Por que todo mundo não fala a mesma LÍNGUA?

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Ciência Todo Dia
Por que todo mundo não fala igual? Ou melhor, a mesma língua? A comunicação entre as pessoas do mund...
Video Transcript:
Saluton! Kiel vi fartas? Bonvenon al Scienco Ĉiutage!
Calma aí! Não precisa mudar a configuração de idioma no YouTube. Tá tudo certo.
Isso foi só uma saudação em uma outra língua. Não é uma língua oficial de nenhum país. Na verdade, não é nem uma língua natural, digamos assim.
Mas eu garanto que ela existe de verdade. Fica até o final do vídeo que você vai entender direito essa história. Mas antes de a gente chegar lá, eu não sei se você já parou pra pensar em como tudo seria muito mais fácil se a humanidade inteira falasse a mesma língua.
A comunicação entre as pessoas do mundo todo seria bem mais prática e eficiente. Por que, então, isso não acontece? Afinal, se seres humanos andam, pulam, dormem, fazem tanta coisa igual, por que todo mundo não fala igual também?
A verdade é que os primeiros humanos já se expressavam muito antes do surgimento de qualquer idioma. As formas de comunicação não verbal sempre existiram entre os nossos ancestrais, e até em outros animais, como esse cachorro aqui abanando o rabo pra mostrar felicidade. Deixem um like pra essa fofura.
Seja com os gestos ou expressões faciais capazes de transmitir ideias de medo, nojo, felicidade ou tristeza, seres humanos já se comunicavam muito antes de as palavras serem inventadas. Existiam também os desenhos. As famosas pinturas rupestres permitiam que os humanos do passado se expressassem e deixassem registrados pequenos fragmentos da história da nossa espécie.
Pessoas, animais, a natureza e até os primeiros mapas foram eternizados nas paredes das cavernas algumas dezenas de milhares de anos atrás. Mas e quanto a fala? Quando foi que seres humanos se diferenciaram de vez dos outros animais e passaram a se comunicar através das palavras e dos idiomas?
Pro biólogo Charles Darwin, considerado o nome mais importante dos estudos sobre a evolução das espécies, a nossa linguagem surgiu justamente a partir da imitação dos animais. Ainda no século XIX, Darwin escreveu Não posso duvidar que a linguagem deve sua origem à imitação e modificação, auxiliada por sinais e gestos de vários outros sons naturais, as vozes de outros animais e os próprios gritos instintivos do homem. Outros cientistas apontam diferentes explicações para o surgimento da comunicação verbal.
Para alguns pesquisadores, os primeiros sons imitavam não só os animais, mas os próprios gestos manuais do ser humano. Por exemplo, o som de <palma batendo> pode ter dado origem ao som de PÁ O som de <esfregando as mãos> pode ter dado origem ao som de SHH. E por ai vai.
Tem também quem diga que tudo começou com as interjeições, aqueles sons que a gente solta até sem querer de surpresa, prazer ou dor, por exemplo! Ou seja, talvez a primeira palavra da historia tenha sido o ai de um neandertal que deu uma topada na mesinha de centro da caverna. Outra teoria aponta que a comunicação verbal nasceu do trabalho coletivo, em uma tentativa de sincronizar o esforço muscular.
Tipo quando você e seus amigos precisam carregar um objeto pesado juntos e falam um, dois, três, já! Mas sem que existissem as palavras um, dois, três e já, é tudo na base dos grunhidos. No fundo, é possível que a resposta correta seja todas as anteriores.
Ou seja, os seres humanos não acordaram de um dia para o outro se comunicando perfeitamente. Aos pouquinhos, a nossa linguagem foi surgindo através de barulhos aqui e gemidos ali. E aí, ao longo do tempo, o nosso aparelho fonador foi se desenvolvendo, permitindo que uma amplitude cada vez maior de som saísse da nossa boca.
E então os humanos foram, aos poucos, batizando cada um dos objetos ao seu redor com nomes e sons diferentes. Além disso, em algum momento, a linguagem humana sofreu uma mudança única na história da evolução. A capacidade de ser criativo com a linguagem.
Por exemplo, a frase Pedro abacaxi, acabou Yorkshire, provavelmente nunca foi dita antes. Esse tipo de criatividade não tem precedentes em outros animais. A linguagem animal é direta.
Um cachorro abanando o rabo é sempre um cachorro feliz. Já a linguagem humana tem bem mais camadas de complexidade. E o exato mesmo sinal pode significar coisas diferentes e situações diferentes.
Por exemplo, eu amo a minha equipe que está comigo aqui nessa sala. Ou eu amo a minha equipe que está comigo nessa sala. Além de ter linguagem, os humanos também criam linguagem de formas diferentes, na forma de sinais, escrita ou língua oral.
Um processo que deu origem às mais de 400 mil palavras que existem só em português, além das outras milhões de palavras em milhares de idiomas ao redor do mundo. Esse é o tema de estudos de uma grande área do conhecimento chamada linguística. Nomes como Ferdinand de Saussure, Mikhail Bakhtin e Lev Vygotsky.
Dedicaram suas vidas a entender e tentar explicar como funciona a sistematização das línguas humanas. O primeiro idioma de que se tem conhecimento foi o chamado Proto-Indo-Europeu. Ele foi a raiz da maior parte das línguas que são faladas no mundo até hoje em dia.
E quando eu digo raiz, é porque a gente pode pensar exatamente como se fosse uma árvore. A raiz cresce e dá origem ao tronco, que por sua vez se divide em uma série de galhos. E foi assim que aconteceu com a nossa linguagem.
A árvore do Proto-Indo-Europeu não foi a única nessa floresta da comunicação humana, mas foi certamente a que mais cresceu e a que mais gerou frutos. Todos esses idiomas nasceram daquela raiz em comum. Em alguns casos, essa ramificação aconteceu ainda lá atrás no passado.
Por isso que, sei lá, o inglês é tão diferente do nepalês. Já o português e o espanhol, que se distinguiram há bem menos tempo, têm muito mais semelhanças. Não se sabe o local exato onde o Proto-Indo-Europeu surgiu, mas cientistas acreditam que tenha sido mais ou menos onde hoje fica a Turquia.
E aí, conforme os seres humanos foram migrando pelo mundo, as línguas também foram se diferenciando. Além disso, as guerras e as invasões de terra também levaram à proliferação de idiomas. Por exemplo, quando os romanos conquistavam uma região, eles levavam o latim.
Mas ao mesmo tempo, eles também absorviam palavras dos idiomas locais das terras que foram ocupadas. E aí, imagine esse processo acontecendo o tempo inteiro durante milhares de anos, nos mais diversos cantos do mundo. O resultado foi a subdivisão daquele primeiro idioma original em milhares de línguas super diferentes entre si.
E são literalmente milhares. No mundo todo existem cerca de 7 mil idiomas diferentes. Só no Brasil são mais de 200.
A maioria absoluta é de línguas indígenas, como Guarani, Yanomami, Guajajara e tantas outras. E tem ainda comunidades que falam línguas estrangeiras, como o Pomerano, que é parecido com o alemão e é utilizado especialmente em algumas cidades capixabas e do sul. Além, é claro, de Libras, a língua brasileira de sinais, e uma das línguas oficiais do Brasil.
E a propósito, para quem não sabe, cada lugar tem a sua própria língua de sinais. Ela não é universal, existem algumas centenas no mundo afora. Mas voltando para as línguas faladas, assim como acontece no Brasil, outros países têm situações parecidas.
Ou seja, em boa parte dos lugares, a maioria da população se comunica em somente um ou dois idiomas, e aí grupos bem menores falam uma imensa variedade de idiomas, que existem mesmo com poucos falantes. Colocando isso em números, a gente pode dizer que 94% dos habitantes da Terra falam só cerca de 10% das línguas que existem. Ou seja, mais de 90% dos idiomas estão na boca de somente 6% da população mundial.
Se essa informação, por um lado, é impressionante, por outro, ela é preocupante. Afinal, isso quer dizer que grande parte da riqueza cultural da humanidade só sobrevive graças a uma parcela muito pequena da população. Ou seja, com o tempo, muitas dessas línguas podem acabar sendo extintas.
Na verdade, isso é até algo bastante comum. Em média, de acordo com a UNESCO, a cada duas semanas, uma língua deixa de existir na Terra. E eu espero que a próxima não seja a minha.
Nesse ritmo, até o final desse século, metade daquelas sete mil línguas que eu falei podem simplesmente desaparecer. E a que vale a gente diferenciar o conceito de língua extinta de um outro conceito importante, o de língua morta? O exemplo mais famoso de língua morta é o latim.
O latim ainda existe. Muitas pessoas falam latim. Padres rezam missa em latim, o Harry Potter faz feiti osem latim, cachorros vivem latindo.
Mas o latim não é o idioma nativo de ninguém. Ou seja, ninguém vai aprender intuitivamente o latim como acontece com o português no Brasil, o inglês nos Estados Unidos, e por aí vai. Até porque ele não é a língua oficial de nenhum país.
Ou melhor, pra ser bem preciso, ele até é do Vaticano, mas aí é um caso bem à parte. É um país com menos de mil habitantes do tamanho de uma praça. O fato é que nenhum ser humano cresce ouvindo latim na família, na escola ou na televisão.
Todo mundo precisa parar para estudar a gramática e o vocabulário se quiser saber falar. E isso, é claro, exige muito esforço, muito tempo e faz com que pouca gente saiba falar latim fluentemente. Se já é trabalhoso aprender um novo idioma, imagina um que é falado por pouquíssimas pessoas.
Isso leva a gente a se perguntar, e se não fosse preciso aprender vários idiomas pra se comunicar com todo mundo? Afinal, por mais que você seja um apaixonado por estudar línguas, é impossível saber falar todas elas. Mas e se a gente tentasse escolher uma só e transformasse ela numa espécie de língua universal?
Por que o ser humano nunca fez isso? Bom, não foi por falta de tentativa. O exemplo mais famoso é o Esperanto, um idioma artificial idealizado pelo polonês Ludwik Zamenhof, no final do século XIX.
Ele vivia numa cidade que pertencia na época ao Império Russo, onde se falavam várias línguas diferentes. E por isso ele se perguntou, como seria se existisse um idioma único para todos os povos? Mas então ele não quis ficar só esperanto e decidiu agir.
Ok, desculpa. Zamenhof pegou fonemas eslavos, se inspirou em palavras latinas e imitou estruturas comuns em vários idiomas, como o adjetivo antes do substantivo, que é o típico do inglês. E para facilitar o aprendizado, ele utilizou regras simples, como por exemplo, só três tempos verbais, passado, presente e futuro.
O resultado foi a criação da mais importante língua artificial do mundo. Hoje o Esperanto tem quase 10 milhões de pessoas que sabem falar com algum nível mínimo de fluência. Ele é usado em alguns eventos internacionais, em transmissões pela internet, na literatura, na música e também foi o idioma que eu usei naquela saudação no início desse vídeo.
Além disso, só a Wikipédia tem mais de 350 mil artigos em Esperanto hoje em dia. Mas o Esperanto não é o único idioma artificial já inventado pelo ser humano. Existem outros projetos parecidos, como o Novial, o Ido e também a Interlíngua.
Essa última é chamada língua auxiliar porque ela se baseia na existência de palavras parecidas em vários idiomas do mundo. E boa parte desse vocabulário vem das línguas latinas, mas existem termos de outras partes da Terra que são entendidas por muita gente. É o caso das palavras kimono, iglu e vódka, por exemplo.
E com o resultado, dá pra escrever textos como esse aqui, que tá no site da União Brasileira Pró-Interlíngua. Eu não sei se a minha pronúncia de interlingüês tá em dia, mas eu vou tentar. Le novetinto miliones de personas qui parla portoquese, francese, espanhol, italiano, romaniano, etc.
E mesmo le parlantes anglese compreendem un texto technique in interlingua sensulio pra vi. E aí? Conseguiram entender?
É um exemplo de texto compreensível pra falantes de vários idiomas diferentes, mesmo que nunca tenham estudado uma outra língua. Mas além dessa tentativa de comunicação internacional, as línguas e outras formas de comunicação artificiais podem ser criadas por outros motivos, inclusive artísticos. É o caso do Nadsat, inventado pelo escritor Anthony Burgess, para o seu livro Laranja Mecânica.
Quem já leu essa obra ou assistiu o filme do Stanley Kubrick deve se lembrar da linguagem usada pelos droogs que saiam dando toltchoks no guliver dos Outros. Ou, em bom português, dos trombadinhos que se juntavam para dar pancada na galera por aí. E tem também o Klingon, que é ainda mais impressionante.
É um idioma totalmente estruturado, até mesmo com uma gramática própria, desenvolvido pelo linguista Mark Ocrand para a série Jornada nas Estrelas. TlhIngan maH! Existem livros publicados em Klingon, eventos anuais para promover o idioma, e até o caso de um pai americano que passou os primeiros três anos da vida do filho dele se comunicando só em Klingon, supostamente para entender como funciona o processo de aprendizagem desse idioma por parte das crianças.
Como é que fala ideia de jirico em Klingon? Mas nem o Klingon e nem a interlíngua, nem mesmo o Esperanto, foram capazes de fazer o mundo inteiro falar a mesma língua. É que um idioma fabricado em um laboratório, digamos assim, enfrenta muitas dificuldades para ser incorporado na vida real das pessoas.
Afinal, lembra o que eu falei agora há pouco sobre o latim? Assim como uma língua morta, as línguas artificiais não são oficiais de nenhum país. E elas não estão presentes no cotidiano de ninguém.
Tirando da criança creve que ouviu o pai falar Klingon por 3 anos. Mas de resto, a gente só tem acesso aos idiomas artificiais se parar para estudar e aprender tudo do zero. E esse processo enfrenta muitas barreiras.
A principal delas é o acesso à educação no mundo. Basta pensar, por exemplo, nas escolas brasileiras. Em muitas delas, os alunos mal têm aula suficiente de português.
Um segundo idioma, como o inglês, então, nem se fala. Não é à toa que só 1% da nossa população tem influência em inglês. Imagine então o desafio que seria ensinar uma língua ainda menos utilizada como esperanta.
Fora que a gente está falando de apenas um dos mais de 200 países do mundo. Essa situação é ainda mais delicada em outros lugares. A maior parte dos países não tem muito a ganhar adotando uma outra língua no lugar das línguas da sua população.
Especialmente quando a tradução em línguas francas como inglês e francês se mostram suficientes para a comunicação internacional. E por isso, por mais que alguns de nós quisessem, a verdade é que dificilmente um dia o mundo inteiro vai ser capaz de se entender numa só língua. Por um lado, isso pode parecer uma má notícia para algumas pessoas, mas vamos pensar pelo outro lado.
A grande variedade de idiomas que existem no mundo é algo fantástico. Assim como diferentes povos têm suas leis, suas religiões e até seus calendários, eles também têm suas línguas. Elas são parte fundamental da cultura de cada grupo e de cada nação.
Estudar novas línguas estimula nosso cérebro e melhora nossa memória. E serve também como hobby pra muita gente, que se diverte aprendendo um pouco mais sobre o mundo através do idioma de cada lugar. E também é uma prática que motiva muitas pessoas a fazer as malas e conhecer outros países, na busca por uma experiência de imersão em uma realidade diferente.
E que até mesmo sem viajar, já serve pra ampliar o nosso repertório cultural. Assistir um filme em outra língua ou ouvir uma música em um idioma diferente, ainda que a gente nem entenda direito o que diz a letra, são sensações que fazem a gente se transportar pelo mundo mesmo sem sair de casa. Por isso, não tem problema se a humanidade nunca vier falar a mesma língua.
No fim das contas, isso pode servir como incentivo a mais pra gente conhecer o mundo. São centenas de países, milhares de idiomas, milhões de palavras, bilhões de pessoas, e infinitos motivos pra se encantar com essa espécie tão fascinante que é o ser humano. tão fascinante que é o ser humano.
Koran dankon. . .
kaj ĝis la venontan fojon!
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