[Rayssa Okoro] [vinheta] A grande maioria das pessoas que morrem por doenças crônicas, hoje, [é de] pessoas negras. [vinheta] [Jacqueline Torres] Quando a gente pensa em saúde, é comum a gente pensar [em] questões, como [em] alguma questão física, né? , biológica que vai levar uma pessoa a ter uma determinada doença; [em] um fator genético; [em] alguma alteração em algum órgão ou sistema, mas existem outros fatores que estão relacionados às condições econômicas, às condições de trabalho, às condições de moradia, de lazer, [às] condições subjetivas e [às] condições demográficas também, como a questão racial, né?
, como o grupo populacional, o grupo racial ao qual você faz parte, que impactam na saúde das pessoas. Por isso, [foi que], por meio de lutas do movimento social, né? , em 2007, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), que [passou] a fazer parte, então, das políticas nacionais de saúde que [deveriam] ser adotadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
[Rayssa Okoro] Na própria Política [Nacional de Saúde Integral da População Negra], a gente tem pontos elencados por que podem ser considerados [meios] de como atingir os níveis de saúde esperados p'ra população negra, como reduzir as desigualdades, reduzir o racismo dentro da Saúde, mas nada disso a gente vê sendo posto em prática, e isso também é reflexo [do fato de os profissionais desconhecerem] essa Política, né? Então, quando a gente não tem o conhecimento e quando a gente não tem a implementação da Política, a gente tem, por exemplo, profissionais que não marcam o campo "raça/cor" nos seus formulários, nas suas notificações compulsórias, nos seus prontuários. .
. Isso prejudica o o acúmulo de dados sobre doenças e outros agravos em saúde no Brasil, por exemplo. [Jurema Werneck] Desde 2003, não é?
, o Movimento de Mulheres Negras e [o] Movimento Negro já [tinham] influenciado, né? , a gestão do SUS, em 2003, e inserido a coleta do item "raça/cor" em alguns dos sistemas de coleta de informação p'ra demonstrar que a coleta desse dado é fundamental. Isso é o bê-á-bá da Epidemiologia.
Isso é o bê-á-bá da técnica. Veja, isso não só se transforma [em uma] questão política, porque a exclusão, ou a invisibilização, desse dado tem sido uma ferramenta boa p'ro racismo, p'ra manter o privilégio branco. A gente precisa 'se perguntar é por que, sabendo que esses dados são válidos e necessários, essa coleta não 'tá sendo feita.
[Rayssa Okoro] Não adianta eu (sic) ter um número "X" de mortes por doenças cardiovasculares, por exemplo, no Brasil, e achar que as minhas ações não vão precisar ser direcionadas p'ra quem é que morre mais. Onde [é] que 'tá essa pessoa que morre mais? Por que que ela 'tá desenvolvendo (sic) aquela doença?
Será que ela teve acesso [ao tratamento] adequado? Será que ela teve acesso à alimentação adequada? Será que ela teve acesso à atividade física?
Não vai adiantar eu (sic) promover [ações, ações] de promoção de saúde mesmo, de prevenção, falar de atividade física, alimentação [saudável] [etc. ] [em uma] região, [em uma região], por exemplo, onde as pessoas trabalham, sei lá, às vezes, vinte horas por dia, às vezes, quinze, né? Então, se eu não 'tô entendendo (sic) em que conjuntura eu 'tô inserida, eu não vou conseguir, eu não vou conseguir cuidar, e p'ra entender essa conjuntura, eu preciso, no mínimo, segregar esses dados.
É preciso, no mínimo, ter noção de quem é que 'tá adoecendo, [de] quem é que 'tá vivendo bem. . .
[Jacqueline Torres] Quando a gente vai pensar na saúde da população negra, a gente tem de pensar que tem (sic) algumas doenças que são relacionadas a fatores genéticos. Então, ela tem uma ocorrência maior em pessoas negras por questões genéticas, como a anemia falciforme, por exemplo, e aí, você precisa ter profissionais especializados, um atendimento específico p'ra pessoas que [tenham] esse tipo de patologia, mas existem também doenças relacionadas a condições de vida desfavoráveis e ao acesso a determinado tipo de tratamento nas instituições de saúde. [Daniele David (Chef Dani Pimenta)] Nós estamos morrendo de doenças evitáveis.
Hoje, assim, a hipertensão arterial p'ra gente começar aqui, ela é uma doença silenciosa, gravíssima, ela leva, acomete (sic) pessoas, assim, a óbito. As doenças emocionais, elas estão ligadas a esse lugar também. Eu observo, aí, a questão dos transgênicos, tantos e tantos fertilizantes, e tantas coisas que são colocadas na nossa comida, [que] eu sempre brinco, né?
"Não existe almoço grátis. A conta chega! ".
Então, quando a gente tem uma pessoa diabética, hipertensa e obesa, a gente tem a tríade perfeita daquela pessoa que vai "viver escrava" de medicamento por uso contínuo. [Rayssa Okoro] A grande maioria das pessoas que apresentam doenças crônicas no Brasil, hoje, [é de] pessoas negras. A grande maioria das pessoas que morrem por doenças crônicas, hoje, [é de] pessoas negras.
A grande m. . .
, o número de, a taxa de suicídio entre jovens negros tem aumentado exponencialmente, principalmente, quando comparada com os jovens brancos. Então, essas pessoas que precisam de cuidados precisam ser conhecidas, mas se eu tenho um profissional que desconhece que o racismo é uma variável extremamente importante p'ra determinação desse processo vida-morte, saúde e doença, esse profissional, ele não vai colocar essa variável no seu planejamento. Então, o cuidado que ele vai dispor p'raquela pessoa, p'raquela família, p'raquele grupo, p'raquele território vai ser um cuidado incompleto, quando não, às vezes, até prejudicial p'raquele grupo, né?
[Jacqueline Torres] Então, se a gente olha p'ros dados sociais do Brasil, você vai observar que a maior parte da população pobre, ou que vive em extrema pobreza, é a população negra. A diferença de renda entre [a] população branca e [a] negra chega a ser de duas vezes, né? A população branca ganha, em média, duas vezes mais do que a população negra.
Tudo isso vai impactar no estilo de vida, nas escolhas de saúde, no acesso a determinados serviços, né? , [no] local de moradia. .
. Então, se a pessoa mora [em um] local que é um vazio assistencial, [em] que você tem poucas unidades de saúde, isso vai dificultar o acesso da pessoa [a] serviços, ou se você mora [em um] local que tenha pouca condição de saneamento básico, isso vai impactar no desenvolvimento de determinadas doenças que estão relacionadas a esse tipo de precarização, né? , de vulnerabilidade social, e isso está fortemente atrelado à história do Brasil e à história do pós-abolição (1888).
Não dá p'ra gente pensar nessas questões apenas por um recorte de classe, sem entender que isso, esse recorte de classe, ele é decorrente [de um] recorte de raça. Então, você precisa olhar p'ra essa questão p'ra você conseguir minimizar essas diferenças, p'ra você poder oferecer um cuidado mais equitativo. [Rayssa Okoro] Um dos papéis da Política [de Saúde Integral da População Negra] é justamente esse, é fazer com que as pessoas que 'tão lá na base, cuidando da saúde de outras pessoas, dos seus [grupos], dos seus pacientes no [seu território] entendam que o racismo é uma variável que não pode ser ignorada, e quando a gente não tem implementação, o racismo é uma variável que vai ser, e é, constantemente, ignorada.
[Jurema Werneck] É preciso que a gente atue incisivamente, cotidianamente e com o compromisso profundo p'ra garantir a dignidade e a felicidade da nossa população. [A] responsabilidade de todas e todos [está] em garantir que a Política Nacional de Saúde [Integral da População Negra] exista e seja implementada da forma que ela (sic) foi determinada no Conselho Nacional de Saúde, na Portaria n. 992, na pactuação entre gestores tripartites, no Capítulo I do Estatuto da Igualdade Racial e mais do que isso, na voz e no cotidiano da população negra.
Então, é preciso que a gente pressione, exija e demande, cotidianamente, a proteção das pessoas e a proteção da saúde das pessoas negras do Brasil.