“Nas minhas relações com os outros, que não fizeram necessariamente as mesmas opções que eu fiz, no nível da política, da ética, da estética, da pedagogia, nem posso partir de que devo ‘conquistá-los’, não importa a que custo, nem tampouco temo que pretendam ‘conquistar-me’. É no respeito às diferenças entre mim e eles ou elas, na coerência entre o que faço e o que digo, que me encontro com eles ou com elas. ” Nós vimos nos vídeos anteriores que o professor deve sempre deixar claro aos alunos que ele tem segurança quando discute um tema, quando analisa uma questão ou mesmo quando expõe a sua posição politica.
Agora, essa segurança não significa que o professor sabe tudo, ou que o seu saber é inquestionável. Em uma perspectiva dialógica, a segurança do professor se fundamenta na convicção de que ele sabe algumas coisas, de que ignora outras coisas, e que por isso a única certeza que ele tem é que ele pode saber melhor o que já sabe e conhecer o que não sabe. A segurança do professor se fundamenta tanto nos saberes de sua experiência quanto na abertura para aprender o que não sabe.
Por isso é tão importante admitir, para si mesmo, antes de qualquer coisa, que ninguém sabe tudo e que sempre há mais a aprender. O professor seguro de si sabe que não há razão para se envergonhar quando ele admite que desconhece um detalhe, uma dimensão ou mesmo um aspecto de sua disciplina. Agora, uma das diferenças importantes entre o professor seguro de si e aquele professor que é inseguro sobre os próprios conhecimentos, é que quem tem segurança tem mais disponibilidade à abertura, à curiosidade e aos próprios desafios do conhecimento.
Viver a abertura respeitosa aos outros e fazer uma autocrítica sobre essa própria abertura é parte indispensável do trabalho docente. É a ética da abertura que viabiliza o diálogo. A consciência de que somos inacabados, como vimos nos vídeos anteriores, mostra ainda mais a importância de nos mantermos abertos.
Não tem sentido saber que é inacabado e se manter fechado ao mundo. O professor que se abre ao mundo, com respeito e curiosidade, ele cria um ambiente muito favorável ao aprendizado através do diálogo. Porque ele sabe que os conhecimentos e a história estão em pleno movimento.
E que o estado natural da aprendizagem é essa inquietação curiosa. Paulo Freire conta uma história de um professor que se surpreendeu ao ver uma exposição de fotos dos arredores da escola em que ele trabalhava. E ele ficou surpreso porque apesar de lecionar na escola há dez anos, ele sempre passava pela mesma rua e nunca tinha prestado atenção no entorno, na vida que acontecia nos arredores da escola, na realidade social das pessoas sofridas que moravam nos quarteirões próximos à escola, sabe, nos lugares, muitos deles descuidados, e no ambiente geral em que os seus próprios alunos viviam.
E aí ele percebeu como que a sua presença na sala de aula diante todos aqueles anos havia sido tão precária, por tanto tempo. Então, aquilo não era uma "presença", ele percebeu. Era quase uma ausência.
E aí, depois de se surpreender com aquela realidade dos seus alunos e de suas famílias, que ele simplesmente ignorava, e há tanto tempo, ele mesmo se questionou: Como ensinar, como formar os alunos sem se manter aberto ao contexto histórico, à realidade social e ao contorno geográfico de suas vidas? Não há diálogo no fechamento, na insensibilidade, na generalidade ou na abstração. Não há diálogo se a gente trata os alunos como números, como um ponto em uma tabela.
Então, vale reforçar. Paulo Freire insiste muito na importância de o professor se manter aberto ao contexto social, cultural, econômico e ecológico, ou geográfico, em que os alunos vivem. E esse saber teórico deve se juntar aos saberes teórico-práticos da realidade concreta em que os professores e os alunos trabalham.
Já está suficientemente claro que as condições materiais em que os estudantes vivem impõem condicionamentos importantes sobre a sua compreensão de mundo e é claro, sobre a sua capacidade de aprender. É por isso que abrir-se à realidade dos alunos, mais uma vez, é tão importante em termos pedagógicos. O professor não pode se fechar à realidade daqueles com quem partilha a sua atividade pedagógica.
No mínimo, o professor não pode encarar os alunos com distanciamento, com estranhamento. E é claro que aproximar-se da realidade dos alunos não é só uma questão de geografia. Então, o professor, por exemplo, não precisa necessariamente se mudar para o bairro, ou morar na favela em que fica a escola para que ele possa entender os alunos.
A abertura do professor é uma questão de adesão real aos direitos deles. Do direito de aprender, do direito de se expressar e o de exercitar as suas potencialidades. E para isso é preciso diálogo.
E para haver diálogo é preciso que os universos do professor e dos alunos se expressem, para que todos possam aprender com as diferenças. O fundamental é a decisão ético-política, do professor e dos alunos de intervir no mundo. O professor diminui a distância que o separa das condições sociais dos alunos na medida em que ele os ajuda a aprender, e aprender em qualquer disciplina, com vistas à transformação da realidade e à superação das condições sociais injustas que ele e a sua comunidade sofrem.
E não fazer das disciplinas uma espécie de clausura, distante da realidade, para que os alunos sejam apenas imobilizados na escola. A consciência de que nada justifica a humilhação, a diminuição do outro ou a transformação do outro em objeto é um saber fundamental para diminuir a distância entre o professor e o universo dos alunos. Mas para Paulo Freire, esse saber, sozinho, não basta.
Em primeiro lugar, é preciso ter paixão pelo conhecimento e pela vida. Mas é preciso também identificar os discursos ideológicos produzidos para ocultar a realidade, e em seguida é preciso também desmistificar essas ideologias, para a gente não cair nas suas armadilhas. É preciso aprender a analisar as formas de produção dos discursos das mídias, aprender a linguagem que as mídias manipulam para impressionar, para nos induzir ao consumo de uma enxurrada de informação em vez de propor a reflexão.
Paulo Freire insiste muito que, além de não ignorar as novas mídias, que hoje, quer a gente queira, ou quer não, são indissociáveis da vida dos estudantes, o professor deve, na verdade, trazê-las para dentro da sala de aula e discuti-las com os alunos. É preciso dialogar com a linguagem que os alunos dominam. Ao consumir essa quantidade monumental de informação nas mídias, os estudantes não podem deixar de desenvolver uma consciência crítica sobre o que consomem e também sobre a própria linguagem que as mídias empregam para estimular esse consumo.
É preciso saber que as mídias hierarquizam as informações, ou seja, atribuem mais importância a determinados assuntos e desvalorizam outros, tudo isso baseado não necessariamente na defesa do interesse público, mas para atender a interesses comerciais, por exemplo. Notícias que vendem mais são mais valorizadas. E notícias importantes, mas, apesar de importantes, são notícias que não geram cliques, não geram lucro com anúncios, essas são deixadas de lado.
É preciso saber que os algoritmos do Facebook nos induzem a consumir uma informação que apenas confirma aquilo que já acreditamos, de modo que a gente acaba se agrupando somente entre os iguais e acaba perdendo a oportunidade de exercitar o diálogo com as diferenças. É preciso perceber que o consumo desenfreado de informação tende a prejudicar o tempo da reflexão. E é preciso ficar claro que os critérios que gerenciam a circulação de informações nas mídias não são neutros.
Ou seja, não se trata de uma dimensão técnica. E daí também a importância de identificar e analisar o papel da ideologia na ocultação de verdades nas mídias. Seria uma ingenuidade esperar de uma emissora de televisão que apoia um governador de estado, por exemplo, que recebe muita verba de publicidade do governo, graças ao governador, seria, então, uma ingenuidade esperar que essa emissora noticiasse uma greve de professores por exemplo, admitindo que aquela imagem pejorativa que ela veicula sobre os grevistas é, na verdade, uma construção ideológica.
Uma empresa de mídia dificilmente vai admitir que o seu editorial parte de um ponto de vista ideológico. E o que a gente, na verdade, costuma ver, é o contrário. Em geral, a empresa de mídia tem uma ideologia, às vezes, até definida em linha editorial, mas raramente admite isso e procura sempre convencer o espectador de que o seu julgamento é neutro, técnico, imparcial e voltado exclusivamente ao interesse público.
Como se os seus próprios interesses, que os seus próprios vieses ideológicos não interferissem em nada. E sendo que, a gente sabe, a ideologia serve justamente para distorcer os fatos. Então Paulo Freire ensina que a gente não deve se pôr diante de um aparelho de televisão, ou, nos dias atuais, diante de um monitor de computador, ou de smartphone, totalmente entregues, disponíveis e crentes ao que vier.
Quanto mais consumimos mídia sem uma visão crítica sobre todos esses processos que eu comentei, mais corremos o risco de tropeçar na compreensão dos fatos. As mídias estão em vantagem nessa luta que a gente tem que travar em nome da interpretação. Não é fácil ficar em estado permanente de alerta, principalmente considerando que hoje em dia a gente fica praticamente o dia inteiro consumindo mídia.
Toda hora tem uma notificação. Mas o que Paulo Freire sugere é que, se é mesmo difícil se manter alerta o tempo todo, diante essa enxurrada de informação, é preciso partir do princípio de que as mídias, assim como as tecnologias, como eu disse nos vídeos anteriores, elas não devem ser nem demonizadas e nem sacralizadas. E uma dica simples é a seguinte.
Antes de fazer uma afirmação categórica, dizendo que você tem certeza de que está certo porque saiu nas mídias, ou nas redes sociais, vale a pena parar, conferir a fonte, comparar com outras fontes, verificar se há exageros, contradições. . .
Repara que só essa atitude, de parar um pouquinho, já ajuda para que a gente não caia na armadiha de reproduzir informações de má qualidade. E isso nos faz mais curiosos, mas estudiosos e mais criteriosos. No próximo vídeo vamos discutir o último capítulo de Pedagogia da Autonomia: Ensinar exige querer bem aos educandos.
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