Será que existe pobreza na Alemanha, a maior economia da Europa? Já adianto que ela não só existe, como está crescendo. Atualmente, uma em cada seis pessoas na Alemanha é considerada pobre – e a inflação que desde 2020 só aumenta promete arrastar mais gente.
Mas o que é que define se uma pessoa é pobre ou não por aqui? Primeiro, vamos então definir o que é pobreza na Alemanha? É bem difícil, por isso nem vou falar tanto em números para não confundir ninguém.
Também vou evitar comparações com dados do Brasil porque não faria sentido. A ideia é falar mais da perspectiva da Alemanha – e de quem vive aqui, que é o que vocês podem ter curiosidade de saber. Bom, não se engane.
Sim. . .
na Alemanha a gente vê de tudo o que remete a um conceito massificado de pobreza: gente dormindo na rua, sem teto, gente revirando lixo à procura de comida ou de uma garrafa retornável, gente morando em periferias. Mas para ser bem prático nesse nosso começo de conversa, vou direto ao ponto: pobre é quem ganha menos de 60% da renda média nacional. Para uma pessoa solteira na Alemanha, isso significa menos de 1150 euros mensais já descontados os impostos - ou seja, menos de um salário mínimo (1584 euros).
Para um casal com dois filhos, o valor seria de 2400 euros. Eu já falei logo da renda porque ela é o recorte mais básico que a gente consegue fazer da situação. Ela é que é o principal critério para definir se uma pessoa é pobre ou não.
Afinal, com uma renda comprometida, fica difícil acessar o mesmo padrão de vida dos que recebem mais. Só que a imagem da pobreza, em si, num país tão rico, tem algumas outras nuances. E a gente precisa falar delas.
Pois bem. Se a pessoa está ali com o orçamento contado, fazendo malabarismo, ela tem grandes chances de ser empurrada para a pobreza. É assim no Brasil, é assim aqui – e em muitos outros cantos do mundo.
Mas a pobreza na Alemanha é o que especialistas chamam de pobreza relativa. Ela não tem a ver com fome, violência, miséria ou doenças relacionadas à falta de saneamento básico. A pobreza aqui se apresenta de formas às vezes sutis, complicadas de enxergar na rotina.
A existência de periferias, por exemplo, que eu mencionei, é um aspecto interessante a ser analisado. Tem periferias na Alemanha sim! Elas só não chamam a atenção por causa de certas particularidades que o nosso olhar brasileiro busca.
Não são morros com casas construídas de maneira irregular, sem infraestrutura básica, com Estado ausente. Isso não existe na Alemanha. O que existem são algumas zonas com a mesma reputação das comunidades brasileiras – e desafios sociais semelhantes –, porém visual e estruturalmente mais organizadas.
O nome em alemão para lugares assim é Problemstadteil, Problemviertel, que poderíamos traduzir de forma livre como bairro problemático. Tem outros termos, mas a gente vai ficar só nesses. São locais com mais atenção da polícia por conta da criminalidade ligada às drogas, e onde a moradia é mais barata.
Por isso, é onde reside, em geral, a maioria dos desempregados da cidade, gente que precisa de ajuda financeira do governo para sobreviver. Esse é outro aspecto. A Alemanha é conhecida por seu Estado de bem-estar social, em que a imensa maioria das pessoas não fica desamparada, na sarjeta.
O mínimo o governo garante. Um benefício social conhecido aqui na Alemanha é o Hartz 4, que cobre despesas de subsistência de quem não tem trabalho – ou não pode trabalhar – e não conta com nenhuma renda. É importante a gente falar desses detalhes porque eles nos ajudam a entender o que é a pobreza aqui, a pergunta que eu fiz no início do vídeo, e como ela pode ser medida.
Mas a pobreza na Alemanha – a tal pobreza relativa em que não chega a faltar tudo – se resume a ser sustentado com apoio financeiro federal. . .
e morar num bairro problemático? Quem, afinal, são os mais afetados? A renda, como eu falei há pouco, é o principal critério para dizer se uma pessoa é pobre ou não.
Se a renda não é suficiente para pagar ao menos moradia e alimentação, o individuo engrossa uma estatística nacional: a Alemanha tem quase 14 milhões de pobres. O que dá mais ou menos uma em cada seis pessoas vivendo no país. E como a gente está falando nesse vídeo das nuances dessa realidade, um documentário publicado pela redação de língua inglesa da DW discutiu bem isso.
Quem é mais afetado pela pobreza na Alemanha são as pessoas com um passado migratório. Em 2019, segundo a apuração do documentário, o risco de pobreza se revelou mais que o dobro para pessoas de origem estrangeira. A dificuldade de integração seria o principal motivo.
A lista de grupos vulneráveis não para por aí não. Ainda inclui famílias chefiadas por uma única pessoa, que pode ser a mãe, aposentados e estudantes. No primeiro caso, as mulheres que eventualmente se divorciam e ficam com a responsabilidade de criar os filhos não conseguem estabilidade financeira – e as perspectivas de encontrar emprego diminuem.
A pobreza também é um potencial problema entre os idosos, que reclamam do baixo valor das aposentadorias. Um estudo da Fundação Bertelsmann concluiu que cerca de 20% dos aposentados na Alemanha podem ficar pobres na velhice em 2036. Tem ainda os estudantes, sempre ali contando o dinheiro para dar conta das despesas do mês.
Os estudantes que mais sofrem aqui são os dependentes do financiamento estatal para universitários. A quantia máxima mensal do benefício é de 934 euros, abaixo do que receberia alguém na linha da pobreza. É isso.
Em resumo. . .
tem pobreza. . .
ela não deixa as pessoas miseráveis, passando fome, mas estrangula o acesso a um padrão médio de vida na sociedade alemã. . .
E existem grupos mais vulneráveis que outros. A má notícia: a situação não só pode, como tende a piorar por aqui. A pandemia e a crise energética provocada pela guerra na Ucrânia não vão aliviar em nada a vida de quem está na Alemanha nos próximos anos.
Pelo contrário. Isso vai fazer com que mais gente acabe pobre, num cenário em que a classe média já está diminuindo: de 1995 para 2018, a parcela de médios assalariados na Alemanha caiu de 74% para 67%. A situação está se agravando por causa da inflação, em crescimento desde 2020 (tem um gráfico).
Mais e mais cidadãos vão ficar incapazes de arcar com o aumento dos preços do pão, leite, grutas e legumes no supermercado. Em 2020, por exemplo, cerca de 1,1 milhão de pessoas recorriam aos serviços de distribuição gratuita de alimentos, e agora são 2 milhões! Um sinal de que começa a faltar dinheiro sim para o básico: comida.
Eu queria falar agora de uma solução de curto prazo, de uma perspectiva de melhora. Mas especialistas projetam um futuro complicado para manter o Estado de bem-estar social da Alemanha. Especialmente porque a base que sustenta esse Estado está abalada.
Por muito tempo, a Alemanha foi vista como uma espécie de locomotiva da economia europeia. Mas o modelo econômico baseado na indústria e exportação dá sinais de esgotamento. Economistas dizem que nos últimos tempos a Alemanha foi impactada por barreiras no comércio internacional, e o encarecimento da produção nas indústrias em diferentes setores pelos custos com energia.
E aí os preços de tudo vão lá em cima. E é aquela coisa. .
. com um custo de vida mais alto, a renda encolhe e o resultado não pode ser outro: mais pobreza.