há muitos anos atrás mas
eu diria talvez que o Brasil tal como os Estados Unidos tem sido talvez primeiro os Estados Unidos foi o iniciador desse grande arquivo não é e e e o Brasil também é esse arquivo coletivo não é um arquivo nacional voltamos outra vez eu acho que o que está aqui e o que vai para fora e que é conhecido daqui é de uma dimensão tão gigante Hum e tão complexa que atravessa da linguagem à música à a arte contemporânea ao cinema é tão tão complexo e o arquivo é tão complexo que realmente é um arquivo Mundial
é um arquivo Global eu diria é um arquivo de diáspora isso é algo H que é absolutamente fascinante no Brasil e fazer essa troca com o Brasil essa essa troca constante Hum isso é muito lindo de olhar para dentro porque eu acho que hum eu acho que às vezes não temos bem noção da importância da complexidade e da força que o trabalho que produzimos tem porque H É engraçado porque a última Bienal que nós fizemos de São Paulo chamava-se coreografias do Impossível e nós refletimos muito sobre essas essas questões O que é viver na impossibilidade
O que é o impossível e o que é impossível e e as impossibilidades t tem a a força também de negar a nossa possibilidade e às vezes háo quase um apagamento de tudo aquilo que nós produzimos somos muitas vezes confrontados com uma série de estruturas e de sistemas que constantemente apagam aquilo que está a ser construído Então esse esse olhar para dentro é extremamente importante e porque dentro dessas impossibilidades Nós também também se constróem as Talvez as maiores riquezas e complexidades da da nossa existência eu acho que é isso que é mencionado quando ela fala
saia fala olhem para dentro e olhem para a força que foi produzida aqui hum eu vivo em Berlim e se se perguntarmos assim uma pessoa que passa na rua e e e se perguntarmos o que é o Brasil tudo o que as pessoas vão mencionar vem da diáspora as pessoas vão mencionar o samba vão mencionar a capoeira vão mencionar a comida Hum vou mencionar uma série de performances e de linguagens e de vocabulários e de exercícios que vêm das diásporas e eu acho que aqui talvez não se consiga ainda ver a força porque quando nós
estamos dentro Não vimos a grandeza que nós temos e por isso é tão importante atravessar Nações e e e abraçar col liações internacionais para nos apercebermos daquilo que nós somos muito bom de facto tatian por favor Oi grada muito bom te rever depois da 35ª Bienal São Paulo que foi a edição histórica grada o que me chamou atenção foi você falar eh em diversos momentos também que existe um um tratamento diferenciado da sua biografia eh principalmente eh no Brasil e em outros países né e europeus Vamos colocar em específica a a Alemanha queria entender um
pouco dessa desse tratamento o que que o que parece mais eh enfim destacado No Brasil quando vamos falar da sua biografia em outros países o que olham mais e de que forma isso também tem a ver com herança do colonialismo e do da importância da Imprensa né nessa luta antirracista Issa é uma pergunta tão fascinante porque nós tivemos estamos constantemente a editar a biografia quando estamos aqui no Brasil mas é constante constante e múltiplas vezes e às vezes e e é interessante olhar para isso porque porque é que acontece hum eu acho que às vezes
há um desfasamento de quem é grada quilomba aqui no Brasil uma das razões eu acho porque muitas das pessoas conhecem um livro que foi publicado há muitos anos atrás e que chegou agora ao Brasil assim como a Portugal Hum E que demorou 12 a 15 anos para ser traduzido para português e para estar a ter acesso o público ter acesso esse livro é um a publicação de um doutoramento que eu fiz há 15 anos atrás talvez Então as pessoas têm acesso a um livro compram um livro T acesso a essa leitura e portanto tem um
um olhar eh de alguém que escreve livros e que usa a psicanálise para escrever os livros e post Colonial studies and jender studies que studies etc O livro é muito fácil de comprar e de trazer na mala obviamente Hum que é muito mais fácil ter acesso a um livro do que às Exposições que H talvez eu mostre de dois em dois anos aqui no Brasil mas o que eu me apercebo muito é que eu acho que é algo sistêmico que uma mulher e em particular uma mulher negra é reduzida a um papel quase infantil na
sua biografia ou seja eh eu estudei há quase 30 anos atrás mas é sempre referido o que eu estudei eu fiz um doutoramento há quase 20 anos atrás mas nem sempre é mencionado eu dei aulas nas universidades mais importantes da Europa internacionais na África do Sul no gana H na Holanda e na Áustria na Inglaterra na Alemanha H como professor ou guest Professor nunca é mencionado desse currículo ou seja eh o papel é quase reduzido ao momento infantil em que tu estudas e acabas os teus estudos há todo um um currículum e um e um
e um caminho que é apagado na biografia Eu acho que isso tem a ver muito com a dificuldade que há ainda hoje de ver e de aceitar o currículo complexo que uma mulher pode ter e acumulação de saberes que uma mulher pode ter e que às vezes eu acho que é tão overwhelming que depois é reduzida ao papel mais mais infantil que é estudou x eu estudei x há 30 anos hum na Europa e nos Estados Unidos eu tenho um um uma outra biografia sou apresentada com uma outra biografia como artista artista multidisciplinar a isso
não é colocado em causa H porque talvez onde eu estou muitas artistas e eu acho especialmente neste momento em que nós estamos temos uma série de artistas da diáspora africana que vêm de Um percurso extremamente intelectual que sabem muito bem o que é que estão a fazer H que vêm h de que ensinam nas universidades paralelamente que têm um curso académico muito forte e que depois aplicam esse percurso e essa sabedoria na sua prática artística Isto é um momento quase decolonial nas artes contemporâneas que é desconhecido para a maior parte das pessoas então há uma
certa dificuldade em Localizar onde é que eu vou colocar Esta artista que escreve livros ou ensina na universidade ou eh ler livros e e e como é que se passa de um como é que se pode atravessar tantas disciplinas Eu acho que isso também é esse processo de colonial e que assim que nós tomamos plataforma assim que nós tomamos chão o trabalho é extremamente complexo e a infelicidade é que ainda há uma grande falta de Sabedoria ou de preguiça não sei em conseguir ler a complexidade dos nossos trabalhos o trabalho é reduzido a uma palavra
única ou duas palavras Saes mas é extremamente complexo Eu acho que isso é um processo que nós todas vamos aprendendo e e nós todas vamos desconstruindo juntas hum maravilhoso com isso então a gente fecha o nosso primeiro bloco vai para um breve intervalo volta já já com mais Roda Viva com a grada quilombo [Música] cultura que aproxima [Música] Bradesco estamos de volta com Roda Viva que hoje recebe a artista interdisciplinar grada quilomba Quem pergunta para ela agora é o Silas Martin obada tudo bem É um prazer estar aqui com você eh e queria pegar a
carona numas coisas nos assuntos que foram trazidos no primeiro bloco eh levantados pela Vera pela Júlia e pela Joice que é sobre o trabalho o barco Mas voltando um pouquinho para um outro outro conceito ali talvez você disse numa entrevista uns anos atrás que a arquitetura no Brasil replica um pouco da sociedade escravocrata até hoje né a coisa do elevador social elevador de serviço que a gente vê ainda hoje nas placas né pela cidade e e fazer uma instalação artística também não deixa de ser um uma arquitetura também e eu acho que E aí e
o seu o seu trabalho ali ele evoca o porão de um navio negreiro né e eu queria perguntar se você acha que a nossa arquitetura atual não só no Brasil mas no mundo ainda é regida por uma matriz de tortura uma matriz opressora que ficou de tempos que eram opressores mas que ainda hoje se pratica essa arquitetura e esse urbanismo viol né que no final muito violento né Queria saber o que que você pensa desses assuntos Ai Que pergunta linda realmente eu acho que a primeira vez que eu vim ao Brasil trabalhar eu acho que
foi em 2016 talvez Ah para amostra internacional teatro em que eu fiz uma performance no palco e uma das coisas que mais me ocupou que ocupou a minha mente foi de facto a arquitetura de tudo o que eu vi foi a arquitetura e essa divisão de entradas tem uma uma uma entrada da frente e uma entrada traseira que não só divide o edifício em dua em dois lugares distintos mas hierarquiza esses dois lugares e hierarquiza também os corpos que podem entrar nesses lugares e e durante a minha estadia eu fui convidada para visitar alguém e
nessa visita h eu fui ID para entrar numa entrada que não era a entrada da frente então eu fui foi quase um um momento performativo em que eu me percebi do significado da importância da arquitetura e como arquitetura de novo como os espaços públicos podem reproduzir e repetir uma história de violência e ainda mais problemático é como a violência é naturalizada como é normalizada como é normal pedir alguém tendo em conta o seu corpo em que porta é que pode entrar e como Cada corpo tem que ser separado na sua ascensão para ir visitar um
apartamento então isso foi uma questão que me ocupou muito e exatamente me levou muito a pensar sobre este conceito de repetição Porque nós não estamos a falar de uma arquitetura de 300 anos atrás em que tínhamos uma sociedade estávamos no auge colonial e no auge da escravatura em que H os corpos são eh são separados por lei e são hierarquizados mas levanta essa questão que eu acho que é muito importante eu acho que isso é o grande papel da arte que é fazermos esse exercício constante de perguntarmos e questionarmos a nossa normalidade e e e
de facto a arquitetura foi um desses exemplos e talvez por isso também me fascina tanto trazer obras de arte da do espaço de dentro do Museu para fora hum quanto ao barco o barco o barco traz estes temas com que nós começamos que antigo na pergunta que é porque é que um irmão pode ser enterrado pode ter uma cerimónia pode ter um ritual pode ter um reconhecimento pode ter um espaço hã que tem o seu nome registado e lembrado e portanto pode ter um espaço onde o luto pode ser eh pode ser exercitado E porque
é que um outro corpo não tem porque é que um outro corpo passa a ser carne em vez de corpo e e como é que nós podemos apagar uma história que por acaso por aliás é importante lembrar eh que o processo o o projeto de escravatura começou em Portugal em 1411 foi o primeiro e o último portanto nós trazemos connosco uma imensa responsabilidade e como é que um uma história que foi que é uma das histórias mais longas e mais horrendas da humanidade pode desaparecer dos espaços públicos não é registado H isso fascinou e levou-me
a esta a esta peça queria fazer um registro que tem a ver com isso que você tá falando porque você disse que você precisou sair de Portugal para se tornar quem você é e quando você volta a Portugal para duas Exposições depois da primeira Bienal aqui em que você expôs na 32ª e que você se vê confrontada com esses monumentos que ainda hoje eh glorificam esse passado Colonial você se sentiu na obrigação de construir uma instalação na hora para honrar os seus antepassados queria que você Contasse pro pro nosso público que tá nos assistindo Como
foi esse momento que você mandou buscar alguns objetos para fazer essa instalação ali de improviso e qual é a ponte temporal e de reparação mesmo entre esse momento e o momento em que você tem o seu monumento ali colocado ao lado daqueles colonis todos o convite quando eu comecei a trabalhar no barco o convite veio de uma Bienal que se chama boca que é uma Bienal extremamente importante em Portugal e muito visionária e eu recebi este convite para mostrar o meu trabalho lá ah e e quando eu recebi o convite eu disse eu acho que
se eu tiver uma comissão para fazer uma nova obra aqui em Lisboa seria importante é o momento há uma grande urgência em trabalhar com aquilo que é inconsciente Ah e tornar esse inconsciente consciente ou seja tornar aquilo que é invisibilizado visível aquilo que não é nomeado passar a ser nomeado ter uma nomeação hah e esse foi exatamente esse processo hum em em redor a cidade tem uma série de museus eh e de monumentos e como nós sabemos o barco é usado como um símbolo o barco é algo que aparece globalmente porque a colonização é global
e que aparece mesmo como um símbolo um símbolo que é glorificado é quase uma metáfora de libertação de expansão virilidade virilidade de hum de aventura e acima de glória e acima de tudo de uma série de vocabulários infantis que nós ainda usamos em português como descobrimentos sem termos a noção que um continente com milhões de pessoas não pode ser descoberto Então eu acho que a beleza de trabalhar como artista é exatamente H criar uma obra que torna visível tem a magia de tornar visível aquilo que é invisib constantemente E acima de tudo de criar questões
hum a mim pessoalmente não me interessa entregar um saber um conhecimento e eu acho que a academia tem essa função hum não me interessa trabalhar com moralidades interessa-me criar uma obra que tenha a magia de receber a audiência que depois de entrar na instalação e de ser imersa pela pela pela poesia da instalação se pergunta como é que eu não pensei nisto antes como é que eu não vi isto antes como é que eu não conheço estas línguas de onde vê estas línguas Ah o que é que significa esta história porque é que a história
é contada assim e a história é passado ou é presente e e e entender algo que vem também das diásporas que há o tempo não é fragmentado o tempo não é linear ISO também é uma construção da história Colonial há um passado há um presente e há um futuro e e e no pensamento africano e de todas muitas outras diásporas o tempo coexiste eu não posso estar no presente sem a história do passado o meu presente é futurista ultrapassa o presente e tá no é uma uma é uma é uma é uma complexidade tempos e
isso ajuda-nos muito a compreender a história hum eu acho que Berlim é um bom exemplo de como é importante ver a complexidade do tempo quando Berlim e Alemanha que tem uma história extremamente violenta e e que entendeu que a única forma de podermos habitar o presente é compreender que não podemos separar o passado do presente para a desenhar o futuro e esse exercício hã é fundamental maravilhoso aberto grada você escreveu sua tese de doutorado em inglês uma tese que gerou esse livro Memórias da plantação tão importante aqui no Brasil eh e para essa escrita você
argumentou que você precisou aprender uma outra linguagem um outro vocabulário a partir de uma língua que não fosse tão binária né uma língua que não reforçasse tanto o patriarcado né uma língua que não não marcasse por exemplo com os os plurais coletivos sempre no masculino né uma língua que não fosse tão carregada de palavras como você falou agora até infantis né palavras que vêm desse projeto eh Colonial eh no entanto eu queria te perguntar se a língua inglesa também como uma língua Franca é a gente de alguma maneira não reforça também um outro tipo de
imperialismo não tem um imperialismo que que se atualiza aí que por exemplo apaga tantas outras outras línguas né não seria o caso de reocupar decolonial a nossa língua portuguesa hum absolutamente Eu acho que eu acho que é um é um eu acho que é um processo muito complexo nós estamos a falar de línguas coloniais Então seja português espanhol francês ou inglês nós estamos a falar de línguas coloniais no mundo nas Américas em África falam-se como língua oficial línguas coloniais portanto H essa é a nossa realidade o que acontece com a tem uma série de de
de constelações uma das constelações é que eu sou uma mulher migrante na Alemanha portanto Hum Português não me serve porque ninguém me entende alemão é uma língua nova eu posso e tenho que trabalhar para vencer e para avançar eu tenho que trabalhar numa língua que possa fazer a comunicação entre os vários países começa por essa experiência de migração hum inglês ah felizmente em Portugal nós começamos a aprender inglês e francês muito muito jovens portanto é uma língua que se domina com muita facilidade Porque a Europa é tão pequena como Brasil é grande não é e
temos uma série de línguas e o inglês passa a ser a língua que de comunicação Mas acima de tudo porque a língua o inglês também é a língua dos grandes pensadores e Libertadores Ou seja é a língua de Stuart All de Paul geroy de Audrey lord de Bell hooks de Angela Davis de de Malcolm X ah e de todas as todos os outros grandes pensadores e de libertação africana portanto a língua inglesa também vem e chega a nós desse desse trabalho intelectual de resistência portanto é uma língua que já foi trabalhada é uma língua que
já foi desmontada ao contrário das outras línguas europeias que não foram desmontadas e isso torna-se mais notável quando nós fizemos a Ou seja todos os livros e grandes livros que e grandes obras que eu li para me formar são obras que são escritas em inglês e que vê das os as grandes pensadoras que nos definiram e portanto eles trazem e elas trazem em uma linguagem que já foi trabalhada e que já foi reatualizado e repensada e portanto é uma linguagem extremamente rica uma linguagem de resistência quando nós começamos a fazer h a a tradução a
tradução Obrigada sabes que eu falo raramente português eu só falo português com as minhas crianças e então às vezes tem que pensar h quando nós começamos a fazer a tradução hum para português eu tive eh realmente uma grande crise porque eu comecei a perceber que aquela não era a obra que eu tinha escrito primeiro a obra e tudo o que os sujeitos passam a ser masculinos porque em português como em outras línguas europeias h quando está um coletivo de mulheres mas há is a presença de um indivíduo masculino o coletivo passa a ser referenciado como
masculino ou seja a presença das mulheres passa a ser inexistente então o livro embora tivesse sido escrito por mim passa a ter como sujeito a terminologia masculina Hum E passa a deixar de ter todo o sentido as terminologias que nós temos como ainda não passamos por todo esse aprendiz de colonial e de post Colonial studies nós não temos a linguagem as linguagens que nós temos estão profundamente ancoradas com uma linguagem Colonial então foi muito difícil desmantelar e é uma linguagem que trabalha exatamente com as binaridade que e Cria como grande parte das línguas europeias com
a a pequena seção de inglês trabalha e divide a existência humana ent ent H dois duas eh identidades o feminino e o masculino que é extremamente problemático porque não tem em conta a complexidade de géneros e de identidades que nós temos como humanos então de novo para mim tudo isto que nós estamos a falar não é um eu não estou muito interessada em em críticas eu acho que eu estou interessada em criação então foi um momento extremamente criativo em pensar uau o que está a acontecer o que está aqui perante nós é um enorme nó
que nós temos que desatar e que mostra que a língua não é neutra a língua portuguesa não é neutra é uma língua bela mas não é neutra é uma língua que traz consigo um exercício de poder que determina identidades e que determina quem é normal e quem é desviante e que determina também uma equação que é quem é que pode hã representar falar e representar a condição humana uhum o que é que significa ser um erro ortográfico na tua própria língua Essa é para mim foi a grande questão que violência é essa quando determinadas identidades
não podem existir ou quando fazem a mudança existem como um erro ortográfico e essa foi a questão que para mim se levantou eu acho que a partir daí abrem-se questões para nós pensarmos e revermos e inventarmos constantemente a língua e tudo o resto j e grada eh pensando no seu na sua posição de artista e no meu último livro se a cidade fosse nossa eu trago abrir espaço para uma provocação para uma discussão na verdade que vem se avolumando sobretudo nas camadas mais e não ouvidas da é a dicot entre picho Eite então o picho
seria a arte validada e o grafite seria aquilo que emp porcal que suja a cidade contrário n contrário o picho suja isso o picho suja a cidade e o grafite seria o que é chancelado como arte inclusive já adentrando os espaços dos museus dessa dos espaços hegemônicos onde a arte é aceita né e eu queria ouvir de você porque assim a gente tem no Brasil essa essa ideia né de que arte é só aquilo que é agradável só aquilo que é eh enfim que que vai de encontro com o que eu entendo como Belo como
beleza Enfim tudo mais e aí eu tenho defendido Inclusive eu trago do Champs com urinol em 1917 fazendo esse questionamento do que de fato é a arte eu tenho defendido que a arte também é aquilo que provoca que incomoda e eu vejo muito isso também no seu trabalho né você traz um navio negr que é algo que vai trazer esse desconforto Então queria que você falasse um pouco pra gente sobre essa essa ideia de que de como é colonizada também essa ideia de que arte é só aquilo que a gente tende a aceitar como bonito
como chique ou como especial essa é uma pergunta também fascinante porque toca nessa questão Para que serve a arte e a arte de quem não é e eu acho que para mim pessoalmente eu acho que que a grande Fascinação de ser artista é quase como uma tradutora das impossibilidades ou uma tradutora hum ou uma criadora de linguagens para aquilo que nós não temos uma linguagem para o qual nós não temos uma linguagem então eu acho acho que é sempre um exercício que h de desconforto a arte tem h a arte toca temas desconfortáveis ou temas
impossíveis ou temas para o qual a sociedade não tem uma linguagem no meu entender agora a a grande o grande exercício de uma artista eu acho é conseguir trazer fazer essa tradução e essa linguagem sem repetir esse desconforto ou ou essa violência então por exemplo eu acho que os temas que eu trabalho sãoas temas extremamente violentos Eu trabalho com o tema violência eu trabalho com o tema da Morte Eu trabalho com o tema do apagamento são temas extremamente violentos E extremamente difíceis e eu juro que quando eu entro numa obra eu H desapareço completamente do
espaço público e eu entro num estudo e Numa pesquisa muito muito profunda e eu choro muito eu leio muito eu penso muito eu faço muitos exercícios para compreender eu rodeio de livros Ah para entender as questões e eu entro em temas muito profundos o barco traz um tema muito profundo como é que corpos de pessoas são hã colocados meticulosamente eh em espaços mínimos e transportados como carga para criar uma riqueza eh num Império europeu durante séculos são são temas desconfortáveis Eu acho que o grande exercício depois de uma artista é como é é criar a
magia eu acho que é a magia é trazer temas extremamente h confrontativa mas conseguir criar uma linguagem que chama ao público e que acarinha a público e que abraça o público sem Romantizar a violência né mas trazendo uma certa um certo conforto R sem Romantizar e sem repetir a violência mas que dá a possibilidade de levantar questões para compreender essa violência eu acho que isso é um exercício muito complexo de fazer e que às vezes falhamos e outras vezes acertamos mas que é essencial fazer porque eu acho que é aí nesse momento que há que
que acontece uma transformação na sociedade Uhum grada eu queria inclusive entrar nesse nesse assunto mas olhando a abordagem que você faz de olhar a ordem Colonial nas situações do cotidiano uma abordagem inclusive que é Muito desconfortável mas muito importante e brilhante eh Há uma série de situações né Não só na arquitetura na cidade nas interações entre as pessoas mas principalmente na circulação das informações onde pessoas sujeitos negros nós somos impelidos e voltamos à situação né do trauma voltamos à situação de viver aquela realidade Colonial né o colonialismo como um eterno looping a minha pergunta né
pensando que a sua obra escrita tem alguns anos e eu acho que hoje vivemos umaa realidade das redes sociais das plataformas do excesso de informação eh tem como a gente escapar fugir dessas situações de trauma diante desse excesso de informação que a gente lida hoje você abre uma rede tem posts de não sei o que a outra tá falando sobre alguma coisa aconteceu tal coisa enfim dá pra gente escapar e se der pra gente escapar dá pra gente também responsabilizar para além de quem está criando essas informações esses conteúdos mas as próprias redes as próprias
plataformas em relação a isso Hum essa é a pergunta não é hum eu pessoalmente eu sou uma pessoa extremamente tímida e muito solitária eu gosto muito de estar só e e preciso muito de silêncio Então eu acho que uma das metodologias que eu desenvolvi pessoalmente para poder fazer o trabalho que eu faço hum é concentrar-me absolutamente naquilo que eu quero fazer eu literalmente faço o que eu quero Uhum eu desenvolvo os trabalhos que eu quero e que são absolutamente urgentes para mim então tudo o que se passa ao redor o que as outras pessoas pensam
ou dizem o que pode ser ou não pode ser está lá sempre obviamente nós encontramos muitos obstáculos mas eu acho que que essa paixão e essa visão é tão forte emocionalmente intelectualmente espiritualmente é tão forte e tão urgente Hum que esse é o meu esse é o meu caminho é o caminho que eu tenho que seguir Eu acho que isso é um exercício que nós temos todos que fazer e aprender a fazer e que nós temos que ensinar também às novas gerações que é acreditar em si próprias ter uma plataforma e a liberdade de errar
e de falhar e de conseguir construir também e de encontrar o seu caminho e porque eu acho que cada uma de nós tem algo para entregar na sociedade que é o único cada uma cada uma de nós artistas tem algo e tem uma obra que é única para entregar ao universo eh mas eu acho que esse exercício de se focar na sua grande paixão e visão é fundamental para perceber que nós temos algo para entregar que não estava ainda lá portanto agora quando eu olho para trás eu acho que em todo o meu caminho eu
tive pessoas a dizerem que eu não poderia eu não posso estar a fazer o que eu estou a fazer e que o que eu estou a fazer tá errado é uma constante e e com certeza ainda é hoje mas o grande exercício é que hoje eu sou uma mulher mais madura e as vozes exteriores não são importantes nem relevantes para mim a voz interior e a urgência é fundamental para mim eu acho que essa mudança é importante Hum E nesse exercício é também compreender que nós não podemos trabalhar com toda a gente e tá bem
assim e nós não queremos trabalhar com toda a gente e tá bem assim é quase como nos despedirmos de um desejo mas nós temos um desejo muito infantil e muito muito grande que é ser amada por toda a gente eu acho que crescer e tornar-se artista que nós somos ou as pensadoras que nós somos é exatamente despedirmos de uma série de desejos infantis que nós não somos as únicas nem as primeiras nem somos as mais amadas pris trabalhar com toda a gente exatamente eu acho que isso é um exercício muito importante que ao trabalhar com
residências workshops em posições de poder grado vou precisar te interrompe pra gente fazer mais um intervalo retornar já já com a Tati OAS que tem perguntas para você já já a gente volta [Música] cultura que aproxima [Música] Bradesco estamos de volta com Roda Viva que hoje recebe a artista grada quilomba Quem pergunta para agora ela para ela agora é a Tatiane Diga lá ta eh grada eu queria retomar um pouquinho da pergunta da Joyce e do Túlio eh suas obras são multidisciplinares mas queria saber um pouco da criação dela você fala pra jo que você
chora um pouco se rodeia de livros e mas como é que é isso as viagens fazem parte dessa também da da construção dessas obras aí como é que entra o cinema o teatro dentro disso como que é um pouco do seu processo é o meu processo é outra pergunta tão importante que é eu acho que eu começo muito com a sabedoria com os livros os livros são fundamentais para mim eu acho um pouco que as minhas obras são cada obra é quase como um Puzzle cada obra é uma peça de um grande grande Puzzle e
e cada obra traz uma questão que é urgente há um há uma há uma urgência uma uma paixão a em responder em em compreender algo hum em compreender eu acho que que compreender quem eu sou eu acho que cada obra responde a essa a essa questão ou levanta mais questões à volta dessa questão que também é uma forma de de resposta e e nesse sentido eu eu tenho eu acho que milhares de livros em na minha casa em Berlim e no estúdio eu amo e Devoro livros sem parar sem tema sem disciplina do teatro à
poesia à ao cinema à à ficção e eu gosto de entrar nesse caminho do storytelling da contadora de histórias eu eu descreveria meso mesmo como uma artista que é uma contadora de histórias e nesse sentido interessa-me criar obras que contam uma história ou que vão contar enunciar algo e o que acontece nesse processo começa muito com a leitura e com a escrita e com a leitura e com a escrita a escrita e a leitura passam a ser visuais h a escrita de facto é uma visualidade do pensamento H é um exercício visual a própria escrita
é um desenho visual de um pensamento e usa de facto a visualidade e a imagem para criar associações de pensamentos então é muito fácil para mim da leitura e da escrita passar À imagem e passar à imagem física também à imagem digital Mas acima de tudo eu começo com essas e as obras muitas vezes nesse processo que é quase um processo Divino agora estou a Romantizar mas é quase um processo Divino em que tu entras num processo extremamente profundo ah às vezes de muita dor porque te ap percebes das violências H que a história traz
connosco e das políticas de violência que às vezes são inacreditáveis e dos genocídios que se repetem e da exclusão que se repete e e essa repetição é extremamente dolorosa de observar porque eh te confronta que não é algo do passado é algo que que se repete constantemente e como lidar com isso e e por isso esse essa emocionalidade mas que se começa a manifestar em imagens e acima de tudo que diz como quer ser contada Então para mim pessoalmente não eu não estou interessada em representar uma única disciplina aou trabalhar só com a vídeo ou
com a performance ou com música ou com escultura as obras geralmente dizem de como é que querem ser contadas quase que sussurram no ouvido e e diz e tu sabes qual é o material que que tens que usar GR e pegando caro na nisso da da emoção que que que entra no trabalho e de desse envolvimento tão profundo com uma obra e também lembrando aquilo que o Túlio falou sobre eh a esfera das redes sociais e o público e os traumas que vem à tona eu queria lembrar um episódio de três anos atrás quando você
poderia ter representado Portugal na benal de Veneza e o seu projeto não foi o escolhido eh foi outro artista mas o processo levantou dúvidas e enfim se surgiu um grande debate sobre racismo no Mundo da Arte e porque seu projeto teria sido preterido em relação a outro né e eu queria que você falasse um pouco desse Episódio sobre o projeto em si que você teria mostrado e sobre essa situação de est no centro de um debate no centro do furacão porque foi uma discussão que rodou o mundo né aqui em São Paulo na própria Folha
de São Paulo a gente teve vários artigos publicados né de Jamila Ribeiro João Pereira Coutinho cada um com o seu ponto de vista mas queria entender como você se sentiu né no no centro da roda no olho do furacão naquele Episódio específico no centro da roda hã para mim isso é um um episódio que é absolutamente eh resolvido e fechado para mim eu não eu eu eu não estou ocupada com aquilo que aconteceu eu estou ocupada com os múltiplos convites e trabalhos que que me acumulam e que me apaixonam e que eu faço eu acho
que o que aconteceu e acontece com qualquer artista que é ser convidada que é uma grande honra e trabalhar e e e profundamente e entregar o melhor trabalho possível eu acho que o choque reside em nos apercebermos de como o sistema funciona e que é um sistema que pode funcionar com uma falta de ética e de autoridade moral e esse aí reside o choque ou seja o choque não é e não ser escolhida mas a percebermos e observarmos de fora como é que este sistema pode funcionar e a violência com que este sistema pode funcionar
e depois levanta uma série de questões sobre o que é a arte quem é que pode fazer arte quem é que pode representar um cano nacional e e etc levanta uma série de questões e mas h eu diria que acima de tudo é esse choque de nos apercebermos ou a desilusão de nos apercebermos que a violência reside também nas instituições e em todos os sistemas de de de de comitês e de escolhas que podem funcionar como uma forma de violência e e você se sentiu e posso endar mais uma só você se sentiu talvez eh
melhor por ter feito na sequência uma abal de São Paulo que teve o maior número de artistas não brancos na história né qual qual legado você acha que essa exposição deixou né a última benal de São Paulo entrou pra história por bom por vários mas acho que esse é um dado estatístico inquestionável exatamente eu acho que é esse momento que é um momento quase mágico de perceber nós não temos que trabalhar em todo o lado nem com todas as pessoas e e e às vezes e uma porta fecha-se e uma grande grande porta abre-se em
que há de facto uma grande transformação e ter feito a Bienal de São Paulo e ter feito muitas outras eh Exposições que estão a ser feitas e que estão a chegar é muito mais marcante e muito mais importante então eu acho que lidar com essa a flexibilidade que a vida nos traz eh um dos curadores com que eu trabalhei disse uma coisa muito bonita e disse grada tu tens orixás eles sabem onde são são muitos que a gente viu no livro são muitos que estão com você diga atulo grada Eu queria até puxando desse assunto
né que é aqueles que bloqueiam ou são os gatekeepers tanto no universo das artes mas a literatura etc eh também tem sido as pessoas que em geral TM criticado as discussões né sobre questões raciais sobre gênero e etc e tal né pessoas que têm colocado etiqueta de identitarismo w etc você fala bastante na sua obra sobre silenciamentos né o capítulo da máscara inclusive é é essencial nesse sentido né como que um objeto ele produz um sujeito objetificado eu queria saber o que que você acha dessa as discussões né essa coisa de Ah o identitarismo ai
os excessos de linguagem Ai a coisa do politicamente incorreto você já até comentou alguma coisa sobre isso mas eu queria escutar eh aqui um pouco da sua visão dessas perspectivas de identitarismo e afins Eu acho que eu volto voltaria um pouco àquilo que eu falei antes eu acho que depois há uma série de mecanismos para silenciar e esse é um deles a formas de silenciar hum hum são por exemplo definir nós estamos a falar sobre o poder de definição o que é que acontece quando uma pessoa marginalizada define e essa definição é interrompida por uma
outra definição é uma concorrência sobre quem é que tem o poder de definição e quem é que pode definir quem e quem é que pode ter a linguagem para definir o quê então nós estamos a falar sobre a autonomia de ser sujeito ser a subj idade de ser sujeito de criar produção uma nova produção em que existimos isso eu acho que é o que está a ser em causa isso diria que é uma questão não só com o silenciamento mas também com a ausência ou seja como é que corpos presentes artistas presentes se tornam ausentes
não é através da da a sua ausência passa a ser inexistente como é que nós passamos por estes este processo como é que uma população uma demografia que que apresente se torna ausente nos canons se torna ausente nas representações nacionais e internacionais se torna ausente nos espaços públicos e académicos e uma vez ausente Isso significa que é inexistente e há a a ilusão de que há que é inexistente mas não é eu acho que essa agem de um processo é quase uma uma uma um processo metafísico que eu acho interessante pensar e repensar e e
ao mesmo tempo mesmo sendo sendo colocada confrontada com essas metafísicas em que a nossa existência é remodelada e é transformada Eu acho que o que mantém o trabalho aceso e importante é exatamente a paixão que eu falei antes e essa visão e essa e ter contacto com a urgência que o trabalho tem porque o trabalho torna-se muito mais importante do que depois pequenas decisões pontuais sim ou seja é uma decisão que vai para além dessa metafísica eu no outro dia estava a falar com alguém e disse lembra-te que quando nós fazemos um trabalho não é
para Agora É Para Sempre nós não podemos estar ocupadas só com agora com um evento pontual com uma escolha ou não o nosso trabalho vai para além do nosso tempo e é nessa nesse parâmetro que nós temos que trabalhar assim como os nossos ancestrais trabalharam vão para além do seu tempo eu acho que isso é é uma mensagem muito importante a manter maravilhoso mensagem linda com a qual a gente fecha o nosso terceiro bloco vai para mais um intervalo e volta já já com mais dois blocos de reflexões da grada [Música] quilom cultura que aproxima
Bradesco [Música] estamos de volta para esse Roda Viva Mais do que especial com a grada quilomba acho que o último bloco foi um dos mais políticos aqui do programa embora toda a sua obra toda a sua fala seja muito política Então queria aproveitar para te ouvir Portugal recentemente né acabou de sair de uma eleição em que a Extrema direita cresceu muito com a pauta antim migração muito xenofóbica e até com uma defesa nem tão violada assim do racismo eh a gente tem visto esse fenômeno em vários lugares do mundo esse crescimento de um pensamento de
extrema direita você acha que isso é uma manifestação Clara de que esse pensamento orgulhoso Colonial segue entranhado na vida do país grada é extremamente grave o resultado que nós tivemos em Portugal e e mesmo muito assustador mas não surpreendente se nós compreendermos que hah se nós compreendermos a dinâmica de como a narração é importante quando nós temos uma história e eu cresci na altura eh e do 25 de Abril esta foi a minha infância portanto foi uma uma um momento de grande visão um momento pós fascista Umo pós Imperial um momento pós-colonial em que houve
uma grande libertação intelectual e artística portanto eu lembro-me de crescer com grandes visões talvez essa tenha sido a minha grande H influência também e não só ISO não só a visão do momento de de libertação mas também de de compreender que o movimento intelectual e libertação africana foi o grande motor do fim do fascismo em Portugal que eu acho é uma associação que em Portugal ainda não é feita muitas vezes então quando nós ainda não compreendemos a complexidade da história quando a história como nós falamos há pouco começa em 1411 com um grande e e
e eh o Grand projeto de escravatura que é a base de Portugal e é a base da Europa todas as políticas europeias são construídas à volta de uma história colonial de uma história escravocrata por centenas de anos é importante compreender eu acho quando nós quando a história não é compreendida e quando a história não é contada devidamente a barbaridade repete-se e eu acho que este é o momento em que mais uma vez se repete um pensamento e uma linha de pensamento não só em Portugal mas na França na Itália na que se está a repetir
E que nos faz outra vez questionar O Que É Que Nós aprendemos Hum E como é que a aprendizagem nos é dada sobre quem nós somos e ISO torna-se de facto urgente sim Joyce depois Jú grada eh nos nas últimas semanas eh Brasil discutiu bastante a questão do estupro por conta de um jogador dois jogadores famosos que foram acusados estupros Condenados um deles foi absolvido mediante uma fiança eh e muitas mulheres né Acho que o número esmagador de mulheres se sentiu intimamente ultrajada e a frase que eu ouvi era o seguinte eh a a absorvição
desse crime é um tapa na cara de todas nós o que eu concordo inteiramente só que na outra ponta na mesma época tava sendo absolvido também eh policiais envolvidos no assassinato de uma mulher negra chamada Cláudia da Silva que foi colocada no camburão arrastada pelas ruas enfim eh e a comoção não foi equivalente para essa absolvição E aí eu lembro de você falando em algumas palestras sobre a questão da mulher branca como o eco do Narciso ou como alguém que reverbera muitas vezes eh a partir da sua condição de mulher branca aquilo que a visão
colonial do homem branco impõe paraas outras racialidade paraas outros eh representações das sociedade eu queria que você dissesse um pouco pra gente como a gente consegue mitigar essa questão porque o feminismo negro conseguiu pautar muito isso dentro do Brasil nos últimos anos isso vem é uma crítica que vem desde os tempos de lélia Gonzales e s carneiro e toda essa geração mas ainda a gente encontra uma resistência muito grande por parte de mulheres brancas que se assumem como feminista e entender o seu lugar de Privilégio e entender principalmente que as opressões estruturais elas não vão
conseguir serem mitigadas se você olhar só para aquilo que te incomoda ou só para aquilo que na verdade te perturba eu queria que você falasse e comentasse um pouco sobre isso é Mas é interessante porque o que tu falas eh de novo tem a ver com a complexidade da nossa existência não é e e e a importância de pensar a nossa existência e de pensar a nossa a nossa história para que essa barbaridade não seja repetida eu acho que que a mulher negra tem um papel muito específico na sociedade se nós pensarmos em termos psicanalíticos
que é h a mulher negra quase que incorpora um um um um vazio na sociedade e por quê Porque não é o outro mas é o outro do outro ou seja hã se nós olharmos para uma identidade em pleno poder como o homem branco hum o homem negro é homem e a mulher branca é branca Isso é uma das questões que depois é levantada na no feminismo pós-colonial e decolonial que é a mulher negra nesta equação encontra-se fora da Constelação pois ela nem é branca nem é homem e portanto não tem um contrapeso com as
identidades sem poder isso é algo que o feminismo negro levanta e começa a falar sobre a importância da intersecionalidade que nós não podemos pensar em questões em binaridade o feminismo não pode dividir o mundo entre homens e mulheres porque isso não explica uma história de 500 anos a história é muito mais complexa e é importante olhar para essa complexidade e interseccionalidade porque senão nós estamos constante a repetir violências e estamos constantemente a criar também um exercício que foi o que tu falaste Sem falar que é com quem é que nós nos identificamos onde é que
está a nossa emocionalidade com quem com quem quem é que nós queremos proteger quem é que tem que ser protegido por nós onde é que onde é que há um elemento de identificação estas questões de negação divisão S identificação são termos psic psicanalíticos que funcionam em conjunto por isso é tão difícil muitas das vezes ter e identificar-se com uma artista Negra por exemplo ou com um caso como os casos que tu apresentas porque há uma quebra de identificação porque são construídas imagens e são construídas palavras e nós temos que compreender que violência e racismo funciona
é discursivo não é biológico não existe no corpo não existe no corpo é algo biológico não é biológico não existe no corpo mas é algo que é construído através do Discurso ou seja é construído através de palavras e de imagens e ó só você acha que nesse sentido o letramento racial é um termo que tem pego muito aqui nas nossas discussões que o letramento racial serviria para ajudar nesse caso né Mas como você tá tá falando Existe Para Além de você saber cognitivamente sobre questões raciais esse atravessamento das nossas questões humanas psíquicas do nosso eu
subjetivo então você acha que o letramento racial o letramento de gênero que seja ele seria um caminho eu acho que o caminho é olhar para para a interseccionalidade e compreender que nós existimos em múltiplas identidades e nesta constelação de poder e que isso nos posiciona de forma diferente na sociedade e nós temos que nos perguntar em que sociedade é que nós queremos viver sim numa numa sociedade em que as pessoas em que as pessoas humanas são tratadas humanamente ou se nós construímos constantemente uma hierarquização e dos humanos e o que é que isso faz connosco
cria culpa cria vergonha Qual é o processo pelo qual nós passamos a mim interessa-me acima de tudo questionar H com o que é que nós construímos e repetimos Uhum E o resultado disso grada hum aqui conversando com acho que na resposta até paraa Tati você falou que você era uma contadora de histórias né grande parte do seu trabalho tem esse caráter narrativo muito muito forte né você enf apresentou também como uma griô né é todo mundo que conta história né todo contador toda contadora de história é uma ouvinte de histórias eu fiquei lembrando inclusive da
sua formação lá atrás em psicologia psicanálise quando você trabalhou com sobreviventes de guerra n em Angola Moçambique seu próprio livro Memórias da plantação vem também da escuta de outras mulheres né assim de outras histórias eh tem um coletivo né Tem tem muitas pessoas que são vocalizadas aí nas suas histórias e nesse sentido grado eu queria te perguntar se é possível eh representar a dor dessas histórias e a dor dessas pessoas sem repeti-la né assim e como é que a arte pode atuar nesse sentido isso é é é muito interessante porque eu acho que nós estamos
a falar sobre uma triangulação Ah que é falar escutar e se silenciar e eu acho que essa triangulação é algo que neste momento pós-colonial é muito importante exercitar que é aprender a escutar em vez de silenciar e aprender a falar em vez de ser silenciado então tem esta dinâmica entre as três parcerias em que em que nós nos apercebemos também que todos estes saberes sempre lá estiveram tudo o que nós estamos a falar nós já sabemos nós já falamos todas as pessoas que vieram aqui já falaram Cada um com as suas palavras com a sua
visão mas nós estamos constantemente a falar de coisas que nós sabemos para mim a questão que se levanta é porque é que mesmo sabendo e ter a sabedoria empírica essa sabedoria é negada o que que acce Qual é o exercício e aí eu acho que entra a magia da arte que é construir fazer essa tradução para que as pessoas consigam ouvir escutar sem silenciar eu acho que essa dinâmica é extremamente importante nós sempre falamos eu posso estar aqui a falar mas se todos vocês que estão em meu redor falarem ao mesmo tempo que eu falo
ninguém vai ouvir a minha fala eu acho que esta perfumi idade da da da da fala é o que explica o que é o poder do silenciamento ou violência do silenciamento eu posso continuar a falar agora neste preciso momento mas se vocês falarem a em cima da minha própria fala não se vai entender que eu estou a falar e não se vai ouvir aquilo que eu estou a falar e esse exercício é é o exercício que nós temos que interromper que é aprender a escutar maravilhoso que as as palavras que foram sempre apagadas e silenciadas
possam ser ouvidas E acima de tudo começar a construir um novo vocabulário uma nova enciclopédia e eu acho que é nesse momento que nós interrompemos a repetição da barbaridade ou a repetição da violência Uhum que aparece com os resultados políticos ou ou com outros a mim acima de tudo interessa-me a arte e com Como construir uma instalação em que as pessoas saem escutando Uhum Então agora a gente vai fazer um breve intervalo para você refletir sobre tudo isso e vem pro encerramento desse programa que fez com certeza todos nós pensarmos bastante [Música] cultura que aproxima
[Música] Bradesco estamos de volta pro último bloco dessa entrevista com a grada quilomba grada no seu livro tem um episódio muito marcante que é você ainda menina aos 12 13 anos você vai se consultar com o médico porque você tá gripada e ele sugere Ah você não quer viajar com a gente talvez você possa fazer as comidas cuida aqui da roupa uma bermudinha só aqui ali não é grande coisa como isso já foi para você uma percepção muito brutal do racismo que te fez até ter uma reação física eh de que maneira você conecta esse
episódio que com certeza foi marcante na sua vida a ponto de você lembrá-lo no seu livro com essa expansão da sua consciência pra psicanálise paraas artes para essa denúncia do do machismo do racismo do colonialismo esse episódio foi muito marcante de facto e Especialmente porque traz uma questão que eu acho muito urgente e muito importante compreender que é um Pou aquilo que falamos H pouco a identificação com quem está o coração com quem é que nós nos identificamos quando é que uma criança é visto como uma criança quando é que uma criança passa a ser
um serviçal quando é que uma mulher é uma mulher e quando é que uma mulher passa a ser um serviçal e como é que essa imagem de serviço ou de prestar serviço esse essa essa imagem da do subalterno de onde vem e voltamos outra vez por exemplo ao barco de onde vem estas imagens e esta imagem e discurso H Tão Profundo sim que habita o Imaginário coletivo como é que é possível olhar para certos corpos humanos e ver algo que não é humano mas que está presente para prestar um serviço então eu acho que tudo
o que acontece em nossa em nosso redor são momentos que nos fazem refletir e que nos fazem questionar como nós normalizamos e naturalizamos a violência isso de facto é o que me interessa depois a explorar no meu trabalho Esse é um exemplo em que estas questões são levantadas em questões questões sobre a identificação são levantadas questões sobre o que é o feminismo eh como é que nós podemos e temos que Complex eh eh olhar com mais complexidade para este movimento quem é que pertence a este movimento então H interessa-me acima de tudo às vezes eu
quase que olho para o dia a dia como diferentes cenários que trazem diferentes questões e são questões que mostram que ainda necessitam de urgência para serem pensadas e esse é o grande exercício que depois é possível fazer como artista que é a criar obras que tocam H estes momentos incompreensíveis da nossa existência sim e que se tornam compreensíveis através das questões que são maravilhoso Ca ah diga tulho depois pode ser eh grada uma uma tem uma questão muito interessante desse momento que a gente está vivendo que é de Fato né da multiplicação de vozes negras
a multiplicação das representações das pessoas artistas intelectuais pensadores o reconhecimento dessas vozes mas ao mesmo tempo e algo que você traz na sua obra que é muito eh interessante de se pensar dentro desses elementos do trauma há o imperativo da Excelência uhum da ideia de que nós pessoas negras Precisamos ser excelentes em tudo a todo momento a todo custo queria ouvir de você como ponderar isso né uma realidade onde a gente tem mais vozes falando mais protagonismo mas que a gente não caia todo né todos nós na tentação de sermos excelentes né que na verdade
é um imperativo que nos deprime né que nos coloca eh contra nós mesmos isso é um tema tão tão importante e tão urgente também de compreender que é hum nós temos que compreender oscilamos entre absoluta desala e pensamos durante muito tempo que o a resposta à desala é ser ideal ou ser ser excelente e e de facto pensamos durante muito tempo que o empoderamento é ser absolutamente ideal eu cresci com uma família que sempre me disse para ser muito boa na escola para me vestir muito bem para cheirar muito bem e ser muito educada claro
que eu sou todas essas coisas mas brincadeira a questão é que a minha existência só pode ser credível através ou da Absoluta deside realização ou absoluta idealização e fico aprisionada outra vez e de novo numa equação colonial de poder ser ou ter que ser mais fora da humanidade então quando eu comecei a fazer os meus trabalhos uma das coisas que Me interessou muito e por isso eu falei hoje várias vezes de palavras como falhar Como chorar Como não saber foi exatamente Especialmente quando eu dei aulas na universidade em que eu tinha estudantes eu eu eu
dava aulas em em grandes seminários em anfiteatros às vezes com 120 estudantes em que grande parte deles eram students of calla de diferentes diásporas e eu apercebi-me que um dos grandes exercícios a fazer é exatamente desmantelar essa idealização e que é muito importante que cada uma delas possa experimentar o que quer e possa também falhar e possa também não saber uhum e perceber isso como o absoluto empoderamento que eu não sei tudo nem tenho que saber tudo nem tenho que vencer tudo nem temho que ser escolhida para tudo nem nem tem que estar presente em
tudo eu tenho que seguir o meu caminho conforme as minhas questões e as minhas respostas e quando eu abandono esse equação da deside realização e idealização h eu posso ser humana e o que é uma pessoa humana é uma pessoa que às vezes sabe e que às vezes não sabe e isso nunca foi visto como empoderamento mas eu acho que o verdadeiro empoderamento de qualquer pessoa negra ou de qualquer pessoa de uma diáspora ou de um uma comunidade marginalizada é ter a liberdade de ser humana sim e isso quer dizer que nós às vezes sabemos
outras vezes choramos outras vezes não sabemos outras vezes não queremos saber [Risadas] grada eh até sobre eh falando do que não sabemos do que não podemos saber eh você já disse também numa outra entrevista de uns anos atrás que você via que o futurismo estava sendo construído no Brasil né Brasil Como cozinha do futurismo E aí a gente teve um episódio bom voltando várias décadas na construção de Brasília a nossa capital era para ser a visão do Futuro imaginando esse país que seria seria o país do Futuro stepan Zig já tinha escrito aquele livro virou
uma coisa o Brasil é sempre o país do Futuro que nunca chega eh mas vivemos esse episódio recente da destruição de vários palácios de Brasília no 8 de janeiro do ano passado que mostra uma né uma dúvida com relação a que futuro é esse né então eu queria ver saber se você ainda pensa que o futuro está sendo construído aqui que futuro é esse que visão qual é a visão desse futuro né a partir de tudo isso que a gente tá vivendo hum Posso só pegar o gancho na na pergunta e a gente faz duas
em uma já que o tempo tá curtinho eh o o Milão já falava também que a gente tem um grande passado pela frente né que o Brasil tem um grande passado pela frente então e no seu livro você traz muito Abel hooks né grada Assim como uma autora muito importante que fala que a história pode ser interrompida e transformada pela prática artística então assim seu trabalho o tempo inteiro Mirando também para esses futurism né então é como é que a gente como é que a arte vai operar aí né para nesse momento que a gente
dá as costas para essa história e que a gente ameaça inclusive possibilidades de futuro eu acho eu eu acho muito voltando a Bell hooks que iria ser a minha resposta que foi uma das grandes inspirações e uma das grandes Mestres para mim ela fala uma coisa ela fala muitas coisas importantes mas uma delas fala que hã de facto a arte consegue interromper o centro e ela fala de uma outra questão muito importante panto que é hum não não basta opor ela fala dessa questão que nós falamos também já que é eu acho que um dos
grandes exercícios de coloniais é não opor mas inventar de novo construir criar algo novo e isso eu acho que é uma das questões fundamentais que é hum o exercício que com que nós contribuímos pessoas da diáspora artistas da diáspora h não é opor a dominância aunidade mas é construir e criar algo novo que vai para além da oposição isso para mim foi um ensinamento fundamental mas um outro ensinamento fundamental que vem de Bel e que também refere a tudo o que nós falamos foi que ela explicou muito bem que o dentro H é transformado através
da Periferia é na periferia e nas margens que as questões urgentes e que as novas questões são colocadas ou seja todo este processo intelectual todo este processo artístico é produzido numa periferia física mental intelectual e espiritual emocional em que que questiona o centro e o centro de facto só é transformado através das questões que são impostas pela pela Periferia e essa é a resposta e e foi é essa periferia como diáspora que eu sempre vi o Brasil a África do Sul a Índia e tantos outros países que estão na frente da desconstrução colonial e que
são as autoras que nós lemos e que são as músicas que nós ouvimos e que são as artistas com que nós que nos obrigam a transformar o centro uhum nesse sentido maravilhoso grada eu te agradeço imensamente por essa conversa que vai ficar no nosso acervo e vai ajudar muita gente a pensar muito obrigada foi uma grande honra é nossa é isso o programa fica por aqui além de agradecer a grada que lombo pela entrevista que vai ficar histórica com certeza também agradeço essa bancada incrível que dividiu os trabalhos comigo hoje Joyce Bert Tatiane de Assis
Júlia Rebolsas Túlio Custódio Silas mar luano Veronese Obrigada sobretudo a você que semana a semana nos prestigia com a sua audiência para programas que transitam entre temas tão diferentes eu fui apresentada a obra da grada Quilombo há relativamente pouco tempo após a sua presença na flip de 2019 e pela pena da Jamila Ribeiro de quem ela é amiga pensadora brasileira Jamila que esteve também aqui em 2020 que tem mantido um diálogo constante profico com a grada a exposição da obra O barco no instituto Inhotim é uma oportunidade única que os brasileiros têm de mergulhar em
muitas das dimensões que a gente discutiu aqui hoje da obra da grada que faz uma denúncia do colonialismo mas também do racismo cotidiano ao conectar o passado e o presente na esperança de que o futuro a que o silans fez menção agora possa eliminar essas Chagas tão entranhadas na nossa história Portuguesa e brasileira fica Portanto o convite para visitar o Muse que por si só é um portento brasileiro que os brasileiros ainda pouco conhecem e a obra da grada o roda volta na próxima segunda-feira como sempre às 10 da noite e como sempre eu espero
você até já [Música] [Música] C [Música] cultura que aproxima Bradesco [Música]