‘Entregador Antifascista' critica precarização do trabalho e omissão de veículos da imprensa

123.38k views2682 WordsCopy TextShare
Folha de S.Paulo
Na série E Eu?, minorias pouco representadas na mídia apontam problemas na relação com a imprensa. P...
Video Transcript:
Os 'aplicativo' não tá no ramo do delivery,  mano. Não é o delivery o negócio dos 'aplicativo'. O negócio dos 'aplicativo' é a exploração, mano.
Se os 'aplicativo' amanhã tiver que reconhecer o vínculo empregatício, um monte de investidor vai embora e o  valor de mercado deles cai. Então o negócio deles é a exploração. O que atrai investidor nesse negócio é você conseguir extrair a última gota do suco de laranja.
E quando o bagaço tiver que ser jogado  fora você não precisa nem se preocupar. Não é problema seu, entendeu? A uberização é um processo, mano, que tem que avançar para outros cara ganhar dinheiro, mano.
Ou você acha que os Correios não tá  louco para virar um aplicativo, mano? 'Venha trabalhar no Correio, vença na vida, ganhe 50 centavos por cada carta que você entregar". Você acha que eu não sei disso, você acha que 'nóis' não sabe disso, mano?
Que é isso, que é pra isso que tá rumando a coisa? Entendeu? Se você acha que a uberização é um problema dos entregadores, você tá errado, mano.
A uberização é um desdobramento da revolução industrial. Se a revolução industrial avançou pra todo mundo, a uberização vai avançar para todo mundo também. Você jornalista, mano, pode ter certeza disso, se já não chegou.
Se já não chegou, ela vai chegar, mano. Meu nome é Paulo Roberto da Silva Lima, eu tenho 31 anos de idade, sou mais conhecido como Galo. Faço parte do Movimento dos Entregadores Antifascistas, e eu luto pela emancipação dos trabalhadores e trabalhadoras.
E eu? Por quê eu estou aqui? Imagina que os 'entregador' é uma tribo, mano.
Todo dia o entregador vai lá no rio pescar seu peixe. Do nada o rio seca, mano, não tem mais peixe. E aparece um homem branco na porta da tribo e fala assim: 'qual o problema de vocês, porque vocês estão tristes?
'. Aí os 'entregador' fala: 'ah, 'nóis tá' passando fome, mano, acabou o peixe do rio, homem branco'. O branco fala: 'é isso, mano?
Eu tenho a solução. Eu tenho uma fazenda aqui perto e tá cheio de peixe lá. ' No outro dia eles voltam com uma abundância de peixe para a tribo e eles falam: 'ó, é verdade, o homem branco tem peixe.
' 'Olha o tanto! ' Aí no outro dia todos os entregadores falam: 'vamos lá, é peixe mesmo. ' Quando os entregadores 'chega' no outro dia desse  acontecido o homem branco barra esses entregadores na porta e fala assim: 'Ó mano, você não vai poder pescar aqui, porque aqui é minha propriedade, aqui tem regra.
' 'Você só pode pescar aqui se você seguir a regra, é a regra é o seguinte: cada um de vocês pode pescar até 10 peixes. Sete é meu, três é de vocês. Quer?
' Não tem peixe, você acha que os 'entregador' vai fazer o quê? A única coisa que esse homem branco não vai contar é que ele foi lá com o capital dele, com a tecnologia dele,  com toda a força que ele tem, com as máquinas dele, no rio de noite, drenou todos os peixes daquele rio, colocou na fazenda dele, e agora a gente tá tendo que pescar os mesmos peixes que a gente sempre pescou, só que tem que dar sete pro homem branco, de dez, sete vai pro homem branco. E por que que eu digo isso?
Porque se você voltar na sua memória, a pizza deixou de chegar na sua casa quando os aplicativos não existiam? Os 'aplicativo' não inventou o mercado de delivery, os aplicativos cercaram o mercado delivery e colocaram um rótulo e falou: 'isso aqui agora é nosso'. A entrega de comida sempre existiu.
E problemas que hoje são 'mó' difícil de resolver, antigamente era 'mó' fácil, mano. Você tem uma pizzaria local que tem  dez entregadores, e aí você tem um cliente chato e todos os entregadores reclamam desse cliente  chato, a pizzaria já sabia lidar com esse problema. A pizzaria já entregava a pizza e falava assim: 'ó João, essa pizza é para aquele cara chato do caramba lá, é cliente nosso, é o cara que ajuda a pagar o salário, e tal, entendeu?
Eu sei, se o cara falar besteira, releve e tal tal tal, entrega lá'. Não bloqueava o cara, mano. Era mais fácil de resolver as coisas, cada pizzaria  resolvendo a sua coisa, cada restaurante resolvendo a sua coisa.
Do não nada chega esse homem branco, drena tudo coloca no campo dele e agora 'nóis tá' tudo perdido, mano, porque toda essa demanda tá lá. E 'nóis' não tem o que fazer, mano. Agora em 2020, eu tava numa neurose tremenda assim, mano, porque era  um dia que eu não queria trabalhar, era um dia que eu queria ficar em casa com a minha família, só que já era terceira água que tava atrasada então.
. . Era a segunda luz que estava atrasada, geladeira estava  vazia, então não tinha como ficar em casa.
Quando deu onze horas da noite meu pneu furou e eu estava com um pedido de um cliente. Eu liguei pra Uber, informei que eu estava com esse pedido, e que era pra Uber mandar outro entregador pegar esse pedido, que eu tava com o pneu furado, era onze horas da noite na Vila Olímpia, não tinha borracharia, eu não ia dar conta de entregar o pedido. E a Uber disse que não tinha entregador por perto e que eu poderia cancelar o pedido.
E aí no outro dia eu fui arrumar o pneu, na hora que eu fui ligar o aplicativo para sair para trabalhar, eu tava bloqueado. Aí eu voltei pra casa, falei para minha esposa e ela falou: 'pô de novo, não sei quê, e tal tal tal', eu falei: 'ah não acredito'. Eu já tava nervoso do dia passado, eu falei: 'chega mano, eu vou denunciar os cara, mano'.
E o vídeo do The Intercept na época viralizou, que era um vídeo  que eu falava: 'você sabe o quanto é difícil carregar comida nas costas de base de barriga vazia? '. E nessa época começou a vir gente atrás de mim.
Apareci aqui, apareci ali, fui fazendo as denúncias, e de repente apareceu a revista Exame. E aí como a revista Exame eu creio que é uma revista que empresário lê mais, depois que eu apareci na revista Exame, e eu nunca mais  recebi pedido pelo iFood e nem pela Rappi. Meus 'pedido' caiu, e isso a gente chama de bloqueio branco.
É um bloqueio que eles não te 'bloqueia' oficialmente para não dar um problema jurídico, que eles não  têm uma causa para fazer isso aí, mas você para de receber pedidos. Normalmente quem faz greve, quem se manifesta, passa pelo bloqueio branco. E aí eu fui bloqueado e ali eu falei: 'ah, já era mano, é isso vou ter que ir cair mais para dentro da luta ainda.
' Porque o que que eu vou fazer agora? Eu tenho uma filha pra criar. Eu preciso começar a gritar mais alto.
Aí aconteceu o segundo vídeo que viralizou. Que eu falo. .
. Pode falar palavrão mano? 'Nóis' não é empreendedor de porra nenhuma, 'nóis' é força de trabalho nessa porra.
E aí viralizou de novo, só que dessa vez viralizou com ódio. Na primeira vez que viralizou, viralizou com uma  palavra de. .
. 'nóis' precisa de ajuda, mano, sabe como é difícil trabalhar com comida nas costas de barriga vazia? Então pintou uma pá de gente querendo pegar na minha mão.
. . Eu falei isso mas.
. . apareceu um monte de gente querendo doar dinheiro pra mim.
Eu falo mano, não é isso, mano. Não é uma dor minha. É uma dor geral, mano.
Eu falo ali naquele vídeo: 'você que está aí no Acre, no Amazonas, no Pará, nóis precisa de você, entregador. '. E aí começa a ligar um monte de entregador do Acre, começa a ligar entregador da Bahia, Hoje o 'Entregadores Antifascistas' está espalhado por 11 estados.
E aí a coisa foi foi foi foi foi foi foi foi foi foi foi até chegar o ponto se desdobrar em greve, se desdobrar em tudo que se desdobrou. Hoje eu acho que. .
. não teve conquista, mano. iFood não deu atenção, os aplicativos não deu atenção, nada mudou.
Os caras 'gastou' milhões pra fazer comercial no intervalo do Jornal Nacional dizendo que a vida é uma entrega. Do lado deles não mudou nada, mas do nosso lado, mano, 'nóis' pautou as eleições, morô? Tem gente que pintou entregador do tamanho do prédio, em São Paulo.
'Nóis' não existia, agora 'nóis' existe, mano. Então acho que a conquista é essa, 'nóis' existe. E agora qualquer problema que a cidade tiver que resolver ela vai ter que lidar com esse  problema chamado uberização, precarização do trabalho pra cima dos entregadores, morô?
Aí tem gente que fala assim: 'ah Galo, porque você não aproveita esse capital social hoje e se lança político institucional, não se lançou vereador, não se lança deputado? '. Porque eu não acredito que é por aí, mano.
Porque parece que as 'pessoa' quer fazer carreira, mano. Tudo é sobre fazer carreira, entendeu? E não dá pra fazer carreira na política de rua, mano.
As pessoas têm que entender que na política de rua dá pra fazer história, mano. Carreiras vão, vêm. Carreiras sobem, descem, mano.
A história continua a mesma. Essa política institucional todo mundo acha que é um fim, e eu acho que é um meio, ela é um reflexo da rua para mim. Não existe político institucional que não tenha passado pela política de rua, mano.
Se você não passar por essa etapa de sentir o cheiro do povo, de entender as dores do povo, de sofrer  junto com o povo, você foi para lá para quê, mano? Você foi para lá para quê, mano? Entendeu?
Tem uma ideia que eu não abro mão, mano. A solução para mim tá na classe trabalhadora, morô? A solução tá nos 'trabalhador'.
A cura da coisa tá nos 'trabalhador', entendeu mano? O problema de tudo isso aqui é acúmulo  de riqueza, mano. Porque que você tem que acumular tanto, mano?
Porque que você tem que criar um aplicativo para  ficar bilionário, mano, para acumular dinheiro? Por que que você não pode criar um aplicativo para  ajudar as pessoas, mano? Por que que você não olha para o Brasil e fala assim: 'olha o desemprego, mano.
Vou criar um aplicativo de delivery para aquecer o mercado, e resolver esse problema do desemprego. '. Não, mano, você quer utilizar o desemprego para ficar bilionário, mano Esse é o problema, djow.
O mundo inteiro dos negócios que estão de olho nesse grande negócio da exploração eles estão esperando muito que isso dê  muito certo, para eles começarem a transformar tudo em um aplicativo. 'É quanto tempo eu consigo explorar esse  peão até ele explodir, mano? '.
Isso é uma informação valiosa pra quem quer transformar os Correios em um aplicativo futuramente. 'Ó, você consegue explorar esse cara durante seis meses, mano. Ele aguenta, mano, trabalha 12 horas por dia ganhar essa miséria aqui, durante seis meses, depois de seis meses você vai ter que fazer uma promoção, um anestésico bom para ele continuar trabalhando mais seis meses, porque senão vai  fazer greve.
'. Essa informação, nesse mercado da exploração, é valiosa, mano. É valiosa, e eu sei disso.
Se a classe trabalhadora não se unir para barrar isso, e quando digo barrar isso não  é ludismo mano, não é ludismo, não é quebrar a tecnologia, é tirar quem tá operando a tecnologia do controle  da tecnologia. Porque a tecnologia é uma coisa boa, mano. Só que ela precisa estar na mão, nas mãos, nada tem  que dar uma mão só, as coisas tem que estar nas mãos.
A tecnologia tem que estar nas mãos dos trabalhadores, mano, para auxiliar a melhora de vida dos trabalhadores. A máquina, mano, a máquina era para auxiliar o  trabalhador a produzir mais, poder trabalhar menos e ganhar mais, mano. A máquina auxiliou o lucro do patrão.
O patrão entendeu que a máquina fazia o serviço de 10, mandou nove embora e ficou só com um, mano. Se a revolução industrial suprimiu os empregos, a uberização vai suprimir os direitos, a uberização veio para suprimir os direitos. Direitos esses, mano, que a gente conquistou na unha, mano, com sangue, suor, com lágrima.
É liberdade que a gente conquistou, é jornada de trabalho que a gente conquistou, é férias, é auxílio, é 13º, para tudo ser jogado no ralo porque agora tem uma nova  tecnologia chamada aplicativo. Isso é muito bom para você trabalhador, agora você não é mais trabalhador, você é empreendedor, mano. Sou trabalhador, mano.
Sou trabalhador e me sinto conectado com outros trabalhadores através da história. Entendeu? Trabalhadores que lutaram pelas férias.
Eu fecho meu olho eu enxergo o cara, mano. Apontando o dedo na cara do patrão e falando assim: 'Aí patrão, a fita é o seguinte, certo, agora nós  vai descansar 30 dias, vê aí o que você pode fazer. '.
Eu vou jogar isso no lixo, mano? A CLT pra mim é o conjunto de lutas dos trabalhadores, mano. Entendeu?
'Nóis vai' jogar as coisas que 'nóis acha' que não tá 'bom' no lixo? Que isso, mano, é nosso, mano. Tem que cuidar, 'nóis' tem que melhorar, mano.
Ó o SUS aí, salvando todo mundo, mano. Com esse governo que 'nóis tem' se 'nóis' não tivesse o SUS, mano. Com tudo que tá acontecendo no país, com o governo que a gente tem, se a gente não tivesse o SUS, mano.
. . Tem que lutar para melhoras as coisas, mano.
fazer cada vez ficar melhor, eu não queria tá lutando para recuperar carteira de trabalho, eu queria tá lutando pelo direito a preguiça, mano. Almoçar uma hora e descansar uma hora. Era por isso que eu queria tá lutando, e depois queria lutar por mais, mano.
Por mais e mais e mais e mais e mais. Quando você luta muito por demanda, você esfarela, mano. A luta é por direitos, mano.
Pra mim a luta é por direitos e ela tem que continuar por direitos até o fim. Até que um dia os trabalhadores se emancipem, mano. Entendeu?
'Nóis' construiu o mundo, mano. 'Nóis' construiu as roupas chiques que eles vestem. As comidas gostosas que eles comem é 'nóis' que faz, é 'nóis' que cozinha.
A Torre Eiffel foi 'nóis' que levantou, o foguete que foi pra lua foi 'nóis' que mandou. As reportagens que ganha prêmio Pulitizer, foi um trabalhador jornalista que fez. Morô?
Os prêmios Nobel, tudo isso é fruto dos trabalhador, mano, não é fruto de patrão, mano. Então, por que que esses jornais acabaram me ouvindo? Porque é isso, mano, porque eram jornalistas que queriam dar voz para um trabalhador, mano.
Trabalhadores querendo dar voz para outro trabalhador, mano. Aí você é um trabalhador na Folha, na Globo, no Estadão, querendo dar voz para um trabalhador, e seu patrão fala assim: 'opa! Quem manda sou eu!
'. Entendeu? Então, posso tá falando besteira porque eu não sou jornalista, mas eu acho que tem muitos jornalistas que quer fazer um monte de pauta, quer fazer um monte de reportagem e não consegue.
O cara propõe, a coisa não passa, e aí o cara vai se adaptando aquilo, chega uma hora que o cara entende como é que o sistema funciona. e fica propondo as coisas que passa. E aí as vezes ele tenta dar uma.
. . vou fazer aqui,  fazer uma manobra aqui para tentar alguma coisa que eu quero e passar dentro dessa ideia e eu  entendo porque que essa estrutura é assim, entendeu mano?
Que que eu tenho para dar para Folha, mano? O iFood tem 300 mil para fazer um comercial. Eu tenho o quê para dar para Folha, mano?
Um capital social desse tamanho? Essa reportagem, isso aqui tem que passar por um editorial ainda? Não?
Isso aqui já é certeza que vai? Da hora essa forma. Não tem forma nenhuma disso aqui ser barrado?
De chegar uma ordem de cima e falar assim: 'ó mano, barra isso aí'?
Copyright © 2024. Made with ♥ in London by YTScribe.com