Na manhã do dia 15 de outubro de 1991, uma bola de boliche caiu do espaço sobre o planeta. Ou pelo menos foi isso que pareceu para o detector de raios cósmicos Flying Eye. Em português, olho voador.
O experimento, realizado em Utah, nos Estados Unidos, detectou uma partícula com a energia de uma bola de boliche a 40 km por hora se chocando na atmosfera do nosso planeta. A colisão causou uma cascata de partículas secundárias que choveu sobre a superfície do planeta. E esse evento foi um raio cósmico, uma partícula do espaço batendo na nossa atmosfera.
Raios cósmicos não são raros, eles são um fenômeno constante. Mas raios cósmicos com a energia desse evento nunca tinham acontecido. Pior, eles eram considerados impossíveis na época.
E meio que ainda são. Esse evento foi resultado de uma única partícula a 99. 99999999999999999999951 por cento da velocidade da luz.
E a sua origem ainda é um completo mistério. O evento foi tão dramático que a partícula foi apelidada de partícula do “Ai Meu Deus”, do Inglês "Oh My God" no sentido de uma reação de choque. O evento da partícula do “Ai Meu Deus” representa o ápice de um mistério de quase de um século.
Raios cósmicos são radiação que chove do espaço na nossa atmosfera, nós descobrimos eles em 1936, e até hoje nós não sabemos quase nada sobre eles. Em 1991, uma das poucas certezas sobre raios cósmicos era de que sua energia máxima, chamada limite GZK, postulava uma energia máxima de 50 Exa elétron-volts. Elétron-volts são uma medida de energia comum em partículas.
O LHC, o maior colisor de partículas da humanidade gera colisões com 13 teraelétron-volts, ou 13 TeV de energia. A energia associada ao limite de GZK de 50 Exa elétron-volts, ou 50 EEV, é 4 milhões de vezes mais energia do que as produzidas nas colisões da LHC aqui na Terra. A partícula detectada no dia 15 de outubro de 1991 tinha mais de 300 Exa elétron-volts, ou 300 eev e isso era mais do que seis vezes o limite teórico literalmente inconcebível então a pergunta mais óbvia era o que no universo está criando partículas tão rápidas e tão energéticas ninguém sabe.
Raios cósmicos são uma constante da natureza chovendo na nossa atmosfera e a gente não sabe quase nada sobre a origem deles e pra piorar os raios cósmicos e altíssima energia parecem violar as leis da física ao violar o limite de GZK. O limite teórico de energia de raios cósmicos, que é o tal de GZK, foi deduzido por três físicos. Kenneth Greisen, Georgy Zatsepin e Vadim Kuzmin, em 1966.
E a razão para o limite é relativamente simples. O vazio do espaço não é perfeitamente vazio. Ele está cheio de radiação, de luz.
E essa luz é especialmente luz de baixíssima energia, chamada radiação cósmica de fundo. Para a maior parte dos objetos se movendo pelo vazio do universo, esse fato é relevante. Mas a chance de você esbarrar e ser afetado pela radiação cósmica de fundo aumenta conforme a sua velocidade e energia aumentam.
Para uma partícula tão rápida como a partícula do Ai Meu Deus, interagir com a radiação cósmica de fundo é praticamente certo. E por conta disso, a partícula deve perder a sua energia rapidamente e desacelerar até abaixo do limite de GZK. O problema é que isso não aconteceu.
Nós detectamos uma partícula muito acima do limite teórico e com a possibilidade do limite ser violado, novos experimentos de raios cósmicos ficaram em alerta para mais partículas com energias absurdas, que foram encontradas. De toda forma, experimentos com raios cósmicos mostraram que violações do limite GZK aconteciam regularmente, o que não significa que o limite é uma previsão inútil. Eventos que violam o limite são bem mais raros do que eventos que não violam.
A possibilidade mais óbvia é que existia uma fonte de raios cósmicos tão perto da Terra que não existia tempo para o raio cósmico perder energia e se conformar ao limite. Só que uma fonte de raios cósmicos assim energéticos perto da Terra deveria ser extremamente óbvia. Um objeto astronômico muito brilhante e energético.
E não tem nada assim na nossa vizinhança cósmica. Ou seja, o limite de GZK esta errado, mas não completamente. Porque raios cósmicos que violam o limite são muito mais raros do que raios cósmicos abaixo do limite de energia.
Tem algo faltando, e a gente não sabe o que é. Viu? Eu falei pra você que raios cósmicos eram misteriosos.
Raios cósmicos de altíssima energia talvez tenham tanta energia que seja precisa uma teoria da gravitação quântica para descrevê-los corretamente. Que é justamente o problema em aberto mais difícil da física moderna. Tá, então a gente não sabe como raios cósmicos acima do limite de GZK mantém a sua energia viajando pelo espaço.
Mas então será que a gente pelo menos consegue responder de onde eles estão vindo? Não, nós também não sabemos. E antes que você fique desanimado, vamos revisar o que nós sabemos sobre raios cósmicos.
Raios cósmicos são partículas que vêm do espaço e batem na nossa atmosfera, criando chuveiros de novas partículas. A exata composição dos raios cósmicos é bastante diversa. Muitos deles são núcleos de elementos da tabela periódica, como o hidrogênio, o hélio, o oxigênio, o hidrogênio e assim por diante.
A proporção de quais elementos compõem os raios cósmicos segue a composição do nosso próprio universo. Hidrogênio e hélio são disparados os dois elementos mais comuns, tanto no universo quanto em raios cósmicos. Nós não sabemos qual partícula exatamente era a partícula do ai meu deus, mas o mais provável é que era um núcleo de hidrogênio, que é um próton livre.
Raios cósmicos também podem ser outros tipos de partículas menos comuns, e entre essas as mais importantes são partículas sem carga elétrica, como o neutro. Os raios cósmicos com carga elétrica podem e são desviados na sua trajetória por campos magnéticos ao redor do espaço. Então eles não viajam em linha reta.
E é por causa disso que não é fácil de saber de onde no espaço veio um raio cósmico. Raios cósmicos sem carga elétrica, como os nêutrons, são muito menos afetados por campos magnéticos. E eles carregam informações mais confiáveis das suas origens.
Existem basicamente duas formas de tentar encontrar de onde esses raios cósmicos vêm. A primeira é detectar muitos raios cósmicos e usar essa quantidade alta de dados para remover o efeito de desvio por campos magnéticos. E aqui ter uma alta energia é uma vantagem, porque quanto mais rápido um raio cósmico é, menos tempo ele teve para ser desviado por campos magnéticos.
Os raios cósmicos mais misteriosos, que são aqueles que violam o limite de velocidade GZK, podem acabar sendo os mais úteis para estudar a origem de raios cósmicos em geral. A outra estratégia é tentar correlacionar a chegada de raios cósmicos carregados com a chegada de partículas neutras, como, por exemplo, nêutrons e neutrinos de alta energia, já que partículas neutras não são tão desviadas pelos campos magnéticos no espaço. Existem dois grandes experimentos buscando raios cósmicos de altíssima energia, o Telescópio Array, em Utah, olhando para os sinais do céu do Hemisfério Norte, e o Observatório Pierre Auger, na Argentina, vigiando os céus do Hemisfério Sul.
E esses observatórios de raios cósmicos não detectam as partículas originais. O que eles detectam é o chuveiro de novas partículas e sinais de luz gerados quando uma partícula de energia extrema colide com a nossa atmosfera. O chuveiro de partículas de um único raio cósmico de altíssima energia pode cobrir vários quilômetros quadrados.
E por conta disso, os observatórios são um conjunto de detectores espalhados em uma área enorme. E usando as informações carregadas pelo chuveiro de partículas, é possível determinar a energia do raio cósmico original e a sua direção aproximada. E combinando esses dados com informações de outros experimentos, como detectores de neutrinos, é possível criar um mapa de onde exatamente esses raios cósmicos estão vindo.
E esse mapa aponta para uma coisa curiosamente banal. A distribuição de raios cósmicos de alta energia coincide com a distribuição de matéria no universo. Ou seja, quanto mais matéria tem em uma região do espaço, mais raios cósmicos essa região produz.
E até mesmo regiões com menos matéria devem produzir raios cósmicos com alguma frequência. O que isso significa é que mesmo raios cósmicos de energias extremas não são produzidos por eventos extremos no universo. Se partículas como a partícula do Ai Meu Deus fossem consequência de supernovas, os raios cósmicos estariam correlacionando com esses eventos, e não com a distribuição geral de matéria.
E se raios cósmicos fossem consequência só de buracos negros galácticos, eles viriam só do centro de galáxias. Então, raios cósmicos, incluindo os extremos, têm que ser uma consequência de eventos relativamente mundanos para o Universo. Raios cósmicos carregam informação sobre como o universo é no seu dia a dia.
O que sinceramente é um sopro de ar fresco, porque esse é o primeiro vídeo sobre eventos astronômicos extremos que não vão terminar com supernovas. Então, quais são os nossos melhores candidatos a produtores de raios cósmicos de altíssima energia? A primeira explicação possível são eventos de disrupção gravitacional extrema.
Esse evento acontece quando uma estrela passa muito perto de algum objeto extremamente pesado, como um buraco negro, perto o suficiente para ser pulverizada pela diferença de força gravitacional em diferentes partes da estrela, que é o chamado efeito maré. O processo de destruir uma estrela gera campos elétricos e magnéticos extremamente intensos devido ao enorme fluxo de partículas carregadas da estrela destruída, basicamente correntes elétricas de proporções astronômicas. E essas correntes poderiam atuar como aceleradores de partículas, gerando raios cósmicos de altíssima energia.
Mesmo envolvendo buracos negros e estrelas, esses eventos não são exatamente extremos para a escala do universo. Eles devem acontecer uma vez a cada 100 mil anos por galáxia, o que em escala cósmica é bastante rápido. Alguns dados de raios cósmicos de altíssima energia sugerem que muitos vêm de um tipo específico de galáxia, que são galáxias estelares.
Como o nome indica, essas são galáxias que favorecem a formação de grandes estrelas, como a Galáxia do Triângulo. Todas as estrelas produzem vento solar, que é a ejeção de matéria devido a campos magnéticos extremos. Estrelas bem maiores do que o Sol talvez sejam capazes de criar campos magnéticos muito mais extremos e produzir partículas ainda mais aceleradas.
Um evento possível mais raro pode ser um processo de aceleração repetida de partículas. Isso aconteceria quando uma partícula carregada fica presa dentro de um campo magnético, sendo acelerada de um lado para o outro de novo, e de novo, e de novo, até atingir velocidades absurdas. E quando a partícula finalmente escapar, ela vai ter energia de um raio cósmico de altíssima energia, possivelmente acima do limite de GZK.
Uma das dificuldades em estudar raios cósmicos é que eles provavelmente não têm só essas duas explicações, mas várias explicações complementares. É bem provável que raios cósmicos sejam gerados por inúmeros eventos, desde esses dois que eu citei, como parte do processo de vida de buracos negros, ou até em supernovas com menos frequência. Raios cósmicos não devem ter uma origem única e simples.
Entender a origem dos raios cósmicos provavelmente significa entender como diferentes tipos de raios cósmicos, de diferentes energias e composições, são gerados na diversidade de acontecimentos do nosso universo. O mistério dos raios cósmicos está ligado não ao entender os extremos do nosso universo, como a supernova e colisão de buracos negros, mas sim a entender os eventos mais comuns capazes de gerar partículas com energias que parecem extremas até para nós. Talvez um evento tão extremo como a partícula Ai meu Deus, seja consequência de um evento comum para um universo tão grande quanto o nosso.
Astrônomos muitas vezes usam o termo janela para descrever o que pode ser explorado através de diferentes sinais que alcançam a Terra vindos do espaço. A luz do Sol é uma janela para a física solar. Raios-X são uma janela para o universo de alta energia.
E luz infravermelha é uma janela para o passado remoto. Dessa forma, raios cósmicos talvez sejam a nossa janela para o universo comum. Para o tipo de evento que para nós é inconcebível, mas que para o universo é apenas mais um dia como qualquer outro.
O que mais nós vamos ver olhando através da janela de raios cósmicos? Eu gostaria de saber a opinião de vocês aqui nos comentários. E não esqueça de se inscrever no canal e deixar o joinha nesse vídeo.
Ajuda muita gente. Muito obrigado e até a próxima.