Hoje nós vamos falar sobre oito barreiras ao diagnóstico preciso das meninas e das mulheres autistas. Todos nós sabemos que o diagnóstico de meninas e mulheres tem sido bastante difícil por vários motivos e, em geral, elas recebem um diagnóstico tardio ou impreciso. Então, vamos ver quais são os maiores obstáculos.
O primeiro deles é o mascaramento ou a camuflagem social. Então, as meninas e as mulheres autistas, com maior frequência do que os meninos e os homens, tendem a usar estratégias de camuflagem social, camuflagem dos seus traços atípicos. Inclusive, tem estudos de neuroimagem mostrando isso, né?
O cérebro da mulher é configurado para compensar essas dificuldades, então ela acaba criando scripts, imitando as suas amigas, se forçando a fazer contato visual, se forçando a estar em eventos. Então, esse é o principal obstáculo. A segunda barreira se refere à apresentação realmente distinta do autismo em meninas e em mulheres.
Por exemplo, as meninas podem ter maior motivação social na infância, elas podem ser mais flexíveis. Os estudos mostram que a flexibilidade vai reduzindo ao longo da adolescência e fase adulta nas meninas, até chegar ao ponto, né, de serem inflexíveis como os homens, mas na infância elas podem não ter tanto problema, por exemplo, com alteração de rotina. O hiperfoco delas, às vezes, não é tão chamativo, tende a ser muito parecido com o dos pares; por exemplo, a menina pode gostar de bonecas, de moda, de livros.
Ela pode ter hiperlexia e talvez isso não chame atenção, é até socialmente muito bem aceito. E quando a gente vê um menino alinhando os trens ou muito hiperfocado em dinossauros, isso chama atenção. Mas, por outro lado, se a gente vê uma menina alinhando as bonecas para dar aula, isso talvez não chame atenção, talvez não nos leve a pensar em autismo.
Se a menina organiza o armário dela por cores, isso é até socialmente muito bem aceito, como os livros, então talvez não chame atenção, não leve os pais a citarem esse diagnóstico. O terceiro obstáculo ao diagnóstico preciso das meninas vem dos estereótipos e das expectativas de gênero. Então, pelos estudos do autismo há décadas, né, com uma amostra que mostra majoritariamente masculina, os resultados que nós temos sobre as características, sobre os sinais, os critérios do autismo são baseados nessa amostra mais masculina.
Então, por isso, tem estudos agora mostrando que a gente não pode presumir que todas essas características listadas possam ser generalizadas para as meninas e para as mulheres autistas. Então, agora nós estamos aprimorando a avaliação, conhecendo melhor quais são essas características mais distintas. Quais são os sinais aos quais a gente precisa prestar atenção?
No caso, então, dos meninos com características clássicas, os professores vão notar logo, mas se é uma menina com aquelas mesmas características, talvez eles não interpretem como autismo. Um outro detalhe é que, se a menina é muito quietinha, se ela é elegante, se ela fala muito corretamente, se é formal, sensível, as pessoas já esperam que as meninas sejam assim mesmo. Então, por ela cumprir essas expectativas, talvez a hipótese de autismo não seja aventada.
O quarto obstáculo se refere aos nossos instrumentos diagnósticos: as escalas, os roteiros de avaliação — tudo isso que foi baseado nessa amostra de estudos com meninos — tende a ser pouco sensível e muito pouco específico também para o público feminino. Então, muitos desses instrumentos diagnósticos que foram desenvolvidos com base em estudos predominantemente masculinos, né, essa amostra masculina, acabam não sendo eficientes para avaliar as meninas e isso pode levar, claro, à subnotificação das meninas autistas, ao diagnóstico tardio, à falta de suporte ao longo do desenvolvimento, muitas dúvidas, burnout, problemas no relacionamento, vulnerabilidade social, uma série de fatores. Nós sabemos o que acontece e é por isso que nós estamos aqui falando sobre esse assunto.
O quinto obstáculo ao diagnóstico preciso é a dificuldade, os desvios no raciocínio clínico. Então, nós temos vários trabalhos indicando que as mulheres autistas tendem, ao longo da vida, a receber muitos diagnósticos equivocados. Elas passam por tratamentos muito pesados para condições que elas não têm, não conseguem obter alívio dos sintomas; pelo contrário, às vezes têm muito efeito colateral, porque cada médico, cada profissional vai prescrevendo um medicamento e tem interação medicamentosa.
Essa pessoa pode ser sensível e é terrível, é uma situação realmente muito complexa. E isso acontece por quê? Porque as pessoas, às vezes, não estão completamente atualizadas, não sabem essas diferenças, essas possíveis diferenças entre o autismo de meninos e o autismo em meninas, essa apresentação distinta entre os sexos e acabam seguindo o pensamento, né, o que elas estudaram lá no passado sobre os traços clássicos.
E aí elas observam, né, se a pessoa tem, por exemplo, muitos comportamentos repetitivos e restritivos, aí ela nem avalia a comunicação, ela já infere que seja um TOC, por exemplo, um transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva. Então, é bastante frequente que as meninas autistas e mulheres recebam o diagnóstico de transtorno de ansiedade, de transtorno de personalidade ou de transtornos de humor. Às vezes, esses transtornos podem vir juntos como comorbidades, mas, como o transtorno alimentar, às vezes essa seletividade alimentar, por exemplo, vai ser explicada pelo autismo, enquanto às vezes não é um transtorno genuíno ou isolado, um transtorno alimentar.
Então, é muito importante fazer uma avaliação completa, fazer o rastreio ali no momento e também construir a linha do tempo para observar quando esses sintomas apareceram e por quê. Se é uma sensibilidade, se a menina tem uma dificuldade com a textura, então a gente vai questionar. E aí, quando a gente avalia os marcos do desenvolvimento, como são as interações, talvez isso tenha surgido antes e, às vezes, por ansiedade, outros sintomas tenham aparecido.
Então, é muito importante avaliar direitinho, ter esse cuidado quando nós recebemos essa cliente no consultório. O sexto obstáculo ao diagnóstico preciso é a menor percepção desses sinais. Infância.
Então, realmente, a menina às vezes não tem esses traços tão aparentes quando ela está num ambiente acolhedor, quando não tem muitas demandas sociais. E aí, na fase de escolarização, assim que ela entra na escola, talvez os sinais não apareçam também de maneira clássica, mas aparece o estresse, aparece a ansiedade, aparece a sobrecarga sensorial. E aí os pais não compreendem por que aquilo está acontecendo, mas aparece a sobrecarga.
Por vezes, já na infância, ela começa a utilizar estratégias de camuflagem. Então, em determinados ambientes, ela vai performar, principalmente se for nível um ou nível dois de suporte; ela performa com uma certa naturalidade. Mas isso tem um custo, e o que vai chamar mais atenção, às vezes, é esse comportamento desadaptativo: a ansiedade, a desregulação emocional.
E muitas vezes é por isso que as famílias nos procuram. O sétimo obstáculo vem justamente daí, da subvalorização desses comportamentos internalizantes. Então, as meninas podem ter muitas dificuldades com ansiedade, estresse e sobrecarga sensorial.
Inclusive, tem vídeo falando aqui só sobre sobrecarga sensorial, sobre as dificuldades do transtorno do processamento sensorial. Vou deixar nos cards para vocês. E talvez elas não tenham os comportamentos externalizantes, comportamentos disruptivos, e isso faz com que talvez elas passem abaixo do nosso radar quando se trata de rastreio e de diagnóstico do autismo.
E, finalmente, o oitavo obstáculo aparece quando a pessoa que está fazendo a avaliação segue cada item ali da escala da entrevista diagnóstica dos nossos roteiros diagnósticos. Ela faz isso de maneira literal e não se aprofunda nas questões, não faz perguntas, não traça a linha do tempo de maneira minuciosa, não faz essa observação qualitativa das pesquisas, da investigação dela, não faz entrevista com os familiares, com os professores. Aí, realmente, fica uma avaliação mais superficial e talvez os traços, as características do critério A, como a falta de reciprocidade socioemocional, as dificuldades no comportamento não verbal, a dificuldade de captar as pistas sociais, interpretar, compreender os relacionamentos, cultivar os relacionamentos, talvez isso não apareça.
Porque, se eu pergunto à minha aluna se ela tem amigas, ela vai falar "tenho", mas aí, quando eu me aprofundo na questão, é que eu vou saber que ela tem dois amigos que moram em outro país e ela só conversa com eles por texto, ou então que ela tem duas amigas na escola e que essas meninas às vezes são malvadas com ela, que ela não consegue se defender dessas meninas, ou então que ela tem uma amiga muito especial que é uma mediadora e que ela só vai ao banheiro se essa amiga estiver. Ela passa fome durante o período em que está na escola se essa menina não comprar a merenda para ela. Então, é a partir dessas perguntas que nós vamos saber mais detalhes e vamos conferir, por exemplo, o critério A: que falta de reciprocidade socioemocional, que ela tem dificuldade nos comportamentos não verbais, que ela tem dificuldade em captar as pistas sociais, compreender essas pistas, cultivar os relacionamentos e navegar por esses conflitos, as dinâmicas sociais que às vezes vão mudando na escola.
Então, tudo isso é relevante para mim, e se a pessoa não se aprofunda nessa avaliação, então ela acaba realmente valorizando mais o critério B, por exemplo. E, por isso, esses outros diagnósticos, que têm realmente os comportamentos mais repetitivos, restritivos e obsessivos, são aventados. Então, por isso, é muito importante estar aqui com vocês hoje, conversar sobre esse assunto, justamente para que a gente tenha mais consciência e faça uma avaliação criteriosa.
Lembrando que nem tudo é autismo; autismo não é moda. Realmente, o DSM é muito amplo. Existem várias outras condições, e o próprio DSM, outros manuais diagnósticos, já vão prever esse diagnóstico diferencial; já vão prever outras condições que podem se confundir com o autismo ou com tantas outras.
Então, isso já faz parte do nosso processo de avaliação. Então, mais uma vez, muito obrigada pela presença. Aproveite para comentar aqui embaixo se você, por um acaso, passou por esses obstáculos, se você já superou essas questões, se recebeu o seu diagnóstico preciso.
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