Em 1891, o cirurgião William Coley começou um dos experimentos mais bizarros. Ele injetou misturas das bactérias streptococcus, piogenes e cerratia marcensens nos rumores de pacientes com câncer. Parece loucura infectar pacientes de câncer com bactérias, mas com isso ele alcançou mais de mil remissões tumorais completas e duradouras em vários tipos de câncer.
Em outras palavras, Coley curou o câncer. Com bactérias. E hoje nós conseguimos replicar o sucesso dele, só que sem usar bactérias, sem infectar ninguém, sem causar doenças.
Inclusive dois brasileiros já foram curados por uma versão moderna da ideia do Coley para tratar o câncer. Só que mesmo com esse sucesso, a ideia de injetar bactérias em tumores não foi levada muito a sério pela comunidade científica da época. E existem alguns motivos para isso.
Na época não se entendia muito bem como exatamente as bactérias curavam o câncer. E o outro é que ninguém gostava muito do coli. Mas o fato é que esse foi o início extraordinário de novas tecnologias que hoje podem ajudar a gente a responder a pergunta de o quão perto nós estamos de curar todos os tipos de câncer.
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Em 1957, Lewis Thomas e Frank Burnet acharam uma possível explicação para o estranho sucesso do tratamento desenvolvido por Coley na chamada hipótese da imunovigilância de tumores. Os dois pesquisadores notaram que tumores crescem e se multiplicam rapidamente em animais e humanos com a imunidade comprometida, o que confirma a importância do sistema imune em suprimir o câncer. E entender melhor como esse efeito de imunovigilância do câncer funciona pode ser a chave para avançar nos tratamentos de todos os tipos de câncer.
Mas espera, vamos dar um passo para trás. O que exatamente é a imunovigilância do câncer? A imunovigilância do câncer implica que o sistema imune vai reconhecer e destruir as células normais antes de elas se transformarem em tumores.
E também vai ser capaz de reconhecer e destruir as células tumorais em tumores já formados. Por exemplo, quando o William Coley injetava os pacientes com bactérias, a injeção estimulava o sistema imune, que era acionado para destruir as bactérias, inclusive as que estavam nos tumores. E uma vez nos tumores, as células do sistema imune também conseguiam destruir células do câncer.
Uma célula muito importante para a imunovigilância do câncer são os linfócitos T, em particular o tipo conhecido como citotóxico. Células citotóxicas são capazes de destruir células tumorais jogando substâncias tóxicas nessas células. É tiro, porrada e bomba!
E não só células tumorais, na verdade. As células citotóxicas também são capazes de destruir vários tipos de células. Só que elas não funcionam por conta própria.
Elas precisam de um gatilho para começar a destruir outras células. E o principal estímulo é o reconhecimento dos antígenos, que são os pedacinhos de proteínas produzidas pelas células dos tumores. Quando o sistema imune reconhece antígenos tumorais, os linfócitos são ativados para procurar células que possuem esses antígenos.
Os linfócitos T viajam pelo corpo, fazendo um rastreamento das células com o antígeno. Essa é tipo a versão celular de conferir os documentos de alguém. Quando as nossas células apresentam algumas proteínas esquisitas, o sistema imune age para impedir que um tumor se desenvolva.
Uma célula que está produzindo uma proteína esquisita pode ser uma célula tumoral. E o sistema imune leva essa ameaça a sério. Mas isso levanta um problema.
Se o nosso sistema imune faz isso tudo, por que a gente ainda tem câncer? Células cancerosas têm as suas próprias estratégias para escapar das respostas do sistema imune. As células tumorais podem impedir que o sistema imune acesse os seus antígenos, e aí ele não tem como reconhecer a ameaça.
É a versão celular da desculpa de deixei minha carteira em casa, para não terem que mostrar a identidade. Além disso, as células tumorais podem produzir substâncias imunossupressoras para diminuir a eficiência do sistema imune. A boa notícia é que existem diversas possibilidades de tratamentos para suprimir os mecanismos que os tumores usam para fugir da resposta imune.
Sendo direto, pode ser que a cura do câncer consista em melhorar a capacidade do sistema imune de lidar com o câncer, mas não é tão simples assim. Até os cânceres que afetam o mesmo órgão não expressam as mesmas moléculas de antígenos. Por exemplo, no melanoma, que é um tipo de câncer de pele, pode haver mil mutações diferentes por célula do mesmo tipo de câncer.
As células tumorais se formam a partir de mutações no DNA que surgem por conta de danos não corrigidos no código genético das nossas células. O dano que provoca as mutações tem diversas fontes, desde exposição à radiação até hábitos como cigarro e bebidas alcoólicas ou até mesmo predisposição genética. As classes de genes que mais sofrem mutações são os genes envolvidos no crescimento das células, os genes associados à supressão de tumores ou então os genes que regulam a morte das células e também os genes que fazem reparo de DNA danificado.
Esses são justamente os genes que impedem o surgimento de um câncer, mas quando eles sofrem dano, o desenvolvimento e o crescimento de tumores é favorecido. O código genético humano tem mais de 3 bilhões de pares de bases, com mais de 20 mil genes que podem sofrer mutações. São muitas as possibilidades de mutações no código genético, e essas mutações podem ou não prejudicar a função desses genes.
A maior parte das mutações não vai levar ao surgimento de um câncer, mas como o próprio código genético é diverso, isso implica em uma diversidade de possíveis tipos de câncer com diferentes comportamentos. E é até por essa diversidade de tipos de células tumorais que terapias tradicionais, como químio e radioterapia, são agressivas a ponto de destruir células normais e causar efeitos colaterais indesejados. É difícil fazer um tratamento mirar só em células cancerosas justamente por conta da diversidade de expressão de proteínas dessas células.
O câncer é uma doença que se expressa de maneiras muito diferentes e por isso é tão difícil de produzir uma cura única para todos os tipos. Mas difícil não quer dizer impossível. Com conhecimentos sobre imunologia nós conseguimos obter tratamentos mais específicos e com resultados melhores, como os tratamentos à base de anticorpos monoclonais.
Anticorpos têm como função se conectar a moléculas específicas dentro do nosso organismo, para então causar um efeito designado. Um dos efeitos é o de sinalizar às células do nosso sistema imune a presença de uma infecção ou de uma célula cancerosa. E monoclonais.
. . Bom, eu precisaria de um vídeo só sobre sistema imune ou infecções para explicar anticorpos monoclonais direito.
Se você quer um vídeo assim, digita um emoji de músculo nos comentários. E hoje, graças aos conhecimentos sobre biologia molecular e biotecnologia, nós sabemos que nós somos capazes de criar anticorpos que se ligam a qualquer molécula, inclusive moléculas envolvidas na proliferação e no crescimento de células tumorais, o que impede que o tumor use essas moléculas para se proliferar. Outros anticorpos bloqueiam fatores de crescimento importantes para estimular a formação de vasos sanguíneos, que vão nutrir os tumores.
E assim as células tumorais ficam com pouco suprimento de oxigênio e nutrientes. Algo ainda mais impressionante é que existem anticorpos monoclonais que se ligam às células do tumor para entregar um medicamento capaz de destruir a célula cancerosa, como os medicamentos da quimioterapia. E dessa forma a quimioterapia afeta as células do câncer sem causar tanto dano no resto do organismo.
E os usos dos anticorpos monoclonais não param por aqui. Nós também podemos usar esses anticorpos para se ligar na célula tumoral e tornar ela alvo da resposta imune do próprio organismo, ou então impedir a célula cancerosa de usar suas estratégias para evitar ser destruída pelo sistema imune. E dessa forma, as células do sistema imune podem destruir a célula tumoral jogando substâncias tóxicas ou até engolindo ela, de forma similar como acontecia nos pacientes infectados por William Coley, só que sem precisar da infecção.
Mas apesar de bem-sucedidas, a terapia de anticorpos monoclonais tem um custo muito elevado. E ainda é preciso pesquisar como tornar o tratamento mais prático e acessível. Os anticorpos monoclonais são extremamente promissores em tratar os mais diversos tipos de câncer.
Mas dá pra ir ainda mais longe. Dá pra usar o seu próprio sistema imune para destruir as células tumorais. Eu falei que esse vídeo ia ser fascinante.
Essa é a terapia de células CAR-T, que em 2019 curou o câncer terminal de Vamberto Luiz de Castro. Vamberto sofria de um linfoma não Hodgkin bem agressivo e mesmo com a doença já avançada no paciente, o tratamento à base de CAR-T reduziu seus sintomas em poucos dias, além de reduzir drasticamente o número de células cancerosas em apenas 30 dias. Em 2023, Paulo Peregrino sofria com câncer há mais de 13 anos.
E com as células CAR-T, ele teve remissão completa do linfoma em 30 dias. É até difícil de explicar o quão incrível isso é. Há alguns anos essas notícias moravam no reino da ficção.
Então como a imunoterapia de células CAR-T conseguiu esse feito? O tratamento começa com a coleta de linfócitos T do próprio sangue do paciente. Esses linfócitos são preparados in vitro para carregarem uma molécula de reconhecimento específica para as células do tumor do paciente, chamada de CAR, que vem do inglês Chimeric Antigen Receptor.
O CAR é a mistura de dois tipos de moléculas. Uma parte delas serve para reconhecer o tumor e a outra parte para ativar os linfócitos capazes de destruir o tumor. Então o paciente recebe esses linfócitos de volta, mas agora eles vão ser capazes de reconhecer e destruir as células tumorais.
Até agora esse tratamento com linfócitos T modificados tem sido usado apenas para cânceres hematológicos, células do sangue. E nós ainda não temos o uso em tumores sólidos. O grande desafio é identificar as moléculas tumorais que estejam só nas células tumorais e não nas células normais.
Afinal, nós não queremos que as células normais morram. Apesar das cortes serem bem promissoras, nós temos também outras terapias personalizadas que estão em estudo. Como, por exemplo, a ideia de vacinas contra o câncer, que tentam ensinar o seu sistema imune a reconhecer e combater as células do tumor, de forma bem similar a como vacinas tradicionais ensinam o seu corpo a reconhecer infecções.
A diferença é que as vacinas do câncer são um tratamento e não uma forma de prevenir e mitigar a doença, como no caso de vacinas para doenças infecciosas. Mesmo sendo tratamento promissor, é importante deixar claro que a imunoterapia também está sujeita a eventos adversos e limitações. O organismo pode reagir mal e desencadear uma resposta inflamatória forte.
Ou às vezes a imunoterapia pode causar uma adaptação das células tumorais para escapar da resposta imune. Mas mesmo que o câncer ainda seja visto como uma doença grave, com um tratamento complicado e geralmente um prognóstico ruim, isso está mudando. Com a evolução do tratamento oncológico, as possibilidades de cura são maiores, porque a maioria dos cânceres são tratáveis e muitos deles podem ser curados.
O diagnóstico de melanoma. Mas não é só a imunoterapia que cura. Tem muitos pacientes que tiveram o câncer curado com rádio e quimioterapia.
E essas terapias não precisam ser abandonadas por causa de novas formas de tratar o câncer. Rádio, quimio e imunoterapia vão continuar sendo ferramentas contra o câncer. E essas terapias vão poder ser combinadas para atingir os melhores resultados possíveis.
Uma nova terapia representa uma nova forma de lidar contra a doença, usando ciência, pesquisa e esforço humano. E com a imunoterapia, a ideia de William Coley de usar o próprio sistema imune contra o câncer abre uma nova janela para possíveis tratamentos. Infelizmente ainda não temos a cura de todos os tipos de câncer, mas as novas pesquisas indicam que pode ser possível sim curar todo tipo de câncer.
Ou como o imunologista Jim Allison, que foi o Nobel de Medicina de 2018, diz, ainda não temos uma cura para todos os tipos de câncer, mas um dia podemos ter. Muito obrigado e até a próxima!