Hong Zicheng - Cai Gen Tan - As Raízes da Sabedoria

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Corvo Seco
Trechos do livro “Cai Gen Tan”, de Hong Zicheng. Hong Zicheng ou Hong Yingming (1572–1620), foi um...
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Para viver de modo verdadeiro, não é  preciso nenhum talento; apenas abandone os sentimentos vulgares, e isso  o tornará uma pessoa autêntica. Para seguir nos estudos, não é  preciso nenhuma habilidade especial: apenas afaste as preocupações que o perturbam, e isso o aproximará do mundo dos sábios. No coração das pessoas existe um livro da verdade; mas o texto está incompleto, e as folhas estão rasgadas.
O espírito das pessoas guarda  uma melodia da verdade; mas ela está encoberta por músicas e danças sensuais e superficiais. A busca da virtude deve apagar todas as  coisas externas e penetrar na raiz das coisas, na origem de sua natureza íntima. Só assim se alcançará um verdadeiro aprendizado.
Cai Gen Tan - As Raízes da Sabedoria. Hong Zicheng. I.
LIVRE-SE DOS DESEJOS Quem leva a vida, acorrentado aos  desejos, pensa que ela é ruim. Quem chega à morada do conhecimento  em si mesmo, pensa que a vida é boa. Reconheça a origem da aflição,  elimine-a, e seu espírito se acalmará.
Ao saber a razão das alegrias,  se chega à morada dos sábios. Presunção e arrogância são os extremos;  controle-os, e cultivará atitudes saudáveis. Desejos e enganos  vêm de pensamentos impróprios; largue-os, e realizará sua verdadeira natureza.
O coração não deve estar cheio de desejos; apenas vazio, ele recebe a presença da razão. O coração não deve estar sem substância; somente assim ele impede a entrada das tentações. Ao abandonar os desejos de poder e  riqueza, livra-se das tentações do mundo.
Ao extrair do coração as limitações da moralidade, pode-se entrar no reino da sabedoria. Se seu pensamento buscar o caminho dos  desejos, então o traga de volta; ao notar uma ideia impura, pegue-a e a jogue-a fora. Assim, se transforma a desventura em felicidade, e se afasta a morte.
É um momento crucial, em que não deve haver pressa. Quando a fúria de alguém é como fogo,  seus desejos é como água fervente, e mesmo sabendo que está errado, persiste  em suas ações; Essa pessoa sabe que está errada; mas quem é o “alguém”  que a obriga a continuar errando? Se neste momento ele subitamente pondera, então, seu demônio interior pode virar um mestre.
Alguns não dominam seus desejos  mundanos porque não os percebem a tempo; outros os percebem, mas falham em  resistir às tentações da carne. A percepção é uma pérola para  enxergar os demônios da mente; a vontade é uma espada poderosa para afugentá-los. Não podemos permitir, nunca, que  nossa percepção e vontade decaiam.
A luxúria é um fogo devorador, mas apenas um pensamento sobre sua inconveniência a transforma em cinzas. A ambição material é atraente como um  doce, mas apenas uma breve ponderação sobre os perigos de buscá-la fazem  com que ela perca o seu sabor. Sem chuva, vento, flores e  salgueiros, não existe a natureza; Sem sentimentos, anseios, preferências  e hábitos, não existe mente.
Somente quem controla as coisas, e  não é escravo delas, tem sua vontade inspirada pelo Céu, e seus  pensamentos encontram a justa medida. Com ventos suaves e ondas tranquilas,  se pode contemplar a verdadeira condição da vida humana. Comendo de forma simples e falando pouco, se pode conhecer a verdadeira raiz do coração.
II. SUPERE AS ADVERSIDADES Quem usa sua própria força interior  para mudar as coisas, não se orgulha do sucesso, nem se chateia com o fracasso,  não se prende a nada neste mundo. Quem se apega as coisas, fica ressentido  com os obstáculos que encontra, e se aferra ao que consegue; para esse,  um fio de cabelo o prende no mundo.
Quando as coisas vão contra sua vontade,  pense naqueles cuja situação não é boa como a sua; seu sofrimento desaparecerá. Quando seu coração estiver desalentado, pensa naqueles cujos sucessos superam aos seus; você se sentirá renovado. Em meio aos ventos cortantes e  chuvas violentas, firme seus pés; Em meio ao mato alto e campos  de flores, olhe para cima; Em meio a um caminho perigoso  e difícil, olhe para a trilha.
A adversidade e a privação forjam e  temperam as pessoas excepcionais, como se fossem um martelo e uma bigorna. Essas  provas beneficiam o corpo e coração, e sua ausência causa a deterioração  do corpo e do coração. Vivendo a constante alternância entre  tristeza e alegria, chega-se à verdadeira felicidade; provando por si  mesmo a dúvida e a certeza, alcança-se o verdadeiro conhecimento.
Ao vencer os combates da vida, chega-se a um lugar em que a lua é clara, a brisa é suave, e a vida não é mais um mar de amarguras. Ao limpar a mente das agitações, não  se escuta mais o ruído dos cavalos e carruagens, e não é necessário fugir  para a montanha para conseguir sossego. III.
SEJA SIMPLES Quem experimenta as coisas do mundo de modo superficial, trás consigo as marcas da superficialidade. Quem conhece as tramas da vida, vive da astucia. Quem busca a virtude, prefere a simplicidade ao invés da astucia e se desfaz das coisas ao invés de ficar preso a elas.
As pessoas tomam por prazeroso aquilo que a satisfaz. Mas quando o seu coração estão cheio de prazeres, elas ficam amarguradas. Por isso, o sábio se compraz com aquilo que contrária seus desejos, e no fim, a sua amargura se transforma em alegria.
Esconder o próprio nome é melhor do que divulga-lo. Deixar as coisas do mundo e ficar em paz, é melhor do que se cansar sem fim nas coisas materiais. As pessoas sabem que um cargo e a fama fazem alguém feliz; mas não sabem que aquele que é mais feliz, é o que não tem cargos, nem fama.
As pessoas sabem que a fome e o frio, preocupam; Mas não sabem que se preocupar sempre é pior do que a fome e o frio. Conserve a simplicidade natural, não busque o sofisticado e deixe uma influencia pura no mundo. Se satisfaça com o simples, abandone os luxos e deixe um nome puro no mundo.
Aquele que preserva sua virtude sofre de solidão. Aquele que vive atrás do poder e da riqueza sofre uma miséria sem fim. Aquele que aspira a verdade e vê além das coisas materiais, prefere sofrer de solidão e evitar a miséria sem fim.
IV. MANTENHA A CORTESIA Nas disputas, existem regras de cortesia; Na vida cotidiana, se encontra o Tao (Caminho); Se as pessoas praticassem a sinceridade  e a harmonia, usando palavras boas e ponderadas, pais e filhos não estariam separados. A troca de ideias e o diálogo  são melhores do que os exercícios respiratórios e as meditações.
Ao tratar dos mais velhos e incapazes,  nossa cortesia e respeito devem ser ainda maiores. Dê um passo atrás, e deixe passar  aquele que está no seu caminho. Essa é uma das condutas sociais  mais agradáveis e seguras.
Quando todos querem avançar ao mesmo  tempo, o caminho se atravanca; dê um passo para atrás, e o caminho se libera. Quando uma comida é muito temperada,  ela perde seu sabor agradável; com a medida certa, ela se torna excelente. Para fazer amigos, precisa-se de certa cortesia.
Para fazer-se verdadeiro,  necessita-se de um coração puro. Ao viver em sociedade, não  busque com ansiedade o êxito; não cometer erros já é um mérito. Ao tratar os outros com Humanismo,  não espere gratidão em troca; se eles não virarem seus inimigos, isso já é gratidão.
Se ao cultivar a virtude, espera-se  uma boa reputação, com certeza falhará. Ao se conduzir de modo apropriado no  mundo, não seja moralista demais, e prepare-se para ser insultado e caluniado. Ao tratar com as pessoas, no mundo, não seja exigente demais; lembre que elas são feitas de virtudes e fraquezas.
V. CONTEMPLE A  IMPERMANÊNCIA O Céu e a Terra duram para  sempre, mas a vida humana não. A vida humana dura cem anos,  e seus dias passam depressa.
Dispondo apenas desse tempo, evite desperdiça-lo com preocupações desnecessárias, e saiba viver feliz. Uma árvore volta às raízes,  e então vemos que as flores, as folhas e os ramos, floresceram em vão. Os assuntos humanos se  encerram no caixão; e então, vemos que sedas e jades não servem para nada.
Sabendo que existe a mutação, e que  tudo um dia declina, o desejo de obter sucesso já não é tão forte; Sabendo que existe vida, e que tudo um dia morre, não desperdice mais tanta energia querendo ser imortal. Os campos estão cheios de pássaros e flores, as montanhas, exuberantes, e os vales, belíssimos; Mas tudo isso é uma ilusão do Céu e da Terra. As águas secam, as árvores caem, as pedras estão nuas, e os campos cheios de vegetação morta; Esses são o Céu e a Terra.
Todas as coisas passam diante dos  olhos: quem as compreende por inteiro, alcança o domínio dos imortais; quem não as compreende, continua preso do mundo material. Todas as coisas do Céu e da  Terra têm seus princípios: quem souber empregá-los com perfeição, conseguirá manter sua vitalidade; quem não souber, caminha rumo à morte. VI.
TUDO ESTÁ NA MENTE Uma pessoa inquieta vê sombras de  serpentes, e suspeita de todos; vê tigres na espreita onde há rochas paradas; enfim,  tudo lhe parece sinistro e fatal. Uma pessoa tranquila vê gaivotas nas pedras em que os outros veem tigres; ouve canções nos ramos que se mexem, e tudo que vê lhe parece ter um aspecto benéfico. A pressa ou a morosidade do tempo estão na mente; A grandeza ou a pequenez  estão no tamanho do coração; Para aquele cujo coração está em  paz, um dia apenas é como mil anos; Para aquele cuja mente está em paz,  uma casinha pequena é vasta como o Céu e a Terra.
Se os pensamentos de uma pessoa forem  claros, ela terá o Céu Azul, mesmo no meio de um quarto escuro. Se seus pensamentos ocultam intenções obscuras, mesmo em um dia brilhante, haverá demônios em sua mente. Para conquistar os demônios,  primeiro conquiste o próprio coração.
Quem conquista seu coração, submete os demônios. Para controlar a violência,  primeiro se controlam os motivos. Se o espírito estiver calmo, a  violência externa não poderá invadi-lo.
Sem pensamentos impuros, a verdadeira  essência do coração aflora. Ao desaparecer a ideia de uma  coisa, a coisa em si desaparece. Quem se afasta de uma coisa, mas  continua pensando nela, tenta separar a sombra do objeto: mas prende-se ao corpo e a forma.
Quando a mente está vazia, o restante se esvazia. Mas quem deseja ater-se ao restante, sem esvaziar a mente, no fundo tenta separar as moscas da comida podre. VII.
PRATIQUE MEDITAÇÃO Hoje em dia, as pessoas tentam meditar  para apagar seus desejos e pensamentos confusos, mas nunca conseguem  fazê-lo. Apenas a mente que apaga os pensamentos anteriores, e se fecha aos  anseios futuros, pode ter sucesso. Só uma mente que expulsa o imediatismo  pode alcançar alguma coisa.
Vá para um lugar alto, e amplie sua mente; Contemple a água, e deixe que  ela leve seus pensamentos; Leia um livro numa noite fria de  inverno, e purifique seu coração; Suba uma montanha, declame poemas para  o Céu, e vá para além desse mundo. Nas profundezas da noite o sábio,  só e quieto, sente-se e esqueça-se. Então, os pensamentos impróprios  desaparecem, e os verdadeiros permanecem.
Quando termina, deleita-se  com sua inspiração interior; mas, se de algum modo, ainda restar qualquer pensamento impróprio, ele sente um grande incômodo, e envergonha-se de si mesmo. Feliz, anda tranquilamente pelos pastos, descalço; as aves o acompanharão, e o farão esquecer seus problemas. Deixa sua mente se fundir com a paisagem; senta sobre as pétalas caídas, observa as nuvens no Céu, e deixa o sentido de “eu” desaparecer.
Para manter-se sossegado, conheça  as preocupações que o afligem. Estar feliz ou não, depende de  quantas preocupações se têm. Estar entristecido depende do  quanto o coração está disperso.
Só quem está cheio de preocupações  sabe que ter poucas levam a felicidade. Só quem tem um coração tranquilo  sabe que a agitação atrai problemas. O homem vulgar pensa demais em si mesmo, e por isso também se preocupa demais com tudo.
Os antigos diziam: “Se você  conhece a si mesmo, como pode se preocupar tanto com as coisas? ” Também disseram: “Se você sabe que  seu corpo não é você mesmo, porque deixa que tantas preocupações  entrem em seu coração? ” Essas palavras dizem toda a verdade!
Quando sua mente estiver confusa e dispersa,  saiba se concentrar e estar alerta. Quando ela estiver confusa e tensa,  saiba relaxar seus pensamentos. De outro modo, a confusão se tornará  enfermidade, e trará constante mal-estar.
Em meio à algazarra, considere  as coisas com um olhar sóbrio, eliminando da mente o que lhe incomoda. Em meio à desolação, conserve a alegria do espírito, e encontrará as causas da felicidade verdadeira. Para que a mente fique calma em tempos agitados, ela deve ser cultivada em tempos de paz.
Para que o coração seja firme perante a morte, acostume-o com a ideia durante a vida. A mente se perde em meio ao caos e a confusão; Mas em silêncio, ela se esvazia por completo; Ascende ao Céu, voa longe com as nuvens; Refresca-se com as gotas de chuva; Alegra-se, e entende o canto dos pássaros; Acalma-se, e pondera sobre a  queda das pétalas das flores; Esse não é o paraíso? Como compreender a verdade do mundo?
Quem observa as coisas com perfeição,  chega ao ponto em que seu coração se funde com o espírito das coisas,  e ele não deixa pegadas no chão. Aquele que conheceu os segredos do  mundo deixa que a chuva apague seus rastros, e que as nuvens o encubram; ele não se preocupa em como será compreendido. Aquele que realmente conheceu a humanidade,  quando insistem com ele em algo, simplesmente responde como um boi ou um cavalo: apenas abana a cabeça, com indiferença.
VII. AS RAÍZES DA SABEDORIA. No bosque dos eremitas, não  existe nem glória nem desgraça; No Caminho Correto (Tao), não  existe nem frio nem quente.
Águas tranquilas não têm ondas; um  espelho limpo não tem pó. O coração não precisa ser limpo; apenas afaste os  pensamentos impuros, e ele ficará puro. A felicidade não pode ser encontrada; apenas afaste a dor do coração, e ela surge.
Se dentro de sua mente não houver  nem vento nem ondas, então, em todo o lugar, você estará em meio  a montanhas e águas azuis. Se seu espírito alcançou o florescimento  da consciência perfeita, então, em todo o lugar você verá peixes  saltando, e pássaros cantando. Somente quando uma pessoa compreende  a si mesma, é que pode deixar as dez mil coisas se desenrolarem,  conforme suas dez mil naturezas.
Somente quando se governa corretamente  pela não-ação, sem reclamar méritos, mas deixando a natureza agir,  essa pessoa pode ser dita sábia. Diz um ditado Zen: “Coma quando tiver  fome, durma quando estiver cansado”. O Tratado das Poesias diz: “Veja o  que se passa diante de seus olhos, e transforme em frases bonitas”.
A verdade mais profunda reside no mais simples; o mais difícil surge do mais fácil. Quem deseja chegar se desvia, e nunca alcança; quem se esvazia de desejo, se mantém no Caminho Correto. Uma mente livre dos desejos não se  preocupa mais com si mesmo; por isso, o Budismo aconselha a observar a mente,  fonte dos mais pesados obstáculos.
As dez mil coisas têm apenas uma raiz;  para que se preocupar em diferenciá-las? Chuang Tzu disse: “Todas as coisas são uma só, e por  isso não devemos dividir o um em dois”. Há dez mil coisas entre o Céu e a Terra; há dez mil coisas na cabeça das pessoas; há dez mil coisas nos Caminhos do mundo.
Na visão comum, todas as coisas parecem  diferentes; mas para quem encontrou o Tao (Caminho), todas parecem a mesma  coisa, que vêm da mesma semente. Assim, porque buscar diferenças? Porque escolher ou refutar?
Na mente humana, há um verdadeiro paraíso: Ela tem a verdadeira alegria e paz, sem  precisar de sedas finas ou bambus; ela tem o mais puro dos aromas, sem  precisar de incensos ou chás perfumados. Pense num lugar vazio, em que só há a  pureza, e esquecerá o mundo das formas; assim, poderá entrar no mundo dos budas. O budismo ensina: “Siga a natureza”; O confucionismo ensina: “Siga o apropriado”; Esses ensinamentos são a boia com  que atravessamos o Mar da Vida.
Os caminhos do mundo são vastos e ilimitados; Busque o topo, e terá mil dificuldades; Acostume-se com sua vida,  sem pretender altas posições, e viverá em paz de espírito.
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