Peixes respiram debaixo d’água, assim como diversos outros tipos de animais. Porém eu e você não conseguimos. Agora, por que?
O motivo disso é óbvio! Eles têm brânquias e nós temos pulmões. Nossos pulmões são bons pra respirar o ar, e não são capazes de respirar a água.
Tá certo, todo mundo sabe disso, mas o que de fato impede os pulmões de respirar água? Na água tem oxigênio, assim como no ar. Então por que a gente não consegue entrar numa lagoa, dar uma profunda inspirada debaixo d’água, encher nossos pulmões de água e extrair o oxigênio como se fosse o ar?
Eu sei que é estranho pensar isso, mas a explicação por trás disso passa por coisas que vão desde diferenças fundamentais entre o ar e a água e além passar também pela nossa história evolutiva aqui nesse planeta. Vamos agora descobrir a explicação definitiva que nos impede de fazer algo contra-intuitivo, que vai contra nossos instintos mais primitivos: por que não conseguimos respirar água? (Vinheta) Nós humanos fazemos parte de um grande grupo chamado Tetrapoda.
Esse grupo inclui os vertebrados terrestres que possuem quatro membros ou quatro “pés”, junto com os anfíbios, os répteis, as aves e os mamíferos. Até mesmo aqueles que perderam os pés ao longo da evolução também são parte desse grupo. Por exemplo as cobras, mesmo que sejam animais rastejantes que perderam os seus apêndices.
Do mesmo jeito as aves, que possuem os membros anteriores modificados para voar e andam apenas sobre duas pernas. E o lance é que esse grande grupo dos tetrápodes, que engloba desde os sapos até este careca que vos fala, teve origem a partir de um PEIXE. Pois é, nosso ancestral era um belo peixe.
Os tetrápodes evoluíram a partir de um grupo de peixes chamado os Sarcopterygii. Os Sarcopterygii são peixes com nadadeiras lobadas. Essas nadadeiras possuem uma base carnosa com alguns elementos ósseos, que possivelmente deram origem aos quatro membros dos tetrápodes.
Esse tipo de apêndice ainda pode ser observado em um representante vivente dos Sarcopterygii, o celacanto. Inclusive se acreditava que o celacanto estava extinto há milhões de anos, mas ele tava só de boa em um rio na África do Sul. Ele pode parecer um fóssil, mas ele tá bem vivo!
Bom, mas de toda forma, os membros de todos os tetrápodes, sejam eles braços, pernas, ou até mesmo asas, tiveram como origem primordial as nadadeiras de peixes que pareciam um lóbulo de carne. À medida que os peixes foram sofrendo adaptações e evoluindo para a vida terrestre, outras estruturas também foram sendo modificadas. Sendo as principais mudanças no sistema respiratório, circulatório e no sistema esquelético.
Foram adaptações muito importantes, já que o ar e a água diferem de muitas formas. E também por causa de uma coisinha chamada gravidade, mas deixa isso pra outro vídeo. Bom, via de regra os animais precisam de oxigênio para sobreviver.
Ok, isso é algo que sabemos, afinal, se não respirarmos, nós simplesmente morremos. A respiração é o processo de captura de oxigênio e liberação de dióxido de carbono. Os animais aquáticos obtêm o oxigênio dissolvido na água, enquanto os animais terrestres obtêm esse gás a partir do oxigênio atmosférico, ou seja, do ar.
De modo bem simplificado, o oxigênio é utilizado para a produção de energia e, consequentemente, dependemos desse gás para a manutenção de todas as nossas funções vitais. Alguns animais pequenos conseguem obter o oxigênio somente pela superfície do corpo, em um processo denominado difusão. Na difusão a troca de gases pela superfície do corpo normalmente só é possível em ambientes úmidos.
As minhocas são um exemplo de animal que respira por difusão. Elas vivem normalmente sob a terra úmida, e quando expostas à superfície, podem ressecar e morrer rapidamente. Os peixes são animais considerados grandes por causa de seu metabolismo, e não conseguiriam obter todo o oxigênio necessário para suas funções vitais somente pela superfície corporal.
Em geral, eles capturam o oxigênio através de órgãos especializados, as brânquias, que são estruturas bem adaptadas para a captura do oxigênio difuso na água. Como as brânquias são adaptadas ao ambiente aquático, elas só funcionam quando estão molhadas. Isso significa que não podem ficar expostas ao ar.
Ou seja, os tetrápodes ancestrais não podiam contar somente com as brânquias para se aventurar na terra. Eles tiveram que contar com outras estruturas adaptadas à respiração aérea, e foram essas adaptações que posteriormente deram origem aos nossos pulmões, mas a gente chega já lá. Embora tanto a água quanto o ar sejam fluidos, as suas propriedades físicas diferem muito.
Por exemplo, a água possui uma concentração de oxigênio cerca de trinta vezes menor do que a do ar. Enquanto que a difusão de oxigênio também é prejudicada no ambiente aquático, já que o oxigênio se difunde oito mil vezes mais devagar na água. Outras características importantes para o funcionamento dos sistemas respiratórios são a viscosidade e densidade.
A água é oitocentas vezes mais densa e cinquenta vezes mais viscosa do que o ar. Dessa forma, o trabalho pra bombear a água e obter o oxigênio é muito maior no ambiente aquático. É por isso que os sistemas respiratórios dos animais aquáticos contam com outras adaptações para ajudar as brânquias a captar oxigênio.
Primeiro que o fluxo da água é quase sempre unidirecional, ou seja, a água flui somente em uma direção – entra pela boca, passa pelas brânquias e sai pelas aberturas laterais, chamadas de opérculos. Se esse fluxo da água fosse bidirecional, ou seja, para dentro e para fora do sistema respiratório, isso iria requerer uma enorme quantidade de energia do metabolismo do animal. Imaginem que uma grande massa de água teria que ser acelerada pra dentro, depois desacelerada e empurrada pra fora, e novamente acelerada em direção oposta.
É um custo energético BEM alto. Para os pulmões, isso já não é um grande problema, já que com o ar atmosférico é mais fácil. Toma essa peixes!
Para otimizar a captura de oxigênio, os peixes também possuem adaptações no sistema circulatório. No local onde ocorre a troca gasosa, chamadas de lamelas branquiais, a direção do fluxo sanguíneo é oposta à direção do fluxo de água. Este arranjo é conhecido como contracorrente, e ele serve pra maximizar a troca de oxigênio.
Por que, só pra lembrar, a concentração de oxigênio na água é muito inferior àquela do ar atmosférico. Tá, mas então como as brânquias evoluíram para pulmões? Bom, é difícil traçar a evolução desta estrutura por causa do registro fóssil, pois na maioria dos casos apenas os tecidos duros e mineralizados são preservados, como é o que acontece com os ossos.
Mas através de comparações embriológicas, morfológicas e anatômicas entre os grupos viventes, possivelmente a evolução de brânquias para pulmões nunca aconteceu! Os pulmões não são brânquias modificadas. São duas coisas com origens evolutivas diferentes!
Os pulmões possivelmente evoluíram a partir de uma outra estrutura, que já estava presente nos ancestrais dos peixes, as bexigas de gás. Essas bexigas tem esse nome por que é como um balão mesmo, que funcionavam para as trocas gasosas ou controle de flutuabilidade nos peixes mais primitivos. Na maioria dos peixes ósseos, que não são os Sarcopterygii, essa estrutura se transformou em uma bexiga natatória, um órgão que auxilia na flutuabilidade dos peixes embaixo da água.
Agora, por outro lado, nos antepassados dos tetrápodes, aí sim, os Sarcopterygii, essa bexiga de gás acabou dando origem a um pulmão ancestral e, no decorrer da evolução, esses animais perderam suas brânquias, que não tinham mais tanta utilidade para a vida na terra. Com isso, os pulmões dos tetrápodes e as bexigas natatórias de peixes são consideradas estruturas homólogas, ou seja, estruturas que descendem de uma mesma forma ancestral, as bexigas de gás. Os peixes pulmonados atuais podem nos dar uma ideia de como a transição da água para a terra realmente aconteceu no passado.
Esses peixes são os sarcopterígios da classe Dipnoi, um nome que faz alusão à sua dupla respiração. Eles podem apresentar tanto uma respiração subaquática e branquial, quanto respiração aérea por meio de pulmões rudimentares. Durante períodos de seca, esses animais podem fazer inclusive incursões terrestres na busca de outros corpos da água.
Estima-se que o peixe pulmonado brasileiro, a piramboia Lepidosiren paradoxa, possa ficar durante meses fora da água, desde que a sua pele não resseque. No caso do peixe pulmonado africano Protopterus annectens o período longe da água é ainda mais impressionante. Ele pode chegar a três anos!
Eles constroem um casulo mucoso que envolve seu corpo dentro de uma espécie de "toca" durante o período de dormência, e ali ficam, só esperando uma aguinha. Além dos peixes pulmonados, que são parentes próximos dos tetrápodes, outros peixes desenvolveram a capacidade de respirar ar de forma independente. É o caso da espécie chamada Corydoras aeneus, que pode ser facilmente encontrada em lojas de aquarismo.
Para respirar ar, os peixes dessa espécie literalmente engolem o ar, fazem as trocas gasosas na porção posterior do intestino e, finalmente, eliminam o gás carbônico pelo ânus. Ou seja, eles peidam. Sim, peixes podem peidar pra respirar, algum problema com isso?
Enfim, o desenvolvimento de apêndices adaptados ao deslocamento terrestre e uma respiração aérea podem ter conferido uma série de vantagens aos ancestrais dos tetrápodes. Uma das hipóteses, é a que nós já discutimos, sobre a procura por habitats apropriados durante os períodos de seca. Mas outras hipóteses sugerem que a vida inicial na terra poderia ter sido motivada pela busca de alimento, ou pela dispersão de ovos e juvenis, ou até mesmo por banhos de sol para elevar a temperatura do corpo.
Independentemente dos fatores que levaram os peixes sarcopterígeos a se aventurarem em terra, uma coisa é certa. Os sarcopterígeos certamente tiveram êxito e essa aventura resultou em uma ampla diversidade de animais tetrápodes, incluindo nós, humanos. A respiração pulmonar e aérea permitiu uma maior obtenção de oxigênio, pois a concentração de oxigênio é muito maior no ar do que na água.
Com uma maior obtenção de oxigênio, os animais puderam também ter uma maior geração de energia! E isso teve DIVERSAS implicações ao longo da evolução, incluindo o desenvolvimento de endotermia e homeotermia em algumas linhagens. Ou seja, a capacidade de gerar e manter o calor corporal a uma temperatura elevada e relativamente estável, otimizando as funções metabólicas.
Porém, mesmo diante das vantagens da vida na terra, alguns vertebrados terrestres quiseram se aventurar novamente no ambiente aquático. Umas espécies meio indecisas, que não sabem se querem ficar na água ou na terra. Mas isso também faz parte!
A evolução não segue uma direção específica e podem existir várias reviravoltas no meio do caminho, como é o exemplo da conquista secundária do ambiente aquático. Os cetáceos, que compreendem as baleias e golfinhos, são um caso de adaptação secundária à vida no mar. Certo, então vamos recapitular o que aconteceu.
Por volta de quatrocentos milhões de anos atrás, no período Devoniano, peixes primitivos do grupo Sarcopterygii começaram a conquistar o ambiente terrestre e deram origem aos tetrápodes terrestres. Beleza! E, a partir daí, diversas formas surgiram e evoluíram para conquistar os mais diversos ambientes dando origem portanto aos anfíbios, répteis, aves e mamíferos.
E alguns desses animais terrestres aos poucos voltaram a viver na água, como é o caso da linhagem da baleia. As baleias são um ótimo exemplo de animais bem adaptados à vida na água, basta olhar para elas. Elas possuem um corpo fusiforme e nadadeiras que as distinguem fisicamente dos mamíferos terrestres.
Inclusive, essa semelhança com peixes faz com que muitas pessoas confundam baleias com peixes. Afinal, se fica na água que nem peixe, tem uma forma de peixe então é claro… que é um mamífero! Óbvio!
Mas falando sério, baleias e golfinhos ilustram bem a dificuldade que é respirar água. Quando suas linhagens voltaram a viver na água, elas foram capazes de se adaptar pro meio aquático de forma muito parecida com um peixe. E isso exigiu uma série de adaptações.
A água, devido à sua alta densidade e viscosidade, aumenta o arrasto e o custo energético da locomoção para os animais aquáticos. Por isso eles tiveram que evoluir formas hidrodinâmicas e nadadeiras para melhor propulsão, manobrabilidade e estabilidade. A vida aquática também enfrenta o desafio da rápida perda de calor, pois a água conduz calor vinte e cinco vezes mais rápido que o ar, dificultando a manutenção da temperatura corporal.
Para combater isso, mamíferos marinhos têm um metabolismo elevado e uma camada de gordura isolante que ajustam conforme a temperatura ambiente. Baleias, por exemplo, exploram regiões polares graças à sua alta taxa metabólica e isolamento térmico eficiente, mesmo em águas frias. Durante o verão, as baleias-jubarte migram para os polos para alimentar-se e depois retornam a águas mais quentes para reprodução, uma viagem de cerca de nove mil quilômetros.
Além disso, cetáceos adaptaram seus sentidos para a vida aquática, com olhos panorâmicos e ecolocalização para detectar presas. Eles têm estruturas corporais simplificadas, como ausência de orelhas externas, e órgãos reprodutivos internos para manter a hidrodinâmica. Tudo pra se adaptar a viver na água novamente!
A linhagem dos cetáceos precisou passar por muitas adaptações pra voltar a ser aquática. Isso é um fato! Porém, de todas as adaptações existentes no reino animal para uma vida aquática, a única que as baleias e os golfinhos nunca readquiriram foi a capacidade de respirar água.
Imagina como seria muito mais fácil pra uma baleia e um golfinho se eles pudessem simplesmente respirar água. Eles não teriam que correr o risco de se afogar e nem precisariam gastar tempo e energia tendo que voltar à superfície pra respirar. Mas ainda assim, a evolução não os fez capazes de respirar água.
O elevado metabolismo dos mamíferos marinhos é suportado por um alto consumo de oxigênio. E pra lembrar mais uma vez só pra não esquecer: a concentração do oxigênio na água é cerca de trinta vezes menor do que no ar atmosférico. Isso possivelmente não seria o suficiente pra eles e nós humanos mantermos nosso alto metabolismo.
Além disso, a alta densidade da água tornaria a respiração energeticamente impossível para um pulmão alveolar, adaptado para uma respiração aérea. Esses fatores impediriam a absorção adequada de oxigênio para sustentar as atividades vitais dos cetáceos e dos humanos também. O exemplo dos cetáceos ilustra algumas das dificuldades de uma vida subaquática, especialmente para animais que têm um alto metabolismo e precisam de altas quantidades de oxigênio.
As adaptações das baleias e golfinhos foram o resultado de cinquenta milhões de anos de evolução. Apesar disso, elas nunca readquiriram a capacidade de respirar água, algo que também não ocorreu em outros tetrápodes que voltaram para o ambiente aquático – como as tartarugas. Assim como os cetáceos, as tartarugas também precisam respirar ar.
Portanto, nós não podemos respirar debaixo d'água por causa da nossa história evolutiva! Há milhões de anos, nossos ancestrais conseguiam pois eram peixes adaptados à vida aquática, com brânquias e outras adaptações para esse estilo de vida. No entanto, à medida que esses peixes deram origem aos tetrápodes, surgiu a necessidade de respirar ar.
Embora a vida na terra tenha muitas vantagens, como maior concentração de oxigênio e menor resistência ao movimento, isso veio com o custo de perder a capacidade de respirar debaixo d'água. E eu não sei vocês, mas por mim é uma troca justa. Portanto, ao refletirmos sobre essa impressionante jornada de adaptação e evolução, percebemos que cada respiração que tomamos é um eco dos milhões de anos passados.
É um lembrete de nossa herança partilhada com os primeiros vertebrados que se aventuraram fora da água. O caminho da evolução é trilhado com inúmeras bifurcações e reviravoltas, onde cada adaptação reflete uma resposta ao desafio de sobreviver e prosperar em um ambiente em constante mudança. Neste vasto e intricado mosaico da vida, cada espécie é um testemunho das eras e das lutas enfrentadas por seus antecessores.
Assim, enquanto caminhamos pela terra ou mergulhamos em pensamentos à beira de um lago, somos constantemente moldados não apenas pelo ambiente presente, mas também pelo legado de nossos ancestrais pré-históricos. E mesmo que não possamos respirar sob as águas como faziam nossos distantes predecessores peixes, possuímos a capacidade de entender, apreciar e respeitar a complexa história da vida na Terra. Com isso, somos convidados a olhar para o futuro com uma perspectiva enriquecida pelo passado, inspirados pela incrível saga da vida na Terra, prontos para enfrentar os desafios que virão, respeitando as fronteiras que a natureza nos impôs, e celebrando as maravilhosas possibilidades que nossa herança evolutiva nos permite explorar.
Nossos ancestrais de milhões de anos e toda a história da evolução da vida neste planeta nos define quem somos hoje, inclusive do que somos capazes e do que não somos, como respirar uma simples água.