E como estamos. . .
? Tá todo mundo tranquilinho. .
. ô beleza. Vamos lá.
Gravando! Olá, eu sou a professora Juliana Bastos Marques, professora de História Antiga da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, a Unirio, e agora vamos começar a terceira aula do nosso curso de Antiguidade Oriental. Na aula de hoje, vou falar sobre a Pré-História, finalmente, mas dois aspectos bastante específicos da ideia de Pré-História, que você já deve ter ouvido falar, talvez você tenha aprendido na escola, e que são a "Revolução Neolítica" e a "Revolução Urbana".
Vamos pensar um pouco como esses dois termos podem ser usados para pensar o período pré-histórico, se eles funcionam, se eles não funcionam e de onde saiu essa ideia toda. Muito bem, lá na escola você deve ter aprendido que na história da humanidade, na Pré-História da humanidade, você teve, primeiro, a "Idade da Pedra"; depois da Idade da Pedra sucedeu a "Idade do Bronze"; e depois a Idade do Bronze sucedeu a "Idade do Ferro". E, depois, você para de falar sobre isso, e segue o rumo, e segue a História sem pensar se nós ainda estamos na Idade do Ferro, ou não?
Se não estamos, onde é que a gente tá, né? Aqui, tem uma imagem ótima que mostra um pouco dessa representação clássica, essa sucessão de idades. Então, no lado esquerdo tem a Idade da Pedra, que vai de 2 milhões a.
C até por volta de 3. 300 a. C, na Idade da Pedra, e depois vem a Idade do Bronze, de 3.
300 a 1200 a. C, e depois tem a Idade do Ferro. E aí, tem uma linha cinza depois da Idade do Ferro até por volta de 1780 d.
C. A partir de 1780 d. C, nós temos a tecnologia que vai gerar a Revolução Industrial, da máquina a vapor e da engenharia elétrica.
E aí, o último desenho é o carro. Parece que a evolução da humanidade saiu da Idade da Pedra até o carro. Temos uns problemas aí.
Talvez, você já tenha parado para pensar: tudo bem, Idade da Pedra, né? Sucedida pela Idade do Bronze, pela Idade do Ferro, mas isso não vale da mesma maneira para todos os lugares do mundo e para todas as épocas do mundo. Eu vou dar dois exemplos muito simples.
O primeiro deles, na própria história da Antiguidade Oriental e depois no mundo europeu. Olha só, enquanto a gente tá lá em 1200/1100 a. C, na Idade do Ferro, vamos dizer assim, por exemplo, no Levante e na Turquia (o Levante é sempre, não esqueçam, a região ali de Israel, Líbano e um pedaço da Síria; e a Turquia, que vai ser a região da Anatólia, o nome antigo, e esse é o nome até hoje da região da Turquia, a Anatólia), ali tem a Idade do Ferro, por volta de 1200/1100 a.
C. Nessa mesmíssima época, lá onde vai ser Roma, lá na Itália, ainda é Idade da Pedra. Segundo exemplo: Cabral descobre o Brasil, e "o Brasil está na Idade da Pedra", só que aí vem os portugueses com os artefatos de ferro e o que acontece?
A história do Brasil sai da pedra para a Idade do Ferro, e pulou o bronze? Isso não funciona, por exemplo, nas sociedades polinésias, ou sociedades indígenas das Américas, na África ou no mundo asiático. Cada lugar tem o seu tipo de "evolução tecnológica" diferente.
É um critério, mas, veja bem, de onde saiu esse critério? Ele é um discurso muito específico daquela ideia de "berço da civilização europeia". Existem algumas ideias, essa sucessão de estágios tecnológicos da humanidade, num autor grego do século 8/7 a.
C chamado Hesíodo. Hesíodo escreveu um texto chamado "Os trabalhos e os dias", e lá no meio do texto ele vai falar das "eras da humanidade". Ele fala: primeiro teve a "Era do Ouro", dos deuses.
Cronos e os primeiros deuses. Depois, teve a "Era de Prata", a era de Zeus e dos Deuses Olímpicos. Depois, a "Era de Bronze", dos semideuses.
Depois, a "Era dos Heróis", e enfia aí uma era que não tem a ver com tecnologia nenhuma. E, depois, a "Era do Ferro". Só que, nessa ideia do Hesíodo, ele tá querendo falar sobre a ideia de decadência do valor dos metais, do ouro até o ferro, do mais valioso até o menos valioso.
Ele está na Era do Ferro", nós estamos na Era do Ferro, que é a era da decadência, a era mais triste do "homem", porque o homem está lá trabalhando, sofrendo no arado e na agricultura, diferentemente dos deuses do passado, que viviam a Era de Ouro. Então, não é exatamente a mesma ideia que a gente tem de evolução da humanidade, do mais primitivo pro melhor, muito pelo contrário, né? E de onde saiu isso?
No século 19, o desenvolvimento da arqueologia, de novo vamos falar sobre essa parte. Quem adivinha em qual país surgiu a ideia da "Idade da Pedra", Idade do Bronze" e "Idade do Ferro"? Quem falou Dinamarca acertou!
Esse carinha aqui ó, esse moço corado aí, o Christian Jürgensen Thomsen, em 1820 d. C. vai fazer uma catalogação dos objetos arqueológicos do Museu Nacional de Copenhagen, e ele faz um método de catalogação inédito até então, que é por tipologia de objetos.
Vamos pensar naquilo que eu estava falando na aula passada sobre a datação relativa dos objetos. Ele não tinha a datação absoluta de quando era o caco de cerâmica, a ponta de flecha de pedra, mas ele tinha aquele conjunto que ele conhecia de onde tinha vindo, qual sítio arqueológico e alguns dados das escavações. Então, ele juntou esses conjuntos de artefatos e fez uma classificação por tipos, em relação à decoração dos objetos.
Por exemplo, uma peça de cerâmica mais bem trabalhada, decorada e pintada com uma outra, relacionada a outra mais simples, ele supôs que essa mais decorada fosse mais recente e a mais simples fosse mais antiga, digamos assim. - especialmente, também, em relação ao contexto arqueológico. Quando eu falo de contexto em arqueologia significa todo o sítio arqueológico, o ambiente total do sítio arqueológico em que aquele objeto foi encontrado.
Então, ele fez essa comparação e chegou a uma ideia de que, bom, então nós temos um período que parece anterior, em que os humanos têm apenas o controle da tecnologia relacionada à pedra. Depois, certamente são mais recentes esses objetos feitos de bronze. Isso não significa que não houvesse objetos de pedra quando surgem objetos de bronze.
Eles passaram a ser menos utilizados. Do período de bronze pro período do ferro, você tem alguns artefatos que são feitos de ferro e que são certamente datados de estilos mais recentes, em relação aos estilos daqueles objetos anteriores. Isso não significa que não houvesse objetos de bronze no período da Idade do Ferro.
Sim, eles existem, mas artefatos de ferro são certamente mais novos em comparação aos outros. Portanto, ele fez essa diferenciação aí, de acordo com os objetos que ele tinha. É um pouco por isso que eu estou falando que isso se trata de uma distinção relativa, especialmente a história da Europa.
Estamos em 1820 e, juntando isso, depois, com uma ideia darwinista, ou seja, de evolução da humanidade, John Lubbock escreve, em 1865, um livro que tem muita repercussão na época e que chama "A Época Pré-Histórica". É dele a ideia de que, talvez você tenha ouvido falar isso na escola ou em algum lugar, "a sucessão de estágios de desenvolvimento é obrigatória em todas as sociedades. Primeiro, todas as sociedades passariam pela Idade da Pedra, e aí ele vai dividir a Idade da Pedra em pedra lascada, o Paleolítico, o Mesolítico, entre a pedra lascada e a pedra polida, que é o Neolítico.
Fazendo essa divisão, aperfeiçoando, portanto, a classificação do Thompson, e dizendo, bom, todas as sociedades, inevitavelmente, vão passar por esses estágios até chegar à "civilização". Juntando-se com isso, também, os antropólogos culturais, que também, no século 19, vão estudar as "sociedades primitivas" de sua época, século 19 e começo do século 20. Vão lá na Polinésia, vão ver os indígenas americanos, vão comparar essas sociedades e vão dizer, bom, se é válida essa ideia comparativa, portanto essas sociedades primitivas que eu estou vendo agora estão num estágio análogo às sociedades primitivas lá do meu passado europeu.
Portanto, eu posso usar a maneira como essas sociedades, por exemplo, usam objetos de pedra para entender a maneira como se usava objetos de pedra no nosso passado. No século 20, esse senhorzinho aqui, muito simpático; eu gosto dessa foto dele com o ursinho de pelúcia; ele era tido como um homem bastante excêntrico, o Vere Gordon Childe - em 1936, ele escreve um livro chamado "Man Makes Himself". A tradução literal seria: "o homem se faz a si mesmo.
De novo, né, eu, como mulher, olho isso e penso, bom, também, estou fora dessa jogada aí. O nome desse livro em português chama " A Evolução Cultural do Homem". Esse livro foi muito influente, e até hoje é muito influente, por exemplo, na feitura dos livros didáticos.
As ideias colocadas pelo Gordon Childe, eu mesma aprendi na escola, ideias de 1936, e aí na faculdade aprendi o seguinte, olha só: é muito importante saber o contexto de como que ele está criando essa teoria, essas ideias dele. 1936 é o período entre-guerras, esse é o surgimento do fascismo e do nazismo na Alemanha. Fascismo na Itália, nazismo na Alemanha.
Gordon Childe é um pacifista radical e também marxista, ou seja, ele vai pensar a evolução cultural do homem em termos econômicos. Ele vai dizer que os fatores econômicos são os motores de mudança dentre esses estágios de desenvolvimento na Pré-História. E ele vai cristalizar os termos "Revolução Neolítica" e "Revolução Urbana".
Tem a cara de um pensador marxista chamar as coisas de "revolução", né? E aí, são temos curiosos porque, se você não prestar atenção, vai aparecer que, bom, a coisa aconteceu de uma hora para outra, uma revolução, no dia seguinte. Não, né?
E ele mesmo deixa bastante claro que é um período longo aquilo que ele vai falar de "revolução". Vocês já ouviram falar daqueles estágios da civilização? Primeiro, tem a "selvageria"; depois, a "barbárie"; e aí vem a "civilização".
E aí, segundo, o esquema de Gordon Childe seria o seguinte: o estágio que a gente chamaria de "selvageria" é aquilo que ele vai chamar de "estágio dos caçadores-coletores". E aí, depois, o estágio da "barbárie" seria o surgimento da agricultura e pastoreio. E aí, a "civilização" seria caracterizada pela divisão social.
Entre esses estágios, a Revolução Neolítica, ali, por volta de 9. 000 a. C, a partir de 9.
000 a. C, é quando surgem as técnicas de agricultura e domesticação de animais. Eu posso pensar em domesticação de animais e de grãos.
Da "barbárie" para a "civilização", existiria o surgimento das cidades e o surgimento da escrita, a Revolução Urbana. Daí vem o termo "Revolução Urbana", por causa do surgimento das cidades por volta de 3. 200 a.
C. Então, vamos analisar um pouco esse modelo do Gordon Childe; ver se ele funciona, se ele não funciona e por que que ele coloca as coisas dessa maneira. Eu tenho aqui uma imagem, eu não tenho os créditos dessa imagens, se por acaso alguém souber de onde ela veio, por favor, coloque aqui nos comentários, porque eu achei essa imagem internet afora.
É uma imagem muito típica de livro didático, né? Eu gosto dessa imagem porque ela enfia absolutamente todas as coisas juntas no mesmo desenho. Então, vamos dar uma olhadinha no que que tem aqui, o que representa essa "Revolução Neolítica".
Em primeiro plano, bem aqui no canto inferior esquerdo, tem um cara fazendo potes, ou seja, cerâmica; aí tem até um cachorro, por causa da domesticação dos cães; do outro lado tem a domesticação dos outros animais, uma ovelha; tem uma mulher em pé com um neném, e ela está coletando, então os caçadores-coletores ainda existem, né? Estão coletando frutas; tem umas galinhas, ali no meio; uma moça fazendo umas cestas, a técnica das cestarias. Você pode imaginar, evidentemente, que não existe nenhuma cesta do período Neolítico feita de palha, desse tipo de material, que tenha sobrevivido, mas se presume dada a comparação com sociedades primitivas atuais, que a cestaria também existia.
Aí, lá bem no meio da imagem, tem um murinho. Esse murinho é fundamental. A ideia de que você tem, aqui, no caso, uma aldeia e que depois as cidades vão ter as muralhas, que você está protegendo uma parte central, que é a parte onde as pessoas vivem.
Tá vendo? Tem o fogo, uma cabaninha onde as pessoas moram, e ali no meio tem duas mulheres com o tear, fazendo tecido. E, do lado de fora da muralha, tem esse carro de boi já com uma roda grande, então está dominando a roda.
E, atrás dessa pessoa, tem o pessoal com arado, cultivando a terra. E, atrás dessa terra sendo cultivada, tem até uns cavalos bem domesticados, umas ovelhas e um pastor. Lá no fundo, tem um túmulo, que são os famosos túmulos neolíticos de pedra, enfim, bastante típico.
Então, realmente, eles colocaram na imagem tudo acontecendo ao mesmo tempo. O quanto que isso representa uma noção idealizada do que é o "mundo neolítico"? Posso já falar para você o principal problema: a gente está falando de milhares de anos.
As coisas não aconteceram ao mesmo tempo, no mesmo lugar, da mesma forma! E a gente faz o esquema didaticamente e parece que a Revolução Neolítica foi instantânea, e não foi isso o que aconteceu. Foi muito gradual e muda muito de acordo com a situação.
Temos um período, por volta de 12. 900 a 11. 700 a.
C. que é o período chamado de "Dras Recente" ou "Pequena Era do Gelo". Aquele pessoal, os negacionistas do Aquecimento Global usam muito esse período do "Dras Recente" para dizer assim: olha só, eras do gelo sempre existiram, teve uma recentemente, então o Aquecimento Global não é verdade, porque daqui a pouco surge outra era do gelo também, assim como aconteceu.
E aí, os climatologistas mostram que não é bem assim, que tudo bem, existiram essas eras do gelo, mas o Aquecimento Global é real e tem a ver com o uso humano dos recursos naturais e o aumento do gás carbônico na atmosfera. No final dessa pequena era do gelo, o clima esquenta, o gelo derrete e as populações que estavam entulhadinhas perto da parte mais quente da Terra vão se espalhando um pouquinho mais. É o período em que surge a agricultura, então, por volta de 9.
000/8. 000 a. C.
Ou seja, a domesticação de plantas e, também, a domesticação de animais. A agricultura é associada com o processo de sedentarização e aumento populacional, porque é a ideia de que para plantar, colher, cuidar da plantação é necessário que uma população se fixe em um determinado lugar, e essa fixação vai levar a uma sedentarização contínua que, lá pra frente, vai levar ao surgimento da cidade, preparando, portanto, a "Revolução Urbana". O próprio Gordon Childe sabe e diz, no livro dele, que a agricultura não necessariamente equivale à sedentarização.
E a gente sabe, por exemplo, no caso dos índios brasileiros, um exemplo mais próximo a nós, que muitos índios na região amazônica são seminômades, então eles ocupam uma determinada área, limpam ali a floresta — os índios não são responsáveis pelo desmatamento da Amazônia! — eles limpam um pequeno da floresta, pois são grupos pequenos, ocupam aquela área ali e plantam, ficam alguns anos plantando naquela área e o solo se esgota. Saem dali, vão para outro lugar, e repetem a mesma técnica.
Mas, são grupos pequenos. Esses grupos não afetam o equilíbrio ecológico da Amazônia, evidentemente, pois são áreas muito pequenas. Gordon Childe vai usar uma teoria proposta por um cara chamado Raphael Pumpelly, no começo do século 20, que chama "A Teoria do Oásis", propondo a ideia de que, nesse período depois do final do Dras Recente, houve, na região do Egito, um processo de desertificação que concentrou as populações, que estavam mais esparsas.
Pensando no Nilo, essas regiões ao lado do rio se desertificaram e as populações se concentraram na parte do Nilo que ainda era fértil, especialmente na região do Delta do Nilo, que era particularmente fértil. E aí, é a mesma ideia da ocupação da Suméria e da confluência dos rios Tigre e Eufrates naquele Delta, naquela planície mesopotâmica abaixo, que vai ser a planície mais fértil, e, portanto, a área da "Revolução Urbana", segundo a ideia de Gordon Childe. Vamos dar uma olhada nesse mapa atual.
É uma vista, um composto de imagens feitas pela NASA, que, portanto, está falando do mundo do Oriente Médio atual. Essa área mais verde, aqui no mapa, em cima da Arábia, era bem mais verde do que isso antigamente. Na verdade, essa área está mais escura porque ali são montanhas.
Tem a cadeia do Tauros, em cima na Turquia e a cadeia do Zagros, ali na região do Irã. Bem embaixo do lado dos Zagros tem uma parte mais verdinha, que seria a planície da Mesopotâmia. Essa parte verdinha embaixo que é, de fato, a parte onde surge a agricultura.
Do que estamos falando aqui, em relação à agricultura? Especialmente trigo e cevada. É um processo que demanda uma técnica de armazenamento de grãos.
E aí, a agricultura vai gerar o excedente. Você planta, você colhe, você faz o seu pão e vai sobrar um pouco, e esse excedente deve ser distribuído. Você vai ter, também, o surgimento da cerâmica, e o surgimento da roda tem a ver com a tecnologia de fazer os vasos.
Aquela roda, como no filme "Ghost". Porque, nas técnicas mais antigas para fazer cerâmica, você pega a argila, e aí a argila não é qualquer barro que você vem na frente, pois existem misturas melhores para fazer vasos do que outras. Aí, é um processo de tentativa e erro de várias gerações para dominar essa técnica.
Você pega a argila, faz uma cordinha, assim, e aí vai empilhando essa cordinha e achata o vaso. Se fazia isso antes da roda. Com a roda, evidentemente, a técnica é mais fácil, né?
A plataforma vai girando e você vai subindo. E, fora isso, ainda tem a técnica de cozimento dessa argila, para que ela fique dura o suficiente. Lembram da primeira aula, que eu falei do cinzeirinho de argila que eu fazia para minha mãe?
Então, eu não fazia isso. Tem toda uma técnica que também demanda gerações e gerações até que você estabeleça uma técnica suficiente para o cozimento dessa cerâmica. Temos, também, o linho e algodão, a domesticação das plantas que originam essas fibras naturais, que a gente não vai comer, mas são importantes para a feitura de tecidos.
E, também, a lã, portanto a domesticação de animais que vão fornecer lã. E, aí, você tem todo um conjunto de pessoas que vão trabalhar nessas técnicas. Eu não falei para vocês do excedente?
Aí, a ideia é que o excedente alimenta essas pessoas que estão não lá mexendo na terra, mas estão no tear, ou fazendo cerâmica, os artesãos. Enfim, aí, você tem uma ideia de separação de grupos e de atividades econômicas. Outra coisa em relação à agricultura é o problema da imprecisão das colheitas.
Um período de seca é um grande problema. Um período de muitas chuvas também é um grande problema. O domínio das forças da natureza é primordial para agricultura e, portanto, para a sobrevivência de uma determinada população.
O domínio das forças da natureza pode ser feito através de duas coisas importantes: o controle das estações do ano e o que acontece nas estações, através do desenvolvimento de um calendário fixo. E, também, outra coisa muito importante: a relação com o natural e a relação com o sobrenatural, aquilo que vai além do conhecido, as forças da natureza. Por que cai o raio?
E de onde vem o trovão? De onde vem a chuva? Por que existe o Sol?
Vai ser fundamental na agricultura a relação com o divino, portanto o surgimento da religião e o surgimento da relação do humano com o divino, aí eu vou chamar de "magia", no sentido amplo da palavra magia, ou seja, uma tentativa humana de controlar a sua parte na relação com o divino. Isso vai ser muito importante dentro do modelo do Gordon Childe e de outros estudiosos sobre o surgimento da Revolução Urbana, da cidade e o templo, o lugar onde, primordialmente, se faz esse contato entre o humano e o divino. Portanto, então, nesse período entre essas duas revoluções, a Neolítica e a Urbana, de 9.
000/8,000 até 3. 500/3. 200 a.
C. — eu acho tão engraçado quando a gente trabalha com Antiguidade Oriental, porque os períodos aproximados são aproximações de mil, dois mil ou três mil anos — Gordon Childe coloca algumas inovações tecnológicas importantes nesse processo, como, por exemplo, vela para navegação. Portanto, não apenas um barquinho que vai até aquela ilha bem perto da costa, mas mais longe.
A própria técnica do arado, que envolve não simplesmente colocar a semente ali na terra, né? A semente vai mais fundo. A roda, que eu já falei para vocês, que primeiro começa com a cerâmica, mas depois vai ser usado para transporte.
A metalurgia, técnicas de fundição de metais. O tijolo, que é uma construção mais perene e importante para o que vai acontecer depois nas cidades, como o surgimento da arquitetura monumental e os grandes prédios públicos. E, também, o comércio de longa distância, porque a gente tende a pensar que essas aldeias, vilas e primeiras cidades estão isoladas, porque sua tecnologia e de transporte não é muito boa.
A gente tende a imaginar eles isolados, mas, definitivamente, não estavam tão isolados quanto a gente imagina. Aí, a própria arqueologia vai mostrar isso. Temos dois exemplos muito clássicos sobre como estudar esse comércio: em primeiro lugar, a obsidiana e, segundo lugar, o lápis-lazúli.
A obsidiana, a pedra preta aqui na imagem, tá vendo? Na verdade, isso é um vidro vulcânico que existe em algumas regiões ali do Oriente Médio, por exemplo, a Turquia - é a Anatólia, né? A região da Turquia e a Etiópia, mais lá pra baixo, mas que não existe, por exemplo, na Suméria.
E aí, você encontra, especialmente em contextos funerários, o que seriam objetos de luxo colocados no túmulo de pessoas, evidentemente, pessoas ricas, e que deveriam ser importantes nessas sociedades, apesar da gente não saber exatamente como. E objetos feitos de materiais que, definitivamente, não são dali. Existia um sistema de comércio muito complexo para aquele objeto chegar ali.
O lápis-lazúli, por exemplo, é do Afeganistão, e o Afeganistão fica muito longe daquelas regiões. O comércio de luxo usado em contexto funerário desse tipo de objeto, por exemplo, é muito importante para a gente pensar que essas sociedades não são isoladas e que elas têm um nível de sofisticação que, a princípio, se você não parar para pensar, você nem imagina que existe. Agora, na aula passada eu falei sobre "teleologia", a ideia de que as coisas aconteceram no passado meio que logicamente como um desenvolvimento para chegar até o momento de hoje.
Eu vou dar uma lida, junto com vocês, num pedaço do texto do Gordon Childe, que é um grande exemplo dessa ideia de teologia. Então, aqui no livro dele, o "Man Makes Himself", "A Evolução Cultural do Homem", na página 111 da minha edição: "Entre 6. 000 e 3.
000 a. C, o homem aprendeu a usar a força do boi e dos ventos, inventou o arado, o carro de rodas, o barco a vela, descobriu os processos químicos da fundição dos minérios de cobre e as propriedades físicas dos metais, e começou a desenvolver um calendário solar aperfeiçoado. Equipou-se com isso para a vida urbana" — parece que ele tava pensando, né, "agora, vou me equipar para a vida urbana", "e preparou o caminho para a civilização que exigirá a escrita" — a civilização está lá dizendo "escuta, quero a escrita na minha mesa agora" — "processos de contagem e padrões de mensuração, instrumentos de uma nova forma de transmitir o conhecimento e das Ciências Exatas.
Em nenhum período da história, até a época de Galileu, o progresso do conhecimento foi tão rápido ou descobertas de grande alcance tão frequentes. " Gente, estamos falando de 3 mil anos, olha que processo mais rápido, meu deus do céu! Quando a gente lê com atenção as coisas, apesar desse texto ser de 1936 e eu estar malhando ele nos dias de hoje, mas, assim, 1936 foi há quase 100 anos hoje, né?
A gente lê um texto desses e fala: "poxa, mas a gente não pensa mais dessa forma sobre passado, sobre a maneira como a gente vê o passado". Vamos pensar um pouco como essas ideias mudaram desde então, e mudaram por uma série de fatores que vou falar agora. Por exemplo, esse livro é uma arqueologia teórica, então a gente tem que pensar no contexto, como eu falei para vocês, é um contexto do entre-guerras, ele é um pacifista preocupado com a ascensão do nazismo e do fascismo, ele dialoga com a antropologia cultural que é especialmente alemã, aqueles alemães que vão falar sobre a raça ariana, etc.
E não é só ele, mas todos os pensadores desse período vão ser muito influenciados por esse tipo de ideia. Ele é um marco, mas ele deve ser lido pelo o que ele representou em relação às ideias anteriores a ele. Eu não posso culpar o Gordon Childe de não ter os dados arqueológicos que a gente tem hoje, e os dados que nós temos hoje, definitivamente, não batem totalmente com essa lógica que ele vai colocar.