Boa tarde a todos! Sejam muito bem-vindos para mais um Caravelas Podcast. Hoje, tenho o prazer de receber o Dr. Milton, do Piauí. Antes de iniciarmos nossa conversa, vamos aos patrocinadores. Nossa editora, Caravelas, acabou de lançar o título "A Guerra Fria Sem Mitos" e estamos na promoção até o dia 19 de dezembro. Ao comprar o livro, ganha o curso de Primeira e Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria. Então, não perca a oportunidade de adquirir esse livro com desconto e ainda ganhar esses três cursos! A promoção vai só até o dia 19 de dezembro, hein?
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Leonardo Neiva e para o Wilson Ambros, dois amigos que não perdem um programa seu! Ah, obrigado! Um abraço aí para eles. Então, conta um pouco da sua trajetória, qual é o seu interesse nesse assunto. Quiser falar um pouco do Piauí também? Ah, tranquilo! Professor, eu sou da história do direito. Eu leciono História do Direito, inclusive na Universidade Estadual do Piauí, né? E meu grande interesse são aqueles séculos que os historiadores conhecem como a Era do Renascimento Bolonhês. O Harold Berman chama de Revolução Papal, mas é aquele período em que há uma transformação do papado no
que Berman define como o primeiro estado moderno. Ele diz: "Olha, o primeiro estado moderno é o papado". É o primeiro estado que cria uma estrutura tributária, um tribunal, e é o primeiro estado em que os delegados do Poder Central têm mais poder que os poderes locais. Essa transformação vai acabar impactando também nos demais estados, né? E a proliferação da ideia de lei vai se transformar. A ideia medieval de lei nada tem a ver com a ideia renascentista de lei, né? Para um santo como Isidoro de Sevilha, por exemplo, a lei era a constituição do povo,
ou seja, a lei era um fenômeno social que era regulamentado pelas autoridades, né? E a partir de 1075, o "Dictatus Papae" talvez seja a primeira lei moderna. A lei passa a ser uma decisão da autoridade que se impõe a todos igualmente e é reforçada por ameaças, né? Então, o direito está em franca transformação. E meu interesse de estudo é desse período, justamente. Ah, muito bom! E você é da família do Piauí mesmo? Minha mãe é do Piauí e meu pai é pernambucano. Ah, muito bom! Tem um sotaque um pouco diferente, já que eu fui criado
aqui no interior de São Paulo, em Piraçununga. Ah, mas nasceu no Piauí? Nasci no Piauí e depois vim para São Paulo. Ah, que bom! Então vamos lá. Vamos falar então da Inquisição, né? Por que, quando ela surgiu, por que ela surgiu? Professor, assim, uma certa jurisdição sobre a heresia sempre existiu na Igreja, né? Mas os historiadores falam em três inquisições: a episcopal, a inquisição papal e as inquisições estatais. A inquisição episcopal era uma certa jurisdição que os bispos tinham sobre as heresias. Ela é bem difusa e até inoperante em certo sentido; não conseguiu evitar as
grandes ondas de heresia. A inquisição papal começa mesmo formalmente em 1215, em Latrão IV. Depois, temos as inquisições estatais, notadamente a espanhola e a portuguesa, que são do final do século XV. Eu só quero saber como a inquisição papal surge. Sim, bom, ela faz parte, como eu disse, de um certo movimento de centralização do poder papal. Ela coincide com o início das universidades, com uma intensa atividade legislativa por parte do papado, especialmente durante o papado de Gregório IX. E coincide também com a redescoberta do "Corpus Juris Civilis" que estava desaparecido e começou a ser estudado,
e com a influência do Direito Romano sobre os juristas de Bolonha. Ela vem nesse período e faz parte de uma transformação completa do poder papal. O Papa realmente ganha jurisdição num momento muito oportuno, porque as heresias estão se tornando cada vez mais perigosas socialmente, como a dos cátaros. O senhor sabe bem que a Cruzada, como é chamada, causou mais de 60.000 mortes, né? Mas gerou muito mais que a inquisição. Há como se comparar? Quiser falar um pouco da heresia? Pode falar dos cátaros. Ah, o catarismo era uma reedição do maniqueísmo. Para os cátaros, havia dois
Deuses: um Deus bom e um Deus mau. Você me corrija se eu estiver errado. O demiurgo do bem seria aquele Deus do Novo Testamento, que era pura transcendência. O demiurgo mau era o Deus do Velho Testamento, que havia criado as coisas. Então, o pensamento deles era marcado por uma separação muito forte entre o material e o espiritual, e começaram a radicalizar no sentido de ter jejuns e condenarem a gravidez, a ponto de incentivarem o aborto e coisas desse tipo. E essa heresia tornou-se imensamente influente, entre outras coisas. Porque os cátaros, eles inspiravam muito a população
pobre, né? Foi um período de uma certa crise da Igreja, né? E uma crise moral na Igreja, e as pessoas se viam muito naqueles cátaros, que eram abnegados, que comiam pouco, se vestiam mal, etc. Então, isso foi atraindo muitas massas. Até em resposta a isso, a Igreja teve um importante renascimento com as ordens mendicantes, né? Realmente, acabou que esse catarismo levou a uma reação da Igreja que foi muito importante, né? As pessoas começaram, já que São Domingos pregou contra os cátaros, né? Isso pouco funcionou, na verdade, né? As pregações funcionaram muito pouco, né? As pessoas
estavam realmente enfeitiçadas e isso atraiu pessoas importantes, pessoas dentro das cortes nobres, né? Isso culminou com uma cruzada, né? E o epicentro lá do catarismo era Albion, e Albion foi massacrada, né? E, curiosamente, os cátaros também eram vegetarianos, etc. Não tinha toda uma... Então, eles foram facilmente derrotados pelas forças regulares, né? Principalmente pelos nobres da Bretanha, né? Que eram pessoas muito, muito, muito fortes, muito rústicas. Demônia, forma! Exatamente, exatamente. Eles foram massacrados, né? Falam-se em 60.000; é uma lenda. Hoje se questiona muito, dizem que não é verdade que teriam perguntado ao legado do Papa quem
eram os cátaros e quem não eram, e ele teria dito: "Não mate todos, e Deus saberá quem são os seus." É uma frase até que, na época, seria compreensível, mas é provavelmente uma fraude histórica, mais uma fraude histórica F.R., não tem sentido. Então, as heresias eram socialmente perigosíssimas, né? Elas eram, eh, e os príncipes começaram a tomar para si o combate às heresias, né? Então, leis à inquisição já previam fogueiras, né? Quer dizer, já havia o julgamento, só que era um julgamento feito por leigos, né? Julgamentos desastrados que continuaram, por exemplo, nós vamos até tratar
disso, eu vou no seu roteiro aí, nos países protestantes. Quer dizer, leigos julgando questões teológicas delicadas, né? Isso acabou muito mal, né? Coisa que a inquisição também buscou evitar. Bom, e aí, quando se instalou então a inquisição, que mudança houve? Então, o Papa, ele avocou então todos os julgamentos para ele, foi isso, e tirou do poder dos príncipes, é, para os seus delegados, né? Quer dizer, o inquisidor era um delegado do Papa. É claro que havia recursos que podiam chegar a Roma, né? A inquisição retoma o recurso, né? Que havia sido esquecido e, de certa
forma, civiliza também. A inquisição é o primeiro tribunal moderno irregular, né? Em que sentido? Primeiro, é o primeiro tribunal que tem uma forma fixa, certo? E, segundo, é o primeiro tribunal que busca reconstruir a verdade cognitivamente, quer dizer, ir atrás dos fatos, ouvir testemunhas, reconstruir o que aconteceu para tentar... com acusador, com defensor e o juiz claramente definido. Isso é o tri personarum, é criado pela inquisição, né? Inclusive, a figura de fiscal promotor, né? Que é o promotor de justiça hoje, ela é fundada pela inquisição. E a inquisição espanhola também é a primeira a dar
advogados para os réus pobres, tá? Por opção real, mas, mas voltando ao assunto, eh, se você pegar um processo como ele acontecia na Alta Idade Média, não havia nenhuma preocupação probatória, por exemplo. Então, eu chegava, sei lá, e dizia: "Ó, Marcelo furtou meu porco." O juiz te chamava: "Olha, furtou ou não furtou?" Aí, se você dissesse: "Furtei", fazia um acordo financeiro, estava resolvido. Aí, senão, duelo, né? Senão, duelo. Então, não havia, por parte da autoridade judiciária, nenhum esforço para descobrir o que aconteceu. Nada de investigação, nada disso, né? Nada. Tem um famoso processualista brasileiro que
diz assim: "A inquisição acabou com o processo que era equitativo." Era, realmente, cada um ficava com a espada, né? Quem matasse o outro, ganhou, né? Era bem, bem equitativo. E o processo penal romano, ele buscava reconstruir a verdade, só que ele não tinha forma fixa, né? Ele era um direito pretoriano. Quer dizer, cada juiz decidia a forma como ia colher a prova, se ouvia, se não ia... Então, não havia forma fixa. Então, o primeiro tribunal com uma certa teoria das nulidades é a inquisição, eh, com regramentos, com manuais, né? Com súmulas para guiar os inquisidores
em casos difíceis, com correções permanentes. Eles recebiam visitações para ver como é que o tribunal estava se portando, etc. Então, ele é um primeiro tribunal, mais ou menos, como a gente conhece hoje e que dava amplo direito à defesa, né? A ação do habeas corpus é equivalente. Dessa ou é na Península Ibérica? É, o habeas corpus, com esse nome, ele surge na Inglaterra, não? Mas com o conceito... O conceito é aragonês, mas ele precede a Aragão. Esse direito de ser levado ao juiz depois de preso, ele surge na Península Ibérica. A Península Ibérica, você sabe
bem, também surgiram várias cartas forais, né? À medida que os portugueses e espanhóis iam tomando as localidades, eles iam. E essas cartas forais eram sempre muito liberais, né? No sentido de liberalismo, como uma doutrina de limites ao poder estatal, né? Elas eram sempre muito liberais, né? Havia ali coisas interessantes, é, proibição de violação de domicílio, limitação tributária, né? E até o direito de ser ouvido por um juiz quando preso, etc. etc. Né? Inclusive, esse foi um dos problemas e um dos motivos da criação da Inquisição espanhola. Quando Fernando e Isabel tomam Granada, e etc., eles
têm ali um problema em mãos: eles têm um reino completamente dividido por uma malha de leis. Que são em cada lugar diferente e geram uma série de deveres ao senhor, né? Então, o primeiro tribunal nacional na Espanha é o Tribunal Inquisitorial, que é o tribunal real, e etc., né? Então, eles também... Mas voltando um pouco à questão papal, né? Nessa fase, é muito acusado os abusos das torturas, né? O que o senhor pode falar sobre isso? Só concluindo uma coisa que eu esqueci de mencionar sobre a Inquisição Papal: o cânone 18 do Conselho de Latrão
é aquele que define o processo penal moderno, né? Então, ele proíbe o duelo e proíbe as ordálias, os juízos de Deus. Exatamente, ele proíbe o ordálio. Então, muita gente confunde ordálio com tortura e fala que a Inquisição praticava ordálios. Não! A Inquisição é a abolição do ordálio, né? O ordálio é uma prova de sorte judicial, né? Então, em certa medida, a Inquisição desmistifica o processo judicial. O senhor perguntou sobre os abusos, as torturas, os abusos, a falta de liberdade de expressão, que é muito relacionado, injustamente, à Inquisição. Todos esses conceitos trazidos para o passado são
muito estranhos, né? Então, você... Ah, a falta de liberdade de expressão? Pô, uma coisa que já ninguém pensava, né? Outras pessoas dizem assim: “Não, a Inquisição feria a liberdade religiosa”, coisa que não havia em parte nenhuma. Ninguém pensava nisso, né? Em nenhum lugar do mundo. Nenhum lugar do mundo. Quando os hereges tomavam a cidade, eles matavam os católicos. Quando os protestantes venciam no local, eles também impunham o protestantismo. Então, essa liberdade religiosa não existia; havia uma guerra de sobrevivência, né? Quem vencia militarmente impunha sua religião, e era assim em todos os lugares, né? Como ainda
hoje é assim em alguns lugares, né? Mas, sobre a tortura, por exemplo, a Inquisição não inventou a tortura, obviamente, né? Tortura existia desde a Antiguidade, a tortura judicial, né? Mas a Inquisição colocou dois limites à tortura. Primeiro, a tortura na Inquisição é um instrumento processual, né? Ou seja, ele era usado para descobrir a verdade num caso. Tinha que ser repetida depois sem tortura, né? E ela só existia em uma sessão. Então, se o sujeito fosse torturado e negasse em juízo, essa tortura não seria válida. E ela era aplicada apenas como instrumento processual e não como
pena acessória, como uma pena corporal. As pessoas fazem confusão, né? De pena corporal com tortura. Isso as pessoas leem aquele comeo, “Se vigar punir”, em que o Foucault traz uma série de situações ali brutais, né? Mas ali são todas situações do estado moderno, né? Do Estado Absolutista moderno, notadamente o francês, né? Em que as penas corporais eram muito comuns, né? Inclusive, o esquartejamento, né? A exibição de cadáveres, etc. Nada disso existia na Inquisição, inclusive as execuções eram privadas, né? Aqueles quadros todos que nós temos de Santo Domingo presidindo um auto de fé, etc. Tudo isso
é uma licença artística que não aconteceu. Elas eram privadas. Então, sim, e quando é que eles se tornaram públicos, os autos de fé? Então, inicialmente, quando o inquisidor chegava na localidade, ele criava a chamada “período de graça”, né? Então, ele dava 30 dias em que as pessoas podiam procurar livremente para confessar heresias ou para dizer que estavam em dúvida; mas dizer: “Olha, tenho uma posição ou faço alguma coisa, eu tô em dúvida”, né? Então, durante esse período, não havia nenhuma pena corporal, né? Nenhuma pena grave; eram penas apenas e meramente religiosas. A partir de então,
era instalado o tribunal e esse tribunal recebia os casos, né? E julgava – eram processos sempre muito longos, professor, né? É até curioso porque, como sou especialista em Revolução Francesa, sabe que os julgamentos na Revolução demoravam 10 minutos, 15 minutos. A Revolução Francesa teve a lei dos suspeitos, né? Uma coisa completamente assustadora! Isso que é o primeiro caso na história do direito de inversão dos donos da prova, né? O sujeito tinha que ir lá e provar que não era. Provar que não era, na verdade, não adiantava nada; não adiantava, e ele era executado. Acabou isso.
E sempre uma coisa muito espetacularizada, né? Turb esperando, e parece que eles chegaram a executar 300 pessoas por dia, né? 300 pessoas é mais do que muitas inquisições de muitos países executaram, né? Me parece até que o Risb fala em 14, 12.000 pessoas em 14 meses durante o terror, né? É muito mais que a Inquisição. Na Inquisição, o executor não se sabe exatamente, mas se fala em 2% dos réus. Foram 150.000 processos inquisitoriais, então na faixa de 3.000 pessoas. É muito pouco perto dos milhões que as pessoas falam e tal. E também havia a execução
de bonecos, né? Execução em efige. Por que que faziam isso? Então, em geral, as pessoas respondiam o processo em liberdade, boa parte delas, né? Se falava em emparedamento, né? Que muita gente fala: “A Inquisição parava as pessoas”. Não era a prisão, né? A prisão em regime fechado era chamada de emparedamento e também era chamada de prisão perpétua, quer dizer, aquela em que você via apenas assim: prisão perpétua por quatro anos? Como assim? É que o cara ficava preso. E havia a prisão de muros largos, que era a prisão domiciliar. Então, era muito comum que o
réu fugisse, né? E aí, depois de fugido, ele era queimado em efige, simbolicamente, né? Para dizer que ele estava anátema, né? Isso acontecia muito. Na verdade, em muitos casos, se queimava mais efige do que vivos. Isso daí contaminava os números também, exatamente, muito, muito sim. Então, nós vemos que, na realidade, a Inquisição, ela estabeleceu ordem nos tribunais e deu ampla defesa. Para as pessoas, as execuções foram exceção; só 2% dos casos. E por que ela ficou com essa fama tão ruim? Bom, houve várias ondas, né, de difamação contra a Inquisição, né. A primeira delas foi
holandesa, né, e teve como alvo lá o rei Felipe I. Né, o rei Felipe I, até ópera fizeram contra ele, etc. Então, os holandeses tentaram, enfim, atacar esse soberano de forma muito intensa. Depois, esses casos voltaram aí com o Iluminismo, né, com Voltaire, etc. E depois Napoleão arrumou um camarada lá chamado Lorente, que foi o último secretário da Inquisição espanhola, né. Esse sujeito, ele era maçom, né, embora fosse padre, e ele escreveu uma história da Inquisição. E essa história da Inquisição é bem generosa em números, né. Por exemplo, ela informa que só em Sevilha mataram
35.000 pessoas. É muito mais que a população de Sevilha naquela época, né. Então, os números são muito inflados. E depois, outras ondas, né, os marxistas, depois Hollywood, né, e enfim, tá sempre aí. É aquele caso falso, né, de queimar bruxas; a Inquisição via bruxas para todo lado e tal. Pois é, um dos méritos da Inquisição foi acabar com a caça às bruxas, certo? Isso é uma coisa interessante. A Inquisição, ela racionalizou muito a violência comunitária. Os hereges eram muito caçados pela comunidade; se o sujeito era suspeito de uma heresia, suspeito de uma bruxaria, quase sempre
ele era linchado, certo? A Inquisição serviu ali como amortecedor social. E muitas das reclamações contra a Inquisição eram justamente de que ela era benevolente, né? Por exemplo, o rei Carlos, que sucedeu o rei Fernando, ele não queria inquisidores nomeados pelo Papa; ele queria inquisidores nomeados por ele, porque ele sabia que os inquisidores papais eram mais lenientes. Então, o fenômeno das bruxas sempre foi tratado com muita cautela pela Inquisição, né? Muita cautela. Um inquisidor, o Frias, né, ele salvou cerca de 2.000 pessoas suspeitas de bruxaria, mas ele viu que havia muitas investigações erradas, muitos problemas, né.
O número de bruxas queimadas pela Inquisição é irrisório. É uma coisa assim: em Portugal, 34; na Espanha, 80; na Itália, 10. Uma coisa desse tipo você não dá 150 pessoas. Já na Inglaterra, se matou mais de 30.000 bruxas, né? Autoridades seculares, exatamente. Nos Estados Unidos também houve muitas; na Suíça, mais de 6.000, né? Teve um cantão em Friburgo, na Suíça, em que 10%, em uma ocasião, 10% das mulheres foram mortas por bruxaria, tá? Então, durante o período calvinista. Então, antes da gente chegar na Inquisição protestante, vamos falar de alguns casos famosos. Santa Joana d'Arc, por
exemplo, esses casos, né, todo mundo fala: Galileu, Giordano Bruno, são... E o tribunal da Joana d'Arc não era exatamente um tribunal inquisitorial, né? Era um tribunal feito por cléricos, comandado pelos ingleses, né, em que nenhum dos regulamentos da Inquisição foi respeitado, né? Inclusive, não permitiram nenhum direito ao recurso, né? Então, houve ali um tribunal para duplo grau de jurisdição. Na Inquisição, na verdade, um triplo grau, né? Porque havia as Inquisições locais, havia a suprema, no caso da Espanha e Portugal, né, que era uma espécie de tribunal de justiça, e de lá era possível recorrer ao
Papa, tá? Então, havia três graus de jurisdição, né? Mas sempre chegava no Papa ou não. Coisa para "nada deve ser exato", né? Tinha que haver... tinha que haver... não poderia haver unanimidade; com unanimidade, não chegava ao Papa. Tinha que haver um descenso, né, para chegar ao Papa. Então, o tribunal de Joana d'Arc foi ali um tribunal forjado para matar aquela moça, né, por outros interesses políticos, né? E ela não teve direito a apelar, recorrer e fazer nada, não. Não. E o caso dos templários? Ah, mas é muito parecido, né? Quer dizer, o caso dos templários
ali foi um arranjo real, né? E os templários também não... o julgamento foi totalmente atropelado; foi uma coisa, né? Quem teve bastante... quem foi julgado pela Inquisição efetivamente foi Galileu e Giordano Bruno, né? Então, na sua visão, D. Galileu foi inocente? Então, ah, eu não sei; eu não conheço a fundo o caso, mas eu sei que foi um julgamento muito abrupto, né? Eles prenderam 5.000 pessoas, parece, de um dia para a noite, né? Parece que faltaram cadeias, inclusive, para prender as pessoas, e foi um julgamento totalmente precipitado, né? Eu não conheço muitos detalhes do julgamento
de Galileu, mas você disse que foi um julgamento rápido ali, um julgamento relâmpago, sem a marca do julgamento inquisitorial, que é justamente essa cadência, essa lentidão. Quanto tempo demorava um processo, né? O regular na Inquisição podia chegar a 20 anos, né? O de Galileu chegou a 21 anos; 21 anos de processo é claro. Um dos abusos da Inquisição isso não... não se pode negar, é que muitas pessoas ficavam presas durante o processo, né? Isso realmente... a pessoa era inocente sem ser julgada e perdeu muitos anos. Exato. Exatamente. Mas você quer que eu fale do caso
Galileu, né? Isso. Tá, o caso Galileu também é um caso que se quer dar a roupagem de que a Igreja perseguia a ciência, né? Coisas desse tipo, né? Mas se você ver as próprias representações pictóricas, você tem sempre Galileu ali, jovem, né, enfrentando os inquisidores, ele na luz, os inquisidores nas trevas, né? Mas a verdade é bem diferente, né? Ele foi preso por questões teológicas, na verdade, né? Preso entre aspas, que ele ficou em murros largos, né, em palácios, né, sendo visitado, trabalhando normalmente, né? E o primeiro problema dele... Relacionado lá ao heliocentrismo, né? Que
se pediu de Galileu, que ele, ele primeiro publicou sobre heliocentrismo, né? Ele tornou essa tese popular, diga-se de passagem, uma teoria errada, né? Errada. E que, mesmo que a Terra gire em torno do Sol, ele não tinha, o Sol não é o centro do universo; isso não é o centro. Mas, mesmo disso, de que a Terra era móvel, ele não tinha provas, né? A prova de que a Terra era móvel só apareceu no século XIX com o pêndulo de Foucault. Então, ele não sabia disso; ele não tinha como provar isso. E ele foi o inquisidor
dele, foi o Roberto Belarmino, né? O Grande Santo, Grande intelectual, e ele alegou isso. Falou: "Olha, você não tem provas, né? Você deveria falar disso como hipótese." Era permitido dentro da cristandade, dentro das igrejas, aliás, desculpe, dentro das Universidades Católicas tratar disso como hipótese. Então, por exemplo, Copérnico, que é o pai da teoria, era um padre e era professor na Universidade Católica; nunca foi processado pela inquisição. Nunca foi processado. Kepler, quando ele foi perseguido no mundo protestante justamente por professar o heliocentrismo, ele vem para dar aula em Pádua por intercessão de Galileu. Quer dizer, Galileu
coloca ele na universidade católica e depois ele leciona também em Salamanca, mas sempre tratando como hipótese, que era o que era na época. Lembrando que Lutero era contra o heliocentrismo, né? Ahim! Muita gente foi perseguida no mundo protestante pelas mesmas coisas de que se acusa a igreja de ser intolerante, quanto que o mundo protestante odiava a teoria, no começo, né? Teoria do heliocentrismo, exato, exatamente. Então o próprio Kepler lecionou tranquilamente nas universidades católicas, né, fugindo do mundo protestante. Mas Galileu, não satisfeito com divulgar em língua corrente essas bravatas, né, ele começou a satirizar o Papa,
acho que o Urbano VIII. Ele escreveu um livro em que havia um personagem lá que era o Inocêncio, né? Só perguntando besteiras, ele coloca várias frases do Papa na boca desse personagem e fica tudo muito claro; ele realmente é preso, né? Mas ele é preso com toda a dignidade. Ele tinha uma filha freira, ele também teve contato com a astrologia, também com misticismo, sim, sim. Não, ele divulgou uma série de heresias graves, né? Ele não acreditava na transubstanciação; ele divulgava várias. Ele teve muitos problemas teológicos, né? Já o Jordano Bruno, os problemas dele são só
teológicos; ele não era cientista coisa nenhuma, não era filósofo coisa nenhuma. Ele era, na verdade, um hermetista. Se não me engano, surgiu um livro há um tempo atrás que acusou ele de ser espião, né? Ah, sim, ele entregou vários católicos na corte de Elizabeth I, né? Ele foi responsável pela morte de muitos católicos que o procuravam porque ele era sacerdote, etc. E ele entregava as pessoas por dinheiro. Ele tinha uma vida muito controversa, né? E realmente era um ocultista, era um alquimista. Ideias horrorosas, é. E ele dizia, ele dizia, por exemplo, que Cristo não era
Deus; não era Deus. Tudo isso ele dizia e manteve, né? Mesmo sob julgamento, ele se retratou de muitas coisas; o Jordano Bruno nunca, né? E ele acabou realmente morto pela inquisição. Mas quanto tempo durou o processo do Jordano Bruno? Ah, o Jordano Bruno foi mais rápido, foi mais rápido. O Galileu atrasou o processo dele com inúmeros atestados médicos; ele foi prolongando, dizia que estava doente, ele já estava velhinho. Ele foi levando, né? Foi levando. Curiosamente, ele era muito popular entre os jesuítas do Observatório Vaticano. Então, os caras faziam comitivas para ele, para conversar com ele,
e gostavam muito da figura dele. Um tempo ele ficou, inclusive, na casa do inquisidor Roberto Belarmino; ele ficou hospedado lá por mais um ano e lá ele recebia visita de cientistas católicos, né, que queriam discutir lá as ideias dele. Isso é uma coisa engraçada, então ele ficava na casa do inquisidor; uma coisa impensável, né? Pois é. Por isso, com isso, acusando a igreja de intolerante e tal. Uma outra acusação bem injusta e completamente sem sentido é falar que a inquisição perseguiu os judeus, né? Essa, essa é muito comum, né? Até no vídeo, eu olhei o
nosso vídeo antes de começar, já tinha uma pessoa falando disso lá, né? Na realidade, a inquisição só tinha jurisdição sobre católicos, né? Ou melhor, vou até me retificar: sobre cristãos batizados. O batizado fazia a jurisdição na inquisição, né? E qualquer batizado era aceito. Então, por isso, os protestantes também estavam sobre a jurisdição da Santa Inquisição, mas não havia, de maneira nenhuma, uma perseguição sobre os judeus. O que aconteceu foi que, quando houve a expulsão dos judeus da Península Ibérica, houve muitas falsas conversões, né? Da Península Ibérica, não da Espanha, melhor dizendo. Muitas falsas conversões e
a falsa conversão, sim, era objeto da investigação inquisitorial. Então houve, durante um curto período, uma perseguição grande aos chamados marranos, que eram os falsos conversos. Isso teve no Brasil também, isso e foi muito intensa. Mas, na verdade, uma das maiores comunidades judaicas da Europa era em Roma. É até curioso; os judeus ricos que fugiam iam para a Holanda, iam para Milão ou iam para Veneza; os judeus pobres não eram aceitos, eles iam para Roma. Então era uma grande comunidade pobre, né, debaixo do nariz do Papa, né? E sem nenhum problema, né? Sem nenhum problema. Tanto
que a inquisição romana, ela quase não julga judaísmo, né? Ela julga mais protestantismo. Quase não há processo sobre falsos conversos lá. Isso é um fenômeno muito espanhol, né? E repito, de um tribunal. Estatal não era um tribunal da igreja; era um tribunal que funcionava autorizado pela igreja, mas era um dos conselhos do Rei. Era um dos conselhos do Rei. Aí não, inqu também fala um monte de mentira, também, né? Tudo igual. Ah, sim, é curioso, porque uma vez eu abri um livro, um livro assim, "Diário do Diabo", uma coisa assim, um livro de humor, e
o Diabo diz assim: "Consegui um grande ajudante, um freio chamado Torquemada. Ele vai me ajudar porque ele está aí." Quando a gente vai observar a vida do Torquemada, Historiadores, eles fizeram 30 conferências; foram publicados em 2002. Não existe em português ainda. Acho que um dos motivos é porque ela está em vários idiomas, cada um fez no seu idioma, né? E é até curioso: esse livro, por exemplo, não tem na PUC. Eu sempre brincava: se fosse um livro dizendo que eram milhões de mortes, tinha, tinha, tinha. Procurei e não encontrei. E lá tem um artigo de
um historiador sueco sobre as bruxas. Só sobre as bruxas! Eu esqueci, é Gustav, coisa com H, me esqueci. Mas lá ele mostra a diferença: na Inglaterra foram 25.000 pessoas mortas por acusação de bruxaria, é muito mais do que a Inquisição. Em toda sua história, somando tudo, não chegou a matar 25.000. E só na Inglaterra foram 25.000 cruzados de bruxos em um curtíssimo período, período muito curto. As próprias perseguições que aconteceram depois que Henrique VIII fundou a Igreja Anglicana mataram mais do que a Inquisição. Só aquele pequeno episódio de perseguição religiosa, curto, vitimando pessoas ilustres, como,
por exemplo, Thomas Morus. Aqueles pequenos episódios ali sempre eram como a Noite de São Bartolomeu: matou mais que a Inquisição, a Cruzada da Oblação e por aí vai. Então, esses pequenos episódios, sem a intermediação de um tribunal, geravam milhares de mortes em pouquíssimo tempo. E na Dinamarca? Cheguei a estudar sobre a Dinamarca. Os católicos sofreram lá e acusaram o rei, lá, não lembro quem que era, de Nero da Dinamarca, de tão brutal que foi. Se não me engano, Maria, eu não lembro os números. Isso foi brutal! Onde a gente vê essa perseguição. Olha, foi de
crueldade acima de crueldade, isso não é divulgado. É impressionante. Quando se fala em perseguição religiosa, se fala automaticamente em Inquisição. É inquisição. Len Strek, aquele famoso jurista, no programa, ele colocou as bruxas de Salém na conta da Inquisição, que não tem nada a ver. Você chegou a ler aquele livro "O Tribunal da Misericórdia"? Eu li. É um livro bom, que ele pesquisou tudo. É um livro um pouco apaixonado. Ah, pode comentar um pouco sobre ele então? Não, ele é um livro apaixonado. Ele faz alguns exageros, né? Por exemplo, um deles é dizer: "Olha, a Inquisição
não matou ninguém, porque a Inquisição fazia era entregar ao braço secular, e a heresia era crime passível de morte pelo poder secular". Então, a Inquisição não tem responsabilidade. Isso é um exagero. Porque se ela entregou, é porque você entregar sabendo. É claro. Então, ele é realmente um grande pesquisador, eu sou impressionado com a quantidade de livros que ele leu, etc., mas ele é um livro bastante... vou advogar pra igreja aqui agora, né? Mas é um excelente livro, sem dúvida, sem dúvida nenhuma. Eh, vamos agora fazer um paralelo da Inquisição com o inquérito policial julgamento de
hoje. Uhum, bom, quem inventou o inquérito foi a Inquisição, certo? E a Regine Pernold afirmou que o mérito da Inquisição foi ter acabado com o sistema de acusação. Como é que funcionava o sistema de acusação na Alta Idade Média? Todo processo tinha um acusador que era o vozeiro, né? Que era o dono da causa. Geralmente, por exemplo, no caso de um homicídio, a herança vinha com a responsabilidade de você cobrar o assassinato. Então, ela era parte da herança; o direito de reclamar o morto era parte da herança. E o processo se desenrolava entre essas duas
partes. O juiz era um mero árbitro ali no sistema acusatório, e esse processo poderia redundar na morte de um dos contendores ali, num duelo judicial. Era possível desafiar o juiz para um duelo. O juiz, também, o que Montesquieu chamava de "apelação dos bárbaros", chamava testemunhas para o duelo, submetia as testemunhas a ordálios. Tudo isso era possível no direito da Alta Idade Média. Então, a Inquisição cria um procedimento preliminar para averiguar a autoria e materialidade. Então, a pessoa é bruxa, ela sumiu com a criança. Ok, traga a família da localidade de onde uma criança sumiu. Ah,
não tem. Então, caso encerrado. Você vê, por exemplo, a quantidade de processos que Bernardo Egi, que é o inquisidor considerado mais cruel porque era um ex-cátaro, a quantidade de inquéritos que ele arquivou é uma coisa absurda. Então, você começava com o período com o inquisidor colhendo as provas, preparando o caso. Aí, só depois, que não... a coisa é quente. Agora, vamos citar o réu. E aí, o réu era citado para se defender, etc., como no processo de hoje. Então, esse procedimento preliminar é uma contribuição da Inquisição para o direito. O inquérito, na verdade, professor Marcelo,
a Inquisição é o nome do método. É o método inquisitório, que nada mais é do que um método científico; é o método de construir um conhecimento por perguntas e respostas aplicadas ao direito. Então, Inquisição é o método. Na Inquisição, era só testemunhal. Eles tinham alguma coisa de tentar um outro tipo de prova ou não? Não, todo tipo de prova. Inclusive, eu vi especialistas, inclusive aqui, um especialista. O cara podia vir para falar. Tem um pesquisador chamado Alécio Nunes Fernandes, é da UnB. Ele defendeu o doutorado recentemente, e o doutorado dele é interessantíssimo, professor, porque na
Inquisição espanhola, a defesa era obrigatória a partir de certo momento, mas nas outras não. E o que ele mostra... É a hipótese dele, que, a meu ver, ele... Provou na tese que, quando o réu não tinha advogado, ele era mais absolvido. E por quê? Porque o inquisidor se preocupava em testar as provas da acusação e tentar refutá-las. Inclusive, isso é obrigação regimental, né? Se você olhar lá o Título IX, parágrafo IV da Inquisição Portuguesa de 1640, ele fala expressamente que, quando não houver provas suficientes em favor do réu, o inquisidor deve esforçar-se para buscar mais.
O acusador é exatamente isso: não, o acusador não, porque havia fiscal em Portugal, havia fiscal, havia o promotor, mas o inquisidor, né? O julgador, ele tinha que buscar prova para suplementar. Isso era dever regimental. E as pessoas preferiam, então, não ter advogado; como é que era, já que eram mais absolvidas? Que não tinha? Aí é difícil saber, né? A gente não sabe se as pessoas que procuravam advogado eram as que estavam mais enroladas ou se... é difícil saber. Mereceria uma boa pesquisa, né? Mas, enfim, isso é uma coisa bastante interessante, né? Como é que foi
a Inquisição Portuguesa e a Brasileira? A Inquisição Portuguesa foi dura, como não, tanto quanto a espanhola, mas ela foi bastante dura. Agora, ela tinha algumas peculiaridades, né? Uma delas é que, em Portugal, o inquisidor tinha que visitar o cárcere a cada 10 dias para ver como estavam os presos e oferecer conforto espiritual, tomar confissões, conversar com os caras, né? Eh, o Brasil não teve tribunal inquisitorial. O Brasil teve algumas visitações, né? Teve uma em Mariana, teve uma no Pará, né? Mas pouquíssimos casos julgados. Até as condenações que houveram no Brasil foram reformadas lá na Suprema
de Portugal, né? O braço da Inquisição era muito fraco. A ideia de que a Inquisição era um poder total é uma bobagem. Eu tive lá, professor Marcelo, eu estive em Cartagena uma vez, na Colômbia. Lá tem um museu da Inquisição assim, muito escandaloso, muito engraçado. Tem um pátio lá com a guilhotina. Aí eu cheguei perto e tinha lá: "a guilhotina foi inventada na França no século XVII e nunca foi usada pela Inquisição de Cartagena." Foi só no museu, né? Enfim, e lá em Cartagena foram 800 processos e cinco condenados. Tem lá uma estatística, né? E
isso é porque o museu tenta dizer que era terrível, né? Só lembrando, professor, que era uma época em que muitos reinos executavam as pessoas por furto, por exemplo. Você tem 800 processos por heresia e cinco executados, né? Foram 20 e tantos inquisidores nos anos que funcionou a Inquisição lá. Não sei se foram 28 inquisidores, uma coisa assim. Quer dizer, a maioria não executou ninguém. A grande maioria dos inquisidores não executou ninguém. Então, e foi assim na América toda, né? Eh, teve um caso... é, o caso Miguel de Leão. Aconteceu em Olinda. Miguel de Leão foi
acusado de sodomia. Esse é até outro ponto que eu quero tocar depois, professor, que nós vamos ver que, com o tempo, as acusações de heresia vão desaparecendo, e judaísmo também, e vai ficando mais bigamia, sodomia e crimes sexuais dos padres. Qual a razão que a heresia foi esquecida? O que aconteceu? Pois é, boa pergunta, professor. Eu acho que, como a Inquisição foi instalada para resolver certos problemas pontuais, com o tempo esses problemas foram deixando de existir e surgiram outros, né? Então, por exemplo, a questão judaica foi um período muito curto ali da Espanha, né? A
questão protestante foi ali em volta da Guerra dos Trinta Anos, depois acabou tudo, mudou, por aí vai. Ah, sim, do Miguel de Leão: Miguel de Leão foi acusado de sodomia, ele pediu um advogado. Foi dado a ele um frei franciscano, um dativo, e, se você lê os autos, você pensa que é um filme americano; ele sai desmoralizando as testemunhas de uma forma totalmente engenhosa. E, no final, ele absolve o advogado, que era um frei franciscano, e vai, muito habilidosamente, desmoralizando todas as testemunhas. E, ao final, Miguel de Leão é absolvido do delito de sodomia. Nesse
caso de absolvição, o acusador poderia recorrer ou não? Ou só quem era o acusado é que podia recorrer? É, só o acusado recorria. Tá vendo? É mais um direito do acusado. Outra coisa curiosa, professor: sodomia era só entre homens. Mulheres não, as mulheres não eram acusadas de homossexualismo. Coisa curiosa sobre a bigamia, professor. Eu não sei se é verdade. Falaram, talvez, se eu possa me ajudar, dizem que a Igreja formalizou a questão dos casamentos só em Trento, né? Em que ela exigiu que os casamentos fossem feitos na Igreja, né? Antes, os casamentos na Alta Idade
Média, se eu sei, bastava dizer que estava casado, que era casamento. É também por causa das questões de guerra, né? Eram questões de guerra, era tudo muito difícil. Disseram que era por causa das Grandes Navegações. Então, havia um grande... eh, porque a gente tem que colocar a... a gente não pode pegar a visão nossa do século XX e colocar lá na Idade Média. Às vezes, tá em período de guerra, isso, nas navegações, a bigamia foi muito comum, não foi demais? Foi generalizado, e o governo português, de certa forma, fechou os olhos, porque ele precisava de
gente, né? Então, ele incentivou muito. Isso foi muito comum no Brasil. Falando, tinha uma família em Portugal e se juntava aqui com uma pessoa da terra e também na Índia, em tudo quanto é lugar isso era muito comum. Era muito comum. E isso virou também, circunstancialmente, uma das atribuições da Inquisição: a bigamia, já que o juramento era feito na Igreja, né? O juramento de fidelidade, o padre era testemunha. A Inquisição passou a fiscalizar a bigamia. Tinha, e aí ficaram os maiores casos, que foram de bigamia. Então, bigamia... num determinado momento, por isso, a partir do
século 16, ela ganhou claramente muito espaço. Tem todo sentido porque era generalizado. A sodomia menos, e as práticas sexuais dos padres... quer dizer, o padre cobrar sexo ou coisa desse tipo... né?! A simonia tinha alguma coisa na Inquisição? Não, assim, quer dizer, não que eu tenha visto, assim, né? Mas o mais comum era... eu esqueci até o nome dessa prática, que era quando o padre oferecia justamente algo espiritual em troca de sexo. Isso era bastante comum. Julgava-se... um outro erro da Inquisição era achar que as penas eram só de pena de morte. Não é verdade.
Quais eram as penas na Inquisição? A pena mais aplicada era a prisão, e a prisão é uma contribuição da Inquisição para o direito, né? Ela existia em Roma, menos mais com prisão cautelar. Os marxistas querem dizer que a prisão surgiu para gerir as massas, classes subalternas, né? As massas desvalidas. Tem um livro que chama "O Cárcere e a Fábrica" que levanta essa tese. É uma tese fajuta, né? A prisão, mesmo, surge na Inquisição, inclusive com a nomenclatura "cela", né, para fazer um paralelo com a cela do... do mar. Então, ela surge. Era mais comum... O
segundo... qual que era o tempo de aprisionamento? Ah, tinha de todo jeito, tinha de todo jeito, né? Na verdade, as penitências eram a pena mais aplicada, certo? As penitências espirituais eram a pena mais comum. Depois, era a prisão. A terceira pena bastante aplicada era o sambenito, que era um saco de estopa que o sujeito usava e um chapeuzinho de burro. Você deve se lembrar daquele quadro do Goya. Ah, tá! Ali são pessoas com sambenito, né? Então, o sujeito ficava... tinha que andar na rua, ficava andando, e tinham umas cruzes para sinalizar qual o tipo de
heresia, e as pessoas ficavam rindo da pessoa, né? Era uma pena de humilhação pública, né? E confisco podia ser aplicado como pena autônoma, tá? E era não só acessória, também era mais comum do que a morte. E a morte, lá no fim, como um último recurso, o último recurso era quase nunca na fogueira. Quase nunca. É também o mito da fogueira que tudo terminava na fogueira. Quase sempre, o garrote era o que acontecia muito. Era o garrote, e depois o corpo era destruído. Principalmente quando era um líder religioso, o corpo era destruído na fogueira para
que não houvesse culto depois dele, morto, né? Depois de morto, né? O sujeito queimado mesmo vivo era raríssimo, muito raro. Quando era que era aplicado o fulano queimado vivo? Era quando era uma coisa muito grave, assim, a última, a pena pior delas era... sim. Inclusive, havia tipos de queima, né? Havia queimas em que a Inquisição colocava ali algumas... para o sujeito inalar e desmaiar rapidamente, e outras em que a queimação era lenta. Mas certamente era pelo grau da heresia, pela gravidade, né? É porque havia um... A gente pensa no herge hoje como um cientista que
tá lá estudando, não tem nada a ver. Esse pessoal de Mister, por exemplo, os caras fizeram a Guerra Civil que matou 16 mil pessoas. Os cátaros mataram mulheres grávidas, odiavam a reprodução. Queriam se deixar os cátaros triunfar na Europa. Tinha acabado a Europa. É esse... o Bloon é o nome do sujeito lá de Minter. Ele matou a esposa dele, ele degolou a mulher com as mãos, com os dedos, né? Eram assassinos terríveis. Então, muitos deles, né? A ideia de que a Inquisição tava lá perseguindo um jurista, um padre e tal... isso é exceção da exceção.
A maioria não tinha nada a ver com isso. A maioria não tinha nada a ver com isso e também, como eles tinham uma visão de Estado muito diferente de hoje, se fica claro na Revolução Espora, no livro do Henry, você chegou a ler o livro dele? Então, ele diz que a heresia era interpretada como uma questão de Estado. Por quê? Porque a heresia ia corromper a fé, e a fé é que dava sustentáculo para o Estado. Era ordem pública. Era ordem pública. Então, a fé e a heresia corriam o tecido social. Isso e corriam até
o próprio poder, o Estado e tal, a sociedade como um todo. Isso é verdade, né? Porque quando a fé foi mudando e a religião foi mudando, a concepção de Estado acabou mudando, né? Exato. Não, isso é totalmente verdade. Em alguns casos, a gente poderia comparar, inclusive a Inquisição, não todos, né, alguns, com uma questão de segurança nacional. Isso todo Estado, Brasil, Estados Unidos, tem penas severas para aqueles que atentam contra a ordem do Estado democrático de direito e tal. A Inquisição tinha essa mesma visão na época, só com outro nome, claro. Isso quem comenta bem
é esse autor que é o Sen, que inclusive é um autor judeu, né? O Henry Sen é um judeu, judeu inglês. As constituições de Frederico I são anteriores à formalização da Inquisição, e elas já previam fogueira para heresia, porque eles sabiam que a heresia ia corroer, ia acabar com... Exatamente. E, até curioso, existe uma carta de um inquisidor de Aragão de 1503. Ela é mencionada pelo René Girard em um dos seus livros, em que ele manda uma carta ao Papa dizendo: "Olha, por favor, me mandem mais soldados. Todo herege que eu prendo aqui a turma
espanca meus soldados e lincha!" Ou seja, havia uma pressão social em cima da heresia muito forte. A Inquisição serviu aí de amortecedor, exatamente, inclusive muitas vezes com risco pessoal. Nós tivemos vários inquisidores assassinados. O mais ilustre deles é São Pedro de Verona, que foi assassinado por cátaros, com uma celada na cabeça. Então, isso era muito comum: os hereges matavam os inquisidores e os inquisidores matavam os hereges. Claramente, não havia uma turma pregando a liberdade e a democracia, gente, o mundo colorido, e de outro lado pessoas malvadas, inconsequentes. Não, não é essa visão que está certa.
Além do que, se a gente comparar com qualquer outro lugar do mundo, em todo lugar do mundo tinham penas brutais, torturas. Não dá nem para comparar o nível do tribunal que foi a Inquisição com o que era aplicado, por exemplo, na China ou na África; eram coisas muito mais brutais. Eu não vou longe, professor: os países europeus em que não houve Inquisição, o direito ainda hoje é muito mais brutal. Então, por que na Inglaterra e nos Estados Unidos se aceita a castração química? Por que a pena de morte é tão comum? Por que não tem
idade mínima para prisão? Por que eles aceitam ordos, por exemplo, modernos como, por exemplo, a máquina da verdade? Ali, o ordô moderno não tem prova, não tem valor probatório, porque a precisão é de 88%, coisa assim. Então, você sempre vai ter, mas por que a polícia chama para saber se o cara está disposto a participar, exatamente como era um ordô, para saber se o cara quer colocar a liberdade dele à prova? Então, o direito nesses países, além de ter uma grande confusão entre condutas que são irrelevantes penalmente, como embriaguez pública, prostituição, coisas assim, que nos
países católicos não são crime, ninguém está preocupado com isso, né? Eles têm um direito muito mais brutal, muito mais intenso. Eles têm estados americanos que ainda têm fuzilamento, cadeira elétrica, injeções letais. Então, as penas são altíssimas onde não teve Inquisição. E, então, eu não vou nem para o mundo oriental, mas mesmo no mundo ocidental, civilizado e democrático, nós temos esse legado inquisitorial de uma Justiça mais branda, mais humana, mais ponderada. É engraçado como a história trabalha, né? Isso é tudo documentado, são inúmeros livros que falam o que nós estamos comentando, e o mundo moderno faz
uma campanha contrária, que foi um tribunal moderado, um tribunal justo e acusado de ser impiedoso, cruel e tal. Impiedoso, professor, você vê que até hoje o sistema acusatório americano guarda um pouco do direito bárbaro. Quer dizer, o processo nos Estados Unidos, na Inglaterra, ele é um instrumento de resolução de um conflito entre partes. Então, por isso que o promotor é eleito, etc. Por isso que você mata 200 pessoas e entrega um chefão da máfia; o promotor pode pedir sua absolvição, não tem problema nenhum. Quer dizer, o problema lá é entre partes, resolve o conflito. O
juiz está quieto, pode aceitar negociação; se o sujeito assumir, acabou o conflito. Quer dizer, se na primeira audiência ele disser "guilty", acabou o processo, vai preso imediatamente, não tem problema. Quer dizer, o nosso sistema, que é o inquisitorial ou continental, também chamado, é o contrário. "Ah, mas ele confessou!" "Mas ele pode ser inocente." Mesmo assim, ele busca a verdade real. Vamos até o final, porque ele confessou, mas pode ser mentira. Olha só, né? A defesa técnica, que ficou com herança da Inquisição, no mundo anglo-saxão, a defesa técnica não é obrigatória. Você pode ir lá e
dizer: "Não, eu não quero advogado." Ótimo, você vai se defender, problema seu. Aqui, no sistema inquisitório, o juiz pode até dissolver a defesa. No Brasil, no júri, se o advogado não estiver indo bem, o juiz pode dizer: "Não, está desconstituído, vamos marcar outra sessão de júri", porque o réu não está bastantemente. Quer dizer, ele não é só o réu; ele é o sujeito que quer fazer justiça, ele realmente quer que a solução seja melhor. E no outro, não. Se você quiser vir sem advogado, seu advogado é ruim, problema seu. Conflito está resolvido, você aceitou, ok,
né? Então, são marcas permanentes no modelo de direito. E uma outra coisa: vamos fazer uma oposição que é a Revolução Francesa, elogiada e tal. E nós tivemos uma das coisas mais absurdas da história: os tribunais da Revolução Francesa. O Robespierre fala, na "Era das Revoluções" — eu acho que é esse o título, não me lembro. Tem um livro do Robespierre, depois eu pego direitinho para você. Mas ele fala: "Olha, mataram 12.000 pessoas em 14 meses e foi pouco, dado o espírito da época." Ele acha pouco! E eram julgamentos, como dissemos há pouco, 10 ou 15
minutos atrás, na maioria sem advogado, muitas vezes com inversão do ônus da prova. Então, você compara, sei lá, o julgamento de qualquer herege medieval com o julgamento que os reis tiveram na Revolução Francesa, e você vai ver que o herege da esquina tinha mais garantias do que um rei. Entendeu? E se a gente pegar, por exemplo, os tribunais do mundo comunista, na Revolução Francesa em Cuba, tinha a lei da — como é que chamava? — a lei da periculosidade pré-delitiva. Então, chegava lá, os revolucionários em Cuba, e pronto: você é antirrevolucionário. Ah! Mas não fiz
nada, não fez, sei que vai ter que provar que é inocente. Acabou. Você tem uma ameaça de causar um mal para a sociedade, então eles iniciavam um processo com uma potência do cara de ser criminoso, só porque alguém acusou ele, não era com a cara porque tinha uma disputa anterior. Muito parecido com a lei dos suspeitos na França. Eh, agora se o senhor pegar o professor do livro de Processo Penal brasileiro, eles vão dizer assim: "olha, a inquisição era um terror, matou milhões, etc., etc." E o direito penal só foi humanizado com a Revolução Francesa,
com seus ideais de humanismo, valorização do homem. É uma piada, né? Uma piada comparar os processos de Moscou, por exemplo, com a inquisição. Sim, ri que o Stalin lá indicava quem ia morrer e acabou. Exatamente. Então, o mundo comunista era assustador. E aí, os comunistas falavam que a inquisição era ruim e tal, uma coisa completamente sem sentido nenhum, né? Verdade, professor. Eh, vamos comentar um pouco agora, mudando um pouco de assunto, naquele início de conversa que a gente tentamos falar de Santo Isidoro de Sevilha, sim, que é muito citado por São Tomás de Aquino, e
fazer uma contraposição daquele direito medieval consuetudinário com o direito moderno. Uhum, ótimo, isso é um excelente tema, professor. Bom, o direito na Alta Idade Média era basicamente o costume, né? Costume positivado, existem vários códigos bárbaros, tipo Lex Bigoton, Lex Anglorum, né, a lei dos Francos, ibúricos, são todas muito parecidas, né? Mas o que tem ali? Você tem uma espécie de, não é um código como o código de hoje, ela é uma espécie de antropologia jurídica, em que um jurista vai dizer como é que é o direito do povo. Para que serve isso? Serve porque, naquela
época, vigia o princípio da personalidade. Então, o sujeito era julgado de acordo com a lei do local de onde ele era e não do local do fato, como é hoje, como era em Roma, né, o princípio da territorialidade. Eh, então, essas leis serviam de aço para o juiz, né? Mas elas eram testemunhas de como a lei funcionava com o povo. O Paulo Gross disse que a autoridade era indiferente ao direito. Na Alta Idade Média, a autoridade era indiferente ao direito. Eh, as coisas vão mudar a reboque do papado, né? A primeira lei moderna teve um
impacto formidável na legislação europeia, é o Decretum Papale de 1075, né?, século XI, isso que é do Gregório VI, em que ele é meio que a carta de independência do papado, é quando ele diz que só ele nomeia bispos. Nesta aí a quera das investiduras, ele diz que ele pode depor senhores locais, que ele pode revogar leis. Agora entenda-se, leis costumeiras, né? E que todos os legados dele têm mais poder que os bispos nas localidades, se ele assim disser, né? Eh, depois disso, o papado começa uma intensa atividade legislativa, certo? Mas sempre uma lei de
autoridade, né? Não uma lei de costume, uma lei de autoridade. Eh, os reis começam a se interessar. Isso, em primeiro lugar, há um episódio, professor, chamado Segunda Controvérsia de Roncaglia, 100 anos depois, 1176, 101 anos depois, Segunda Controvérsia Roncaglia. O imperador do Sacro Império Romano Germânico, esqueci qual, ele convoca uma consulta para saber se o imperador pode legislar. Então ele convoca 34 juristas, 34, 30 é 34 juristas, representantes de 14 comunas italianas e quatro juristas de Bolonha, são 32 juristas, né? E, no final, vence a tese de que o imperador pode legislar. Como ele é
um vassalo do Papa, ele tem poder de legislar, né? Então, aí se diz que o imperador é o nomos episcopo. Ou seja, a lei que vem de cima e os reis, que eram seus vassalos, eram os primus inter pares, primeiros entre iguais. Então, eh, o imperador faz a lei e está acima dela, e o rei, não. Ele é um cidadão, ele é o primeiro cidadão, o príncipe, né? Mas ele tem que viver de acordo com a lei. Quando os estados nacionais vão se formar, aí começa a doutrina do direito divino dos Reis, que todo mundo
pensa que é da igreja, e não é. Não é. Que tem como corolário que é o Rex Vel Imperator, ou seja, rei logo imperador, ou seja, todo rei é imperador de seu reino, e a transformação do rei em imperador de seu reino é que vai, vai, vai ser esse movimento de formação dos estados nacionais, né? E formação das monarquias absolutas, que em alguns lugares acontece de forma mais profunda, como na França, e outros menos profundas, como na Inglaterra. Mas é esse movimento, né? Quer dizer, a autoridade pode legislar, mas é um poder papal que depois
é dado ao imperador e, por fim, depois vai se estendendo, exatamente. Então, os reis modernos são, na verdade, imperadores, exceto na Inglaterra, que o rei continua primo inter pares. Houve várias revoltas para limitar. Tá, é até curioso, professor, que muita gente trata rei e imperador como sinônimos, né? É como sinônimo, né? Às vezes até fala: "não, o Brasil era Império porque era muito grande". Não! O papa é imperador da do Vaticano, que é pequenininho, né? E a rainha da Inglaterra, que tem muitos súditos, é na realidade o título que ficou meio corrompido, né? Isso, exatamente.
Então, professor, essas transformações, né? E o papa começa a fazer, os papas começam a fazer as universidades e os cursos de direito. São ali ensinados como cânones e leis. Como direito à palavra, "direito" é uma palavra tardia. Ela aparece só no século X, quando a gente lê a Suma. Ela só fala "use, use, use, não use". É o direito dos antigos, quer dizer, é a solução correta para um caso concreto, a solução mais justa para um caso concreto. A ideia de Diril, né, que a lei é um comando, né? Ela é moderna; ela é moderna.
Ela não havia em Roma, não havia na Escolástica antiga, nem nada disso. Ela é... Para cá, isso é muito interessante. Se a gente vê que, na prática, na Idade Média, Santo Isidoro comentou no seu trabalho "Etimologia", né, ele valorizava-se muito o costume, que é uma lei mais popular que existe, porque foi a população, ao longo dos tempos, que formou aquele direito. E essa lei de hoje em dia, que começou infelizmente lá na Idade Média, também é feita por uma autoridade; quer dizer, não é democrática. Os deputados que fazem a lei também não são uma lei
democrática; é da vontade deles. Esse novo modelo de lei é artificial, é artificial. A mesma coisa aconteceu em Roma, né? Durante a República, a lei era popular; quer dizer, era sancionada pela autoridade, mas ela vinha dos plebiscitos, né? E no declínio do Império, ela se torna artificial. Ela se torna um comando, né? E, claro, hoje tudo se agravou, né? Para que são criados os parlamentos? Essa é a tese do Bernard, né? Desculpe, do Juvenal. O Parlamento é criado para criar um povo honorário, para que o rei avance e crie direitos que ele não tinha antes;
ou seja, para aumentar o poder real. Contra... Então eu tenho 500, é mais fácil negociar com 500 do que com o povo todo. Então, digo, não foram vocês que escolheram pelos seus representantes. Então, na verdade, o Parlamento acelera esse artificial fortalecimento do poder. Isso é engraçado como, também, a exemplo da Inquisição, se acusa o direito medieval de ter sido ruim, péssimo, ultrapassado. E, na verdade, o direito medieval foi o mais popular, mais democrático. E hoje, o que é o dito democrático é o mais autoritário que a gente já teve na história, sim, porque especialmente com
a Revolução Francesa. Quer dizer, essa transição do Renascimento bolonhês, por assim dizer, inicia uma trajetória de leis artificiais. Com a Revolução Francesa, a lei não só se torna artificial, como os revolucionários viam no direito um instrumento de transformação social. Então, a lei não só não é feita pela autoridade, como ela é feita pela autoridade contra o povo; ou seja, a lei é uma espécie de formão que vai ajudar a transformar a sociedade no que eu quiser. Ainda hoje, a ideia que as pessoas têm de direito é que, se o senhor chegar para um estudante de
direito, hoje, e perguntar para que serve o direito, ele fala que o direito existe para transformar a sociedade. Como assim, né? Então o direito virou um instrumento da revolução na cabeça de muita gente, infelizmente. Outra coisa que era muito cara para os antigos era a jurisprudência, na acepção do termo, que valorizava a tradição, o julgar dos antigos, a melhor aplicação do caso concreto; sempre tinha que estudar os casos antigos, tal. Hoje, nesse direito positivo, é o que vale ao espírito do momento: se a lei não está boa, já se reforma ela rapidinho. Há um desprezo
pela tradição, né? O que é o Direito Romano? Se você pegar lá o Corpus Iuris Civilis, por exemplo, a parte do Digesto, que é a mais importante, é a opinião de 1.500 juristas sobre os mais diversos assuntos que você possa imaginar. Então, são mil anos de Roma julgando casos, julgando casos ou opinando, né? No caso dos jurisconsultos, forma-se um tesouro cultural que resolve boa parte dos problemas jurídicos de hoje, porque o ser humano não muda. A ideia do jurista de hoje é o contrário, né? Que o bom é o direito novo, e que o direito
vive de novidades. A gente vê muito no Supremo Tribunal, o pessoal dizendo: "Não, como é que é? O jurista tem que empurrar a história, empurrar a história para o lado certo". É revolução, né? É bem o espírito da Revolução Francesa. Então, aquele... só não... A Suprema Corte tem uma função iluminista. É um absurdo total! O cara é um alumbrado, diriam os inquisidores: iluminado, um alumbrado. E como é que está o ambiente na faculdade, na universidade de direito? Como é que é pensada a questão do positivismo, dessas questões de tradição? Como é que é? Então, não
existe... ainda está valendo? Como é que é, professor? Não existe propriamente o ensino de direito no Brasil hoje, né? O que se ensina numa faculdade de direito? Lei e jurisprudência. Eu até brinco que é um curso técnico de lei e jurisprudência. Então, o que se cobra no concurso? Lei e jurisprudência do que está no Código, seco e o que o Supremo Tribunal Federal ou o STJ diz sobre o caso. Só isso, né? O ensino jurídico praticamente desapareceu, praticamente desapareceu. Então, nós temos uma orda de 1 milhão de pessoas preparadas para obedecer. E só, como é
formado o jurista brasileiro hoje? Ele é formado para inventar formas engenhosas de justificar o avanço do poder estatal sobre direitos individuais, sobre as liberdades públicas. Esse é o jurista brasileiro. Então, não tem ensino. Se você for... Fazer uma coisa diferente disso, a pessoa vai dizer: "Mas não cai na OAB, não cai no... não cai no C1, não tem, não tem." Infelizmente, salvo algumas ilhas de excelência, uma ou outra pós-graduação, um ou outro mestre isolado ali, tá? Mas, em geral, não. Então, o que venceu foi o realismo jurídico, não o realismo clássico de achar que o
direito é aquilo que os tribunais decidem, né? Que é o realismo. Não se pensa mais em termos de filosofia do direito, não se estuda mais história. Ninguém está muito preocupado com isso, muito pouco. Da minha universidade tiraram o direito romano, argumento de que é muito ultrapassado. Foi ótimo. E a filosofia do direito, como é que está? Então, professor, existem bons juristas, principalmente no campo do realismo clássico e do j. naturalismo, né? Deixa até meu abraço aí pro Thiago Magalhães, professor Ricardo DIP, grandes juristas aí que estão estudando, né, pro Marcos Boeira, né? Tem gente de
peso estudando. Eu conheço alguns desses, mas são exceção, exceção, né? Lá na sua universidade, como é que é? Ah, não é ruim de falar de colegas, né? Mas eu tenho colegas brilhantes e tal, mas em geral sempre nessa chave do concurso, né? Das provas, do resultado. Ah, tá, né? E que é um negócio... num país socialista como o Brasil, no estado, no estado com o Piauí, você tem que ensinar os meninos a passar em concurso. Ensinar o quê, né? É ser filósofo. Infelizmente, infelizmente é o que dá pra fazer, professor. E no mundo, você chegou
a estudar direito? Tá estudando direito comparado? O Brasil dependeu muito do direito italiano, francês, algumas áreas mesmo, alemão. Como é que você vê o direito europeu? Tá, tá, tá decadente também? Como é que é, professor? Assim, nós temos uma boa tradição, né? Principalmente a influência dos italianos, né? Quando o Brasil era muito influenciado pelos juristas italianos, nós tínhamos juristas melhores. O direito alemão é muito problemático, muito problemático, porque na cabeça dos juristas alemães a função do direito é evitar o nazismo. Só que aí é que é uma ótima função, eu concordo com ela, sim. Não
pode ficar só nisso, né? Não, não é só esse. Esse não é o problema. O problema é que, pra eles, todo mundo é nazista, ah! Aí os direitos viram... eu sei, então encaixa em quem eu não gosto, igual aqui no Brasil. Virou fascista, exato. Pronto! Quem não enquadra no que eu penso é fascista. Pronto, aí tá resolvido, né? Muito problemático, né, professor. É, o italiano ainda é o melhor direito. Acho que sim! A Itália tem grandes juristas. É curioso isso, também, na história, né? Quer dizer, os intelectuais italianos são muito eruditos, né? O cara escreve
qualquer tratado. Mesmo Norberto Bobbio, que era um positivista, você vê a cultura do cara extraordinária, né? Então, todo mundo que escreve lá tem por trás de cima uma tradição muito forte. É muito interessante, né? Muito interessante mesmo. Muito bom! E o direito francês, chegou a estudar? Não, não, professor, não. Pouco. Quer comentar alguma coisa da sua... você falou? Esqueci. A sua tese mesmo foi em cima de... assim... Minha tese é uma tese em teoria da pena, né? Que eu tentei provar... ah, tá! Que quando os antigos falam de pena, eles não estão falando a mesma
coisa que nós. Ah, então vamos falar sobre isso, que é interessante! Então tá. Então, o que é pena na antiguidade? Pena na antiguidade é eliminar o delinquente, basicamente. Isso, eh... então, na antiguidade, o delinquente é um amaldiçoado, né? Ele não é parte do corpo social, ele tem que ser destruído, banido, morto, né? Ele não deve ser reintegrado de nenhuma forma. Quer dizer, a pena é um instrumento social, certo? É como se fosse um anticorpo para banir aquela ameaça, né? E os pensadores cristãos começam a dar nova significação à pena, né? A gente vê os próprios
textos de Santo Agostinho sobre a queda de Roma, né? Ele vai dando outro significado à dor, à aflição, aos fardos da vida. Então, eh, o cristianismo dá uma nova significação para a pena. Quer dizer, a pena existe pra sociedade, mas ela existe também pro condenado. Então, ela tem dupla função: ela, ao mesmo tempo, protege a sociedade e tem que proteger o indivíduo também, né? E não só proteger o indivíduo, como partir da ideia de que esse indivíduo pode se reformar por ela, né? Que é o que hoje se chama de teoria da prevenção especial positiva,
né? É uma contribuição cristã. Então, toda a pena moderna... mas esse termo é novo, né? Ôi, esse termo é novo, né? O termo é novo, isso! O termo é novo, mas toda a ideia moderna de pena é essa: de que, olha, a pena é um entre caminho. Ela tá entre o sacrifício e o perdão. Pra usar a expressão que usei na minha tese: diria que a pena começa com sacrifício ritual, vira uma pena muito dura que eu chamo de pena dos antigos, e com o cristianismo ela vira meio sacrifício, meio perdão. Ela vira um... ela
vira um catecom, uma saída intermediária. Uma saída, nem tão dura, nem tão massacrante e nem... e nem... tem que deixar impune, né? Aqui no Brasil, a tendência é deixar impune, né? Nos nossos países católicos, a tendência é mais essa, né? Você viu que nos países protestantes é diferente, né? E nos países que não são cristãos também, o direito sempre é duro. No mundo muçulmano, o direito sempre é duro. Nessa... é até curioso porque os criminólogos críticos... Eles sempre dizem que o direito penal é um instrumento capital. Aí, no mundo socialista, o direito penal é pior
do que onde não tem um grande capital. O direito penal é muito mais duro, muito mais agressivo. Nossa, horror! Então, o direito penal cristão é sempre essa insatisfação com a qual os inquisidores tinham que lidar. As pessoas estão... Aquele caso lá de dar assistência espiritual preocupado com a salvação da alma, né? Que é uma coisa que não existe mais. Exatamente! Então, essa pena com duplo viés, né? Quer dizer, social e individual ao mesmo tempo. E também a pena como amortecedor social; quer dizer, você prende para quê? Para tirar o cara do conflito. Você suspende o
cara do conflito, ele vai ser linchado. Você leva ele embora, né? E aí, eu defendo a minha tese. Essa pena moderna, quando os antigos falavam de pena, eles não estavam descrevendo o mesmo fenômeno que nós. E que o cristianismo é o grande responsável por isso, por essa transformação. E é nessa área que você está lecionando. O direito criminal... Eu sou criminalista, sou penalista, mas ensino história do direito também. Como é que você vê a teoria clássica, a teoria finalista do direito? Ah, essas teorias sobre a teoria do delito, né? Pois é, professor, supostamente a finalista
é a mais interessante, né? O senhor sabe que pouca gente sabe... Eu sou formado em direito também. Olha, professor, pouco que a gente sabe disso, mas a teoria do pecado é mãe da teoria do delito. Então, o que se escreveu sobre dolo, culpa etc., influenciou fortemente a teoria do delito. Hoje não se fala nisso. Vou dar um exemplo, até meio nojento. O Pedro Abelardo dizia que as poluções ejaculativas que acontecem à noite e são comuns nos celibatários, né? Elas não são pecaminosas porque o sujeito está inconsciente. Fala: a menos que o sujeito pense obscenidades na
hora de dormir. Se ele pensar obscenidade na hora de dormir, ele agiu livremente na causa. Li em causa, exatamente, né? Que foi aplicada a primeira vez, supostamente, no caso do leiteiro na Alemanha. O leiteiro dormiu no cavalo, estava bêbado, atropelou uma criança. Aí o tribunal disse: não, ele agiu livremente na causa. Então, a teoria do pecado foi fundamental para a teoria do delito, né? Fundamental para a teoria do delito. E como é que é hoje na academia? Está mais para a finalista clássica, como é que tá? Não, hoje tá muito forte aquela... Ah, meu Deus,
o funcionalismo, né? O funcionalismo alemão, que é a ideia de que o direito penal tem que ser lido à luz da política criminal. Todo o esforço hoje, professor, é para submeter o critério clássico da culpabilidade a questões políticas. Então, não, não vou mais julgar culpabilidade; vou ver se o cara é homem, se é mulher, se é jovem, se é da periferia, se não. Então, toda a tentativa hoje é para, no Brasil, pelo menos, é para submeter a culpabilidade à política, né? Que, obviamente, acaba muito mal... Acaba muito mal! Nossa, um horror, né? E os alunos
são receptivos à história do direito ou não? Ou eles só têm um senso prático, só querem saber de prestar concurso ou trabalhar? Esse negócio de história não serve para nada. Olha, professor, eu acho meus alunos interessados até, eu fico até esperançoso, sabe? O problema da gente é que o cara aprende aquilo, mas ele não tem muito para onde ir com aquilo, né? A gente não tem um mestrado no Piauí, por exemplo, né? Na minha instituição, né? Mas eu acho eles bastante receptivos, bastante... É uma matéria interessante. Se ela for bem trabalhada, ela é matéria, pois
eu achava mais interessante na faculdade. Tem duas formas, professor Marcelo, de trabalhar a história do direito. A primeira, que é mais comum, é chamar atenção para as coisas burlescas, as coisas toscas do passado, para exaltar nossa época. Ah, sim! É a época que é melhor! Olha que pensar isso! Olha que os caras botavam o cara na fogueira! E a outra é tentar entender o que tem de comum entre nós e eles. É tentar mostrar que, olha, os caras ali, quais os princípios de justiça estavam presentes naquela instituição, naquela lei. Essa forma é mais difícil de
trabalhar, mas muito mais interessante e muito mais enriquecedora. E dá uma visão muito mais real de que o direito é uma cadeia, né? Na verdade, é um longo tesouro de que a gente é guardião, né? E não uma invenção racional de alguém que nasceu ontem. Então, essa é a forma mais interessante de tratar o direito. Muito bom! Fala um pouco do Piauí, mudando um pouco de assunto, da política do Piauí. Como é que é? Eu não conheço o Piauí, como é que é? Qual a sua visão sobre... Quero lhe convidar para ir lá, né? É
um lugar maravilhoso, professor. E o que o Piauí tem de maravilhoso é o povo. É o estado mais católico do Brasil e acho que, por isso, também o estado mais desorganizado. As pessoas são mais... Enfim, mas as pessoas são muito carinhosas, muito afetivas, são muito família. Meu pai, que era pernambucano, dizia: "O Piauí é uma grande família". Difícil é botar a família para trabalhar, porque ele se irritava lá. Mas o pensamento é assim, né? Eu vejo que... O Max Weber, ele não estava tão enganado naquele livro dele sobre o Espírito Capitalista e A Ética Protestante.
Então, pii, é bem a prova disso. Assim, aquele lugar, bem assim, o pessoal é bem interessante. Aí você não vê também a coisa do calor, também, atesto essa associação agora que estão fazendo ultimamente: calor. O pessoal tende a trabalhar menos com frio, tende a trabalhar mais. Isso é coisa lá dos antropólogos funcionalistas do século XIX, né? Eu não acredito muito nisso. Eu também não. Só estou perguntando a sua opinião, a sua visão. Não, acho que não. O Piauí é muito trabalhador, né? Muito trabalhador, mas não é bom de negócios. É uma coisa curiosa do povo
piauiense também, que o piauiense é muito aplicado nos estudos, principalmente os concursos. Eles são um povo muito... a gente tem umas escolas que ficam em primeiro no ENEM nacional. Eles têm essa ética. A grande referência é o Ceará, que está lá do lado, né? É, é sim. Tem, tem. É muito parecido, viu? O Piauí é muito parecido e a rivalidade lá... todo estado tem uma, como a nossa é com o Maranhão. Maranhão é a nossa, com o Maranhão. O Maranhão que é a piada com o maranhense e tal. E o que que o... como é
que o piauiense vê o maranhense? É porque o Maranhão está no Nordeste, mas ele é muito parecido com o norte, é muito parecido com o Pará. É que antigamente o Piauí e o Maranhão eram o meio norte, né? Isso. Os dois ainda são considerados o meio norte, mas Piauí e Ceará não têm nada parecido, eles... ou Pia... maranhão. O Maranhão é muito parecido, muito parecido com o Pará, muito, muito mesmo. E o que que o piauiense fala do Maranhão lá? Que eles falam que o piauiense é mais maranhense, é mais preguiçoso, falam, né? Não estou
dizendo isso, hein! Eles falam que o maranhense é mais preguiçoso, que o maranhense estuda menos. Eu não sei se é verdade, né? Não sei se é verdade, mas tem essa... tá querendo me complicar, né? O professor Senor tá querendo me complicar. Perguntaram que aqui em São Paulo todo mundo tem rixa com o Rio de Janeiro e tal. O Rio de Janeiro também não gosta, tem rixa conosco. Então é assim; todo estado tem: Paraná com Santa Catarina, verdade, verdade. Pernambucano com baiano, pernambucano com o resto do mundo, pernambucano contra o resto do mundo. É Pernambuco que...
o gaúcho ficou louco porque perdeu uma Guerra Civil, né? Pernambucano perdeu quatro. Então os caras, completamente malucos. É muito bom. Temos pergunta aí, Eduardo? Temos, sim, professor. Vamos lá. A Amanda mandou um superchat aqui. Obrigado, Amanda! A Inquisição julgava? Ela colocou "usurários" aqui. É isso mesmo? Boa pergunta, hein! Não julgava usurários. Não era da competência, mas os reinos proibiam usura. É até curioso, se o limite... a Igreja determinava, tinha documento sobre isso. O limite era 20% ao mês; mais que isso era usura. 20% ao mês é exagero. É curioso porque, numa sociedade rural, né, era
muito comum o cara ficar dono da terra rapidamente. Quer dizer, o judeu ficava dono da terra, né? Era muito comum. Então isso despertou certas preocupações, né? A questão usurária. Então a punição, se houvesse, não tinha nada a ver com a Inquisição. Era vinculado ao Tribunal Civil, né? Sim, até porque os judeus não eram... não eram ligados. Não, mas podia ter usurário que não fosse judeu, né? É, mas era incomum. Era raro. Era raro, era comum. Temos mais uma aqui, o Christian Broca também mandou um superchat. Obrigado, Christian! Escritor, gente boa demais. Aí ele disse aqui:
"O Milton foi finalista do prêmio Jabuti. Falem sobre a carreira literária dele, por favor." Ah, então agora tem que falar! Eu ia até trazer um livro e esqueci. Professor, fui finalista com um livro sobre boxe. Boxe é o livro sobre boxe. Eu vou lhe mandar. Você vai gostar, gosta de boxe? Eu gosto. Eu gosto. É um livro meio humorístico assim, você vai gostar. Eu participei da categoria entretenimento, aí fiquei na semifinais. Não foi uma surpresa. Não esperava. Quais que são os seus boxeadores preferidos? O meu sempre foi o Mike. É mesmo? Eu sinto dizer que
o Senor não entende nada de boxe! Mas não entendo mesmo, é! O Mike Tyson é o rei da marmelada até hoje! É, ele foi um grande boxeador, né, mas a carreira dele sempre foi muito manipulada para ele não pegar pessoas difíceis, né? E quando ele pegou boxeadores difíceis, ele apanhou. Como Holyfield? É o Holyfield. O Buster Douglas, que não eram... não era nem tão grande. O Lennox Lewis... Na realidade, o Tyson, ele nunca derrotou um grande boxeador. Nunca derrotou um! Ele não é como Ali, que derrotou três dos maiores boxeadores da história. Não, não, não!
Ele nem... ele nem teve um bom rival na época dele. Quando ele pegou lutadores um pouco mais difíceis... Quem é o melhor, na sua visão, da história? É difícil, é, professor. Ou dos melhores, né? Eu gosto muito do Roberto Durán, mas o Ed Jofe não era um dos maiores da história! Com certeza! Popó! Se fosse americano, estaria na briga! É um grande boxeador, mas o Ed Jofe foi bem maior, né? Acho que talvez o maior boxeador de todos os tempos seja o Sugar Ray Robinson. É um boxeador dos anos 50, é o cara que inventou
esse negócio de lutar na ponta do pé, né? Lutar mais leve assim. O Julio César Chávez é um grande boxeador também, ficou 89 lutas invicto. Um grande gênio! Mas, ô, Tyson, ô, Tyson! Ele nunca tá nas grandes listas, como dos 10 maiores, coisas desse tipo. Ficou só na fama mesmo. É, o Ali era bem melhor que ele, bem melhor. Vamos lá. Aí a Amanda mandou mais um superchat. Aí ela pergunta: “Qual Papa foi o mais poderoso?” Gregório VI? Não sei se o terceiro Gregório foi mais poderoso, mas ele quase morreu. O Henrique VI, acho que
Renóstalf, invadiu Roma um ano depois de ditat Papê. Ele teve que fugir. Ele escapou pelos subterrâneos. Assim, ele morreu no exílio. Na verdade, Gregório VII morreu no exílio, se eu não estiver enganado. Mas ele foi um verdadeiro revolucionário, assim, sob qualquer perspectiva. Ele transformou completamente o papado. Aí tem uma aqui, acho que é do Gabriel: “Dr. Milton, quando vai escrever para a Editora Caravelas?” Quando vou escrever? Rapaz, podia escrever uma coisa relacionada à Inquisição. Já pensou? Poxa, chama boa, hein? Seria uma honra enorme! Esses dois assuntos seriam interessantes: Inquisição e outro, dessa mudança do direito
consuetudinário para o direito positivo. Seria muito bom esse. Aí, professor, se eu escrever, vai ser uma leviandade, porque tem um livro, um livro em dois volumes do Harold J. Berman, chamado “Law and Evolution”, que são, assim, para mim, o maior livro de direito escrito no século XX. Aí, se eu for escrever, meu Deus, que qualidade de mim, né? Mas esses são livros, assim, muito importantes. É até curioso: eles traduziram o primeiro volume para português, a editora da Unisinos. Os freis lá viram “Direito e Revolução” e traduziram. Aí, quando foram ler, não, o segundo não. Aí
o segundo ficou de fora, nunca traduziram, nunca traduziram o segundo volume. Mas seria um tema importante colocar isso, viu? É muito interessante tanto da Inquisição como esse. Pensei aí, é muito interessante, porque muita gente pensa, professor, que o papado era muito poderoso na Alta Idade Média e vai perdendo o poder. Mas é ao contrário! Quer dizer, na Alta Idade Média acontece o processo de patrimonialização da Igreja, né? O papado fica ali à mercê de proteção dos Reis etc. Tem muitos problemas. Bom, primeiro, não há uma unidade doutrinária tão forte, que não há seminários, né? Só
surgem depois, após o Concílio de Trento. Segundo, os problemas nas investiduras são muito intensos, né? E, como não era proibido casar, então a coisa era muito complicada, né? O poder papal vai se reforçar mesmo na Baixa Idade Média, né? Justamente com os papas juristas, né? Os papas juristas ali do século XII... Eh, quais são os mais procurados? Com o convite, professor, vou considerar. Pensei... Lemos aqui a pergunta: “Quais são os melhores livros sobre a Inquisição?” E aí peço para o professor Marcelo comentar o que vamos lançar na Caravelas. É do Gabriel. Eu não sei, eu
não combinei com essa resposta. Não, o livro mais importante hoje é “A Inquisição”, né? São as atas do simpósio Vaticano. Você encontra PDF por aí; alguém fez a caridade de escanear. Mas ele é muito difícil de encontrar, mesmo na Amazon. Fortuna, assim, é muito difícil e raro de encontrar. O livro do Henry K. é bom. O livro do Francisco Betancur sobre a Inquisição em Portugal é muito, muito bom, muito, muito bom mesmo. Tem um livro do Gui Testas, que é interessante para quem quer só começar, assim, só ter uma ideia do assunto. O livro do
Hino Camilleri, “A Verdadeira História da Inquisição”. Você conhece esse? Conheço, muito bom. Esse é um livro... O H. Cam é um craque! Ele é um jornalista, não é um historiador, mas ele é bem bonzinho para começar. Tem um livro, acho que o senhor já até mencionou esse livro aqui em algum podcast, do Bernardino Gonzaga, “Inquisição em Seu Tempo”. É, mas esse eu tenho críticas dele, viu? É principalmente na Inquisição Espanhola ali. Ele derrapou, é, não é? Ele derrapou. Ele tem um bom mérito em mostrar que a Inquisição era um tribunal qualquer na sua época, não
era. Esse foi o mérito, não estou dizendo que ele errou tudo lá. Ele tem um lado muito bom, que é esse que vale a pena ler. Mas, quando chega na Inquisição Espanhola, ele dá uma... Eu não sei se ele não teve acesso à bibliografia, porque se ele tivesse lido o livro do Cam, ele não teria. Não, não é que o Cam surgiu depois também, né? Sim, sim, sim. Eu acho que não teria. Mas aquele livro do C é antigo, hein? É de 65. Ah, é de 65. Eu acho que faltou alguma fonte para ele, porque
ficou estranho. Essa parte inicial é muito boa, mas, quando chega na Inquisição Espanhola, o livro do Henry K. é muito bom. Tem um livro fantástico que é “As Ordenações de Torquemada e Valdez”, organizados pelo Mauro Fonseca Andrade. Tá, é um livro fantástico, né? As ordenações eram recomendações da Suprema para as províncias, né? É nessas recomendações que o Torquemada manda amparar os órfãos, que ele diz que tem que dar advogado pro réu pobre, tirar dinheiro da Inquisição. Aí, lá, ele lança princípios como competência da divisão territorial por competência. Ele lança a ideia de suspensão do... lança
a ideia de que é possível fazer uma exceção de suspensão em que o réu pode alegar que o inquisidor é suspeito para que não seja julgado. Interessante uma coisa da prevenção, que o inquisidor vai julgar o primeiro que tem acesso ao feito, né? Tudo isso tá lá na... tá lá na... e é o texto original, né? Então, é a fonte primária. Então, vale a pena. O Mauro Fonseca faz os... Comentários, mas é: eu tenho esse livro, posso lhe mandar. Muito bom! O professor Gabriel cita que é... ah, outro livro! Eu esqueci de falar o manual
dos inquisidores do Aimeric, né? Do Nicolas Aick, e vai ser o seu, né? Que vai ser um dos mais importantes! Tem uns anos... Deus me ajude, Senhor! Falar sobre o que vai lançar na campanha da Idade Média. Ah, tá! Nós vamos lançar livros sobre a Idade Média. Vai ser bem importante sobre cavalaria, vai ter inquisição, vai ter isso, vai ser cruzada... vai ser bom! Olha, vamos pegar bastante desse tema aí. O senhor... ah, muito! Eu não não pegar livro de fora. Ótimo, ótimo! Tem mais uma aqui, tem mais uma aqui. Ele diz aqui: escreva, né?
Acho que escreva para falar sobre uma comparação entre a inquisição e a situação atual do direito, fazendo essa relação. Os caras querem me ver preso! [Risadas] Teve um cara no chat que botou antes de começar e botou assim: os sefarditas foram perseguidos pela inquisição, né? E essa situação é tão interessante que o pai do Netan, que eu esqueci o nome, o pai do Benjamin Nanar era um medievalista! Você sabia disso? Não? Não sabia? Ele tá até citado pelo argentino lá, pelo Alb, tá? E o pai dele disse: olha, se não fosse a inquisição, os judeus
teriam desaparecido da Europa! Não porque a perseguição aos judeus era só mais intensa fora do mundo cristão, como nos reinos bárbaros, era muito intensa! Então, por exemplo, a lei dos visigodos era duríssima contra judeus, duríssima, duríssima, duríssima! Tanto que a maioria dos judeus fugiu no período visigótico, fugiu pro lado muçulmano, em que por um tempo eles viveram bem ali. Aí depois os berberes tomaram conta, também teve uma transformação ali naqueles califados, mas as leis eram duríssimas contra os judeus. O fuero jusgo, que é a lei lá, é o código visigótico Lex Visigot, ela é duríssima
contra o judaísmo, contra todas as práticas, contra circuncisão, contra o sabatismo, tem artigos sobre tudo isso, né? Nossa! Pro pai do Nanaru falar isso! O pai do Nanaru diz isso ainda e tá citado. Se você olhar, tá lá. Curioso isso! Tenho aqui uma pergunta do estúdio. Então vai lá: uma pergunta de um leigo, né? Que sobre esse assunto... eu acompanhei muito sobre as bruxas de Salém, né? Sim! Foi feito algum... era inquisição a mesma época? Não era! Eram autoridades protestantes norte-americanas, eram leigos. Certo, nos Estados Unidos. Então não havia? Salém fica nos Estados Unidos... Ah,
é Massachusetts, né? É, acho que é ali na Nova Inglaterra. Mas ficou na conta da inquisição, né? Tem uma outra lenda, professor Marcelo, que a gente não comentou, que é do Maleficarum. Ah, é, né? Que é um livro que é muito usado, muito divulgado no Brasil. O prefácio é do Leonardo Boff na edição mais famosa. Ele falando atrocidades sobre a inquisição, aquele negócio, mas esse livro... Os dois que escreveram esse livro eram dois freis, eles foram julgados por inquisição, o livro foi proibido, os caras falsificaram o selo papal. Enfim, em regimentos da inquisição portuguesa, eu
me lembro de 1552, eles deixam no rodapé: está proibido o uso do Malos Maleficarum; ou seja, era um livro que era proibido pela inquisição e hoje ele é tido como prova de que é inquisição, porque lá eles... esse livro é tosco, assim, ele ensina como identificar bruxas, fala de voos noturnos e aquela coisa toda. Então ele chamou muita atenção das pessoas na época, ele foi um livro que ganhou muita repercussão, mas a inquisição não deu valor nenhum! Eles não eram inquisidores! Começar por aí, né? E esse livro exatamente proibido pela inquisição, então tem nem o
que dizer! E bruxa de Salém foi nos Estados Unidos! Foi nos Estados Unidos da América, então não tinha nada a ver com a Igreja Católica nem com a inquisição! Talvez isso tido até um desfecho diferente, né? Porque a inquisição tinha pessoas preparadas para investigar esses casos. Na correspondência interna dos tribunais, eles dizem: olha, cuidado com as bruxas! Muitas vezes são mulheres sãs, são pessoas com problemas na cabeça e tal, então cuidado, né? Talvez tivesse outro desfecho se fosse julgado pelo tribunal inquisitorial. Temos aqui Bruno Silva e ele fala livros do Felipe Aquino sobre o assunto
não são bons. É bom! Eu esqueci de mencionar o livro do Felipe Aquino. Ele usou o "L'Inquisition", ele meio que fez um resumo, "L'Inquisition", mas é muito legal, é muito legal! Inclusive, eu quero agradecer ao professor Felipe de Aquino, porque "L'Inquisition", que eu tenho, ele que me mandou a cópia. Ah, eu não achava em lugar nenhum. Aí, um dia, eu mandei o e-mail, ele gentilmente me mandou, não me cobrou nenhum selo, muito legal! Aí aqui o Bosco, ele mandou aqui: comentem bem sobre a questão da pena de morte. Neste final, ela é lícita? Lícita, boa
ou má pena de morte? Rapaz, a pena de morte é lícita, né? Não no Brasil, né?, mas ela é lícita! Agora, é claro que ela é uma pena muito perigosa, né? Uma pena muito perigosa, porque ela é aplicada com muito cuidado, muito cuidado, porque ela é irreversível, né? Mas existem pessoas que realmente... que fazer um caso como Chico Picadinho, desse aí! É um cara que... agora nós estamos prestes a liberar o maníaco do Parque! O maníaco do Parque vai ser solto! Já passou, já cumpriu, entendeu? Vai ser solto! E aí, né? Quer dizer, tem pessoas...
mas é claro, ela é uma pena muito perigosa! Porque é irreversível, né? Então, aqui tem mais uma. Eh, aqui é um comentário, tá? Quando eu fazia Direito na UFG, o querido professor Pedro Sérgio de Direito Penal comparou a Inquisição na sala de aula com o inquérito policial. Ele provou que a Inquisição era bem melhor. Ah, bom! Essa eu gostei. É, é, é muito parecido, viu? É, é, não que eu elogio. É ter um professor que foi, que foi, foi prudente, foi correto, né? Eh, então, uma crítica que dá para a gente fazer sobre a Inquisição,
claro, comparando a um tribunal de hoje, né, é que o inquisidor participava do inquérito e ele julgava no final. No final, o julgamento era colegiado, com os sete membros, né? Geralmente, o bispo tinha assento, né? No final da Inquisição espanhola, um dominicano tinha que ter assento, que era os peritos em doutrina, tá? Mas lembrando que tudo isso, pessoal, se a gente comparar a Inquisição com os tribunais de hoje, se a gente comparar com os tribunais da época, uma piada, ela era muito mais sofisticada e, por isso, foi copiada, tá? Ela foi copiada pelos reinos porque
era um processo muito mais sofisticado. Inclusive, professor, aquele tratado da justiça, Santo Tomás, na Suma Teológica, é um dominicano. Ele vendo que, primeiro, ele é um defensor desse novo direito, do direito escrito, né? Ele deixa claro e ele tá escrevendo para uma ordem que cada vez mais tá cedendo juízes, tá? Então, ele tá de olho no direito canônico que tá nascendo, tá se fortalecendo, e ele tá escrevendo para... E veja que o que ele escreve lá é processo moderno, é processo moderno, né? É impressionante! Ele fala até do direito ao silêncio. Então, eh, ele tá
escrevendo para esse direito que tá se transformando. Ele é defensor desse novo direito, né? E ele tá escrevendo para padres que se tornarão juízes em boa parte, né? Boa parte, ainda mais da ordem dele, né? Ordem dele, especialmente. Entrou mais uma aqui, é o Brian Johnson. Por favor, nos fale sobre o estatuto da pureza de sangue da Inquisição espanhola. Então, essa é uma questão bem delicada. A Espanha, ela... as classes abastadas da Espanha, elas eram muito misturadas com os judeus, né? Quer dizer, os judeus, eles... praticamente todas as grandes linhagens nobres espanholas tinham ali pessoas
de origem judaica, né? E, com o tempo, os judeus foram se tornando bastante proeminentes. E isso gerou uma certa... um certo ciúme, né? Então, as classes populares se orgulhavam de ser puras e acusavam as elites de ser... Eh, as primeiras leis. Ah, claro, só lembrando que não existia debate racial naquela época, né? Debate racial, como bem comprovou Eric VGL, é coisa do século XIX. Né? Eh, tanto que até o reino camiler divide anti-ebraísmo de antissemitismo. Ele fala antissemitismo, que é ódio contra a raça, é do século XIX. E o anti-ebraísmo remonta à Espanha da reconquista.
Então, começaram a surgir leis proibindo os judeus de ocupar cargos públicos, coisas assim, em algumas localidades, né? E o Papa, se eu não me engano, Xisto V, fez uma bula contra. Tá? Várias vezes, o Papa esteve nessa situação em que pregadores falavam intensamente contra judeus e geravam crises internas, às vezes até assassinatos. E o Papa sempre condenando esses ataques, né, dizendo: "Olha, eles não são anticristãos. Parem com isso, que eles não são hereges, né, e não são anticristãos, então deixem eles aí, aí como estão", tá? Então, realmente, a Espanha teve as primeiras leis que alguns
dizem que são raciais, mas eu tenho dúvida se são leis raciais realmente ou se são questões religiosas. Mas isso aconteceu mesmo na mesma questão política também, exato. É, então fica difícil comparar aquela mentalidade com o século XIX. Século XIX é que nasceu o racismo, lei racial. O século XIX, boa parte do Darwinismo. Néo, isso, o Wegner tem um livro, né, "The Growth of the Race Idea", não tem em português ainda, "Surgimento da Ideia de Raça". Ele mostra que é um conceito político. E assim ficou. Então, tá bom. Obrigado, Dr. Milton, por ter vindo aí do
Piauí. Essa conversa foi muito boa. Obrigado, P. Marcel. Foi uma honra, e agradeço a todos aí que nos acompanharam.