A dopamina da vitrine. Por que queremos tanto antes de ter? Você já reparou que o tesão de comprar algo novo começa muito antes de você abrir a carteira?
Tipo, bem antes mesmo. É ali naquele instante glorioso em que você vê o bagulho, seja um celular, um tênis, uma viagem ou uma fry com 200 funções que você nunca vai usar. A mente já entra em modo delírio.
Imagina eu com isso. Meu Deus, isso vai mudar a minha vida. E detalhe, não vai, mas o cérebro tá pouco se ferrando para isso.
Ele só quer a dose de dopamina agora. O barato não é T. O barato é quase T.
É a fantasia. É o carrinho cheio no site, mesmo que você nunca finalize a compra. É o trailer do filme, não o filme, porque o desejo, meu amigo, é um filho da manipulador.
Ele te promete um paraíso se você só apertar comprar agora. E você aperta e se sente um Deus por 5 minutos. Depois volta a ser um mortal com boleto.
Isso tem explicação biológica. Claro. A dopamina, aquela química do cérebro que te dá sensação de recompensa, não dispara quando você consegue a coisa.
Ela dispara antes, quando você acha que vai conseguir. É a antecipação, a expectativa, o flert com a possibilidade, tipo aquele momento em que a Crush ainda não respondeu e você tá ali todo elétrico sonhando com futuros que nunca vão acontecer. Quando ela responde RS, tudo morre.
Agora pensa num marketing. Um marketing vive disso, de inflar sua cabeça com ideia de que a próxima coisa vai resolver sua vida. O próximo celular vai fazer você mais produtivo, não vai.
A nova calça jeans vai te deixar mais sexy e também não vai. O tênis com gel quântico vai melhorar sua corrida. Você nem corre, mano.
Mas mesmo assim você quer, porque o desejo não precisa ser racional, só precisa ser sedutor. E olha como somos otários. A gente sente culpa por querer.
Ai, eu não devia gastar com isso. E sabe o que isso faz? Aumentar mais ainda o tesão de T.
Porque a proibição também é afrodisíaca. É como querer um doce durante a dieta. O doce nunca, o doce nunca foi tão sexy.
A regra é clara. Se é difícil de ter, é mais gostoso de desejar. A real é que a vitrine não vende produto, ela vende promessa, vende a ideia de que a vida vai ser melhor com aquele objeto, que você vai ser mais feliz, mais amado, mais E enquanto você acredita nisso, você continua correndo atrás de coisas que nem sabe sequer de verdade.
Pois no fundo o que você quer mesmo é aquele arrepio mental de tá chegando, tá vindo, vai ser meu. Adivinha? Quando vira seu, já era.
A mágica evapora e você já tá desejando a próxima coisa. Comprei. E agora o vazio do pós-clímax capitalista.
Você apertou comprar, a encomenda chegou, você abriu o pacote com aquele misto de empolgação infantil e orgulho de adulto funcional. Segurou o objeto, cheirou, testou, vestiu, ligou. A sensação foi boa por tipo 12 minutos e aí bateu silêncio, aquela pausa desconfortável, tipo aquele momento depois do wuk vuk quando você percebe que não era amor, era só carência com hormônio.
Esse é o famoso pós-clímax capitalista, aquela bedzinha que surge depois de realizar um desejo de consumo. É como se o cérebro dissesse: "Parabéns, campeão, agora você tem o que queria. Vamos voltar à programação normal, o vazio.
Porque convenhamos, ter é infinitamente menos excitante do que querer. Aquele novo celular que você esperou ansiosamente, em três dias já virou extensão da sua mão suada. O tênis novo tá jogado num canto, meio sujo, meio sem alma.
A bolsa que te prometia status, agora é só um pedaço de couro com uma logo estampada. Tudo que era mágico vira paisagem. Tudo que era sonho vira coisa.
E aí vem o looping mental. Mas como assim? Eu não tô feliz.
Eu devia estar feliz. Eu queria tanto isso. Claro, você queria, mas o sistema não foi feito para você estar satisfeito, foi feito para você querer mais.
A satisfação é um erro de sistema, um bug. O capitalismo não sabe o que fazer com gente satisfeita. Gente satisfeita não consome, então você começa a inventar novas vontades.
Você vai do, caraca, que essa TV 4K para o E se eu colocasse uma sound de bar em três dias do Preciso desse casaco para esse casaco pede uma bota nova antes mesmo de sair de casa e quando você percebe tá preso numa esteira de hamster emocional correndo atrás da próxima dose de prazer efêmero, se perguntando por diabos tudo que você tem parece perder a graça tão rápido? E sabe o que é mais cruel? A culpa.
Você se sente ingrato por estar entediado com algo que queria tanto. Você olha pro seu guarda-roupa, pro seu quarto, cheio de coisas, e pensa: "Eu devia estar satisfeito". Mas não tá.
Porque, como eu disse, satisfação não vende. O tédio é o combustível do consumo. É o buraco que o mercado cava em você só para poder te vender a pá.
Então, sim, você comprou. E agora? Agora você encara a verdade nua e crua.
A posse não resolve o vazio que o desejo prometeu preencher. Ela só empurra o problema paraa frente e o ciclo recomeça. Embalado em caixa bonita com frete grátis.
Síndrome da estante cheia. A ilusão da posse como identidade. Dá uma olhada em volta.
Vai lá para e olha seu quarto, sua casa, seu fundo de zoom. O que que tá ali exposto? livros que você não leu.
Aquele quadro com uma frase em inglês que você nem sabe de onde saiu. Cada objeto desses é mais do que a decoração. É sinalização social.
É um aviso silencioso. Olha quem eu sou, ou pelo menos quem eu quero que você ache que eu sou. A gente não compra só coisas, a gente compra versões de nós mesmos.
O cara que compra um MacBook quer ser o cara criativo, minimalista, tech. A mina que compra uma Fryy gourmet quer ser adulta funcional, saudável, que faz mil prep. O moleque que compra uma camisa de time europeu por R$ 500 quer se sentir parte de uma tribo.
Mesmo que nunca tenha chutado uma bola, a posse virou performance. É como se, em vez de construir quem somos com experiência, a gente terceirizasse isso pros objetos. Cada compra é um pedaço de personagem.
o intelectual, o viajado, o game raiz, a estética clean, é como se o que você tem dissesse mais sobre você do que o que você faz. E spoiler é exatamente isso que muita gente acredita. O problema, isso é uma armadilha, porque quando você coloca sua identidade em objetos, ela vira refém da atualização constante.
A estante nunca pode estar cheia o suficiente. Sempre cabe mais um livro, mais um vinil, mais um gued, mais uma desculpa para justificar quem você acha que deveria ser. E se alguém te tirar aquilo ou se aquilo perde o valor, você entra em pânico.
Por quê? Porque tá tirando um pedaço de quem você acredita ser. Perdeu o carro, crise de identidade.
Roubaram seu celular, parece que arrancaram sua alma. Acabou a bateria do smartwatch, você volta a ser um primata sem propósito. A ironia, quanto mais coisa a gente acumula para se definir, menos espaço sobra para simplesmente ser.
A identidade vira um depósito, um HD externo e entulhado de referências, estilos e tendências. E no fundo o que tá rolando é só um medo gigante de olhar para dentro e descobrir que sem os objetos você não tem a menor ideia de quem é. Essa síndrome da estante cheia é o sintoma moderno do tenho tudo, mas sinto falta de alguma coisa.
E falta mesmo. Falta você. Não a versão decorada, não um avatar montado em parcela de 10 vezes sem juros, mas a pessoa real que não precisa provar nada para ninguém com o que tem, porque tá ocupada demais sendo o capitalismo aplaude de pé quando você confunde ter com ser, porque enquanto você continuar achando que a próxima compra vai te deixar mais interessante, ele garante que você nunca pare de comprar.
Minimalismo ou marketing de culpa. A tentativa de curar o tédio com menos coisas. De repente, o mantra virou outro.
Menos é mais. Mas vamos ser honestos, para muita gente o minimalismo virou só mais uma capa bonita para esconder o mesmo buraco existencial de sempre. Agora, ao invés de empilhar coisas para se sentir alguém, você se livra delas, só que com a mesma intenção, preencher o vazio.
A diferença é que agora o vazio vem com um filtro branco no Instagram e legenda em letra cursiva. O minimalismo começou como uma resposta até legítima a um mundo entupido de tralha, onde ter virou obrigação e o consumo era praticamente um esporte olímpico. Mais rapidinho, como tudo nessa sociedade neurótica por tendência, o minimalismo foi sequestrado.
Virou produto, virou conteúdo, virou um lifestyle vendido em documentário da Netflix com trio instrumental e sala branca com uma planta só. E é aí que entra o marketing de culpa, porque a galera entende que o melhor jeito de continuar vendendo é te fazendo sentir mal por ter mais. Você comprou 30 livros e não leu nenhum.
Que vergonha. Essa sua estante cheia te define pobrezinho do seu eu autêntico sufocado pelas suas próprias aquisições. Resultado, agora te vendem caixas organizadoras, métodos de descarte, apps de produtividades e cursos sobre como ter menos.
A ironia, você consome para parar de consumir e tem mais. O minimalismo virou símbolo de status disfarçado. Aquela estética clean, com roupas neutras, móveis de design e uma parede branca.
Não é exatamente acessível para todo mundo. É tipo dizer, olha como eu sou desapegado. Com um celular de R$ 10.
000 que só tem três apps instalados, o minimalismo virou uma forma nova de performar superioridade. Agora não é mais olha tudo que eu tenho e sim, olha como eu sou evoluído por não precisar ter nada. Mas esse nada custou caro, tá bom?
Claro que tem gente que leva a parada a sério, que realmente simplifica a vida e vive melhor, mas sejamos honestos, isso é exceção. Para a maioria, o tal desapego é só mais uma tentativa de se sentir no controle, porque você se afogou tanto em coisas que agora tá tentando respirar com menos. Só que, mais uma vez, sem encarar o problema real.
Não é sobre o quanto você tem ou não tem, é sobre o por você sente que precisa de qualquer uma dessas coisas para se sentir inteiro. O tédio, o vazio, a inquietação, eles não somem quando você joga suas coisas foras. Eles só ficam ecoando mais forte nas paredes vazias.
Então, antes de seguir a próxima moda de ter menos, vale se perguntar: "É sobre liberdade ou só mais uma prisão com estética escandinava? Quando ter vira prisão? " dívidas, obrigações e a coleira do consumo.
Tem uma hora em que o eu mereço vira me lasquei. Você achou que estava no controle, que estava só se presenteando? Eu trabalho tanto.
Eu mereço essa TV de 75 polegadas que parece um teitor no meio da minha sala. Mas aí o cartão estoura, o limite evapora e você se vê negociando com um banco como se estivesse devendo pra Jota. Bem-vindo à prisão do ter.
Aqui o jogo vira. O que era prazer virar obrigação. Aquela compra inofensiva se transforma em parcela.
A parcela vira boleto. O boleto vira dor de cabeça. E antes que você perceba, tá vivendo para pagar coisas que ironicamente você nem sente mais que são suas.
Você virou sócio da fatura, sócio minoritário, diga-se. O capitalismo é mestre nisso. Ele te dá liberdade de escolha, mas com uma coleira invisível chamada dívida.
Você pode ter o que quiser, desde que pague com seu futuro. Parcelamento em 12 vezes. Parabéns, você acabou de vender um ano da sua vida para um objeto que provavelmente vai estar ultrapassado antes da última prestação.
E sabe o que é pior? Você se acostuma, começa a girar pratos, paga o cartão com empréstimo, paga o empréstimo com o 13º, paga o 13º com a restituição do imposto. Sua vida financeira vira uma espécie de mágica trágica, onde nada realmente é quitado, só empurrado.
E tudo isso para manter uma ilusão de sucesso, de progresso, de que tá vencendo na vida, quando na real você tá só afundando com o estilo. E não é sobre grana. Ter também vira prisão emocional.
Você compra um carro e agora vive refém de PVA, seguro, manutenção, estacionamento. Compra uma casa e passa a vida inteira pagando juros. Compra uma roupa cara e depois não usa, porque tem que ser a ocasião certa.
Você compra liberdade e recebe em troca responsabilidade, ansiedade e o medo de perder o que tem. Porque aí vem outro veneno, o medo da perda. Quanto mais coisas você tem, mais você tem a perder.
E quando a posse te possui, qualquer ameaça aquilo vira ameaça a sua paz. Você não é mais dono das coisas, elas são donas de você e o sistema aplaude. Porque enquanto você estiver correndo para pagar, consertar, manter e proteger o que comprou, você não vai parar para pensar se precisava mesmo daquilo.
Você vai continuar girando, comprando, se endividando, acreditando que tá vivendo, quando na real só tá tentando sobreviver ao que o seu próprio desejo te meteu. Então sim, ter pode ser uma delícia, mas quando o preço é sua liberdade, seu sono, seu salário e sua sanidade, vale perguntar quem é que tá realmente mandando na sua vida a arte perdida de querer o que já se tem. Em um mundo onde todo algoritmo é programado para te lembrar de que você ainda não tem, existe uma arte quase extinta, tão rara quanto uma ligação que não seja cobrança.
A arte de querer o que já é seu. Parece simples, mas não é. Porque a lógica do consumo eterno é uma máquina de moer gratidão.
Ela te ensina desde cedo que o novo é melhor, que o agora é pouco, que o próximo é sempre mais interessante. Resultado, você vive cercado de coisas que já quis muito um dia, mas que agora só servem para juntar poeira enquanto você sonha com a próxima merda cara que viu no TikTok. A real é que a gente desaprendeu a olhar pro que nós temos com gosto, com vontade.
Você olha pro seu celular e só vê o modelo antigo. Olha pro seu relacionamento e só vê as falhas. Olha pro seu corpo e só vê o que falta.
O que você tem hoje e agora, nesse exato momento, já foi alvo de desejo intenso. Mas seu cérebro, viciado em novidade como um rato em craque, simplesmente jogou isso fora na lixeira emocional do já tenho. Reverter essa lógica não é só rebeldia, é autodefesa psicológica.
Porque se você não aprende a valorizar o que tem, você vai passar a vida inteira correndo atrás do que nunca vai bastar. Sempre em modo falta, sempre insatisfeito. E quando a insatisfação vira estado permanente, você não vive.
Você consome existência como quem maratona série ruim, só para preencher o silêncio. A boa notícia dá para recuperar essa arte, mas exige esforço, porque nadar contra o tsunami do marketing é um exercício de presença quase zen. E de novo, não tô falando de virar um monge, fazer jejum de internet ou morar numa cabana.
Tô falando de olhar ao redor, respirar fundo e pensar: "Eu já tenho muita coisa foda. " Talvez eu só não esteja prestando atenção. O que isso significa na prática?
Significa pegar aquele livro parado na estante e reler com outro olhar. Significa redescobrir sua playlist de 2018 e perceber que ela ainda é uma obra prima. Significa usar a roupa boa para ir ao mercado.
Não só para ocasiões especiais que nunca chegam. Significa viver com o que você tem como se fosse novo de novo. Não por obrigação, mas porque você escolhe encontrar valor ali.
Não é sobre se contentar com pouco, é sobre parar de ignorar o muito que já existe. Não é sobre ser zen minimalista, é sobre ser esperto o suficiente para não virar escravo da próxima promessa de felicidade embalada em 10 vezes sem juros. Porque no final das contas a liberdade que todo mundo busca pode estar exatamente naquilo que a gente mais negligencia.
o agora, o presente, o que já é seu. E talvez, só talvez, o segredo não esteja em querer mais, mas em querer melhor. Ja.
[Música] [Música] Oh. Yeah.