O Que Realmente Move Você? | Lacan e o Desejo que Nunca se Realiza

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Fernando Rainho
Neste vídeo, exploramos uma das questões centrais da psicanálise: o que é, afinal, o desejo? A parti...
Video Transcript:
Hoje eu queria conversar com vocês sobre uma ideia de Lacan que quando bem compreendida, ela pode mudar a forma como a gente se relaciona com o que a gente faz, com a gente deseja e até quem sabe com a gente se relaciona com a vida um todo. E antes de tudo, eu já aviso, Lacan ele não foi coach, tá? E com certeza ele teria horror a ideia de que alguém externo a você, que nunca te viu na vida, que não te conhece, te desse dicas prontas sobre como buscar realização na vida.
que isso vai exatamente contra o que que a psicanálise propõe, né? Na ideia da psicanálise é que cada sujeito, ao se conhecer, precisa inventar sua própria forma de se posicionar no mundo a partir daquilo que é singular em sua estrutura, em seu desejo. Por isso, conhecer a si mesmo é a melhor forma de libertação.
Mas se Lacan fosse obrigado a dar um único conselho, vamos dizer assim, ele provavelmente diria essa frase: "Não ceda quanto ao seu desejo. " Só que essa frase ela costuma ser mal interpretada por aí. Muita gente entende como incentivo a seguir os seus sonhos.
Sou até bonito, né? Aquelas frases de motivação do tipo: "Corra atrás do que você quer, realize seus objetivos, seja fiel ao seu propósito de vida". Hum.
Mas não é nada disso que Lacan tá falando aqui. Na verdade, quando ele diz não ceda quanto ao seu desejo, ele não tá dizendo para você realizar os seus desejos no sentido de alcançar metas ou conquistar o que quer. Ele tá falando sobre algo mais profundo, o modo como o desejo funciona em nós.
É isso que ele tá retratando aqui. E porque esse desejo nunca se realiza completamente. O desejo na psicanálise, vamos lá, pessoal.
O desejo na psicanálise ele ele não é uma vontade qualquer, não é o que você quer conscientemente do tipo, ah, eu quero comer um doce, Fernando, eu quero ter sucesso, esse é meu desejo. O desejo em Lacanã e na psicanálise é aquilo que nos move a partir de uma falta. Ou seja, a gente deseja porque sente que tá faltando algo.
E esse algo que nos falta nunca se preenche, porque essa falta é estrutural, ela faz parte do que somos como sujeitos, como ser humanos. O desejo ele se sustenta nessa falta, ele não tem fim. Por isso, quando a gente alcança aquilo que a gente achava que queria, que é o objeto do nosso desejo, ele logo perde o brilho.
Uhum. A gente até sente um alívio, um prazer momentano em conquistar algo, mas isso passa e o desejo ele se desloca para outra coisa. Ele vai buscar outra coisa, não é assim?
Então, uma pessoa pode passar anos sonhando com um cargo alto na empresa, uma promoção, vamos pensar assim, né? Então ela trabalha dura, ela se dedica, ela acredita que quando chegar lá, finalmente chegar lá na terra prometida, ela vai se sentir satisfeita quando chegar no objeto do seu desejo. Aí vamos supor que ela consegue chegar lá, ela é promovida, ela chega onde ela quer.
nos primeiros dias, ela até sente orgulho, felicidade, algum contentamento, mas com o tempo vem a sensação de que algo ainda tá faltando e agora o desejo se desloca. Agora ela quer outra coisa. Ela quer um novo cargo mais alto ainda, mais reconhecimento.
Aquilo que ela tem não é o suficiente. E esse é o ponto. O desejo, ele tá sempre um passo à frente.
Hum. E se a gente vive só a partir do desejo ou da realização dele, a gente acaba ficando preso nessa busca sem fim, sempre esperando que alguma coisa de fora venha preencher um vazio interno, estruturante nosso. Então, a aprovação, o aplauso, o amor do outro, o sucesso, assim a gente vai projetando, né?
E assim a gente vai a vida inteira buscando que algo nos complete, projetando essa falta interna estruturante no externo, com a esperança que um dia a gente vai ser completo. E o problema é que mesmo quando essas coisas todas acontecem, nunca é o suficiente. Aí você continua inquieto, você continua desejante, você continua incompleto, como se ainda tivesse devendo alguma coisa para si mesmo.
E aqui que Lacan propõe uma mudança de lógica. Ele sugere que a gente pare então de organizar a vida em torno do desejo, porque reparem, nunca é o suficiente. Ele tá sempre um passo além de nós.
Pare de organizar a vida em torno do desejo e comece a se orientar pelo que ele chama de pulsão ou em alguns contextos, algumas traduções, o que ele chama de drive. Reparem, o desejo ele gira em torno de um objeto ausente. É a promoção, é aquela gatinha que eu quero ter, que quando eu tenho você feliz, é o carro novo, é a casa na praia, é a viagem.
Esse é o objeto ausente. E o desejo tá ali, hã, ele quer alcançar algo que parece que quando a gente tiver, a gente vai ser completo. Quando eu tiver aquela mulher dos meus sonhos, minha vida vai ser perfeita.
Mas assim que a gente chega lá, pum, o vazio volta. A pulsão, por outro lado, não busca preencher uma falta com objeto externo. Reparem aqui, a pulsão, ela vai se organizar como um circuito.
Que que eu quero dizer com isso? É no fazer, é no gesto, é na repetição que a pulsão encontra satisfação. Ou como o Lacan diria, a pulsão ela gira em torno do objeto.
Ela não quer ter aquele objeto e possuir aquele objeto. Esse é o desejo. A pulsão, ela gira em torno do objeto.
Ela quer circular em torno dele. Então, pensem numa pessoa que, sei lá, faz cerâmica. Cerâmica, por exemplo, tá?
Ali moldando peças de cerâmica. Então, ela faz peças com a mão, uma a uma, ela molda o barro, erra, aí começa, ela queima, ela esmalta, ela pinta, ela pode até vender as suas peças e viver disso, tá? Mas a satisfação verdadeira não vem da venda ou do sucesso da venda ou do reconhecimento das peças dela que linda que são.
Porque a amiga disse ou quem é, sei lá quem disse, vem do gesto do contato, do processo em si, do gosto por fazer aquilo que ela está fazendo. ou pensa num professor, aqueles professores de colégio que dão aula, a mesma aula a 10, 20, 30 anos, mas cada vez é diferente. Cada turma, cada pergunta, cada troca com cada aluno, ouvendo a satisfação do aluno aprender com ele.
Hum. Esse professor, ele não tá implicado em chegar em algum lugar objeto do desejo. Ele tá ali porque o ato de ensinar o sustenta por dentro.
É claro que pelo salário também é necessário, mas algo no ato de ensinar, nas trocas o sustenta por dentro. Essa é a lógica do drive, essa é a lógica da pulsão. Você não tá em busca, portanto, de uma recompensa final.
Você encontra sentido no próprio processo. Faz sentido? Sublimar na psicanálise é quando você encontra um jeito de colocar esse seu modo de ser, esse excesso, esse traço que você tem, esse sintoma que é seu a serviço de algo simbólico, algo que faz você executar e algo que você faz repetidamente que te alimenta por dentro e que também produz algo pro outro.
Então, é o músico que transforma a angústia dele em composição. É a pessoa introspectiva que tem esse traço que é seu, que faz do seu silêncio uma escuta, análise, por exemplo, é o obsessivo que é metódico e canaliza essa energia que ele tem para construir algo com cuidado, com estrutura, com checagens. Sublimar é implicar a sua singularidade, o seu traço, o seu sintoma, o seu eu no processo.
É quando a gente faz o que a gente faz, mas colocando o nosso eu ali. É quando fazer carrega a nossa marca. É aí que para Lacan a vida vai começar a fazer sentido.
Não por causa do resultado, reparem, mas porque você tá se reconhecendo no que tá fazendo. O seu eu está implicado. Então, o que que significa final a frase, volto a ela, não ceda quanto ao seu desejo.
Hum, agora fica mais claro. Não se dê conta ao seu desejo, não significa corra atrás dos seus objetivos, a qualquer custo, aquela coisa bonita, né? Significa não abrir mão da sua maneira singular de se implicar com aquilo que você faz.
é manter viva a sua forma própria de desejar, de criar, de se envolver com o mundo. Em vez da gente se moldar completamente aos que os outros esperam ou exigem, sem deixar nenhum espaço para o que é genuinamente nosso, a gente poder se implicar nisso. Porque quando a gente começa a agir só para agradar, só para ter aprovação, só para cumprir uma função, a vida vai aos poucos perdendo a cor, porque a gente não tá mais ali.
Hum. Pensa, por exemplo, um escritor, esse cara ou essa mulher, enfim, começa a escrever porque ele tinha algo próprio ali para expressar, que pressionava ele a colocar no papel alguma criatividade, alguma coisa. algo que movia ele, que organizava ele por dentro em termos de estrutura, né?
Não é sobre ter fama, é sobre o prazer de construir personagens, cenas, montar um universo próprio, ideias, de escolher palavras, de revisar frases e trocar uma por outra, de dar forma ao que ele sentia por dentro e ele consegue colocar aquilo no papel. Então, vê a melhor forma de montar o texto, nem ficar pensando na estrutura da narrativa, isso é o drive em ação, prazer do processo. A alegria tem que estar em escrever ou reescrever ou cortar ou acrescentar um parágrafo.
Hum. resolver um nó narrativo. Não é que ele não queira leitores, reconhecimento ou retorno financeiro.
Hã, mas isso não pode ser o único motor. Imagina que esse cara começa a escrever só para buscar reconhecimento, só o que agrada o público nessa ideia de o desejo atrás do do objeto. Hã, então ele começa a escrever histórias mais fáceis, simples, fórmulas prontas, aqueles roteirinhos de livros de autoajuda, sabe que para dar um conceito começa a ilustrar.
Peter trabalhava na Starbucks. Então, Peter se demitiu da Starbucks e criou sua própria empresa. E aí, sabe aquela coisa, né?
Narrativas que ele mesmo não acha interessante, né? Ah, ou o contrário, imagina que em vez de estar voltado a a agradar ali, ele ele ele quer, voltado somente ao externo, ele decide escrever aquele grande romance, né? Ele vai escrever o grande romance do século hã da literatura nacional, novo Machado de Assis, para ser reconhecido como novo gênio.
Também o objetivo está no objeto externo, hã, correndo pelo desejo e não circulando pela pulsão. Por quê? Porque o processo de dia a dia vai perder a graça.
O dia a dia vai perder a graça. A cabeça tá lá no sucesso. Ele não tá mais ali.
O escritor não tá mais ali presente. A escrita virou função, não virou criação. O Lacan, no seminário sete dele, que se chama ética da psicanálise, ele já apontava para esse tipo de movimento.
Ele mostra que quando uma pessoa vive apenas buscando ser aceita, elogiada ou reconhecida pelo outro ou tendo fama, dinheiro, seja o que for, ela corre o risco de se afastar daquilo que realmente move ela. A pulsão ou drive é uma espécie de motor do sujeito. Hum.
É, esse drive é um motor que dá graça paraa coisa toda. Então, no externo pode até parecer que essa pessoa tá fazendo sucesso, agradando, sendo produtiva, recebendo aplausos, né? Mas por dentro ela tá apagada.
Ela foi, vamos dizer assim, se moldando tanto ao que que os outros esperam que ela perde contato, perdeu contato com aquilo que era verdadeiramente bela. verdadeiramente seu. E é isso que Lacan tá falando, pessoal.
O problema não é desejar ter reconhecimento ou sucesso ou buscar dinheiro para sustento. Vamos e o problema é quando isso se torna central que você deixa de se implicar no que você faz. É quando você se perde no seu desejo.
Faz sentido? Quando você se que que é se perder no seu desejo? é quando você se afasta do seu traço, da sua marca, daquilo que só você colocaria ali.
E aí sim, quando isso acontece, a vida começa a se esvaziar. Por outro lado, pensem esse escritor, tá? Quando esse mesmo escritor sustenta o contato com o seu desejo, que que é isso?
Mesmo que ele escreva obras que obviamente precisam dialogar com o público, senão ninguém vai ler, né? mesmo que ele busque então certa eh recepção da crítica, aceitação dos leitores, afinal Lacan nunca propôs um ideal de autossuficiência ou isolamento do sujeito, que isso também é patológico, né? Muito pelo contrário, para ele, o desejo é sempre o desejo do outro.
Então, sim, tem algo de essencial em se dirigir ao outro, de querer ser lido, ouvido, aceito e tudo mais, né? com tanto que o sujeito mantenha a sua posição desejante, ou seja, com tanto que o sujeito não se anule nesse processo. O que que a gente tá falando é que nesse processo todo o escritor, ele tem que manter vivo o gesto criativo que move ele.
Ele tem que ter o eu implicado na escrita, que ele escreva com presença no dia a dia, com um certo risco autêntico, autoral. E aí o prazer volta a morar no processo, porque senão vai ter o eu implicado no que eu tô fazendo e o prazer do do meu jeito de ser, do meu sintoma, da minha função ali, né? E nas nossas profissões, via de regra, a gente faz aquilo 6, 8, 10 horas por dia, acabou, né?
Se ele consegue ter isso por outra via, ele não tá mais tentando preencher uma falta. que é da ordem do desejo. Ele tá girando em torno do que move, evocando sentido na repetição do fazer, na escrita e não no sucesso do resultado.
Isso é viver segundo a lógica da pulsão ou como alguns chamam do drive. Faz sentido? Então, é óbvio que ele precisa agradar o público para ganhar dinheiro, a não ser que ele seja herdeiro, uma coisa do tipo, hã, mas eh não se perder nesse processo e esquecer de si é fundamental, senão com o tempo ele murcha, ele some, ele vira um autôm o o que precisa ser feito ou o resultado externo.
Isso vale para qualquer um de nós. Pode ser no trabalho, nos relacionamentos, em um processo de criação, na rotina. Quando a gente sustenta um fazer que carrega algo nosso, algo que nos toca, que nos alimenta, a vida deixa de ser uma uma eterna espera por algum momento mágico no futuro.
Volto à ideia do objeto e do desejo. Quando eu tiver aquela garota, eu vou ser feliz. Quando eu fizer aquela viagem, eu vou ser feliz.
Quando eu tiver aquele cargo, eu vou ser feliz. A terra prometida. né?
Deixa de ser isso. E a gente começa a habitar o agora e aí o sentido aparece no fazer do agora. Não porque você chegou onde você queria, mas porque você finalmente está presente no agora.
M.
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