[Música] O grande desenvolvimento da psiquiatria e do vencimento das doenças mentais se dão em duas grandes áreas. A primeira delas é na neurociência. Na neurociência, com o avanço da tecnologia, por exemplo, novas técnicas de imagem cerebral, técnicas nas quais você pode medir o funcionamento cerebral, metabolismo cerebral, então esta área avançou muito.
Depois veio um grande enriquecimento com os avanços na genética, avanços na genética que nos permitem então estudar e pesquisar possíveis marcadores genéticos que aumentam, por exemplo, o risco para algumas doenças e transtornos psiquiátricos. Então, esta área da tecnologia e da neurociência vem contribuindo para, cada vez mais, um melhor entendimento da doença mental. Consequente a esta área, veio uma outra área que se desenvolveu muito, que é a farmacologia.
O desenvolvimento de novos medicamentos, hoje nós temos então um arsenal terapêutico muito mais amplo do que tínhamos há 30 ou há 40 anos, nos permitindo então escolher medicamentos cada vez mais adequados para cada [Música] indivíduo. Melhorou a eficácia dos tratamentos. Os psicofármacos, assim chamados medicamentos psiquiátricos, começaram a ter um grande desenvolvimento na década de 50, e a partir daí houve quase um esvaziamento dos hospitais psiquiátricos, porque antes os pacientes eram internados, mas num sistema custodial; o paciente ficava lá dentro para não ficar na rua, mas não tinham tratamentos eficazes.
Com os medicamentos, por exemplo, com os antipsicóticos, foi possível então tratar as pessoas, elas melhoravam e esvaziaram o hospital psiquiátrico. Houve também uma melhora no conhecimento público sobre a doença mental, que contribuiu para diminuir o estigma e o preconceito da doença mental, mas este ainda é um aspecto com o qual nós temos que lutar diariamente: diminuir o estigma para facilitar a reintegração do doente mental na sociedade, na família e na profissão. [Música] Comecei minha carreira de pesquisa pesquisando a esquizofrenia, que é uma psicose que atinge cerca de 1% da população mundial, pesquisando aspectos moleculares, aspectos biológicos da esquizofrenia.
E, nesta área, eu trabalhei, com vários aspectos, inclusive aspectos sobre o funcionamento do sistema nervoso central, funcionamento das células nervosas. E, a partir daí, eu alarguei para duas outras áreas: a área da doença de Alzheimer, essa demência, a perda da memória que ocorre frequentemente no idoso; e também na pesquisa da depressão e dos chamados transtornos do humor. Nessa área, venho trabalhando predominantemente na área de neurociências, quer dizer, na área biológica, e foi aí que eu dei e venho dando as minhas contribuições.
[Música] Sem dúvida nenhuma, o Brasil está avançando. Nós temos no Brasil excelentes profissionais de pesquisa, tanto psiquiatras como todas as pessoas da pesquisa básica. Então, o Brasil produz hoje trabalhos de excelente qualidade, trabalhos que têm aceitação internacional, publicados nos melhores periódicos.
É lógico que as verbas que nós temos aqui à disposição para a pesquisa são inferiores às verbas que se têm, por exemplo, nos Estados Unidos ou na Europa, mas isto faz com que nós aprimoremos cada vez mais os nossos projetos de pesquisa para conseguir, então, o financiamento à altura de competitividade em nível internacional. [Música] Na carreira de pesquisador, existe um fator que é decisivo, que é a curiosidade. É a curiosidade que determina, por exemplo, a criatividade.
Por curiosidade, você formula hipóteses, hipóteses que podem ser testadas experimentalmente; são as hipóteses científicas. Aliás, o pré-requisito para uma teoria ser científica é que ela possa ser pesquisada e falseada; é o critério da falseabilidade. Já há uns 20 anos, eu comecei a me interessar também pelo papel da fé, pelo papel da religião.
Sabe-se hoje que a religião desempenha um papel importante na saúde mental, e em 2007, eu organizei, junto com o Dr Alexander Moreira Almeida, um debate no Congresso Brasileiro de Psiquiatria sobre a questão da mente, do cérebro, da consciência. E, realmente, estudando o que se tinha até então de pesquisa na área, eu vi que era um aspecto promissor para a pesquisa, porque existiam muitas perguntas que não estavam ainda resolvidas, parte delas perguntas que não haviam sido pesquisadas suficientemente com o enfoque científico. Havia, por um lado, as pessoas que acreditavam, por exemplo, em fenômenos espirituais, e as pessoas que eram céticas, que não acreditavam.
Mas nenhum dos dois grupos tinha ali elementos experimentais concretos para saber, não se é para acreditar ou não, mas para saber se há algum fato, algum aspecto, por exemplo, biológico, testado cientificamente, que corrobore ou que falseie essas crenças e essas suposições. Baseado nisso, eu comecei então a me interessar pelo tema, até que chegamos, aí, nos últimos 5 anos, a um estudo da mediunidade em si. A mediunidade desperta a curiosidade do pesquisador porque é um fenômeno presente universalmente.
Pesquisas aqui no Brasil mostram que 11% das pessoas já tiveram, em algum momento da vida, uma experiência mediúnica e, mundialmente, mais de 50% das pessoas já tiveram experiências espirituais mais complexas. Então, é um fenômeno universal, um fenômeno que merece atenção dos pesquisadores. E foi isso que nós fizemos.
Nós pesquisamos, aí, aspectos genéticos de pessoas que se acreditam, se atribuem o dom da mediunidade. [Música] A ideia, a hipótese inicial é: será que existem marcadores genéticos para as pessoas que apresentam fenômenos de mediunidade? Então, o primeiro ponto deve ficar bem claro: nós não estamos pesquisando se existe ou não existe, por exemplo, comunicação com pessoas falecidas.
Isto é objeto de outras pesquisas. O que nós pesquisamos é se as pessoas que se atribuem o dom, que são classificadas como médiuns, se eles têm algum marcador genético que esteja correlacionado com esta mediunidade. Então, da mesma forma como nós pesquisamos a genética das depressões, a genética da ansiedade, a genética de indivíduos super, nós não estamos querendo justificar se existe ou não motivo para a pessoa com depressão estar deprimida.
O que nós estamos pesquisando é se ela tem alguns marcadores biológicos que a levam a sentir, por exemplo, depressão. Da mesma forma, então. .
. Como se pessoas com mediunidade têm algum marcador genético que as leve a desenvolver essas experiências, independente da validade ou não da experiência mediúnica? A primeira coisa a fazer, a técnica que nós estudamos, a estratégia biológica, foi estudar o exoma.
O que é o exoma? Nós temos o conjunto dos nossos genes, que é o genoma. Desse genoma, cerca de 1 a 2% constitui o exoma.
É a menor parte do genoma, mas são realmente os genes que codificam a formação de 85% das proteínas importantes para a vida. Então, é uma região de alto interesse. Este exoma, nós decidimos estudá-lo primeiro em um grupo muito seleto de médiuns, um grupo de médiuns recomendados pelos seus pares.
Pessoas de credibilidade, pessoas que não ganham dinheiro com a mediunidade, pessoas que exercem a mediunidade voluntariamente há mais de 10 anos e pelo menos uma vez por semana. Este foi o grupo que nós escolhemos, o grupo experimental, e nós precisávamos para eles de um grupo de controle que fosse o mais semelhante possível a esse grupo dos médiuns, mas que não tivesse mediunidade. Para isso, nós escolhemos os parentes de primeiro grau dos médiuns.
A grande maioria são irmãos dos médiuns que compartilharam com eles o mesmo ambiente familiar, o mesmo ambiente religioso, o mesmo ambiente nutricional, o mesmo ambiente sociocultural e econômico. Só que a diferença é que eles não tinham mediunidade. Então, nós comparamos esses dois grupos.
Os dados que nós encontramos mostram um número grande de variantes genéticas que apareciam predominantemente nos médiuns e não apareciam nos não médiuns. E, principalmente, encontramos 33 genes que eu chamo agora de genes candidatos. São genes que estavam presentes em pelo menos 1/3 dos médiuns e que não estavam presentes em nenhum dos não médiuns.
Então, genes candidatos aqui a serem pesquisados. Precisamos descobrir, desvendar qual a função desses genes e de que forma esses genes poderiam então estar correlacionados com o fenômeno da mediunidade atribuída a essas pessoas. Da mesma forma como eu procuro genes correlacionados a determinados quadros, como o autismo, com doenças, genes correlacionados com dons para a música, com os superdotados, genes correlacionados de pessoas que apresentam mediunidade.
O interessante neste nosso estudo é que grande parte desses 33 genes está relacionada com o nosso sistema imune e com o sistema inflamatório. Isso é interessante, porque o sistema imune media as interações do nosso corpo com o meio ambiente. Então, isso é interessante também no caso da mediunidade.
Quem sabe esses genes tenham um papel mediador, como um filtro, por exemplo, na recepção de estímulos ambientais que para a maioria das pessoas não existe. Talvez os médiuns consigam compreender e apreender esses estímulos. Eles nasceram com esses genes.
Não é todo mundo que tem um gene, e o gene se expressa. A expressão do gene requer que haja a epigenética, uma interação com o meio ambiente, e o contrário pode surgir também. Tive contato com um número muito grande de pessoas que tinham mediunidade, mas que inibiram a sua mediunidade, devido ao estigma, devido ao preconceito.
Não se acreditava antes que a mediunidade tinha a ver com doença mental, que a recepção de espíritos era um tipo de alucinações. Os estudos mais recentes mostram que isso não é verdade, inclusive o estudo do nosso grupo, publicado nos melhores jornais psiquiátricos, mostrando que a mediunidade definitivamente não está associada à psicose. No nosso grupo de gêmeos de médiuns, não havia ninguém com um quadro psicótico ou com uma doença mental.
Aliás, a saúde mental deles era até um pouco melhor do que a saúde mental dos seus parentes de primeiro grau. É totalmente independente de religião. Pode até ser mais independente da religião dos médiuns e independente da religião dos pesquisadores, porque surgiram alguns comentários sobre o nosso trabalho, dizendo que nós estamos comprometidos com a religião espírita.
Eu, por exemplo, não estou. E mesmo que estivesse, a ciência é desprovida de crenças religiosas. A ciência é baseada em fatos, é baseada na pesquisa e no esclarecimento de fatos.
Um fato que nós temos aqui é uma correlação encontrada com genes candidatos. Eu espero que isso abra o caminho da ciência para olhar de forma um pouco mais séria e científica para a questão da mediunidade, que outros cientistas venham a pesquisar, tentando refutar ou confirmar os nossos achados. Esse nosso estudo foi o primeiro estudo genético do exoma completo em médiuns, e seria ótimo, seria muito feliz se isso pudesse desencadear novas pesquisas por grupos de pesquisadores independentes do nosso, que tentassem então refutar ou confirmar alguns dos nossos achados.
É assim que caminha o crescimento do conhecimento científico. Uma das perspectivas é que, através do esclarecimento, por exemplo, da função de algum desses genes, nós consigamos compreender melhor não só o mundo ao nosso redor, mas o nosso próprio funcionamento cerebral, o funcionamento da nossa senso percepção. Não são distantes a religiosidade em si.
Há três meses saiu um artigo na Nature, que é uma das revistas científicas de maior impacto, onde neurocientistas dizem que deve-se criar uma disciplina nas escolas médicas, a neurociência da religião. Então, é importante, tem sido também atribuída importância à religião e à fé, inclusive importância clínica nos quadros clínicos. Nós sabemos, por exemplo, que pacientes, não só de psiquiatria, mas de qualquer doença, aqueles que têm fé reagem e respondem melhor ao tratamento.
Então, a fé e a religião, seja ela qual for, são fenômenos muito importantes, até agora pouco estudados, mas, sem dúvida nenhuma, eu espero que a nossa pesquisa contribua para incentivar a pesquisa em neurociência e a pesquisa médica em geral no papel da fé na saúde mental e na saúde geral da população. Eu agradeço a todos. Oportunidade também é cumprimentar a LBZ por todas as iniciativas.
Há 75 anos, é procurando fazer o bem, como o nome já define: fazer o bem, ajudar as pessoas, ajudar a humanidade e, principalmente, com esse interesse, também interesse na ciência e de que forma a ciência pode dar apoio a todo esse bem que vocês estão fazendo. Agradeço essa oportunidade.