É infalível. Todos os anos, quando chega o verão, chegam também grandes tempestades. E infelizmente costumam acontecer na sequência grandes tragédias como temos visto no final de 2021 no início de 2022 Existe um fenômeno por trás disso: os rios voadores.
Eu sou Rafael Barifouse, repórter da BBC News Brasil, e nesse vídeo eu vou explicar o que é isso. E por que um rio voador faz com que chova tanto no centro-sul do Brasil no verão. Os rios voadores são chamados assim porque também são um fluxo de água.
Mas em vez de correr na terra, eles correm no céu. Impulsionados pelos ventos, esses corredores aéreos de umidade carregam um volume massivo de água de um lugar para outro. Na América do Sul, tem um rio voador que vai da Amazônia até o sul do continente.
Ele carrega parte da água que evapora no norte para outras regiões. Essa região é muito úmida. E, como me explicou a meteorologista Estael Sias, a Floresta Amazônica por si só já despeja uma quantidade enorme de água na atmosfera com a evaporação.
O cientista Antonio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, calcula que uma árvore na Floresta Amazônica com uma copa de uns 20 metros de diâmetro transpira mais de mil litros em um único dia. Ao todo, 20 bilhões de litros de água são produzidos todos os dias pelas árvores da Bacia Amazônica. Essa umidade toda é carregada pelo vento na forma de nuvens, mas o relevo da América do Sul, especificamente a cordilheira dos Andes, não deixa ela escapar do continente.
Isso obriga o rio voador a fazer uma curva e descer. Se esse corredor de umidade se encontra com uma frente fria vinda do sul, as nuvens carregadas tendem a ficar concentradas por alguns dias em uma determinada região. Um fenômeno potencializa o outro, formando um terceiro - a chamada zona de convergência do Atlântico Sul.
Essa zona de convergência é recorrente durante o verão nesta parte do planeta e provoca chuvas fortes. O rio voador da América do Sul está ativo durante o ano todo. Mas fica mais forte na época do verão porque a liberação de umidade da Amazônia cresce por causa do calor.
Ao mesmo tempo, evapora mais água dos oceanos Pacífico e Atlântico, intensificando esses fenômenos meteorológicos. E isso tem uma função importante: ajuda a encher os reservatórios das hidrelétricas e de abastecimento de água. O curso e o alcance do rio voador são influenciados pela dinâmica dos ventos na região e pela passagem de outros fenômenos meteorológicos pelo continente.
No inverno, a maioria das frentes frias não conseguem subir até o Sudeste ou o Centro-Oeste do Brasil. E o rio voador vai até mais ao sul do continente. Mas, no verão, o sistema de pressão que bloqueava as frentes frias vai para o oceano, se afastando do continente.
E as frentes frias conseguem subir. Quando uma sobe, ela se conecta à umidade amazônica, e elas vão juntas até parar em cima do Sudeste ou do Nordeste. Aí é quando acontecem os temporais.
Muita gente olha pra essa chuvarada toda e pensa que isso é excepcional. Mas o meteorologista Francisco de Assis reforça que a formação dessas zonas de convergência são algo típico da América do Sul no verão. Dependendo do ano, elas ocorrem mais para o sul ou mais para o norte.
São mais fortes ou mais fracas. Mas sempre acontecem - assim como as tempestades. Outro ponto importante, segundo os cientistas com quem conversei, é que esses temporais não são imprevisíveis.
Pelo contrário. Os meteorologistas dizem que alertas costumam ser emitidos com antecedência. O problema é a falta de preparo e de reação das autoridades a esses avisos.
Por tudo isso, a meteorologista Josélia Pegorim insiste que não dá pra dizer que esses temporais são causados pelas mudanças climáticas. Ela afirma que quase todos os outros desastres naturais e chuvas catastróficas, no Sudeste em particular, tinham ligação com as zonas de convergência. Pegorim argumenta que essas zonas de convergência se formam praticamente todos os anos, com maior ou menor intensidade.
Portanto, não são nenhuma novidade, e não dá pra falar que são algo inédito, causado pelas mudanças climáticas. Estael Sias faz no entanto uma avaliação um pouco diferente. A meteorologista diz que a ocorrência de uma sequência de chuvas tão intensas em tão pouco tempo e em tantos lugares do país pode ser, sim, considerado um sinal das mudanças climáticas.
Ainda mais porque temos visto ao mesmo tempo outros eventos extremos. Como secas muito fortes e ondas de calor que levaram as temperaturas para mais de 40ºC por vários dias no sul do país. Houve enchentes no Tocantins que aconteceram meses antes do que era esperado.
E houve até tempestades de areia no interior de São Paulo que nunca tinham sido vistas antes naquela região. Mas o climatologista Carlos Nobre me explicou que isso é raro. Dificilmente as mudanças climáticas causam eventos inéditos.
O mais comum é ver os mesmos fenômenos de sempre, só que cada vez mais intensos e frequentes. Ele diz que os dados científicos que temos hoje apontam justamente para isso. As ondas de calor, as chuvas fortes, os incêndios florestais, as secas - todos estão mais frequentes hoje do que há 150 anos.
E que temos batidos recordes sucessivos de altas temperaturas. Nobre diz que tudo isso está sendo causado pelo aquecimento global. Mas, na avaliação dele e de outros cientistas, a causa das tragédias que vemos todos os anos no Brasil durante o verão não são exatamente as tempestades em si.
Mas o fato de muita gente morar em áreas de risco e continuar nelas mesmo depois de desastres. Hoje, segundo Nobre, há 5 milhões de pessoas vivendo em locais assim. Muitas delas dizem que seguem ali porque não têm outro lugar para morar.
E, para muita gente, o poder público não faz o suficiente para ajudar essas pessoas a se mudarem dali. Nobre ainda faz um alerta: a tendência é a situação piorar. Ele diz que o que estamos vendo hoje ocorre em meio a um aumento de pouco mais de um grau na temperatura média do planeta.
E que, mesmo que a gente tenha muito sucesso com as políticas ambientais, a temperatura vai subir ainda mais até o fim do século. E os eventos extremos devem se tornar ainda mais comuns e catastróficos. Por isso, o climatologista defende que precisamos dar prioridade a políticas para prevenir os desastres naturais.
E, no caso dos temporais de verão, ele defende que a melhor saída é não deixar as pessoas morarem em áreas de risco. Eu fico por aqui. Gostou?
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