PARAR o tempo é a PIOR COISA que poderia acontecer

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Ciência Todo Dia
Se você pudesse estalar o dedo e tudo ao seu redor parasse, como se você pudesse congelar o tempo, o...
Video Transcript:
O que você faria se você pudesse congelar o tempo? Se você pudesse. .
. estalar o dedo e tudo ao seu redor aparasse? Essa ideia não é nova, e inclusive é a base de um dos melhores filmes já feitos na história do cinema mundial.
Mas quanta ciência existe por trás da ideia de congelar o tempo? Eu não sei. E ninguém sabe.
Boa parte do nosso entendimento científico se resume a entender como a matéria muda com o passar do tempo. Física é o estudo da mudança de posição com o tempo. Química é o estudo das mudanças de composição química com o tempo.
E o sertanejo universitário é o estudo de como o amor diminui com o tempo. Mas mesmo com o tempo assumindo um papel central na ciência, nós não sabemos quase nada sobre o que realmente é o tempo. Nós sabemos medir o tempo com relógios, mas além disso, o tempo é tido como um fato simples e imutável.
E é bem raro que uma teoria explore a origem do tempo. Mas mesmo sabendo pouco, dá pra saber que a ideia de congelar o tempo no universo inteiro é absurda. E o motivo é que se o tempo fosse completamente congelado, nada aconteceria no universo.
Tudo seria estático e nada iria mudar. Ou, pelo menos é isso que parece. Parar o tempo é a pior coisa que poderia acontecer.
Mas para entender o porquê, existe uma pergunta que nós precisamos responder antes. O que exatamente significa congelar o tempo? Quando o melhor filme do mundo usou a ideia de congelar o tempo, ele tinha uma motivação narrativa para criar o efeito, sem se preocupar com as leis da física ou com a carreira do Adam Sandler.
Mas a função narrativa desse vídeo é ensinar física. Então nós vamos congelar o tempo usando a física. As teorias da física são construídas como um conjunto de leis fundamentais representadas por equações matemáticas.
É possível dividir as leis da física em duas grandes categorias, as leis dinâmicas e as leis estáticas. As leis dinâmicas são as leis que dependem diretamente do tempo, como a segunda lei de Newton. Força é igual à massa vezes aceleração.
E a aceleração é a mudança da velocidade com o tempo, e a velocidade depende do tempo pelo qual a força atua. Já as leis estáticas são leis físicas que valem da mesma forma, independente de quanto tempo se passa. Por exemplo, se você chutar uma bola no espaço, ela vai continuar com a mesma massa e a mesma velocidade, e a multiplicação das duas quantidades é o que nós chamamos de quantidade de movimento.
E esse valor é o mesmo agora, daqui a um minuto, ou daqui a um ano. E se, ao invés de uma, você tiver um milhão de bolas sendo chutadas em direções diferentes, a soma das suas quantidades de movimento vai continuar a mesma. Esse fato representa uma lei estática.
A quantidade de movimento total se conserva. Isso é verdade o tempo todo. Uma força da segunda lei de Newton pode mudar constantemente no tempo, mas o momento total é sempre o mesmo agora ou daqui a um mês.
Leis de conservação não variam com o tempo, seja a conservação de momento ou de energia. Com leis dinâmicas e estáticas em mente, é possível dar um significado mais preciso para o que seria congelar o tempo fisicamente. Congelar o tempo significa suspender as leis dinâmicas, mas sem desrespeitar as leis estáticas.
A segunda lei de Newton não acontece, mas o momento total ainda se conserva. E isso nos ajuda a responder o que acontece fisicamente se a gente congelar o tempo. E só para deixar claro, a partir de agora esse vídeo vai ficar bem hipotético.
Eu vou falar as palavras mágicas e fazer o tempo congelar aqui do meu lado. Edição, por favor, congela o tempo. Obrigado, edição.
Se possível, deixa um joinha no vídeo para o pessoal da edição. Eles merecem. Você talvez viu um flash de luz quando eu congelei o tempo magicamente.
Isso não foi só para deixar o efeito especial mais prático. Quando eu congelei o tempo, todas as partículas da região pararam de se mover, mas esse movimento microscópico carrega energia, e essa energia não pode simplesmente desaparecer. Não esqueçam que leis dinâmicas, como as leis de Newton, param de funcionar quando o tempo congela, mas leis estáticas não.
Conservação de energia é uma lei estática e não uma lei dinâmica. Então, a energia que estava guardada no movimento das partículas foi emitida como luz. E foi a luz dessa energia sendo removida que você viu.
Mas espera um pouco. Se eu congelei o tempo nessa região do espaço, como que a luz se moveu para escapar dela? Aqui vem um fato curioso.
Existe uma lei da física que trata diretamente sobre movimento, mas que não é uma lei dinâmica. A velocidade da luz é absoluta. A luz sempre se move na velocidade da luz, independente da situação ou do observador.
É como se a luz não se importasse com o tempo. Se congelar o tempo é equivalente a manter só as leis estáticas da física, a luz poderia atravessar uma região de tempo congelado, assim como qualquer coisa que viaja na velocidade da luz, como campos elétricos e gravitacionais. Agora vou pedir para o pessoal da edição tirar essa zona de tempo congelado daqui antes que o Adam Sandler apareça no estúdio.
Apesar de a luz conseguir escapar do nosso tempo congelado, ela não vai conseguir interagir com o que estiver dentro dessa bolha. Reflexão de luz é um processo dinâmico para a matéria. Como as leis dinâmicas param de funcionar, a luz simplesmente atravessaria o que estivesse dentro da bolha de tempo congelado, como se ela não estivesse lá.
Ou seja, a região de tempo congelado seria invisível, o que seria um perigo, porque seria muito fácil tropeçar nela sem querer. Alguém lembra onde eu estava? Isso levanta uma outra pergunta.
O que vai acontecer se eu entrar na região de tempo congelado? A nossa intuição diz que alguma lei da física vai ser violada, mas a questão é como minimizar o número de leis da física violadas. Quando um objeto está se movendo, ele tem quantidade de movimento e energia.
Ao colidir com uma região de tempo congelado, essa quantidade de movimento e energia devem ser preservados, independente do que aconteça, porque leis da conservação são leis estáticas, que valem dependente do tempo. E uma das formas de manter a conservação valendo seria as bordas da região de tempo congelado atuarem como uma espécie de portal. Por exemplo, quando eu tentasse atravessar a região de tempo congelado, eu seria transportado para o outro lado, como se eu tivesse passado por um portal.
E dessa forma, toda energia e quantidade de movimento que eu tenho é perfeitamente conservada. E isso só viola uma lei da física, porque eu meio que viajei acima da velocidade da luz por um curto período de tempo. Mas se o Adam Sandler pode, eu também posso.
E aqui tem algo curioso. Se a região com o tempo congelado agir como um portal, e se ela for transparente, é quase como se a região não estivesse lá. Ela é invisível e é atravessada por qualquer coisa que chegar perto.
Pera, para efeitos práticos, é como se a região tivesse sido deletada e não existisse mais. O que mostra o quanto a passagem do tempo é crucial para o nosso entendimento do mundo. Nessa brincadeira de tentar congelar o tempo, nós sem querer chegamos à conclusão de que sem tempo as coisas basicamente não existem.
Remover a passagem do tempo parece equivalente a deletar uma região completamente do universo. Eu falei que congelar o tempo seria a pior coisa que alguém poderia fazer. A existência parece conectada ao tempo.
Então, talvez não seja coincidência que a verdadeira origem do tempo seja tão misteriosa quanto a própria origem do universo. Pensando assim, congelar o tempo do universo inteiro seria como apagar o universo da existência. Congelar todo o tempo seria o fim de tudo, o que é uma conclusão perfeitamente razoável.
Mas se essa fosse a única conclusão razoável, eu não precisaria de uma transição dramática nesse momento do vídeo. Edição, por favor. Talvez o tempo já esteja congelado.
Talvez a nossa percepção de um tempo linear que flui do passado para o futuro e a ideia de causa e efeito seja a forma errada de olhar para o tempo e quem sabe para o próprio universo. E sim, eu sei que essa é uma afirmação ousada, mas ela não é uma afirmação sem base na física. Uma das maiores buscas da física moderna é unificar a nossa teoria da gravidade com as leis do mundo quântico, que seria uma teoria da gravidade quântica.
E curiosamente, muitas propostas para a gravidade quântica apagam o tempo do universo completamente. É sério, esse problema tem até um nome. O problema do tempo.
O problema do tempo surge por conta da diferença com que duas das nossas melhores teorias físicas lidam com o tempo. A relatividade e a física quântica. Apesar de a física quântica estar cheia de fenômenos não intuitivos, o mundo quântico funciona exatamente como o que nós estamos acostumados.
O tempo passa, e com isso, coisas acontecem no espaço. É como se o espaço fosse um canvas, um quadro em branco, e o tempo fosse as pinceladas que criam uma imagem. Já a Relatividade Geral vê o tempo e o espaço de maneiras completamente diferentes.
A presença de corpos massivos, como estrelas e planetas, distorce tanto o tempo quanto o espaço. Dois observadores diferentes, em dois lugares diferentes, percebem medidas de tempo e de espaço de formas diferentes. O próprio espaço-tempo é afetado pelo que acontece, e a noção de tempo é relativa, não absoluta.
De forma mais matemática, na física quântica, as equações descrevem o que acontece no tempo. Na relatividade geral, as equações descrevem o que acontece com o tempo. Então, qual dessas duas visões do tempo é a melhor visão para descrever a gravidade quântica?
Talvez nenhuma das duas. E eu preciso explicar um pouco mais sobre como criar uma teoria quântica antes de explicar o problema do tempo. Uma das formas de criar uma teoria quântica é pegar alguma equação da física clássica e realizar um processo chamado quantização.
Nesse processo você adiciona propriedades quânticas nos termos da equação. Propriedades como probabilidade, incerteza e complementaridade. O problema é que nem toda equação é facilmente quantizada.
Por exemplo, a segunda lei de Newton não consegue ser facilmente transformada em uma equação quântica. O mais próximo de uma segunda lei de Newton para a física quântica seria a equação de Schrödinger, mas até visualmente elas são bem diferentes. Felizmente, existem outras equações capazes de descrever o movimento.
Alternativas muito mais elegantes do que as leis de Newton do ponto de vista da quantização. Por exemplo, equações de Hamilton escrita com parênteses de Poisson viram a equação de Heisenberg quando quantizadas. E você não precisa entender nada do que eu falei para ver que essas duas equações são bem parecidas.
Essa é a arte da quantização, achar qual que é a forma mais fácil de transformar equações clássicas em equações quânticas. O problema do tempo surge quando nós tentamos quantizar a gravidade como descrita pela relatividade geral. Vamos imaginar um cenário simples.
Um único planeta orbitando uma única estrela. Sabendo a massa dos dois corpos e a velocidade relativa deles, é possível usar as equações da relatividade geral para descrever como o planeta se move ao redor da estrela e como esse movimento afeta a estrutura do tempo e do espaço. A cada instante, não é só o planeta que muda de posição.
O próprio espaço ao redor do planeta é curvado pelo movimento. Até o ritmo que o tempo passa é afetado pelo movimento dos dois corpos. Mesmo num problema simples como esse, a relatividade geral leva em conta a própria estrutura do espaço-tempo.
E é isso que torna a equação tão complicada e tão difícil de quantizar. E é aqui que entra um truque ousado. É mais fácil quantizar a gravidade se a gente congelar o tempo.
E como exatamente a gente pode fazer isso? Quando resolvemos as equações de movimento, nós sabemos como o planeta vai se mover ao redor da estrela por todo o futuro. E também sabemos onde o planeta estava no passado.
As equações determinam o comportamento dos corpos por toda a história do espaço e do tempo. Ou seja, equações dinâmicas são equivalentes a toda a linha histórica do movimento. É possível reescrever a física em termos dessas linhas históricas completas, ou seja, trocar as equações que descrevem o movimento momento a momento pela solução completa e estática para todos os instantes no tempo e todos os pontos do espaço.
Isso gera uma formulação completamente estática da física. Nessa formulação, todo o tempo já aconteceu. Passado e futuro deixam de ser diferentes.
Todos os pontos do tempo são igualmente acessíveis, da mesma forma que todos os pontos do espaço são. Calcular o que acontece em 15 meses no futuro ou no passado é equivalente a calcular o que acontece a 15 quilômetros para um lado ou para o outro. Matematicamente falando, a visão dinâmica e a visão estática dão os mesmos resultados, mas as conclusões filosóficas que elas sugerem são bem diferentes.
Trocamos uma visão dinâmica na qual o universo muda pouco a pouco e em que causas geram efeitos por uma visão eternalista. No eternalismo o futuro é tão determinado quanto o passado. O tempo existe como algo amplo e completo e não como um processo que avança um segundo por segundo.
É como se o universo inteiro fosse um bloco de histórias congeladas, com uma das direções do bloco representando o tempo. Essa é a visão de universo em bloco, na qual o tempo já está congelado. Mas isso piora, porque quantizar esse universo em bloco ainda não é tão fácil.
Mas dá para deixar a quantização mais fácil, fazendo mais uma mudança de perspectiva. Na relatividade de Einstein, coordenadas de tempo e espaço não são as únicas formas de descrever o espaço-tempo. É possível trocar uma descrição que usa posição e tempo por uma usando uma mistura das duas coisas.
Por exemplo, coordenadas de cone de luz usam caminhos de raios de luz para descrever mudanças na estrutura do espaço-tempo, ao invés de medidas de distância e tempo. E nas coordenadas de cone de luz, tempo e espaço estão misturados. No caso, uma das coordenadas de luz é posição mais velocidade da luz, vezes o tempo, dividido pela raiz de 2.
Essa coordenada não é de espaço nem de tempo. Ela é uma coordenada que mistura espaço e tempo, o que não significa muito para a nossa intuição humana. Mas a moral da história é que é muito mais fácil quantizar a gravidade escolhendo coordenadas estranhas como essas.
Então a versão quantizada da relatividade geral nem sequer tem uma representação direta do tempo. A gravitação quântica descreve o universo em coordenadas completamente arbitrárias, sem relação direta com a nossa experiência cotidiana do universo. A gravitação quântica não só congela o tempo, como pulveriza a própria ideia de tempo entre essas coordenadas mais convenientes.
A melhor descrição do universo é em termos de conceitos matemáticos que nem mesmo tem nomes reconhecíveis, mas que são fáceis de quantizar. O problema do tempo é o conflito entre a ideia de um universo em bloco parecer uma boa descrição do universo, mas também destruir o conceito intuitivo de tempo. Por um lado, descrever bem o universo é o objetivo de qualquer teoria física, mas por outro o tempo parece sim fazer parte desse universo.
Então o quanto que faz sentido abandonar o tempo? Será que dá pra salvar o tempo mesmo nessas teorias do universo em bloco? Talvez.
Em uma teoria de universo em bloco, as variáveis ainda estão indiretamente relacionadas com o tempo e o espaço como nós conhecemos. E talvez seja possível achar uma forma de desembaralhar as coordenadas e recuperar uma ideia mais intuitiva de espaço-tempo. Recuperar a noção de tempo não como algo fundamental do universo, mas como uma combinação de outras variáveis.
Seria como fatiar o bloco do universo em pequenas folhas e tentar reordená-las usando o nosso conceito intuitivo de causa, efeito e tempo. O problema é que tem mais de um jeito de ordenar o universo que faz sentido, e ninguém encontrou uma forma satisfatória de definir tempo usando esse processo. Outra alternativa é só forçar a barra e impor que o tempo existe como uma lei adicional para essa teoria.
Funciona, mas é desagradável. Parece uma violação daquela ideia de simplicidade da navalha de Ockham. E a terceira alternativa é abandonar o tempo.
O universo não é um bloco de tempo congelado. Ele é só um bloco de eventos e acontecimentos sem uma ordem bem determinada. O que nós percebemos como uma história, uma ordem de causa e efeito, é apenas uma das infinitas formas possíveis de fatiar e ordenar o bloco do universo.
O universo é um bloco, e cada direção dentro desse bloco representa alguma forma diferente de ver o universo. E dentro dessa infinidade de perspectivas, existe uma direção específica que é o que nós chamamos de tempo, com cada momento do universo sendo apenas uma de muitas perspectivas possíveis. O tempo é uma direção aleatória no bloco do universo, que só percebemos porque nós estamos nos movendo por essa direção.
Nesse caso, a ideia de tempo é só uma das possíveis formas de ver o universo, e talvez não seja nem a melhor. Congelar o tempo talvez seja uma péssima ideia na nossa intuição, mas talvez seja a melhor ideia da ciência. Mas aí eu gostaria de saber o que vocês provavelmente já pensaram em algum momento nesse vídeo.
Se você pudesse congelar o tempo, o que você faria? Digita pra mim aqui nos comentários. E até a próxima.
Muito obrigado!
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