Muitos de vocês têm me perguntado sobre o diagnóstico diferencial do autismo e outras condições. Então, eu vou começar uma série de vídeos aqui falando sobre alguns desses diagnósticos e transtornos que podem ser confundidos com o autismo e também que podem surgir como comorbidades. Então, hoje nós vamos falar sobre o transtorno da personalidade esquizotípica, que é uma condição distinta do autismo, mas que, de maneira superficial, as duas condições compartilham semelhanças.
Então, vamos ver como essas duas condições talvez possam ser confundidas na sua manifestação. Começando pelas semelhanças, a primeira delas se refere às dificuldades nas interações sociais. Nos dois casos, nós vamos observar que a manifestação tem a ver com essa dificuldade em fazer vínculos.
No caso da pessoa autista, nós vamos perceber dificuldade na reciprocidade socioemocional, a comunicação não verbal atípica e a dificuldade para integrar também comunicação não verbal e comunicação verbal. Às vezes, há alteração na prosódia, no ritmo da fala, e também dificuldade para iniciar, compreender e manter relacionamentos, cultivar relacionamentos. No caso da pessoa que tem o transtorno da personalidade esquizotípica, talvez por estar muito centrada em si mesma ou, às vezes, por alterações na senso-percepção, a dificuldade que ela tem para estar no mesmo mundo, na mesma realidade das outras pessoas faz com que o vínculo seja dificultado.
Às vezes, ela tem uma comunicação também um pouquinho atípica, desorganizada, e isso faz com que as pessoas típicas talvez não compreendam ou não se vinculem. Às vezes, ela se sente também perseguida ou não compreendida. Então, há essa tendência a um pensamento paranoico, que acaba dificultando a formação de vínculos.
O segundo ponto de semelhança diz respeito justamente à comunicação atípica. Se nas pessoas autistas há uma comunicação não verbal diferente, atípica, a integração também entre comunicação verbal e não verbal, às vezes, fica um pouco mais inflexível, mais rigorosa, mais rígida, formal, às vezes muito literal. A pessoa também pode ter maneirismos diferentes; elas vão falar de forma robotizada.
Há estudos que mostram que as meninas autistas tendem a ter uma fala masculinizada ou gestos masculinizados. No caso da pessoa com personalidade esquizotípica, por outro lado, a comunicação é atípica por ser excêntrica, como diz o DSM, ou às vezes ela tem crenças bizarras, que o próprio DSM chama assim, né? Mas, quando nós estamos atendendo, nós percebemos que a pessoa tem certezas sobre as suas vivências místicas e sobre algumas, por exemplo, em extraterrestres, na comunicação e tal, e ela vivencia aquilo de maneira muito realista, que chega a chamar a atenção mesmo e até a se aproximar justamente dos casos de esquizofrenia.
O terceiro ponto de contato diz respeito aos comportamentos ou interesses excêntricos. Se nós estamos falando em um diagnóstico diferencial entre autismo, um transtorno do neurodesenvolvimento, e o transtorno de personalidade, no caso esquizotípica, nós estamos pensando em um diagnóstico tardio de autismo, pois o transtorno de personalidade tende a ser realizado depois dos 18. Então, por isso, nós estamos observando aqui alguns comportamentos.
Por exemplo, em relação aos hiperfocos: se na criança autista a gente vê interesses especiais, por exemplo, como dinossauros, unicórnios, trenzinhos, insetos, física, papelaria, vários interesses especiais podem surgir. Na infância, talvez eles não sejam tão atípicos, não sejam tão excêntricos, mas se uma moça ou um rapaz leva esses interesses para a adolescência ou para a fase adulta, talvez ele pareça infantilizado ou excêntrico porque gosta de cabelos coloridos, gosta de uma roupa que siga o seu tema de preferência, como super-heróis, ou um filme, uma série de TV. Por isso, parece diferente da norma dos comportamentos normativos.
No caso da personalidade esquizotípica, a pessoa tende a ter esses gostos, interesses excêntricos que, às vezes, estão relacionados, por exemplo, a pedras preciosas, a algo mais místico, filosófico. E até aí, nada de diferente, nada de atípico; só que a maneira de vivenciar esses interesses é um pouquinho diferente, né? No caso de psicopatologia, nós temos esse mantra de intensidade, frequência e prejuízo.
Então, no caso, a intensidade, o jeito de acreditar, como se tivesse alguma energia ali mística ou extraordinária, transcendental, ou influência sobre a sua própria vida. A pessoa com transtorno de personalidade esquizotípica tende a ser muito autocentrada e ter certezas sobre essas crenças; por isso, chama bastante atenção. O quarto ponto de semelhança diz respeito à formação de relacionamentos mais próximos, de vínculos mais íntimos.
Mas, se nas pessoas autistas nós percebemos essa dificuldade porque a pessoa talvez não compreenda as pistas sociais, talvez ela não consiga compreender como se cultiva um relacionamento que precisa ligar no dia do aniversário, que precisa elogiar o outro, às vezes tem uma fala mais objetiva, mais transparente, mais rigorosa até e parece muito fria, pouco empática; as pessoas estranham, e ela talvez tenha necessidade de mais tempo de solitude, mais tempo para se reenergizar, elaborar os seus pensamentos. Isso faz com que o outro talvez imagine que ela não tenha consideração, que não queira de verdade estar perto. Então, tem uma série de confusões e motivos para haver, talvez, uma dificuldade nos sentimentos íntimos, mesmo com a família, mesmo com os pais, mesmo com os irmãos.
Talvez não haja essa compreensão. Por outro lado, as pessoas que têm o transtorno de personalidade esquizotípica, além de não terem tanto interesse nos relacionamentos do dia a dia, nas amizades e em relação à família, isso talvez aconteça porque elas estão muito imersas em mundos sobrenaturais, nas suas crenças mais excêntricas ou bizarras, até, e têm dificuldade para colaborar nessas tarefas mundanas do dia a dia que todos nós temos que executar. E essas pessoas que estão ao seu redor talvez se sintam negligenciadas, sobrecarregadas, porque precisam cuidar das contas, administrar a rotina, a casa, a educação dos filhos e talvez não sintam mesmo que o outro está interessado em ajudar.
Então, esse é um ponto de diferença. O quinto ponto. .
. A semelhança diz respeito à literalidade. Então, nós sabemos que as pessoas autistas tendem a interpretar metáforas, ironias e piadas de maneira muito literal, muito objetiva.
Elas levam tudo ao pé da letra e têm esse fantástico mundo de Bob, imaginando as metáforas e as figuras de linguagem de modo muito literal. Isso, claro, acaba tendo repercussão na sua interação social e na formação de vínculos. Porém, é diferente das pessoas que têm o transtorno de personalidade esquizotípica, em que a literalidade está mais relacionada à falta de insight, à falta de percepção sobre os elementos vivenciados pelas outras pessoas no mundo real, na nossa realidade.
Eu me lembro de um caso em que uma pessoa me contou que verbalizou para um aluno, um cliente, que "Ah, mas isso é o fim do mundo" ou "isso não é o fim do mundo". E a pessoa com transtorno de personalidade esquizotípica levou isso ao pé da letra, entendeu literalmente e respondeu: "Ah, mas eu estou preparado para o fim do mundo. Eu tenho as minhas roupas, eu tenho um casaco de couro que me protege, eu tenho um sapato especial.
Então, eu fico imaginando se acontecer de um asteroide bater na Terra, eu tenho meios para sobreviver porque eu posso fazer isso, isso e isso. " Então, ele entendeu uma figura de linguagem ao pé da letra e respondeu como se aquilo fosse real, como se fosse verdade. O sexto ponto de semelhança é a ansiedade social.
Tanto as pessoas autistas quanto as pessoas com transtorno de personalidade esquizotípica podem ter ansiedade muito elevada. Quase 60% das pessoas que têm autismo vão manifestar algum tipo de ansiedade, seja ansiedade de separação, ansiedade generalizada, mas a ansiedade social é bastante prevalente. Por quê?
Talvez a pessoa tenha tantas frustrações ao longo da vida que perceba que o outro não a compreende, no caso do autismo, ou que ela tem algumas estereotipias ou uma comunicação não verbal atípica. Então, ela percebe esses olhares, percebe que as pessoas estão estranhando, e, talvez, ela se retraia e evite novas situações sociais, acabando por perder a habilidade social. Por isso, a ansiedade tende a ficar ainda mais elevada.
Um outro ponto é que as pessoas autistas podem ter as amígdalas cerebrais aumentadas. Essas estruturas, por sua vez, nos ajudam a detectar os sinais de ameaça, mas se elas estão aumentadas ou mais sensíveis, talvez a pessoa fique hipervigilante e detecte mais sinais de ameaça do que realmente há na realidade; por isso, talvez sinta mais ansiedade social. Isso acontece com boa parte das pessoas autistas.
No caso da pessoa que tem o transtorno de personalidade esquizotípica, muitas vezes a ansiedade vem por uma certa paranoia, uma tendência a visualizar coisas que não existem, olhares que não existem ou até interpretar esses olhares como ameaçadores. Talvez a pessoa seja um pouco mais reativa ou então evite esses contatos, imaginando que aquilo possa fazer mal ao futuro dela ou que possa interferir na sua energia ou no seu futuro, no seu meio. Então, são pensamentos, às vezes, um pouco mais obsessivos ou, às vezes, mais paranoicos, justamente por essa alteração na senso-percepção.
O sétimo ponto de semelhança fala sobre os pensamentos rigorosos ou inflexíveis. No caso do autismo, isso traz no critério B quatro itens, e desses quatro, pelo menos dois são imprescindíveis para que o diagnóstico de autismo seja aventado. Esses quatro itens são as ecolalias, as estereotipias vocais ou motoras, a adesão inflexível à rotina, os interesses especiais e a reatividade alterada a estímulos sensoriais, que pode aparecer como hipo ou hiperreatividade aos estímulos sensoriais.
Então, nem sempre a pessoa autista vai ser totalmente inflexível, inclusive as meninas tendem a ser bastante flexíveis na infância ou, muitas vezes, bem menos inflexíveis do que os meninos. Ao longo da adolescência, elas vão aumentando seu nível de rigor e podem alcançar ou, às vezes, até superar os meninos autistas, os rapazes autistas. Já no caso das pessoas que têm o transtorno de personalidade esquizotípica, o que nós percebemos é que esse pensamento rígido e rigoroso está mais relacionado a suas certezas.
Ela tem certeza sobre essas dimensões diferentes ou sobre as suas vivências, também intrapsíquicas, sobre alterações que ela esteja vivenciando ou alguma voz ou contato que ela tem com seres sobrenaturais. Então, ela tem esse rigor em relação às histórias que conta ou às vivências senso-perceptivas que tem e que os outros não têm. O oitavo ponto de semelhança fala justamente sobre essas alterações na sensibilidade ou na reatividade a estímulos sensoriais.
Já é previsto que as pessoas autistas possam ter tanto a hiperreatividade quanto a hiporreatividade a estímulos sensoriais, que aparecem como a dificuldade para vestir uma roupa que tenha uma etiqueta. Às vezes, a pessoa que tem a hiporreatividade pode se machucar, talvez viva roxa e não saiba onde bateu ou onde se machucou, ou, às vezes, está com um sapato apertado e mantém até sangrar, sem verbalizar para os seus pais que o sapato está machucando ou pedir para calçar um chinelo. Então, isso aparece de várias formas, e nós observamos que pode ser realmente grave, mas é imprescindível essa alteração da sensibilidade.
Algumas pessoas autistas não vão ter problemas na integração sensorial. No caso da pessoa que tem o transtorno de personalidade esquizotípica, nós vamos perceber alterações da sensopercepção que fazem com que ela integre esses mundos diferentes, essa percepção alterada ao seu senso de realidade. Por isso, ela tem uma vivência.
Nós não falamos em esquizofrenia nesse caso, e sim em transtornos de personalidade, porque é um modo de vivenciar. Então, há essa integração das vivências diferentes, excêntricas, ao seu ritmo de vida natural. Ela integra, talvez trabalhe, talvez tenha seus relacionamentos ou viva sozinha de maneira autônoma, mas quando vai conversar, fala sobre as atividades cotidianas ou sobre rotinas, incluindo esses elementos mais simbólicos ou diferentes.
Mesmo está senso percepção, talvez ela inclua elementos que não estão no ambiente, como, né, um tipo de alucinação. Talvez tenha algum elemento que lembre um delírio, mas é um modo de vivenciar. Por isso, é um transtorno de personalidade.
O nono ponto de semelhança fala sobre as dificuldades em teoria da mente. As pessoas autistas tendem a ter baixa cognição social, então talvez elas não percebam as pistas sociais, não percebam sinais de ameaça, ou de intriga, de fofoca, ou mesmo de investimento num relacionamento, sinais de paquera. E por isso elas podem parecer ingênuas e podem não ter uma interação muito fluida.
Isso acontece com as pessoas autistas. No caso do transtorno de personalidade esquizotípica, é um pouco diferente. Então, a pessoa, talvez, esteja muito centrada em si ou em outras vivências; ela pode realmente não perceber, não notar o que o outro está pensando, e talvez ela nem esteja muito interessada nisso.
Um outro ponto é que ela pode fazer interpretações equivocadas, bastante equivocadas, sobre o que o outro está pensando. E muitas vezes tem esse elemento um pouco de paranoia persecutória, de imaginar que o outro possa fazer mal a ela, ou que tenha superpoderes, que esteja invadindo. E às vezes tem um contato entre os transtornos de personalidade, no caso do transtorno de personalidade paranoide.
Inclusive, o futuro da psicopatologia tende a ser dimensional, porque há realmente muitos pontos de conexão entre os transtornos de personalidade. Por exemplo, tanto que o DSM já traz um modelo alternativo. E, finalmente, o décimo ponto de semelhança fala sobre uma aparência diferente, atípica ou estranha.
Tanto as pessoas autistas quanto as pessoas com o transtorno de personalidade esquizotípica podem ser vistas como muito diferentes, como realmente estranhas, mesmo atípicas. E, no caso do autismo, essa atipicidade está muito relacionada quando nós estamos pensando em adolescentes e adultos. Ah, isso talvez a pessoa demore a crescer ou a mudar os gostos.
Os amigos mudam, a dinâmica social, as meninas, por exemplo, já passam a usar maquiagem, já vão cuidar do cabelo de maneira diferente, conversam sobre os meninos, adaptam o jeito de se vestir, têm uma roupa mais parecida com o modo de vestir de um adulto. E, no caso das pessoas autistas, talvez elas mantenham os gostos mais infantilizados, usem essas roupas com elementos dos seus hiperfocos, sem perceber, às vezes, que os outros não dão suporte ou que acham estranho aquele modo de ser. No trabalho, isso pode ter consequências sérias, porque se for um trabalho formal e a pessoa chega de bermuda, se chega de chinelo ou está com a camisa do Star Wars, isso pode chamar atenção e pode prejudicar o desempenho dela ou o sucesso profissional.
No caso do autismo, ela tem uma dificuldade, às vezes, para adaptar o seu comportamento aos diferentes contextos. Então, às vezes, eu ouço que a pessoa foi convidada para ir a um churrasco e ela foi vestida de maneira muito formal. O seu jeito de escrever e de conversar com as pessoas também, às vezes, é muito formal ou é diferente e isso chama atenção.
Já no caso da pessoa que tem o transtorno de personalidade esquizotípica, ela pode ser julgada como estranha ou como diferente pela sua aparência, porque ela incorpora muitos desses elementos simbólicos ao seu vestuário, aos seus acessórios. Eu me lembro de um caso em que a pessoa acreditava em seres extraterrestres e aí ela usava, por exemplo, anéis e colares que facilitariam a sua conexão e a protegeriam também, porque ela acreditava que esses seres estivessem aqui na Terra eventualmente. Então, eles a reconheceriam por esses sinais e por isso ela estava protegida.
A pessoa cria uma história, ela tem uma fala às vezes um pouco desorganizada, muito acelerada, diferente e tal. E lembrando que não é uma fase de hipomania, é um modo de vivenciar a realidade, por isso se trata de transtorno de personalidade, é um jeito de ser mesmo. Então, aqui estão os dez pontos de semelhança.
Espero que tenha sido útil. Agora eu quero saber qual é a sua opinião. Se você encontra mais pontos de semelhanças ou outras diferenças, por favor, comente aqui.
Se inscreva no canal para que você não perca os próximos vídeos dessa série. A minha intenção é conversar bastante com vocês a respeito desses diagnósticos que eu percebo que podem ser confundidos com o autismo. Às vezes a pessoa é autista e recebe um diagnóstico de transtorno de personalidade, por exemplo, e nós precisamos ficar atentos, pois o suporte à intervenção é diferente.
Então não podemos correr o risco de sermos iatrogênicos, ou seja, de causar um mal a uma pessoa que nos busca pensando em obter ajuda. Então, grande abraço e até o próximo vídeo. Tchau tchau!