É a primeira vez que um economista que se descreve como libertário e anarcocapitalista governa um país. Javier Milei, da direita radical, está no poder na Argentina faz um ano, depois de ser eleito com a promessa de recuperar a economia e reduzir o tamanho do Estado. Ele mantém a popularidade na casa dos 50%, índice parecido à sua votação em segundo turno.
Isso apesar de a Argentina atravessar a pior recessão da América Latina, além de sofrer uma queda forte no nível de consumo e um grande aumento da pobreza. Qual o saldo do governo de Milei até agora, e como ele está mudando a economia do país? Eu sou Camilla Veras Mota da BBC News Brasil e explico isso em cinco pontos.
Milei concorreu à Presidência praticamente como um ‘outsider’ da política: tinha só dois anos de experiência como deputado. O partido A Liberdade Avança, que ele formou pra impulsionar sua candidatura ao Congresso alguns anos antes, não tinha representatividade nacional. Aliás, esse partido só foi reconhecido oficialmente em setembro de 2024, já com Milei na Presidência.
O fato é que Milei, que tinha ganhado projeção como comentarista de TV, foi o primeiro presidente a chegar à Casa Rosada sem ter uma estrutura partidária. É uma mudança grande na política argentina, que até então se dividia entre duas forças principais: o peronismo, movimento que remete ao ex-presidente Juan Domingo Perón, e o antiperonismo. Esse cenário criou obstáculos a Milei no começo.
A coalizão dele não tinha nenhum governo regional e ocupava só 10% do Senado e 15% da Câmara. Mas, apesar de governar como minoria, Milei acabou conseguindo aprovar algumas de suas propostas principais – que eu vou detalhar já já - com o apoio de outros partidos. Mas parte dessas propostas foi imposta por decretos de urgência e por vetos a leis – o que levou opositores a acusar Milei de abusar desses dispositivos constitucionais e de ‘governar como se fosse um monarca’.
O segundo ponto é o estilo de Milei, que ganhou popularidade justamente tentando se afastar da imagem de político tradicional. Para além da estética, tem também o tom agressivo contra adversários políticos e contra líderes da esquerda. O que nos leva à relação conturbada de Milei com Lula.
Durante a campanha eleitoral argentina, o presidente brasileiro declarou apoio ao adversário de Milei, Sergio Massa, e acabou não sendo convidado para a posse – quem compareceu foi o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em mais de uma ocasião, Milei chamou Lula de corrupto e comunista, e Lula reagiu dizendo que o argentino falava, entre aspas, ‘muita bobagem e devia desculpas ao Brasil’. Essas desculpas nunca vieram.
Os dois líderes se encontraram pessoalmente pela primeira vez na cúpula do G20, no Rio, e as imagens viralizaram por destoarem do jeito caloroso com o qual Lula recebeu os demais líderes estrangeiros. A gente fez uma reportagem contando como a política externa abraçada por Milei virou uma pedra no sapato do governo brasileiro. No G20, por exemplo, a Argentina fez oposição à taxação de super-ricos ser mencionada no comunicado final da cúpula.
E essa é uma das principais bandeiras do Brasil nesse fórum das maiores economias do mundo. Apesar das trocas de farpas, houve um episódio de aproximação durante a crise que se abriu com as eleições na Venezuela, quando o governo de Nicolás Maduro expulsou os diplomatas argentinos do país e o Brasil assumiu temporariamente a custódia da embaixada da Argentina em Caracas. Na ocasião, Milei agradeceu e escreveu no X que, abre aspas, “Os laços de amizade que unem a Argentina com o Brasil são muito fortes e históricos”.
E internamente, como esse estilo de Milei ecoa entre os argentinos? Bom, os simpatizantes dele elogiam o presidente como alguém genuíno que fala o que pensa e que traz mudanças. E os críticos dizem que as ofensas propagadas por Milei nas redes sociais vão estimular a violência política na Argentina.
E quanto às medidas concretas dele na economia argentina? Milei prometeu uma terapia de choque para tirar a economia da estagnação e batizou seu pacote de, entre aspas, o “maior ajuste da história da humanidade”. Ele reduziu os subsídios estatais pra combustíveis e cortou pela metade o número de ministérios e secretarias de governo.
Na prática, Milei eliminou um terço dos gastos públicos. Isso levou a Argentina a deixar de ter déficit fiscal – ou seja, de gastar mais do que arrecada, um dos fatores que alimentavam uma inflação galopante. Ele tirou as reservas do Banco Central do vermelho e está, sob os olhos do mercado financeiro, devolvendo credibilidade pra Argentina.
Foi chamado de revolucionário do livre mercado pela revista The Economist, que tem grande influência internacional. Ao mesmo tempo, causou uma onda de greves de trabalhadores que se opunham às medidas de austeridade. Tanto o FMI quanto o Banco Mundial preveem que a Argentina será o país da região que mais vai crescer em 2025.
Mas isso não tem se refletido, por enquanto, em uma melhora na vida da população argentina, que está pagando um preço alto pelo mega-ajuste. Em 2024, a produção de bens e riquezas no país deve cair 3,4%, o que configura a pior recessão da América Latina. E o pior de tudo: a pobreza teve seu maior aumento em 20 anos.
Hoje, mais da metade dos argentinos são pobres. E entre as crianças a situação é mais grave: duas em cada três vivem na pobreza, o que levanta preocupações sobre o desenvolvimento das futuras gerações. Em resposta a esse quadro, Milei tem dito que a mudança de rumo da economia vai melhorar a pobreza.
Em novembro, ele falou que a recessão estava chegando ao fim e que o país entraria na fase de crescimento. E quanto à hiperinflação, um dos problemas mais graves da economia argentina? Logo no começo do mandato de Milei, a inflação mensal quase dobrou e passou de 20%.
Desde então, desacelerou para 3,5% ao mês, o menor índice em quase três anos Mas ainda um dos índices mais altos do mundo. Os simpatizantes de Milei comemoram essa trajetória de desaceleração - e atribuem o êxito ao corte drástico de gastos públicos. Já críticos questionam se essa queda vai ser sustentável no longo prazo.
O quinto e último ponto deste vídeo é sobre a inesperada trajetória da moeda argentina, o peso. Durante a campanha eleitoral, Milei chamou o peso de excremento. Ele prometia dolarizar a economia argentina e, nas suas palavras, dinamitar o Banco Central.
Já no poder, sua equipe disse que postergou esses planos, focando primeiro em sanar o Banco Central. Acontece que, em decorrência do pacote de ajuste fiscal, o peso se valorizou. A agência de notícias econômicas Bloomberg destacou que o presidente conseguiu estabilizar uma moeda que estava em queda livre.
Por outro lado, isso trouxe um problema inesperado: a Argentina era um país atrativo graças ao seu câmbio favorável, mas agora está mais cara em dólares, o que aumenta o custo de vida dos locais e afeta o turismo e a indústria. Por outro lado, isso trouxe um problema inesperado: os produtos argentinos, antes baratos em dólar, agora estão mais caros, o que afeta a indústria - e também o turismo. Bom, e mesmo com a valorização do peso, Milei ainda não desistiu da ideia de acabar com a moeda.
Ele diz que o país passará por uma, entre aspas, “dolarização endógena”, em que o dólar vai gradualmente substituir o peso nas transações até que se chegue ao ponto de fechar o Banco Central. A gente, é claro, vai seguir acompanhando o que acontece no país vizinho. Fica de olho na nossa cobertura em bbcbrasil.
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