“Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo”.
- João 3:5-7. Este é o ensinamento do Profeta: ‘Morra antes de morrer’. Morrer antes de morrer significa perceber durante a vida o que significa a morte.
É essa percepção que tira todo o medo do mundo. Este é O Caminho da Verdade. Hazrat Inayat Khan.
Para o místico, este é o caminho para a perfeição: o caminho da aniquilação do falso ego. Para aniquilar este corpo e essa mente, você não precisa morrer fisicamente, mas você deve analisar a si mesmo e perceber: “Quem sou eu? ” O místico entende que existe no homem uma identidade real, e que essa identidade é divina, mas essa identidade divina está encoberta por um falso ego; e todo homem tem um falso ego, que começa a crescer desde o nascimento.
O homem desenvolve em si mesmo uma falsa ideia, e essa falsa ideia é a identificação com algo que ele chama de si mesmo. Ele diz: “Sou um professor, um advogado, um empresário, um médico, um rei, um velho”, ou algo assim. Mas o que quer que ele afirme, ele não é isso.
Sua reivindicação pode ser humilde ou orgulhosa, mas na realidade ele não é isso. O místico no caminho espiritual persevera em eliminar esse falso ego tanto quanto pode, pela meditação, pela concentração, pela oração, pelo estudo, e por tudo o que faz. Seu único objetivo é o eliminar tanto, que um dia a realidade, que está sempre lá enterrada sob o falso ego, possa se manifestar.
E invocando o Nome de Deus, em devoção, em zikr, ou de qualquer outra forma, o que o místico faz é despertar o espírito de sua verdadeira identidade para que ele se manifeste. É como uma fonte que brota da rocha e que, assim que a água ganha poder e força, rompe até a pedra e se torna um riacho. Assim é com a centelha divina no homem.
Através da concentração e da meditação, ela irrompe e se manifesta; e, onde se manifesta, lava as manchas do falso ego e se transforma em um fluxo cada vez maior, que por sua vez se torna uma fonte de conforto, consolo, cura e felicidade para todos que entram em contato com esse espírito. A principal coisa a ser feita é o esquecimento do falso ego. Primeiro, devemos analisar, o que é o “eu”?
Todo o processo espiritual é descobrir isso. Tudo o que temos que alcançar através da iniciação, através da meditação e através do conhecimento espiritual, é descobrir isso: “O que é o ‘eu’? ”, “Onde está o ‘eu’?
” Quando pensamos naquele sentimento ou na sensação que nos dá quando afirmamos a palavra “eu”, percebemos que é muito difícil apontar para esse “eu”. Pois é algo que está além da compreensão humana. É por isso que uma pessoa que deseja explicar, até para si mesma, o que é este “eu”, aponta para o que está mais próximo, declarando: “Este, é aquele a quem chamei ‘eu’”.
Portanto, toda alma que se identificou com qualquer coisa identificou-se com o seu próprio corpo, porque é a coisa que se sente e percebe como sendo a mais próxima de si mesma. Então, o que uma pessoa conhece de si mesma em primeira instancia é o seu corpo. Ela considera a si mesma como o corpo.
Por exemplo, se alguém perguntar a uma criança: “Onde está o menino? ” Ele apontará para seu corpo. Isso é o que ele pode ver ou pode imaginar de si mesmo.
Isso forma uma concepção na alma. A alma concebe isso profundamente, de modo que depois dessa concepção todos os outros objetos, pessoas ou seres, cores ou linhas, são chamados por nomes diferentes, e a alma não as concebe como ela mesma, pois já tem uma concepção de si mesma: este corpo, que primeiro conheceu ou imaginou ser ela mesmo. Tudo o mais que a alma vê, ela vê através de seu veículo, que é o corpo, e o chama de algo próximo a ela, algo separado e diferente dela.
Desta forma, surge a dualidade na natureza. Daí vem “eu e você”. Mas como o “eu” é a primeira concepção da alma, a pessoa está totalmente preocupada com esse “eu”; e com tudo o mais está apenas parcialmente preocupada.
Todas as outras coisas que existem, além deste corpo que ele reconheceu como seu próprio ser, são consideradas de acordo com sua relação com este corpo. Todas as experiências que a alma tem no mundo físico e nas esferas mentais tornam-se uma espécie de mundo ao seu redor. A alma vive neste mundo, mas ela nunca sente que qualquer outra coisa seja este “eu”.
Este “eu” ela reservou e cativou em uma única coisa: o corpo. À medida que alguém se torna mais pensativo na vida, essa concepção de “eu” se torna mais sofisticada, e isso acontece quando ela reconhece: “Não é só ‘meu’ corpo, mas há também o pensamento, ‘meu’ pensamento; a imaginação é ‘minha’ imaginação; e ‘meus’ sentimentos também fazem parte de mim. Portanto, não sou apenas meu corpo, mas também sou a mente”.
Neste próximo passo que a alma dá no caminho da compreensão, ela começa a sentir: “Eu não sou apenas um corpo físico, mas também sou uma mente”. Esse entendimento em sua plenitude faz com que se declare: “Eu sou um espírito”, que significa: corpo, mente e sentimento, todos juntos como a forma pela qual eu me identifico – isso é o ego. Quando a alma avança no caminho do conhecimento, ela começa a descobrir: “Sim, existe algo que sente a si mesmo, que sente a inclinação de se chamar ‘eu’”.
Mas o que é este “eu”? – Ela começa a analisar e percebe: “Quando eu digo que essa é ‘minha’ mesa e aquela é ‘minha’ cadeira, significa que posso chamar de ‘meu’ algo que pertence a mim, mas isso não sou eu”. Existe um sentimento de ser um “eu”, mas ao mesmo tempo, tudo com o que a alma se identifica não é ela mesma.
No dia em que essa ideia brota no coração do homem, ele começa sua jornada no caminho da verdade. Assim, ele também começa a ver: “Eu me identifico com este corpo, mas este é o ‘meu’ corpo, assim como aquilo é ‘minha’ mesa ou ‘minha’ cadeira. Então, o ser que está dizendo ‘eu’, na realidade, está separado.
É algo que tomou este corpo para seu uso; e este corpo é apenas um instrumento”. Analisando dessa forma, ele pensa: “Se não posso chamar esse corpo de ‘eu’, então o que mais posso chamar assim? É com a minha imaginação que devo me identificar?
” – Mas mesmo isso, é “minha” imaginação, “meu” pensamento ou “meu” sentimento. Portanto, mesmo o pensamento, a imaginação ou o sentimento não são o “eu” real. O que afirma “eu” permanece o mesmo, encoberto por uma falsa identidade, encoberto pelo falso ego.
Ao longo de toda a jornada no caminho espiritual, a principal coisa a ser feita é o esquecimento desse falso ego. Isso requer a tentativa de uma mudança definitiva em si mesmo, e essa mudança é uma espécie de luta contra o falso eu. É preciso adquirir grande força, e ser uma fortaleza, para conseguir dominar o próprio ego.
É fácil amansar um leão, difícil é amansar o ego. Nosso ego é o leão dos leões, e se ele for conquistado, então os leões externos – os diferentes egos ao nosso redor – também serão conquistados, e onde quer que formos, com qualquer um, seja tolo ou sábio, bom ou mau, nós agora teremos paz. A principal coisa a ser aprendida neste caminho de treinamento do ego é a humildade.
A humildade é este esforço constante em apagar o próprio ego, e é isso o que prepara o homem para a sua jornada suprema. Este princípio de humildade pode ser praticado esquecendo-se da própria personalidade em cada pensamento, em cada ação, e em cada trato com o outro. Sem dúvida é difícil e pode não parecer muito praticável na vida cotidiana, embora no final se mostre um caminho bem-sucedido, não apenas na vida espiritual, mas também para os assuntos do dia-a-dia.
Através do esquecimento do falso ego, abrimos espaço para a imortalidade. Aquele que aprende a trilhar o caminho espiritual deve aprender a se tornar como um cálice vazio, para que o vinho da música e da harmonia possa ser derramado em seu coração. O sufi, portanto, segue o caminho de não ser nada ao invés de tentar ser alguma coisa.
É esse sentimento de nada que transforma o coração humano em um cálice vazio, no qual é derramado o vinho da imortalidade. É esse estado de bem-aventurança que toda alma que busca a verdade anseia alcançar. É a pessoa que não é ninguém, que não é ninguém e ao mesmo tempo é tudo.
É fácil ser uma pessoa instruída e não é muito difícil ser sábio; está ao alcance de alguém se tornar bom, e não é uma conquista impossível ser piedoso ou espiritualizado. Mas se existe uma realização que é maior e mais elevada do que todas essas coisas, é não ser nada. Pode parecer assustador para muitos, a ideia de se tornar nada, pois a natureza humana é tal que anseia por se apegar a algo, e o que o homem mais se apega é a sua própria pessoa, sua personalidade e sua individualidade.
Uma vez que ele se elevou acima disso, ele escalou o Monte Everest, ele chegou ao ponto onde a terra termina e o céu começa. Através de todo o processo espiritual, aprendemos a retirar os véus da ilusão que encobrem o nosso verdadeiro eu. O aniquilamento do falso ego significa retirar os véus da ilusão.
Logo que a ilusão desaparece, o verdadeiro eu aparece, e reconhece seu valor. É nessa percepção que a alma entra no reino de Deus. É nessa percepção que a alma nasce de novo, um renascimento que abre as portas do céu.
Essa é a ressureição. Ressurreição é quando nos elevamos àquela vida real, ao Verdadeiro Amigo, em que podemos confiar acima de todas as coisas e de todos os seres. Aquele que nunca muda, que sempre esteve conosco e que sempre estará.
Uma vez que você tenha entregado voluntariamente o seu eu limitado ao Ilimitado, você se regozijará tanto com essa consciência que não se importará em ser pequeno novamente. Então, a principal coisa a ser considerada é descobrir: “Quem sou eu? ” Quem você realmente é?
O que é o “eu”? Todo o processo espiritual trata sobre essa descoberta, o conhecimento sobre sua verdadeira identidade, sua identidade divina. E quando sua verdadeira identidade é revelada, o trabalho do caminho espiritual está feito.