Glossário político: o que é ser bolsonarista?

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BBC News Brasil
Na boca de defensores do presidente e do governo, o adjetivo bolsonarista é usado para ostentar uma ...
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Jair Bolsonaro já entrou para o rol de  presidentes, e são poucos, que viraram adjetivo e batizaram um conjunto de ideias.  Para entender um dos mais importantes fenômenos da política do país, vamos  começar com quem é bolsonarista hoje. Não há consenso sobre isso.
Para alguns, seriam todos aqueles que votaram e votam no  presidente. Mas para outros, não basta votar. Segundo o Datafolha, o bolsonarista de raiz  é aquele que diz nas pesquisas que sempre acredita nas declarações do presidente  e que acha seu governo bom ou ótimo.
Existiriam, portanto, hoje cerca de 23 milhões  de bolsonaristas raiz ou 15% dos eleitores, metade dos que declaram hoje voto no presidente.  Algumas pesquisas mapearam os valores que movem esse grupo.  Ódio ao PT relacionado às políticas de inclusão defendidas pelo partido;  Rejeição ao PT como resultado da corrupção revelada no mensalão e na Operação Lava Jato;  Sentimento de “abandono” por parte dos políticos tradicionais;  Defesa do uso de armas para autoproteção; Temor de mudanças na estrutura da família  tradicional e na liberdade religiosa; Mal-estar com as novas identidades de  gênero e com educação sexual na escola; Liberalismo econômico (ou seja, defesa de  uma atuação menor do Estado na economia); Crítica constante ao Supremo Tribunal Federal;   Nostalgia da ditadura militar e defesa da participação de militares na política;  Anticomunismo; Defesa da flexibilização das leis ambientais  para facilitar o avanço do agronegócio; Crítica a veículos jornalísticos pela cobertura  supostamente injusta do governo Bolsonaro; Postura crítica, ainda que sem embasamento, de  recomendações científicas em temas que geram conflito com metas econômicas como  pandemia e o aquecimento global.
É importante lembrar que nem todos os  apoiadores de Bolsonaro são movidos por todos estes valores. Eles aparecem em maior ou  menor intensidade de acordo com escolha pessoal, religião, classe social ou gênero do eleitor.   Podemos ter, por exemplo, uma evangélica que seja contrária ao armamento da população, mas que,  temerosa com o que enxerga como ameaças à família tradicional, escolha o bolsonarismo ainda que  não concorde com o cardápio completo de ideias.
Ou o caso de um eleitor liberal na economia que  é contrário a cotas e outras ações afirmativas, mas que discorda do conservadorismo religioso que  freia mudanças, por exemplo, em regras de aborto. Já para um trio de pesquisadores,  uma emoção uniria a maior parte dos bolsonaristas: o ressentimento.   “No caso da direita, o ressentimento se volta contra a classe política e setores por  ela privilegiados por esquemas de corrupção e de clientelismo”, afirmam os pesquisadores.  
Eles dizem que, no caso da esquerda, esse ressentimento se manifesta contra as  elites econômicas, a concentração de renda, e símbolos da riqueza e do luxo.   Segundo eles, esse ressentimento tem bastante força entre evangélicos porque nas últimas três  décadas passaram de grupo humilhado cultural e socialmente para uma camada social organizada e  com forte representação cultural e política. Esse grupo se veria hoje numa variação de  um dos versículos bíblicos mais populares no meio evangélico pentecostal:  “Os humilhados serão exaltados”.
"Eu tenho certeza que não sou o mais capacitado, mas Deus capacita os escolhidos" Se a gama de valores é complexa, a discussão sobre  as origens do bolsonarismo não fica para trás. Ao longo de sua trajetória, Bolsonaro  sempre foi um parlamentar ligado à defesa de interesses corporativos de militares, como  melhores salários e condições de trabalho. Mas em 2011, se aliou à bancada evangélica  em seus embates com a esquerda e começou a ampliar sua base eleitoral conservadora.
Mas o mais surpreendente é que lá foi discutido o “kit gay” novamente e, acredite se quiser, o MEC classificou sem censura o “kit gay” Não por coincidência, é neste mesmo ano, 2011, que surge na grande imprensa a primeira referência ao termo “bolsonarismo”. Aparece em uma coluna do jornalista Xico  Sá que abordava ataques homofóbicos de torcedores contra um jogador de vôlei    A palavra só voltaria a ser vista na grande imprensa três anos depois, em 2014, em artigo  do jurista e professor da USP Conrado Hübner. O texto começa com a seguinte definição:   “O Brasil tem assistido a surtos agudos de primitivismo político.
Não está disposto a  discutir ideias e propostas à luz de fatos e evidências, mas a desqualificar sumariamente  a integridade do seu adversário (e, assim, escapar do ônus de discutir propostas e  fatos). Não argumenta, agride. Dúvidas seriam sinais de fraqueza, e o primitivo  quer ser tudo menos um fraco.
Suas incertezas ficam enrustidas no fundo da alma. ”    No momento em que essa primeira tentativa de definição vinha a público, o país já tinha  passado pelo momento considerado deflagrador de uma série de sentimentos e demandas que  chegaram às ruas com as manifestações de 2013. E as pautas que definiriam a nova direita no  Brasil se uniam no caldeirão bolsonarista.
Dia Internacional dos Direito Humanos. No Brasil é o "dia internacional da vagabundagem" Os direitos humanos no Brasil só defendem bandidos, estupradores, marginais, sequestradores e até corruptos Dia Internacional dos Direitos Humanos no Brasil serve para isso. Isso está na boca do povo na rua No cenário externo, Donald Trump era  eleito, levando uma nova direita ao poder da maior potência do mundo.  
Internamente, o inimigo Lula, que liderava pesquisas de opinião, era preso por corrupção e  saía da corrida presidencial como resultado do processo iniciado pelo juiz Sergio Moro.   Aliás, o contexto nesses anos não era favorável ao PT. A Operação Lava Jato fazia  acusações contra políticos de 33 partidos, mas caía principalmente na conta do governo  petista que estava no poder.
Além disso, o país vivia a pior recessão em décadas.   Foi neste cenário que nasceu o bolsonarismo. Mas, para a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado  e o historiador Adriano de Freixo, embora o movimento gire em torno de Bolsonaro,  ele vai bem além do presidente.
“O bolsonarismo é um fenômeno político que  transcende a própria figura de Jair Bolsonaro, e que se caracteriza por uma visão de mundo  ultraconservadora, que prega o retorno aos ‘valores tradicionais’ e assume uma retórica  nacionalista e ‘patriótica’, sendo profundamente crítica a tudo aquilo que esteja minimamente  identificado com a esquerda e o progressismo. ” Bolsonaro teria sido a pessoa que,  no lugar certo e no momento certo, conseguiu projetar nacionalmente esse conjunto  de valores que já orbitava no Brasil. Alguns pesquisadores tentam ir mais longe e  buscar na História as raízes do bolsonarismo.
E, mesmo entre eles, não há consenso.   Para alguns, o bolsonarismo é um herdeiro de ideias e ações do fascismo, movimento autoritário  criado por Benito Mussolini na Itália do início do século 20 e que inspirou outras ideologias como  o nazismo na Alemanha e o franquismo na Espanha. Mas nem todos os acadêmicos  concordam que se busquem etiquetas históricas para fenômenos novos.   
É o que pensa o historiador Emilio Gentile, considerado o maior especialista  vivo em fascismo na Itália. Para ele, os termos fascismo ou fascista só devem  ser adotados para descrever os movimentos de massa organizados militarmente que tomaram o  poder entre as duas Grandes Guerras Mundiais. “É um grande erro porque não nos permite  compreender a verdadeira novidade destes fenômenos e o perigo que eles representam.
E o  perigo é que a democracia possa se tornar uma forma de repressão com o consentimento popular.  A democracia em si não é necessariamente boa. Só é boa se realiza seu ideal democrático,  isto é, a criação de uma sociedade onde não há discriminação e na qual todos podem  desenvolver sua personalidade livremente, algo que o fascismo nega completamente”,  disse Gentile à BBC em março de 2019.
Por outro lado, há pesquisadores que apontam  raízes no conservadorismo e no tradicionalismo, duas correntes que defendem a preservação de valores morais e religiosos de um tempo  em que “tudo era diferente e melhor”. Segundo alguns estudiosos, como  o americano Benjamin Teitelbaum, o tradicionalismo chega aos bolsonaristas por  influência do escritor Olavo de Carvalho. Há, por fim, analistas que identificam entre  bolsonaristas o uso de estratégias de comunicação de seus maiores adversários: os petistas e os lulistas.  
Isso não significa que sejam equivalentes ou dois lados de uma mesma moeda. Mas que o  bolsonarismo, na visão desses especialistas, incorporou discursos políticos  bem-sucedidos de seus inimigos. Para Idelber Avelar, houve nos últimos anos um  processo de alimentação mútua entre o lulismo e o bolsonarismo que possibilitou  a emergência dos bolsonaristas.
Ele cita, por exemplo, que a retórica  bolsonarista se assemelha à lulista em temas como a “autovitimização”, os constantes ataques à  imprensa, às referências a teorias conspiratórias e ao culto do líder como infalível.   Avelar propõe ainda que o bolsonarismo ganhou força e serviu como instrumento  de cidadania e participação política para muitas pessoas que se sentiam excluídas  e ressentidas no debate político tradicional. Eu fico por aqui.
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