Xapuri, no Acre, poderia ser descrita como uma típica cidade de interior. , não fosse por um detalhe: ela é considerada berço do movimento ambientalista mundial porque aqui viveu Chico Mendes, seringueiro e sindicalista que chamou a atenção do mundo para a preservação da floresta. Eu vi que aqui tinha uma luta que não havia em nenhum outro lugar do Brasil.
Que era uma luta com uma densidade política que eu nunca tinha visto, com uma legitimidade extraordinária e com uma convicção que também eu não tinha visto nos outros movimentos. Nem nos movimentos de esquerda, eu nunca tinha visto isso. Um movimento que se organizava praticamente sem meios econômicos.
Um grupo social que não tinha a menor importância econômica, a borracha já estava decadente. Que não tinha representatividade política. Não havia ninguém e nem força política que pudesse representá-los.
E como eles conseguiam fazer isso? Então, aquilo era absolutamente novo, novo, revolucionário, uma coisa, assim, autêntica. Então, a nossa luta em defesa da floresta, nós tava defendendo a vida.
a vida das famílias, a vida dos bicho, a vida do rio, a vida do que existia naquele local. Então, o nosso conhecimento do que isso representava pro mundo veio no decorrer do processo. Né?
E depois de muitas participação com a academia, eu fui ampliando as informações do que isso representa em relação à mudança de clima, em relação às condições ambientais do mundo, né? Mas a vida do seringueiro, a vida dos trabalhadores que vivem dentro da floresta, que nasce. Eles não vieram pra floresta, eles nasceram, Nós nascemos aqui.
Somos diferente, uma coisa é aquilo que tu vai, quando tu vai prum lugar, tu tem opção, tu foi porque tu quis. Tu achou bom. Eu não, eu nasci aqui.
Eu não pedi pra vir pra cá, eu nasci aqui. Pessoal que veio de fora pra fazer agricultura e pra questão da pecuária, pra eles criar a base de economia, eles tira a floresta, limpa, né? A floresta pra ele é um entrave, ele limpa tudo, pra poder plantar o capim, criar o boi ou plantar a soja ou o milho Então, o seringueiro termina é caracterizado como uma pessoa que defende a floresta e depende da floresta.
E nesse depender, ele termina né? Num agredindo. Então, acho que isso que foi uma junção boa, né?
Num momento estratégico. E aí Chico, né? E a luta do Chico foi visto como uma luta não só em defesa da ali do direito de permanecer no território, mas uma luta em defesa, também, da floresta, dos animais, do ecossistema.
Os trabalhadores da floresta dependem do extrativismo de produtos vegetais, como castanha do Brasil ou o açaí, mas foi o ciclo econômico da borracha, no fim do século 19, até meados do século 20, que atraiu para a Amazônia trabalhadores de outras regiões, especialmente, do nordeste. Eles vieram trabalhar com a extração do látex da seringueira e aqui foram submetidos à exploração dos seringalistas. Com a perda econômica da borracha, os seringueiros que permaneceram na região passaram a sofrer pressões dos fazendeiros que abriam a floresta para a criação de animais.
Bom, antes, a vida do seringueiro era um pouco meia complicada porque ele era era um escravo. Porque antes o seringueiro não era dono de nada, né? Se eu trabalhasse aqui e não fosse dos gosto do patrão, logo em seguida eu era retirado, né?
Então, a gente passava pouco tempo em cada propriedade. e, aí, o patrão sempre trazia aquela pessoa que ele queria, né? E depois veio a venda dos seringais pros fazendeiros, né?
E os fazendeiros não tinham o menor experiência com seringa, eles queriam criar boi, né? Então, queriam derrubar a floresta inteira e aí, a gente não sabia pra onde a gente ia, né? Porque as cidades não ia caber todo esse povo, né?
E, aí, a gente foi obrigado, realmente, a pessoa ter a, entrar na luta, né? Pra poder o nosso direito ser reconhecido. Com patrão, toda exploração que nós fomo vítima, assim, nós ainda tinha direito de permanecer na nossa colocação de seringa, no nosso seringal, na floresta.
E o latifúndio não quis, além de num aceitar a comercialização do nosso produto e trazer os produtos de primeira necessidade, o objetivo deles era nos expulsar e ficar com a área que nós habitava, inclusive, muitos de nós tinha nascido e tinha se criado e já estava criando os nossos filhos, netos, né? Então, isso fez com que juntasse uma coisa com a outra e desse a nós a razão e o direito de lutar pra nós se libertar. As pessoas que venderam os seringais, eles não avisaram, talvez, pros fazendeiros que morava gente dentro dos seringais.
Eu acho que os fazendeiros sempre compraram isso aqui enganados. Pensando que tava comprando um seringal todo sem ninguém. E quando eles se depararam foi com um seringal cheio de gente, que o patrão era apenas um um controlador, né?
uma ganhador de dinheiro do trabalho do seringueiro. Chico foi um seringueiro que conseguiu entender que era necessário esse povo se organizar e resistir pra garantir a posse da terra e, aí, descobre-se uma estratégia que foi a questão do empate, onde várias pessoas se juntavam, tava acontecendo o desmatamento aqui e tinha ali, aproximadamente, vamos dizer 20 homens trabalhando, 20 peões, né? E se juntava 50, 100 seringueiros, chegava lá e conversava com os outros trabalhador lá e pedia pra parar e aí criava um empasse, né?
E a participação das mulheres se deu exatamente nesse ponto, né? Que foi entendido, foi como uma estratégia de que se tem de um lado os peões e os policiais, do lado de cá os seringueiros, se as mulheres e as crianças fossem à frente disso, talvez os policiais, nem os fazendeiros iam ter coragem de atirar e foi com essa, foi nesse entendimento que as mulheres começaram a se mobilizar e começaram a fazer isso, né? A servir de escudo mesmo pra barrar essa questão do desmatamento.
Mas, ao mesmo tempo que tinha o empate, O Chico começou a perceber que o modelo de reforma agrária não era adaptado pra Amazônia e, muito menos, pro seringueiro. E foi nesse contexto todo que surgiu a ideia da de se apresentar uma proposta de um modelo diferenciado pra Amazônia. O Chico era o porta-voz da proposta da reserva extrativista, que é um modelo de reforma agrária sem querer a propriedade da terra.
Então, é um modelo diferente. Porque, além de ter a questão ambiental, de ter a questão da sustentabilidade, tem a questão de que questiona um dos pilares do nosso Estado que é o da propriedade privada. Então, esse, pra mim, foi o modelo de reforma agrária que nós encontramos que, até hoje, com certeza, é o modelo que de fato dá certo pra qualquer região do mundo onde tenha floresta.
Que a reserva significa uma estabilidade sua na terra. Significa diminuição dos conflitos. Têm conflitos internos?
Têm, mas são conflitos entre, pequenos conflitos. Nenhuma ameaça, né? Como a gente tinha antes: ou de ser morto ou de ser expulso.
Ou de ir pra periferia da cidade, como muitos foram, né? Porque não conseguiram, né? Se segurar na sua terra.
Hoje existem 90 reservas extrativistas no país. São áreas da União protegidas com o objetivo de garantir o meio de vida e a cultura das populações tradicionais, que podem extrair da floresta os recursos naturais de forma sustentável. A Amazônia abriga 36 reservas, uma delas recebe o nome de Chico Mendes que ajudou a construir a proposta de reserva extrativista, mas foi assassinado por fazendeiros antes da sua criação.
Naquela época, a gente sabia também que os fazendeiros tinham uma organização chamada UDR, que, inclusive agora, né? Parece que tem uma reestruturação desse órgão que é dos fazendeiros. E aqui, no Acre, a gente tinha a informação que eles se reuniam em Rio Branco, de que tinha uma lista de pessoas que eram marcadas pra morrer.
Eram essas pessoas que tavam atrapalhando o desenvolvimento do Acre, né? Que o Chico e tantos outros: Raimundão, o Osmarino, tantos outros, faziam parte dessa lista. O Darli e a família dele foram responsáveis pela morte do Chico Mendes eles chegaram aqui no Acre como assentados do Incra.
Eles receberam, ele e os irmãos dele, cada um recebeu um lote de 100 hectares. Quando eles assassinaram Chico Mendes, eles já tinham 1. 800 hectares na mesma localidade onde eles foram assentados.
Ou seja, 1. 800 hectares significa que eles tinham conseguido mais, eles tinham conseguido 100 hectare 18 lotes. E esses lotes eles conseguiram através dessa questão das pessoa não se adaptar, mas conseguiram, também, através da pressão e da pistola.
O Chico nasceu já com o dom de ser uma grande liderança. E ele dizia para mim: até porque ele já tinha conhecido, através de leituras e através de bate-papo com amigos que ele conquistou, ao longo do seu trabalho, de que, dificilmente, as lideranças que iniciam um processo de de libertação eles consegue usufruir daquilo que eles iniciaram a construção. Eu acho que o Chico Ele De um homem que acho que deixou a própria vida dele, né?
Pra defender os seus companheiros. Eu acho que a gente precisa, nasce com uma missão também, né? Não dá pra gente viver só pensando na gente, isolado.
A gente tem que pensar na sociedade em volta, porque é uma interação que a gente vive. Acho que o Chico ensinou isso pra gente. Que a gente não pode viver isolado, a gente precisa unir, se organizar, pra poder melhorar de vida.
E, aí, e, além disso, ele é aquele cara que era líder. Ele era líder, não porque ele chegava e puxava, não Era porque ele sabia ouvir muito. Juntar as pessoas e depois tirar uma condução coletiva.
Vamo fazer junto. Ele era daqueles que conseguia detectar que era importante buscar diferentes apoios. Diferentes, é, tipos de apoiadores.
Ambientalistas, intelectuais, estudantes. Participou de congresso de trabalhadores da CUT, pra discutir a questão, tentar colocar na CUT, entre metalúrgicos, a importância da discussão da questão ambiental. Chico foi falar de meio ambiente no meio de metalúrgico.
Nem sabiam de meio ambiente. Certo? Então, ele conseguia fazer é puxar diferentes aliados.
A morte dele gerou uma reação, né? Internacional Que acabou exercendo pressão sobre o governo. Ele foi assassinado em dezembro de 88 89, 90 daí veio a Rio-92.
Esse foi um período em que o mundo passou a pensar o meio ambiente. Então, ele abriu essa essa era de discussão sobre o meio ambiente. A partir do momento em que essa repercussão internacional desapareceu, as mesmas propostas foram construídas e foram construídas pelo movimento, pelo Conselho Nacional de Seringueiros que, hoje, é Conselho Nacional das Populações Extrativistas, e os seus aliados.
Aliados que o Chico mesmo havia é agregado. Então, aqui, depois do assassinato do Chico, e em função dessa luta, foram decretados, né? As reservas extrativistas, os assentamentos agroextrativistas, projetos de colonização, né?
Foi assegurada muita terra pra esse povo. Queria tanto que, nesses 30 anos de luta, ele tivesse junto com a gente pra usufruir e ver tudo quanto a gente construiu com muita luta, com muito sofrimento. Infelizmente, ele não tá, fisicamente, mas eu tenho a esperança que lá de onde ele tiver, ele teja vendo que os seus irmãos ainda continuam firme aqui nessa luta.
A sensação de que tudo tinha sido em vão, a luta dele e a luta de todos os parceiros, quando ele foi assassinado, foi muito forte. e depois se construiu todo esse legado. E, hoje, a gente tem uma situação semelhante, porque temos uma área enorme de floresta protegida, um número imenso de pessoas vivendo nessas áreas.
E, novamente, se coloca um impasse, antes, no Governo Militar, e, hoje, num governo que não dá valor ao valor da floresta. E não compreende. Não é que não dá valor, não sabe, não compreende e não tem interesse em saber.
Por princípio nega. É porque a vida é assim, ela tem, ela não é uma coisa assim, a vida não vai assim, direto até chegar o fim, ela ela faz isso, sabe? Às vezes, você tá numa situação mais difícil, às vezes, você tá numa situação melhor.
Às vezes, você tem um governo que dialoga, às vezes, você tem um governo que não dialoga. Nesse momento, não podemos continuar acomodados. Eu acho que o movimento tem que se rearticular, se reorganizar, e e tá muito atento pelo o que vem pela frente.
E, aí, a gente nota que nem todo mundo tá ainda preparado. Agora, nós tamos, nós tamo. Nós continua ainda na mesma ideia de preservar, né?
E de se reunir, de discutir o que é melhor pra população. E o bem da floresta. Tenho muita esperança, torço muito, e, enquanto eu tiver vida, eu vou tá lutando pra que ela continue de pé.
E eu não posso, de forma nenhuma, é ruim eu confundir as lutas sociais, o movimento social do qual nós representamos, que são os extrativistas, em defesa da floresta e da nossa vida. Nós não podemos confundir com o Estado, né? O Estado tem um papel e nós temos outro.
Independente de ser um governo mais democrático ou mais autoritário, entendeu? Nós temos que ter clareza que nós vamos ter que sempre lutar pra que a gente seja reconhecido dentro do espaço onde a gente vive. Nós lutamos por um conjunto de coisas, da onde vem políticas públicas.
Eu sinceramente acho que a situação é muito grave. E nós vamos precisar, como na época do Chico, de todos os apoios. Nós vamos precisar de intelectuais, dos estudantes, dos jovens da cidade, nós vamos precisar dos trabalhadores.
Nós vamos precisar nos unirmos com os sem terra, e discutir a questão ambiental e discutir a questão da importância das áreas de conservação. Eu não me assusto com essas mudanças porque a gente sempre viveu assim, sempre foi uma luta. É como se a sociedade estivesse sempre, na Amazônia, estivesse sempre numa guerra.
Uma guerra por recursos, porque a Amazônia é a fronteira do Brasil, a fronteira econômica do Brasi. Então, aqui acontece a expansão econômica em áreas públicas. E a expansão econômica em áreas públicas acontece em cima das posses das populações tradicionais.
Então, esse processo de expansão, ele vai continuar até ele se esgotar. E esse processo é conflituoso e é sempre uma situação de disputa. Então, isso era assim no passado.
Foi assim nos últimos 30 anos e vai continuar assim, até que a Amazônia inteira se reestruture no sentido de o que é área protegida é área protegida, o que é propriedade privada é propriedade privada, o que é área pública é pública, definidos os espaços institucionais, legais e, aí, a sociedade se acomoda. Isso aconteceu na história da humanidade, tá acontecendo aqui. Enquanto esse processo não se definir, essa estrutura fundiária não se consolidar, esses conflitos vão continuar acontecendo.
Qual o valor da floresta em pé? Essa pergunta nos acompanhou durante a Vivência Amazônica. De volta à Brasília, decidimos ouvir mais gente para responder essa questão.
É sobre o valor da Amazônia que vamos falar no último episódio da série Floresta de Gente.