Ela tem diversos nomes: cannabis, cânhamo, marijuana, erva, maconha. E também têm diversos usos. O cânhamo tem sido uma das culturas mais plantadas da história.
E não por causa do uso recreativo. Essa é apenas a ponta do iceberg. Por milhares de anos, animais e humanos usaram o cânhamo como fonte importante de alimento.
A planta era usada para produzir tecidos, papel, medicamentos, óleo e gerar energia. Até começar a ser demonizada e criminalizada. Agora, a planta que já foi considerada milagrosa está voltando com tudo.
E isso pode nos ajudar a ter uma produção mais limpa em algumas das indústrias mais poluidoras. Essa é a história da cannabis e de como ela pode ajudar na luta contra as mudanças climáticas. Primeiro, um pouco de história.
O cultivo de cannabis começou há 12 mil anos, na China. E depois se espalhou por todos os cantos do mundo. Por todos os cantos mesmo.
Claro, porque se você tinha o cânhamo, você também tinha comida, óleo, roupas e muito mais. Esse é o Steffen Geyer, um dos diretores do Museu do Cânhamo em Berlim. Marinheiros usavam o cânhamo, que é extremamente resistente, em cordas e velas.
Então, eles sempre carregavam sementes para onde iam. Depois da madeira, o cânhamo era o segundo material mais usado nos navios. Principalmente na era colonial, a cannabis teve uma importância estratégica.
Napoleão forçou o principal produtor de cannabis da época, a Rússia, a parar de vender o cânhamo para os inimigos dele, e assim os enfraquecer. As flores da planta são usadas há milhares de anos na medicina, assim como em rituais espirituais ou simplesmente por prazer. Mas a cannabis entrou numa fase nebulosa.
Primeiro, porque no fim do século 19 ela estava perdendo a corrida de eficiência e preços contra novos materiais. Novas tecnologias para a produção de algodão aumentaram o fornecimento do material como fibra. Árvores substituíram o cânhamo como matéria-prima para o papel.
E, mais tarde, cordas e velas começaram a ser produzidas com materiais sintéticos à base de petróleo. Mas o que realmente acabou com a planta foi outra coisa. Assim, a "planta milagrosa" tornou-se a "planta proibida".
A Cannabis Sativa tem muitas variedades. Algumas ficam mais baixas, mas são muito floridas e ricas na substância psicoativa THC, enquanto outras ficam mais altas e são perfeitas para a produção de fibras. O cânhamo industrial, na verdade, tem baixo teor de THC.
Quando a guerra cultural contra a cannabis começou, nenhuma distinção foi feita entre as diferentes variedades da planta. A partir do século 19, a planta inteira e todas as variedades dela foram banidas no Brasil, no México, na Turquia, na Grécia, no Egito e na África do Sul. E isso contribuiu bastante para o declínio do cânhamo.
Em 1937, os Estados Unidos também restringiram o cultivo e levaram essa política para o resto do mundo. As restrições e a estigmatização levaram o cânhamo a não ser visto mais como matéria-prima por décadas. Agora, cientistas estão descobrindo que os usos da planta vão muito além do que já conhecemos.
E isso poderia ajudar muitas indústrias. Uma delas é a da construção, responsável por quase 40% de todas as emissões de CO2. E a cannabis pode ajudar a mudar isso.
A lã de cânhamo já é usada como material de isolamento. Agora, cada vez mais empresas do setor da construção usam o hempcrete, o concreto de cânhamo, para construir paredes e pisos. Como esse prédio de 12 andares na África do Sul.
O concreto de cânhamo é basicamente uma mistura de cal e cânhamo. A cal petrifica o cânhamo, então ele não se degrada nem quebra. O hempcrete é leve e forte ao mesmo tempo.
E deixa as paredes respirarem, o que ajuda a regular a umidade e temperatura do ambiente. Isso significa: contas de energia mais baratas, nada de mofo e basicamente um ambiente não-tóxico. Esse concreto é resistente ao fogo e, por causa da flexibilidade do material, pode resistir a fortes terremotos.
As propriedades de isolamento do hempcrete também são muito boas. Ele funciona como isolante térmico, acústico e impermeabilizante. E após sua vida útil, o concreto de cânhamo pode ser reutilizado como fertilizante, porque é totalmente orgânico.
O concreto que o hempcrete pode substituir é o segundo material mais usado no mundo depois da água – e é responsável por 8% das emissões mundiais de carbono. As paredes de concreto de cânhamo não apenas emitem menos carbono do que as de concreto tradicional, o material é na verdade carbono negativo. Ou seja, o hempcrete armazena mais CO2 do que libera para ser produzido e no transporte.
Isso por causa da capacidade de armazenamento do cânhamo. Comparando com as árvores, o cânhamo pode potencialmente absorver e armazenar quatro vezes mais CO2. Este é Mark Reinders da HempFlax.
A empresa é uma das maiores processadoras de cannabis da Europa, fornecendo cânhamo para diferentes indústrias, desde a automotiva até a da construção. O pai dele era agricultor e cultivava cânhamo. Ele basicamente cresceu rodeado por plantações de cannabis.
Produtores afirmam que construir com hempcrete é competitivo e Mark acredita que os preços podem até ficar mais baixos. O obstáculo é: na maioria dos países, os regulamentos para construção são muito rígidos, e introduzir um novo material pode levar anos com testes e burocracias. Em muitos países, o cânhamo está apenas no início dessa jornada.
A cannabis também pode ser uma aliada para reduzir o desmatamento. Até o fim do século 19, a maior parte do papel era feito com cânhamo. As bíblias antigas e até os rascunhos da declaração da independência dos Estados Unidos foram escritos em papel de cânhamo.
Mas a matéria-prima do papel hoje são as árvores. E essa é uma das indústrias que mais impulsiona o desmatamento. Todos os anos perdemos uma área de floresta do tamanho de Portugal.
15% de todas as árvores cortadas são usadas para fazer papel. O esperado é que a demanda global no mínimo dobre. .
. e em alguns casos deve até triplicar. Enquanto estamos perdendo as nossas florestas, algumas empresas estão tentando reintroduzir o cânhamo na produção de papel.
E há ainda outra indústria que está deixando uma pegada ecológica enorme: a de tecidos. Ela é campeã em poluição, porque o algodão precisa de muitos pesticidas e água. Na verdade, 54% de todos os pesticidas usados na Índia, o maior produtor mundial, é usado nas plantações de algodão.
E sem mencionar que isso acaba com o solo e a água - que já é algo que deveríamos economizar. Uma camiseta simples de algodão usa aproximadamente 3 mil litros de água. O que seria o suficiente para uma pessoa beber durante três anos.
Agora, essa indústria busca alternativas. Um hectare de cânhamo pode produzir 2,5 vezes mais fibras do que um hectare de algodão. E pode crescer mais de 5 metros num período de três a cinco meses.
A fibra de cânhamo não é apenas melhor para o meio ambiente, como também é mais resistente, e assim os produtos têxteis duram mais. Menos água, menos fertilizante, nada de pesticidas e ainda assim fibras mais fortes e duradouras. Mas tem um detalhe.
Basicamente, a indústria não investiria em novas máquinas apenas para a fibra de cânhamo. Como ela é considerada mais rígida, não é adequada para as máquinas que trabalham atualmente com algodão. Graças a pressão que a indústria têxtil tem enfrentado, empresas e pesquisadores têm tentado encontrar alternativas.
Agora, com o uso de enzimas ou processos mecânicos, eles encontraram maneiras sustentáveis de introduzir as fibras de cânhamo na produção têxtil existente. Mas esse é apenas um estágio inicial e deve demorar até que a indústria entre em consenso sobre a melhor maneira de trabalhar com o cânhamo. E este problema o cânhamo também enfrenta em outras indústrias.
A ausência de métodos padronizados por causa de décadas de falta de pesquisa e desenvolvimento. Essa é a Maren Krings. Ela dedicou os últimos seis anos na pesquisa de maneiras com as quais o cânhamo possa ajudar a mitigar a crise climática.
Essa pesquisa levou Maren a seis continentes e a uma jornada para redescobrir antigas maneiras de imprimir livros com cânhamo em parceria uma empresa de papel alemã. Afinal, ela não poderia usar outra coisa senão cânhamo para o livro dela: "H is for Hemp". Mas, ao contrário do que você talvez esteja pensando.
. . Assim como a vontade de Maren de experimentar coisas novas, governos de todo o mundo estão lentamente tentando novas abordagens para resolver o segundo problema do cânhamo: as regulamentações rígidas.
Da Colômbia à África do Sul, da Tailândia à Argentina. Muitos países estão procurando maneiras diferentes de legalizar o cânhamo em suas diversas formas. Em 2018, o cultivo industrial de cânhamo foi legalizado nos Estados Unidos.
A União Europeia mencionou o cânhamo como uma contribuição valiosa para alcançar os seus objetivos do Green Deal. Mas os regulamentos ainda são confusos e mudam de país para país. Alguns países, como a Colômbia, definem o cânhamo industrial como qualquer planta de Cannabis Sativa com níveis de THC de até 1%.
Enquanto na União Europeia o nível de THC permitido é de 0,2% e nos Estados Unidos 0,3%. Essas diferenças, além do fato de a cannabis ainda ser uma substância controlada, assustam os investidores. Mas, contra todas as probabilidades, a demanda global de cânhamo industrial foi calculada com um valor de mercado de quatro bilhões de dólares em 2021.
E deve chegar a quase 17 bilhões de dólares até 2030. Se a cannabis com alto teor de THC for legalizada também para fins medicinais e recreativos, espera-se que o valor de mercado atinja 176 bilhões de dólares até 2030. Agora, criar novas cadeias de suprimentos para todos esses setores e garantir que seja economicamente viável será outro grande desafio.
Bom, nós nem falamos sobre os usos nutricionais e medicinais da planta. À medida que a pesquisa científica aumenta, podemos começar a ouvir mais sobre usos inesperados da planta, como a possibilidade de ser usada como supercondutor em baterias de veículos elétricos, como biocombustível ou até como superalimento. Você já conhecia todas essas vantagens da cannabis?
Já sabia que ela pode ser uma aliada na luta contra as mudanças climáticas? Escreva aqui nos comentários. E, se você gostou desse vídeo e quer ver mais conteúdos assim, dá uma olhada na nossa playlist: Não tem planeta B.