Privatização das praias: o que está em jogo com PEC no Senado

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BBC News Brasil
A polêmica Proposta de Emenda Constitucional que pretende mudar as regras do controle da costa brasi...
Video Transcript:
A gente vai deixar de ter  acesso a praias do Brasil? Essa é uma pergunta que tem  gerado debates nas redes sociais, no Congresso e até brigas na  internet entre celebridades. A polemica surgiu em discussões  no Senado sobre uma proposta de emenda à Constituicao que permite  a transferência da propriedade de terrenos do litoral brasileiro – e que  tem sido apelidada de PEC das Praias.
Hoje a propriedade dessas áreas é da União. Eu sou Julia Braun, da BBC News Brasil, e neste vídeo eu explico o projeto, quais as  principais críticas e o que dizem os defensores. A PEC revoga um trecho do artigo 20 Constituição,  que trata dos bens da União.
Ela autorizaria a transferência dos chamados territórios de marinha  para ocupantes particulares, Estados e municípios. Os chamados terrenos de marinha são as áreas de costa marítima em uma faixa de 33  metros para dentro do continente, contadas a partir de uma linha imaginária que  considera as marés máximas do ano de 1831. Ou seja, os terrenos de marinha  não englobam necessariamente a faixa de areia que vem logo depois do mar.
Nesse infográfico aqui dá para ver bem  a diferença entre as duas coisas. Os terrenos de marinha ficam um pouco  atrás da praia, mas bem perto dela, a depender da área de que estamos falando. Segundo a Constituicao as praias estão sob controle da União.
E a lei 7661 de 1988 determina  que elas são ‘bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e  franco acesso a elas e ao mar. ’ A PEC em discussao no Senado nao mexe  no trecho da constituicao que fala de praia. Mas muda o trecho que diz que os  terrenos de marinha pertencem a União.
Pelas regras atuais, a União  pode arrendar esses terrenos para uso particular mediante o pagamento de taxas. Nesses casos, a propriedade segue  sendo do governo central do Brasil, mas os cidadãos ou empresas que ocupam imóveis  nesses terrenos passam a ser detentores do dito “domínio útil” sobre eles. E é aí que entram as mudanças propostas pela PEC.
O texto diz que a propriedade desses terrenos vai ser transferida para quem ocupa essas terras  hoje - na maioria dos casos mediante um pagamento. Isso só vai valer para proprietários que  já têm imóveis em terrenos de marinha e que estejam inscritos oficialmente no  sistema do governo. Ou então que estejam ocupando as áreas há pelo menos cinco anos.
Já Estados e municípios receberiam gratuitamente a titularidade daqueles terrenos de marinha que  já tiverem construções de prédios públicos. E a União continuaria obrigatoriamente com  áreas utilizadas pelo serviço público federal, áreas não ocupadas e aquelas abrangidas  por unidades ambientais federais. Os moradores de áreas de habitação  social teriam a transferência dos terrenos de forma gratuita, mas não  há detalhes do processo na PEC.
O texto não detalha como a transferência dos  terrenos aconteceria, nem o valor que será comprado da maioria dos ocupantes. Diz apenas  que o poder público deverá tomar providências para que elas aconteçam em até em dois anos. Também não deixa claro o que aconteceria com os atuais ocupantes que se recusarem a pagar  para ter a propriedade dos terrenos.
Desde que começou a ser discutida na Câmara  dos Deputados, em março de 2023, a PEC foi duramente criticada por ambientalistas. Eles temem principalmente que a medida possa flexibilizar a legislação  ambiental e a aplicação da lei. E os terrenos de marinha estão localizados  em áreas com uma rica biodiversidade, como mangues, restingas, campos de  dunas e resquícios de Mata Atlântica.
Também há quem argumente que a PEC favorece  a ocupação desordenada, ameaçando os ecossistemas e tornando esses terrenos mais  vulneráveis a eventos climáticos extremos. Esse ponto foi levantado pela presidente  da Comissão de Meio Ambiente do Senado. A extinção dos terrenos de marinha e a  transferência de propriedade podem afetar a função dessas áreas na mitigação das mudanças climáticas  e na adaptação às mudanças no nível do mar Outra crítica tem relação com o temor de que o  acesso livre às praias deixe de ser cumprido.
Como eu já disse, o texto não trata das praias  que são bens públicos de uso comum do povo. Mas críticos argumentam que, com a  transferências dos terrenos de marinha, pode haver o risco de que grandes  empreendimentos ocupem áreas inteiras na frente de trechos de praia e fecharem  o acesso às faixas de areia e ao mar. É bom deixar claro isso.
A PEC em si, com essa  coisa de terminar com os terrenos de marinha, ela não vai automaticamente privatizar praias. Mas a questão é o acesso às praias -  aí sim podem ser privatizados. Na hora em que esses terrenos todos que ficam  após as praias forem privatizados, você começa a ter uma privatização do acesso às praias,  que são bens comuns da sociedade brasileira Diante da polemica sobre se a PEC significaria  a privatização das praias, o senador Flávio Bolsonaro, relator da proposta, afirmou que  vai deixar explícito que as áreas à beira-mar, de uso público, não serão privatizadas. 
Mas ele ainda nao detalhou como vai ser essa redacao e se havera algum trecho  que garanta o acesso livre às praias. Existem também temores de que a PEC prejudique  comunidades tradicionais, que habitam algumas dessas áreas há décadas, e os pescadores, que já  sofrem com o assoreamento e com o desmatamento. Um terceiro foco das críticas é de  que a PEC criaria um, entre aspas, “caos administrativo”.
Isso porque estima-se que existam cerca de 3 milhões de imóveis  não registrados ocupando essa faixa. Carolina Gabas, integrante do governo, defende  que leis mais simples podem resolver os problemas de titularidade relacionados aos terrenos  de marinha sem a necessidade da PEC. A gente tem ferido o princípio da isonomia,  porque aqueles que já estão ocupando ou que passaram a ocupar nos últimos anos  – cientes inclusive da tramitação dessa proposta de emenda constitucional,  elas podem ser privilegiadas em relação a outras que poderiam ter direitos também  sobre a ocupação dessas terras Críticos afirmam também que o  controle desses terrenos pela União está intimamente relacionada  à segurança nacional do Brasil.
O conceito foi instituído ainda no tempo do  Império, com a vinda de Dom João 6º e da família real. As terras eram destinadas à instalação  de fortificações contra invasões marítimas. Mas o que diz quem é a favor  da aprovação da PEC?
O ponto mais defendido é que a PEC não trata  de privatização de praias, como foi muito difundido nas redes sociais e já discutido aqui  no vídeo. O tema são os terrenos de marinha. Eles também rebatem a ideia de que a PEC prejudicaria o cumprimento  da legislação ambiental.
Toda legislação ambiental é nacional e federal.  Os Estados podem criar mais restrições, não podem reduzir. E o município  também.
Portanto aqui não tem uma vírgula ou um asterisco mudando a  legislação ambiental do Brasil. Outro argumento é que a proposta supostamente  beneficiaria muito os Estados e municípios, que já têm investido na gestão  desses terrenos ao longo dos anos, mas sem ter controle total sobre eles. E enquanto os críticos dizem que a PEC poderia  levar a um “caos administrativo”, os defensores entendem justamente o contrário - que a proposta  é necessária para regularizar as propriedades.
Flávio Bolsonaro defendeu em seu  parecer que existem, no Brasil, inúmeras edificações que sequer sabem  que estão em terrenos de marinha e são surpreendidos pela União com  processos de demarcação. Algo que, segundo ele, não aconteceria se a União deixasse de ter propriedade  sobre os terrenos de marinha. O senador também argumentou que os terrenos  de marinha causam prejuízos aos cidadãos, que têm que pagar, na visao dele, tributação  exagerada sobre os imóveis em que vivem.
Sobre os riscos à segurança  nacional, ele argumentou que os avanços tecnológicos em  defesa mudaram esse cenário. Mas talvez um dos temas que mais mobilizaram  a internet nos últimos dias seja a relação entre a PEC e grandes empreendimentos  imobiliários voltados para o turismo. Durante a audiência pública no Senado, um deputado  citou um projeto que envolve o jogador de futebol Neymar como um dos supostos beneficiados  pela aprovação da emenda constitucional.
Trata-se de um empreendimento em parceria com  a DUE Incorporadora para o projeto anunciado como “Caribe brasileiro”, de imóveis de alto  padrão à beira-mar, em Pernambuco e Alagoas. A empresa, por sua vez, diz que a PEC não vai  ter qualquer impacto, positivo ou negativo, no seu empreendimento e que respeita  totalmente a legislação ambiental. Mas críticos afirmam que muitos  outros megaprojetos de hotéis e cassinos também se beneficiariam da PEC e por isso estariam impulsionando a  aprovação do texto no Congresso.
Bom, mas o fato é que depois que o jogador Neymar  foi envolvido, o tema ganhou mais projeção. A atriz Luana Piovani se envolveu, e ela e  Neymar acabaram trocando ofensas em publico. O pai do atleta, Neymar da Silva  Santos, respondeu também, dizendo que as acusações em relação ao seu filho eram,  entre aspas, "levianas e desproporcionais".
O envolvimento de celebridades e tanta mobilização nas redes sociais acabaram impactando o  avanço da PEC no plenário do Senado. Para ser aprovada, a proposta precisa receber o apoio de pelo menos três  quintos dos senadores. Mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, descartou colocar o texto  em votação por enquanto.
E, como eu já disse, o relator Flávio Bolsonaro já  disse que pretende fazer mudanças na proposta. Se houver modificação substancial no Senado, o  texto precisa voltar para a Câmara. Enquanto isso, o debate deve continuar e  a gente vai acompanhar.
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