Já faz dez anos desde que tudo aconteceu. Mas aqui, o tempo parou. O relógio congelou às duas e quarenta e seis da tarde, no mesmo momento em que um forte terremoto atingiu o nordeste do Japão, causando um tsunami e um dos maiores desastres nucleares de todos os tempos.
Essa é Fukushima. Eu sou Camilla Veras Mota, e esse é mais um capítulo da série "21 Notícias que Marcaram o Século 21". Vamos falar sobre um terremoto que gerou um tsunami, que por sua vez levou à uma tragédia nuclear.
A maior catástrofe enfrentada pelo Japão desde as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945. No dia 11 de março de 2011, um terremoto de 9 graus na escala Richter aconteceu aqui. Ele causou um tsunami que matou mais de 15 mil pessoas e destruiu a usina nuclear de Daiichi.
Cidades inteiras desapareceram. Não sobrou nada. Dezenas de milhares de pessoas foram removidas Mas como um terremoto foi capaz de causar um desastre com essas proporções?
E como foi para as pessoas que estavam no epicentro do tremor? O acidente transformou Fukushima em uma cidade fantasma, escondida por barreiras. Casas ficaram abandonadas.
Roupas, penduradas exatamente onde foram deixadas. Lugares antes ocupados por pessoas foram tomados pela natureza. Mas nem sempre foi assim.
Depois da 2ª Guerra Mundial, a energia nuclear passou a oferecer novas possibilidades às pessoas. Para um país com recursos naturais escassos, ela representou uma alternativa para deixar de depender de outros países para obter eletricidade. Em 1954, o Japão previu investimentos de 230 milhões de ienes em energia nuclear e começou a construir usinas mais rápido do que qualquer outro país no mundo.
Em 1967, a TEPCO, Companhia de Eletricidade de Tóquio, construiu suas usinas no município de Fukushima, e a unidade de Daiichi se tornou uma das maiores usinas em operação em todo o planeta. Mas tudo mudou em 2011. O terremoto foi o mais forte a atingir o Japão em mais de mil anos.
Foi ainda mais intenso que o grande terremoto de Kanto, que atingiu o país em 1923. O abalo foi tão poderoso que fez a costa da ilha de Honshu, a maior do Japão, ser deslocada dois metros e meio para o leste. E afundar 90 centímetros em relação ao nível do mar.
Tremores secundários foram sentidos pelo mundo, em lugares como China, Estados Unidos e Cuba. A área mais atingida foi a região de Tohoku. Em sua capital, Sendai, as pessoas que estavam nas ruas rapidamente perceberam que não havia para onde fugir.
Imagens registradas em vídeo mostraram muitos tentando escapar de pedaços de edifícios que caíam sobre a calçada. A longa duração do tremor – cerca de seis minutos – tornou o momento ainda mais assustador. O terremoto entrou para a história como o "Grande Terremoto do Leste do Japão", mas também conhecido como "Grande Terremoto de Sendai" ou apenas "Terremoto de Tohoku".
Ele foi causado pelo atrito entre as placas tectônicas da Eurásia e do Pacífico, e seu ponto central foi no mar do Pacífico, a cerca de 130 km de Sendai. Foi a maior movimentação de terra já registrada num terremoto, de 50 metros. Essa movimentação forçou o mar para cima, causando o tsunami, uma série de ondas gigantes.
Uma curiosidade aqui: a palavra tsunami é japonesa, formada pela união de "tsu", que significa "porto", e "nami", que significa "onda". Meia-hora depois do terremoto, as ondas chegaram à costa de Tohoku e outras regiões do leste do Japão. Do alto de prédios muitos japoneses viram, impotentes, o momento em que as primeiras ondas venciam os muros de proteção como se eles não existissem.
Paredes de água invadiram as cidades do litoral, carregando e destruindo barcos, carros e casas, que de longe pareciam de brinquedo. O porto e o aeroporto de Sendai foram totalmente tomados – embarcações, aeronaves, helicópteros, caminhões, vans e outros automóveis eram arrastados pelas ondas. Muitos momentos foram registrados por câmeras, em imagens que impressionaram o mundo.
Mais de 300 mil prédios foram destruídos e outro 1 milhão, danificados pelo tsunami, por incêndios ou pelo terremoto. E também 4 mil estradas, 78 pontes e 29 linhas férreas. A devastação gerou impressionantes 25 milhões de toneladas de detritos.
Parte deles foi levada pelo oceano e acabou nos litorais do Canadá e dos Estados Unidos. Mas além da destruição e das mortes que causou, o tsunami inundou a usina nuclear de Fukushima, provocando o colapso dos reatores 1, 2 e 3, que tiveram o sistema de refrigeração avariado. Quando o suprimento de energia falhou, os operadores perderam o controle da usina.
Uma explosão de hidrogênio acabou destruindo teto e paredes do prédio do reator 4. O Japão classificou o acidente no nível 7 da Escala Internacional de Acidentes Nucleares, o mesmo de Chernobyl. Isso significa que houve uma descarga de radiação em grande escala, com efeitos na saúde das pessoas e no meio ambiente.
Após a explosão, o governo montou uma zona de exclusão, proibindo que pessoas vivessem num raio de 20 quilômetros da usina nuclear. Para muitos, o desastre nuclear de Chernobyl foi um alerta para que fosse feita uma revisão sobre os perigos da energia nuclear. Mas muitas pessoas acreditavam que um acidente como esse não poderia acontecer no Japão.
Um relatório da TEPCO classificou o risco de um desastre radioativo como algo ainda mais distante que “. . .
suposições hipotéticas. . .
” O terremoto foi mais forte, e o tsunami foi maior do que qualquer um imaginava. Mas a Companhia de Eletricidade de Tóquio, responsável pela usina, já tinha tido alguns sinais de alerta. A planta da usina previa que os suprimentos de energia para emergências ficassem armazenados no subsolo.
A ideia era proteger as reservas de um possível furacão, não de um tsunami. Mas o projeto não previu que a área sofreria um dos maiores tsunamis da história do Japão. E isso fez toda a diferença, já que as únicas estruturas que protegiam a usina de um tsunami eram esses muros.
Eles deveriam bloquear ondas de até 5 metros e 70, mas o tsunami gerou ondas que chegaram a 17 metros de altura. Treze anos antes do desastre, um funcionário da TEPCO achou uma rachadura em um componente dos reatores da usina. Quando relatou o problema, a empresa pediu a ele que ocultasse as provas.
Ele ignorou o pedido e avisou o departamento do governo responsável pela regulação do setor nuclear, que determinou que a Companhia resolvesse o problema. A TEPCO então demitiu o funcionário. Em 2011, o jornal americano The New York Times revelou que o governo japonês foi alvo de 14 ações judiciais relacionadas à segurança nuclear.
Apesar de nenhuma ter vingado, trouxeram à tona os operadores que minimizaram os sérios riscos relativos às usinas. Dez anos depois do desastre, a Suprema Corte de Tóquio considerou a Companhia de Eletricidade de Tóquio e o governo japonês responsáveis pela negligência ocorrida em Fukushima, e determinou o pagamento de indenizações para as pessoas que tiveram de ser removidas. O entorno da usina de Fukushima tinha radiação.
Muitas pessoas perderam casa e família. Dezenas de milhares de pessoas foram removidas. Traços de radiação foram encontrados no leite e em vegetais produzidos na região, devastando as comunidades de agricultores, pecuaristas e pescadores.
Após o acidente, as informações vindas do governo e da imprensa nem sempre eram claras. A confiança da população na energia nuclear colapsou com a usina. O desastre triplo, com terremoto, tsunami e tempestade nuclear deixou uma marca profunda na economia japonesa.
O preço do petróleo e do gás natural vindos de outros países aumentou, assim como a dependência do Japão de combustíveis fósseis. Cresceu também a preocupação dos moradores com relação ao futuro. Nenhuma pessoa morreu por causa da radiação em Fukushima.
Mesmo assim, o desastre custou vidas. Segundo estimativas, mais de 2. 200 pessoas que foram removidas da cidade morreram em decorrência do estresse e de traumas causados pelo acidente.
O jornalista Ewerthon Tobace cobriu o desastre para a BBC News Brasil. E viu o cenário de desolação e sofrimento de perto. A impressão que eu tive quando eu cheguei na região atingida pelo tsunami foi a de que estava em um cenário de filme de catástrofe, tamanha a destruição.
Nos três primeiros meses, eu percorri praticamente todo o litoral da costa nordeste do Japão, nas principais cidades atingidas pelo tsunami. Coletei histórias e muitas me marcaram. Eu destaco uma de um senhor, que chorava muito na frente da casa toda destruída.
Ele chegou a tempo de ver a onda levar a casa, a mãe dele doente e a esposa, que estavam na porta, foram também levadas pela onda. Essa história me marcou muito, assim como várias outras. Como a de uma menina que percorria incansavelmente ali, ela revirava os entulhos em busca da mãe.
Então ela gritava, ela passava a noite gritando, chamando pela mãe, na esperança de que ela estivesse presa debaixo dos entulhos. Então foi muito. .
. diria que foi a cobertura mais difícil da minha carreira profissional. O desastre de 2011 mudou Fukushima para sempre.
A maior diferença entre os acidentes de Chernobyl e o da cidade japonesa é que, ao contrário do que aconteceu na antiga União Soviética, o governo local acredita que a área precisa ser limpa. A usina de Fukushima está sendo desmontada, mas a operação é complexa. Existe uma grande quantidade de lixo, além de água e solo contaminados, e as autoridades ainda não sabem onde vão armazenar tudo isso.
De acordo com estimativas do governo, o total de compensações a serem pagas pelo desastre pode chegar a 198 bilhões de dólares, o equivalente a 1 trilhão, 150 bilhões de reais. A operação para limpar a área atingida não deve terminar antes de 2051. Com a descontaminação completa representando um futuro ainda muito distante, surge a pergunta: É seguro voltar?
Apesar de algumas regiões ainda serem inabitáveis, relatórios de 2013 afirmam que os níveis de radiação em Fukushima têm “pouca chance de causar danos à saúde". Como parte do plano de recuperação, o governo criou políticas de inovação para desenvolver a região. A agricultura e a usina de Daiichi já foram o centro da economia local em Fukushima.
Agora, as terras que não podem ser usadas estão sendo transformadas para criar energia limpa e gerar novas fontes de renda. Mas nem todo mundo quer voltar para a cidade. Muitas pessoas que foram removidas se mudaram para outras partes do Japão.
Deixaram Fukushima no passado. Hoje, existem 9 reatores nucleares em operação no Japão. O nosso colaborador Ewerthon Tobace, que voltou a Fukushima agora, viu isso de perto.
O legado desse tsunami é uma muralha extensa e gigantesca. A gente não consegue mais ver o mar por causa desse muro, que tem cerca de 14, 15 metros de altura e uma extensão de 430 km. Eles esperam.
. . as autoridades esperam que essa muralha possa segurar um possível próximo tsunami.
Então isso mudou completamente a paisagem da região. E, apesar de todos os esforços, de tudo que foi feito até agora, ainda você percebe que falta muito, principalmente na região de Fukushima, na região próxima à usina nuclear de Fukushima. Porque é um trabalho muito minucioso, os trabalhadores têm que recolher a terra, eles têm que raspar tudo, não pode deixar nenhum resquício de material radioativo ali.
Então é um trabalho ainda que vai durar muitos anos. O terremoto que causou o acidente não poderia ser previsto, mas muitas pessoas acreditam que isso não significa que o desastre nuclear fosse inevitável. Fukushima e seus moradores estão, aos poucos, começando a se recuperar.
Mesmo que o fim do processo de descontaminação ainda esteja a muitos anos de distância. E no Japão, a preparação para eventuais novas tragédias causadas por terremotos e tsunamis continua. O terremoto de 1923 está prestes a completar 100 anos.
E cientistas avaliam que há 70% de chances de um novo terremoto atingir a capital japonesa, Tóquio, até 2050. Eu fico por aqui. Fique de olho que em breve voltamos com mais.