Meu nome é Diovana Silva, tenho 28 anos e esta é a história de como transformei humilhação em triunfo em exatamente 1824 dias. Sou aquela filha que sempre tirou notas boas, que ajudava com as tarefas de casa, que economizava a mesada enquanto o irmão mais novo gastava tudo em videogames. A certinha, como minha mãe costumava dizer, não como um elogio, mas como quem descreve algo previsível e sem graça.
Até o dia em que, sentada à mesa da cozinha do nosso apartamento em São Paulo, ouvi as palavras que congelaram meu coração e acenderam algo sombrio dentro de mim. Ele tem mais futuro que você, Giovana. Foi naquele momento, com o gosto amargo do café da manhã ainda na boca, que comecei a contar os dias e a planejar cada movimento do meu cheque mate.
Levei exatamente 1824 dias para transformar a humilhação em triunfo. Não foi algo que planejei desde o início, mas quando ouvi minha mãe dizer aquelas palavras na mesa da cozinha, algo mudou dentro de mim. Era uma terça-feira chuvosa em São Paulo e eu havia acabado de receber a carta de aprovação para a administração na USP.
Estava eufórica até mostrar aos meus pais e mencionar que também havia passado na particular. Giovana, você sabe que o Gustavo vai entrar na PUC Rio, né? Meu pai não me olhou nos olhos enquanto passava manteiga no pão.
Não temos condições de pagar faculdade particular para os dois. Então, a voz dele sumiu como se esperasse que eu completasse a frase, poupando-o do constrangimento. Minha mãe, sempre prática demais para meu gosto, foi mais direta.
Ele tem mais futuro que você, Giovana. Precisamos investir em quem vai nos dar retorno. Você já sentiu seu coração congelar dentro do peito?
Foi exatamente assim. Engoli seco, sentindo o gosto amargo do café se misturar com algo ainda mais amargo. A certeza de que para minha própria família eu era investimento de risco.
Naquela noite, em vez de chorar até dormir como seria esperado de qualquer garota de 18 anos, abri uma planilha no notebook surrado que ganhei quando Gustavo recebeu um MacBook novo. Nomeei o arquivo como contagem regressiva e digitei o número 1824 dias, 5 anos. "Vou precisar de 5 anos, pensei começando a calcular quantos estágios precisaria fazer simultaneamente para sobreviver.
Não sabia exatamente o que aconteceria ao final daquela contagem, mas seria épico. Seis meses depois, minha rotina parecia saída de um filme sobre jovens superando adversidades, daqueles que passam na sessão da tarde e todo mundo sabe que vai dar certo no final. Só que ninguém tinha me garantido esse final feliz.
Acordava às 5 para pegar o metrô lotado até a USP, assistia aulas até o meio-dia. corria para o estágio no banco das 14 às 18 e ainda dava tempo de trabalhar como assistente administrativa em uma pequena consultoria das 19 às 22. Nos finais de semana, fazia frilas de tradução e planejamento financeiro para pequenas empresas.
Meu Deus, Bia, você vai morrer desse jeito. Amanda, minha única amiga que sobreviveu à transição escola faculdade, dizia enquanto me via engolir um pão de queijo frio durante o intervalo das aulas. Vale mesmo a pena?
Queria ter uma resposta inspiradora, daquelas de filme americano, mas só consegui dar de ombros enquanto olhava para as olheiras profundas refletidas na tela do celular. Naquele domingo, quando finalmente apareci no almoço familiar mensal, tive minha resposta sobre valer a pena ou não. Cara, você precisava ver a viagem que a turma inteira fez para Parati.
O professor de direito empresarial levou a gente para entender o impacto do desenvolvimento turístico na legislação local. Gustavo gesticulava animadamente a mesa enquanto minha mãe servia mais farofa no seu prato. Meu pai sorria orgulhoso, claramente visualizando o futuro brilhante do filho.
Observei a cena em silêncio, mastigando lentamente o frango assado que estava um pouco seco demais. Foi quando decidi transformar meu pequeno sistema pessoal de organização financeira em algo maior, quem sabe um aplicativo, algo que ajudasse pessoas como eu a maximizar cada centavo. Naquela noite, adicionei uma nova planilha ao meu arquivo, Grind App, versão 1.
0. O choque veio numa quinta-feira comum, daquelas em que você não espera que nada extraordinário aconteça. Entrei no aplicativo do banco para transferir minha reserva de emergência para uma conta de investimentos.
R$ 4. 780 economizados centavo por centavo ao longo de 8 meses. O saldo era de R$ 212,47.
Por um momento, achei que tinha sido hackeada. Liguei para o banco em pânico, apenas para descobrir que houve um saque presencial autorizado. Quem?
Meu pai, consignatário da conta que abria ainda menor de idade. Foi para a viagem acadêmica do Gustavo para Europa, filha, aquela que a PUC organiza todo o ano para os melhores alunos. Minha mãe explicou ao telefone com uma tranquilidade que me deixou enjoada.
Seu pai ia te avisar, mas você anda tão ocupada e você não precisa desse dinheiro agora, né? Ela fez uma pausa, como se realmente esperasse que eu concordasse. Vai ajudar muito, seu irmão.
É investimento no futuro da família. Fiquei em silêncio por tanto tempo que ela perguntou se eu ainda estava na linha. Estava só calculando mentalmente quanto tempo levaria para recuperar aquele valor trabalhando nos três empregos.
Naquela noite, criei uma nova planilha no meu sistema. Chamei-a de investimentos familiares. Primeira entrada, R$ 4.
780, viagem acadêmica. Gustavo, retorno previsto. Enviei um e-mail para minha chefe na consultoria, perguntando se poderia assumir mais projetos.
No mesmo dia, avisei aos meus pais que estava me mudando para dividir apartamento com Amanda, mais perto da faculdade, para economizar tempo de deslocamento. Expliquei com um sorriso que não chegava aos olhos. A linha dos meus lábios estava tão fina quanto minha paciência naquele momento.
A contagem. 1642 dias restantes. Isso é brilhante, Giovana.
Você já pensou em transformar esse sistema em um produto? O professor Walter ajeitou os óculos de armação grossa enquanto examinava minha planilha de gerenciamento financeiro. Eu havia mostrado como organizava meu tempo e dinheiro para conseguir me manter com três trabalhos: pagar aluguel e ainda guardar uma reserva.
Tem um concurso de empreendedorismo chegando. Primeiro prêmio é um capital semente de 15. 000.
Você deveria se inscrever. Ele sorriu daquela forma que só professores que realmente acreditam em você conseguem sorrir. Passei as duas semanas seguintes dormindo ainda menos, desenvolvendo um protótipo funcional do que chamei de Grind App, um aplicativo que ajudava pessoas de baixa renda a maximizar seus recursos, criar reservas e identificar oportunidades de renda extra.
O nome era uma provocação particular. Em inglês, grind se refere ao processo exaustivo de trabalhar sem parar para atingir um objetivo. Era exatamente o que eu estava fazendo.
O que eu não esperava era que Gustavo ligaria naquela mesma semana pedindo ajuda. Bia, você não poderia me ajudar com esse trabalho de análise financeira? Tenho que entregar segunda e não estou entendendo nada.
Havia um tom de desespero na voz dele que quase me fez sentir pena. Quase. Entre organizar planilhas na consultoria e terminar meu projeto para o concurso, acabei ajudando meu irmão mais do que deveria.
Duas semanas depois, Gustavo recebeu nota máxima e eu passei para a segunda fase do concurso. Na reunião familiar seguinte, meus pais falaram por 20 minutos sobre o brilhantismo acadêmico do meu irmão, sobre o concurso apenas um legal distraído do meu pai quando mencionei. Anotei tudo na planilha e segui em frente.
E a vencedora da categoria inovação social é Giovana Silva, com o projeto Grind App. O auditório da Faculdade de Economia não estava nem perto de lotado naquela noite de quinta-feira, mas os aplausos dos presentes fizeram meu coração disparar como se estivesse no Maracanã. Depois de três apresentações e uma sabatina de perguntas dos jurados que me fez suar frio, ali estava eu, segurando um certificado emoldurado e um cheque simbólico de 15.
000, meu primeiro capital semente. Mesmo com os olhos ardendo de cansaço, não consegui dormir aquela noite. Enviei uma mensagem no grupo da família.
Ganhei o concurso de empreendedorismo. Vou desenvolver meu aplicativo com o prêmio. As respostas vieram em cascata.
Parabéns, filha do meu pai, seguido de Que legal da minha mãe e um arrasou humana do Gustavo. Mensagens rápidas, educadas e sem perguntas. Comparei com a semana anterior, quando Gustavo acertou um gol no campeonato intercursos e o grupo bombardeou com mensagens por três dias seguidos.
Engoli o nó na garganta e chamei Amanda para comemorar com cerveja barata num boteco da Liberdade. Olha só quem está aqui, a próxima fundadora de unicórnio brasileiro. A voz grave e confiante me fez virar para encontrar Lucas Montenegro, dois anos à minha frente na faculdade e agora trabalhando em um fundo de venture capital.
Não o via desde a formatura dele. Soube do seu projeto, tem potencial mesmo. Ele puxou uma cadeira sem pedir licença e pediu uma rodada de shope para nós três.
Me conta mais sobre esse aplicativo. Foi a primeira vez que alguém realmente parecia interessado fazendo perguntas pertinentes e sugerindo conexões. Enquanto explicava minha visão, percebi que talvez não estivesse sozinha naquela jornada e que, possivelmente, o dinheiro da família não fosse o único caminho para o sucesso.
Agradecemos seu interesse, mas seu projeto não se encaixa no perfil que buscamos neste momento. Li e reli o e-mail da aceleradora três vezes, tentando encontrar alguma dica do que havia feito de errado. Era a terceira negativa em dois meses.
O Grind App estava funcionando em versão beta, testado por 50 usuários da Cooperativa de Mulheres da Baixada Fluminense, com feedback positivo. Ainda assim, não era suficiente para os investidores anjo, que pareciam mais interessados em aplicativos de entrega de comida para classe média alta do que em soluções para quem realmente precisava. O celular vibrou com uma notificação do Instagram.
Uma foto do Gustavo segurando um troféu dourado. A legenda. Primeiro lugar no Challenge de Business Case da PUC R.
Obrigado aos professores pelo reconhecimento. O caso de negócios que ele havia apresentado era sobre microfinanças para população de baixa renda, o mesmo material que eu tinha ajudado a estruturar usando dados reais dos meus usuários beta depois de ele me ligar desesperado na véspera da entrega. Não me mencionou nos agradecimentos.
Claro. Por que mencionaria? Você chegou atrasada, Bia.
Já servimos a sobremesa. Minha mãe reclamou quando cheguei para o jantar comemorativo na churrascaria preferida do meu pai em Moema. Gustavo sorria timidamente no centro da mesa, cercado por tias e primos que raramente apareciam em aniversários comuns.
"Tira uma foto da família, filha. " Meu pai estendeu o celular para mim. Obedeci sem questionar, enquadrando meus pais e Gustavo com seu troféu, sorrindo como se fossem um comercial de margarina.
Depois, quando meu pai mostrava orgulhoso o prêmio para um amigo, escutei claramente: "A Giovana está brincando de empresária enquanto termina a faculdade, mas o Gustavo já tem propostas de multinacionais. Bebi o resto do meu vinho em um gole só e pedi outro. A contagem, 1495 dias.
O e-mail chegou em uma manhã de maio, quando o inverno paulista começava a mostrar sua cara cinzenta. Parabéns, você foi selecionada para o programa internacional de jovens empreendedores sociais em Berlim, Alemanha. Pulei da cadeira no pequeno cubículo que chamávamos de escritório.
Na verdade, uma sala alugada em um coworking barato na rua Augusta. três semanas na Alemanha, conhecendo investidores de impacto social, mentoria com empreendedores de sucesso, network internacional, exatamente o que o Grind App precisava para decolar. Então veio a parte difícil.
Eu precisava arcar com a passagem aérea. Custo R$ 4. 800.
Pai, consegui uma oportunidade incrível, mas preciso de ajuda com a passagem", expliquei animadamente durante o almoço de domingo, mostrando o e-mail de aceitação. Meu pai franziu o senho desconfortável. "Filha, esse mês está complicado.
Acabamos de comprar o carro para o Gustavo ir à faculdade. Um Onix 0 km branco parado na garagem. Meu irmão havia reclamado que o transporte público do Rio era muito estressante para quem precisava manter a concentração nos estudos.
O carro custara mais de 60. 000. Quem sabe no próximo semestre você tenta de novo", minha mãe sugeriu, servindo mais arroz.
Com o prazo para confirmar a participação se esgotando, considerei todas as alternativas: empréstimo bancário com juros estratosféricos, vender o notebook, que era minha principal ferramenta de trabalho, até pedir dinheiro para o professor Walter. Foi Amanda quem me trouxe de volta a razão numa noite em que me encontrou chorando sobre o teclado. Bia, se você realmente acredita no Grind App, não pode se afundar em dívidas agora.
Use essa raiva como combustível. Respirei fundo, sequei as lágrimas e abri o código do aplicativo. Se não podia ir à Alemanha, faria o mundo vir até mim.
Naquela noite, implementei três novas funcionalidades que os usuários vinham pedindo. A contagem: 1426 dias. O problema não é só falta de dinheiro, Giovana, é falta de método.
Dona Jurema, presidente da Cooperativa de costureiras da Baixada Fluminense, falava com a sabedoria de quem criou cinco filhos vendendo roupas de cama feitas à mão. Essas meninas têm talento, mas quando recebem um pagamento grande, não sabem administrar até o próximo. Estávamos sentadas na pequena sede da cooperativa, um galpão com máquinas de costura alinhadas e tecidos coloridos empilhados nos cantos.
O ventilador de teto girava preguiçosamente, lutando contra o calor de 35º. Implementamos o Grind App como projeto piloto para as 42 mulheres da cooperativa. O aplicativo ajudava a dividir os ganhos em envelopes virtuais: despesas essenciais, reserva de emergência, investimento no negócio e uma pequena parcela para alegrias, como dona Jurema chamava, os pequenos luxos que mantinham a sanidade.
Em 3 meses, a inadimplência das cooperadas com fornecedores caiu 70%. Algumas conseguiram até abrir suas primeiras contas de investimento. Fotografei tudo, documentei depoimentos, coletei dados que comprovavam o impacto social.
Você tem que conhecer esse pessoal. O professor Walter me entregou um cartão de visitas elegante depois de uma aula. Fundo de investimento focado em negócios de impacto, pequeno, mas sério.
Ele sorriu ao ver minha hesitação. Não são como aquelas aceleradoras que só querem o próximo iFood. Eles realmente se importam com transformação social.
Quando mencionei o caso da cooperativa, seus olhos brilharam. Perfeito. Leva esses dados.
Mostra o impacto real. Isso vale mais que qualquer pit polido de PowerPoint. Marquei a reunião para a semana seguinte, sentindo uma mistura de esperança e apreensão.
Era hora de descobrir se tantos sacrifícios valiam mesmo a pena. Bem-vindos ao nosso primeiro escritório oficial. Minha voz ecoou no espaço praticamente vazio de 30 m² no oitavo andar de um prédio comercial na Bela Vista.
Éramos apenas eu, Amanda, que havia largado seu emprego para se juntar ao Grind App como City. e nossos três novos estagiários da USP. Os móveis consistiam em uma mesa de reunião achada no OLX, cadeiras de escritório seminovas e estações de trabalho improvisadas com cavaletes e tampos de madeira.
Mas tínhamos endereço, CNPJ e, mais importante, o aporte de 200. 000 do fundo de investimento que o professor Walter nos apresentou. Convidei meus pais para a inauguração, mais por protocolo do que por expectativa.
Surpreendentemente, eles apareceram. Meu pai com um olhar levemente entediado, minha mãe comentando sobre a falta de segurança do bairro. Gustavo mandou mensagem dizendo que tinha prova no dia seguinte.
Servi café em canecas com o logo do Grind App. Expliquei entusiasticamente nosso modelo de negócio e mostrei os depoimentos em vídeo das mulheres da cooperativa. Interessante, filha, meu pai respondeu, olhando para o relógio.
Mas vocês conseguem se sustentar com isso ou é só projeto social? Não tive tempo de me ressentir muito com o desinteresse dos meus pais, porque na mesma semana recebi um e-mail suspeito. Assunto: cooperação acadêmica empresarial.
Era de um tal professor Almeida da PUC Rio que dizia estar interessado em uma parceria estratégica com startups de inclusão financeira para um projeto de pesquisa. Descobri depois por uma publicação no LinkedIn que ele era orientador do meu irmão. Na reunião virtual que aceitei por curiosidade, ele fez perguntas extremamente específicas sobre nossa tecnologia, nosso algoritmo de recomendação de investimentos para baixa renda, nossa base de dados.
Quando recusei educadamente compartilhar detalhes técnicos sem um acordo formal, ele nunca mais respondeu. Três semanas depois, vi no jornal que a PUC Rio estava lançando um projeto inovador de educação financeira para comunidades carentes. Coincidência?
Anotei mais essa na planilha. Os seis meses seguintes passaram como um borrão de códigos, planilhas, reuniões e noites sem dormir. O Grind App se expandiu para além da cooperativa inicial, atendendo agora cinco associações de catadores de recicláveis, três comunidades quilombolas no interior de São Paulo e um grupo de vendedores ambulantes do centro.
Nossa equipe cresceu para 12 pessoas, ocupando completamente o pequeno escritório da Bela Vista. Cada novo usuário trazia um desafio diferente. Cada comunidade precisava de adaptações específicas.
Mas o core do aplicativo, transformar caos financeiro em método, funcionava em todos os contextos. Giovana, você precisa contratar alguém para a área comercial. Não pode continuar fechando parcerias e programando ao mesmo tempo.
Amanda, agora oficialmente minha sócia com 30% da empresa, me confrontou depois de me encontrar dormindo sobre o teclado pela terceira vez na mesma semana. Ela estava certa, como sempre. Com o novo aporte de 500.
000 que havíamos recebido de um fundo de impacto social, podíamos profissionalizar a operação. Contratamos Rodrigo para vendas, Júlia para marketing e mais três desenvolvedores para aliviar a carga de Amanda. Eu continuava sendo a cara da empresa, a que apresentava o PIT para investidores, a que dava entrevistas para blogs de inovação social.
"Consegui um estágio na PWC? ", Gustavo anunciou triunfante durante um almoço de domingo, quando finalmente consegui aparecer depois de semanas de ausência. Departamento de consultoria financeira para grandes empresas.
Meus pais trocaram olhares orgulhosos, como se ele tivesse acabado de ganhar um Nobel. Meu pai abriu uma garrafa especial de vinho para comemorar. "É por indicação do seu chefe no outro estágio?
", perguntei casualmente. Não, na verdade foi o papai que falou com um cliente dele. Gustavo respondeu sem constrangimento.
Sorri e ergui minha taça. Ao networking familiar. Ninguém pegou a ironia.
Naquela mesma semana, o Grind App foi selecionado para representar o Brasil em um fórum global de fintec sociais. Não comentei nada no almoço seguinte. Para quê?
A contagem 1995 dias, metade do caminho percorrido. O e-mail da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social parecia uma vitória certa, solicitação de proposta, implementação de programa de educação financeira e microcrédito em 15 comunidades periféricas de São Paulo. Era exatamente o que o Grind App fazia de melhor, com cases comprovados e metodologia testada.
O contrato de 1,2 milhões seria transformador para nós, permitindo escalar a operação e, finalmente, desenvolver o módulo de microcrédito P2P que eu vinha projetando há meses. Trabalhamos três semanas na proposta, visitamos comunidades, coletamos depoimentos, refinamos o orçamento dezenas de vezes. Nosso pit final foi impecável.
Duas semanas depois, recebi a notificação. Agradecemos sua participação, mas optamos por seguir com outro fornecedor. O nome do vencedor brilhava na tela como uma bofetada digital, PWC, com seu novo programa Finanças para Todos.
A consultoria gigante onde meu irmão estava estagiando havia atropelado minha pequena startup com uma proposta que curiosamente incluía funcionalidades suspeitamente similares às nossas, mas com um nome corporativo e um orçamento subsidiado por outros departamentos da empresa. Pura coincidência, o fato de Gustavo estar justamente na equipe desse projeto também seria apenas acaso. Marquei um café com meu irmão, neutro, público, sem chance de drama familiar.
"Como você pode fazer isso? ", perguntei depois do primeiro gole de cappuccino. Minha voz controladamente calma.
Gustavo franziu o senho genuinamente confuso. "Fazer o quê? " Expliquei sobre a licitação, as semelhanças com o nosso produto, o timing suspeito.
Ele deu de ombros. Nem sabia que vocês estavam concorrendo, Bia. Só apresentei a pesquisa que venho fazendo há meses sobre microfinanças.
Respirei fundo. A mesma pesquisa que você começou depois de me pedir umas dicas sobre o mercado. Ele teve a decência de corar levemente.
Olha, não é pessoal, negócios são negócios. Paguei a conta e saí responder. No banheiro do escritório, permiti-me 5 minutos de choro antes de voltar ao trabalho.
A contagem: 912 dias, 350. 000 é quanto vamos perder por não termos o contrato da prefeitura? Apresentei os números para a equipe numa sexta-feira tensa.
Nossa primeira crise verdadeira. Teríamos que adiar a contratação de quatro pessoas e reduzir o escopo do próximo lançamento. Mas temos o fundo garantido por mais 8 meses, certo?
Perguntou Júlia, nossa gerente de marketing, claramente preocupada com seu emprego recém conquistado. Confirmei com a cabeça enquanto passava para o próximo slide. Precisamos de uma estratégia para gerar receita mais rapidamente.
Proponho acelerar o lançamento do modelo Fremium. Amanda me encontrou no banheiro mais tarde, encarando o espelho como se ele contivesse as respostas para todos os problemas do universo. Não é só a perda do contrato, né?
Ela me conhecia bem demais. É a traição, meu próprio irmão. Senti minha voz falhar, a máscara de CEO inabalável escorregando por um momento.
Eu ajudei ele, Amanda. Todas aquelas vezes que ele me ligou desesperado com algum trabalho, alguma apresentação, eu compartilhei conhecimento, pesquisa, dados e ele usou tudo isso contra mim. Ela colocou a mão no meu ombro.
Olha, sei que dói, mas pensa pelo lado positivo. Se a PWC está copiando a gente, é porque estamos no caminho certo. Na semana seguinte, cortei meu irmão da minha vida sem grandes declarações.
Parei de responder mensagens pessoais, limitando nossas interações aos inevitáveis almoços de família, onde mantinha conversas superficiais e educadas. "Vocês brigaram? ", Minha mãe perguntou depois do terceiro domingo de interações glaciais.
Não, mãe, só estamos ocupados com nossas vidas profissionais. O pior era que, no fundo, eu ainda me importava, ainda queria a aprovação dos meus pais, ainda queria que eles vissem meu valor. Ainda me doía perceber que mesmo construindo algo do zero, eu continuava invisível para as pessoas que deveriam ser minhas maiores torcedoras.
Fechei os olhos e visualizei o contador. 874 dias, menos de 1000 agora. O relógio estava correndo.
PWC anuncia reestruturação global. 25. 000 cortes previstos nos próximos 12 meses.
A manchete do valor econômico me fez parar de rolar a tela do celular durante meu café da manhã. Uma banana e café requentado às 6:30 da manhã. Cliquei na notícia e li avidamente.
A gigante de consultoria estava enfrentando uma crise após perder importantes clientes do setor financeiro. Os primeiros afetados seriam estagiários e analistas juniores de departamentos não essenciais, como o projeto de finanças para todos, que já havia sido classificado internamente como iniciativa de responsabilidade social, sem retorno financeiro adequado. Você viu as notícias sobre a Peb?
Amanda entrou na sala de reuniões, onde eu revisava nosso pit para um novo investidor. Seu tom era cauteloso, como se estivesse me contando sobre a morte de um parente distante. Vi.
E antes que você pergunte, não. Não estou comemorando a possível demissão do meu irmão. Mas eu estava mentindo.
Uma parte pequena e mesquinha de mim sentiu uma satisfação amarga. Karma. Talvez o universo equilibrando as coisas.
Possivelmente. A vida é engraçada assim. Você passa anos construindo algo tijolo por tijolo e de repente uma ventania derruba o castelo de cartas ao lado.
Senrita Silva, perdoe-me interromper. Rodrigo, nosso gerente comercial, colocou a cabeça pela porta entreaberta. Acaba de sair o resultado daquele artigo sobre Ftex.
emergentes na América Latina. Ele sorria de orelha a orelha, o que só podia significar uma coisa boa. O Grind App havia sido destacado como uma das 10 startups brasileiras, transformando inclusão financeira, com direito à foto minha na capa, entrevista de duas páginas e destaque para nossos casos de sucesso nas comunidades quilombolas.
Meu celular começou a explodir com notificações, incluindo, surpreendentemente uma mensagem do meu pai. Vi sua foto na revista. Parabéns.
Apenas isso, sem emojis, sem exclamações extras. Mesmo assim, foi o elogio mais sincero que recebi dele em anos. A contagem, 752 dias.
A cidade universitária estava particularmente bonita naquela tarde de novembro, com IPs amarelos contrastando contra o céu azul de primavera. Ajeitei a beca emprestada, não quis gastar com uma nova e coloquei o cabelo, sentindo o peso simbólico daquele momento. 5 anos, dezenas de noites sem dormir, três trabalhos simultâneos nos primeiros anos e agora ali estava eu, Giovana Silva, bacharel em administração pela Universidade de São Paulo, com honras acadêmicas e uma empresa em crescimento no currículo.
A cerimônia foi longa e sem grandes surpresas, mas quando chamaram meu nome e mencionaram fundadora e CEO do Grind App, senti um orgulho indescritível. Vamos comemorar sua formatura, filha. Reservei mesa no Figueira Rubaiat.
O convite do meu pai pelo telefone soou quase como um pedido de desculpas. Desde que a PBC havia cortado o departamento onde Gustavo estagiava, sentia meus pais diferentes, como se finalmente percebessem que seus investimentos não foram necessariamente nos cavalos certos. Obrigada, pai, mas já tenho planos.
Recusei educadamente. Tinha organizado um jantar íntimo com a equipe do Grind App, Amanda, professor Walter e alguns amigos que realmente fizeram parte da minha jornada. Pessoas que acreditaram em mim quando não havia motivo racional para isso.
Entendo. O silêncio do outro lado da linha era pesado, carregado de coisas não ditas. É que seu irmão também vem para casa esse fim de semana.
Estamos organizando as coisas para a formatura dele mês que vem. Claro. A formatura de Gustavo na PUC Rio seria em dezembro, com direito à festa, jantar em restaurante caro, presentes.
Enquanto isso, meus pais mal sabiam quais matérias eu havia cursado nos últimos dois anos. Sinto muito, pai, mesmo, mas preciso estar com minha equipe. O Grind App está em um momento crucial.
Depois de desligar, fiquei olhando para a foto que Amanda havia tirado na cerimônia. Eu sozinha, sorrindo com o diploma na mão. Postei no Instagram com a legenda.
Alguns caminhos precisamos percorrer sozinhos para descobrir nossa verdadeira força. A contagem, 687 dias. O e-mail chegou numa terça-feira chuvosa de janeiro, daquelas típicas de São Paulo, onde os bueiros entupidos transformam avenidas em rios.
Prezada senhora Silva, representamos o fundo de investimento Pegasus Global Impact com sede em Londres. Li e reli o documento três vezes para ter certeza que não era uma pegadinha do destino. Um fundo internacional especializado em negócios de impacto social queria investir 2 milhões de dólares no Grind App.
A única condição estranha exigiam que o se level da empresa tivesse pelo menos um profissional formado em universidade de renome internacional. É algum tipo de piada cósmica, só pode. Desabafei com Amanda no nosso novo escritório nos jardins, bem mais espaçoso que o cubículo original.
Passei anos provando que diploma de universidade pública valia tanto quanto qualquer outro. E agora esses gringos querem um nome pomposo no time executivo. Amanda deu de ombros, sempre pragmática.
Olha, eles não estão dizendo que tem que ser você a sair, né? Podemos simplesmente contratar alguém com esse perfil. Ergui uma sobrancelha.
E dar parte da empresa para um figurão qualquer só porque ele tem diploma de universidade chique. Jamais. Meu celular tocou.
Era minha mãe, o que era incomum numa tarde de terça. Bia, seu pai e eu precisamos conversar sobre o Gustavo. Sua voz soava preocupada, quase suplicante.
Combinamos um jantar para aquela noite. Chegando ao apartamento dos meus pais, encontrei Gustavo sentado no sofá, olhos vermelhos de quem não dormia direito há dias. Ele foi dispensado da consultoria.
Definitivamente, meu pai explicou. parecendo subitamente envelhecido. Fizemos muitos contatos, mas o mercado está difícil.
Olhei para meu irmão, agora formado em administração pela PUC, com especialização em finanças e fluente em duas línguas. O Garoto de Ouro da Família, O investimento Seguro, desempregado, deprimido e sem perspectivas. E então, como um relâmpago, a ideia surgiu na minha mente.
A contagem, 621 dias. Quanto você está disposto a trabalhar de verdade? Perguntei a Gustavo dois dias depois em um café longe dos olhos vigilantes dos nossos pais.
Ele parecia confuso com minha pergunta repentina. Como assim? Tomei um gole de expresso e o encarei diretamente.
Estou falando de ralar de verdade, sem padrinho, sem networking familiar, sem nome da faculdade, abrindo portas. Estou falando de provar seu valor pelo que você realmente pode entregar. Seu olhar era uma mistura de intriga e ofensa.
Por que você está me perguntando isso? Tenho uma proposta para você. Deslizei pelo celular os termos do contrato que havia elaborado na noite anterior.
Diretor de relações institucionais do Grind App. Salário inicial 30% abaixo da média de mercado, com metas agressivas de performance para ajustes trimestrais. Participação societária condicionada a resultados em 3 anos.
Observei suas sobrancelhas se elevarem enquanto lia os detalhes. Isso é sério? Você está me oferecendo um emprego na sua empresa?
" Sua voz oscilava entre indignação pela oferta abaixo do mercado e alívio por ter uma saída. Por que eu aceitaria isso? Porque você precisa de um emprego e eu preciso de alguém com diploma da PUC para satisfazer um investidor internacional.
Fui direta, talvez cruel. E porque ironicamente essa pode ser sua única chance de provar que você realmente tem o valor que nossos pais sempre acreditaram. Ele ficou em silêncio, processando a proposta.
O contrato tinha cláusulas desafiadoras, incluindo uma que me dava poder decisório final sobre qualquer iniciativa dele. Era uma vingança, talvez. Era também uma chance legítima.
Definitivamente, a formatura é em duas semanas. Preciso de sua resposta até lá. Levantei-me, deixando dinheiro suficiente para cobrir ambos os cafés.
Ah, e Gustavo, se contar aos nossos pais sobre essa conversa antes da sua festa de formatura, a proposta está automaticamente cancelada. Saí do café sentindo uma mistura estranha de culpa e antecipação. A contagem: 607 dias.
O salão de festas da Casa Fazano na Barra da Tijuca brilhava com decoração elegante em tons de azul e dourado, as cores da P R. Tinha planejado cada detalhe meticulosamente, desde o cardápio sofisticado até a seleção de vinhos premium, pagando por tudo com o valor que havia separado do meu próximo bônus. Observei meu reflexo no espelho do banheiro.
Vestido preto básico, porém impecavelmente cortado. Cabelo preso em um coque baixo, batom vermelho como única concessão à vaidade. Não era para chamar atenção, apenas para demonstrar controle.
E eu estava no controle absoluto da situação. Nossa filha, não precisava de tudo isso. Minha mãe exclamou quando chegou com meu pai e o convidado de honra, meu irmão, com seu diploma recém- conquistado.
Gustavo parecia desconfortável, alternando entre sorrisos forçados para os parentes e olhares questionadores em minha direção. Ele havia aceitado minha proposta dois dias antes após negociar algumas cláusulas. É uma ocasião especial", respondi com um sorriso enigmático.
Não é todo dia que celebramos a entrada do Gustavo no mercado de trabalho. Meu pai franziu o senho, confuso com a ênfase estranha que dei a frase. A festa transcorreu como planejado.
cursos emocionados dos pais, professores exaltando o potencial brilhante de Gustavo, tios comentando sobre as oportunidades que certamente surgiriam para alguém com seu calibre. Quando o garçom serviu o champanhe para o brinde final, pedi licença para falar. O silêncio caiu sobre o salão.
Ergui minha taça com um sorriso calculado. Um brinde ao novo funcionário da minha empresa. Anunciei pausadamente, saboreando a onda de choque que percorreu o ambiente.
Gustavo será nosso novo diretor de relações institucionais, atendendo a exigência do Fundo de Investimento Internacional, que acaba de aportar 2 milhões de dólares no Grind App. Os olhares passeavam entre mim e meu irmão, que confirmou com um aceno desajeitado. A família Silva, finalmente unida pelos negócios completei enquanto sorria para as expressões atônitas dos meus pais.
O que significa isso? Meu pai exigiu quando os últimos convidados finalmente saíram. Estávamos apenas nós quatro no salão semivazio, com garçons discretamente recolhendo taças ao fundo.
Exatamente o que eu disse. Gustavo vai trabalhar comigo. Mantive a voz calma, profissional.
Mas por quê? Como isso aconteceu? Minha mãe parecia genuinamente confusa, como se não conseguisse processar a inversão de papéis tão drástica.
Você não deveria aceitar trabalho da sua irmã. Meu pai virou-se para Gustavo com tom acusatório. Liguei para o Carlos da Petrobras semana passada.
Ele disse que ia te entrevistar. Pai, já tomei minha decisão. A voz de Gustavo suou surpreendentemente firme.
Estou cansado de depender de indicações. Quero construir algo por mérito próprio. Ele me olhou brevemente e percebi que talvez pela primeira vez estivéssemos realmente nos entendendo.
Não entendo. Minha mãe balançou a cabeça, lágrimas brilhando nos cantos dos olhos. Sempre fizemos tudo para garantir seu futuro, Gustavo.
Pagamos a melhor educação, te demos todas as oportunidades e é exatamente esse o problema, mãe. As palavras saíram da minha boca antes que pudesse contê-las. Vocês fizeram tudo por ele e nada por mim.
Ele tem mais futuro que você, Giovana. Lembra dessa frase? Eu nunca esqueci.
Senti anos de mágoa reprimida. transbordando. Quando precisei de ajuda para a viagem à Alemanha, vocês tinham acabado de comprar um carro novo para o Gustavo.
Quando economizei para investir no meu negócio, vocês usaram meu dinheiro para a viagem dele à Europa? Cada passo que dei foi sozinha, enquanto vocês aplaudiam cada tropeço do Gustavo como se fosse uma maratona concluída. Meu pai tentou interromper, mas ergui a mão.
E mesmo assim, mesmo com todo o investimento, olha onde estamos agora. O futuro brilhante precisando de emprego na empresa da filha sem futuro. A primeira semana de Gustavo no Grand App foi exatamente como planejei.
Desafiador ao ponto da humilhação, mas não além. Dei a ele uma mesa no canto mais barulhento do escritório, próximo à Copa, e uma lista de tarefas que incluía, desde estudar todo o histórico da empresa até preparar relatórios detalhados sobre potenciais parceiros institucionais. Quero um documento de 30 páginas sobre cada uma dessas 10 organizações até sexta-feira.
instruí numa segunda-feira depositando uma pilha de pastas na sua mesa. Seus olhos se arregalaram, mas ele apenas assentiu e começou a trabalhar. Do meu escritório com paredes de vidro, observava meu irmão lutando com conceitos que nunca havia precisado dominar antes.
Planilhas financeiras sem templates prontos, apresentações sem equipe de design para embelezar, análises sem consultores seniores para revisar. Nas primeiras reuniões, ele tropeçava nas palavras, claramente desconfortável por estar sendo avaliado por mérito real, não por potencial teórico. Amanda me questionou uma vez.
Não acha que está sendo muito dura com ele? Dei de ombros. Estou sendo tão dura quanto o mundo foi comigo e tão justa quanto nunca foram com ele.
Na quinta-feira, por volta das 23 horas, passei pelo escritório para pegar alguns documentos e o encontrei ainda trabalhando. Olhos vermelhos de cansaço, cabelo bagunçado, gravata afrouxada. "O relatório da febra Ban está quase pronto", ele disse sem erguer os olhos da tela.
Descobri algumas conexões interessantes entre as iniciativas deles e nosso módulo de educação financeira. Parei para observar seu trabalho e, surpresa, percebi que ele havia identificado ângulos que eu mesma não havia considerado. Sentei-me ao seu lado e, pela primeira vez, desde que éramos crianças, tivemos uma conversa profissional genuína, de igual para igual.
Quando saí do escritório duas horas depois, carregava uma sensação estranha, uma mistura de satisfação pela minha vingança estar funcionando e uma pontada inesperada de orgulho. A contagem, 582 dias. Seis meses se passaram desde a contratação de Gustavo e algo inesperado aconteceu.
Ele era bom, realmente bom. Depois do choque inicial com a carga de trabalho e a ausência de privilégios, ele havia encontrado seu ritmo, desenvolvendo uma habilidade notável para construir relacionamentos institucionais que realmente agregavam valor. O projeto piloto que ele desenvolveu com o Banco Central para Educação Financeira em Escolas Públicas trouxe não apenas visibilidade, mas uma nova linha de receita que não havíamos considerado.
Em nossas reuniões semanais de diretoria, suas contribuições tornaram-se cada vez mais relevantes, a ponto de Amanda me perguntar em particular: "Você ainda pretende seguir com aquela cláusula de veto sobre as iniciativas dele? " "Não sei mais o que estou sentindo", confessei para Lucas durante um jantar. Ele havia voltado a fazer parte da minha vida como conselheiro, amigo e recentemente algo mais.
Planejei tudo isso como uma vingança elaborada para mostrar aos meus pais que eles investiram na pessoa errada. Mas agora deixei a frase morrer enquanto brincava com a comida no prato. Lucas sorriu aquele sorriso irritantemente sábio.
Talvez a maior vingança seja justamente essa. Provar que seu irmão sempre teve potencial, só precisava da oportunidade certa. Oportunidade que você deu a ele, não seus pais.
Numa tarde de sexta-feira, convoquei Gustavo para meu escritório. Ele entrou com uma pasta de documentos, pensando que discutiríamos o novo contrato com a Caixa Econômica. Em vez disso, deslizei para ele um novo contrato de trabalho.
Estou removendo a cláusula de veto e ajustando seu salário para valor de mercado. Expliquei enquanto ele lia os termos, olhos arregalados, incluindo um caminho para a participação societária baseada em resultados, não em tempo de casa. Ele levantou os olhos do papel confuso.
Por quê? Achei que dei ombros. Porque você provou seu valor e porque talvez nossos pais não estivessem completamente errados sobre você ter futuro.
Só estavam errados sobre mim não ter. Ele estendeu a mão formalmente, mas quando a apertei, puxou-me para um abraço desajeitado, o primeiro em muitos anos. A contagem, 425 dias.
A vista é maravilhosa, não é? perguntei, observando meus pais contemplarem boca e abertos a paisagem da varanda do apartamento de cobertura em Higienópolis. Os 240 m² de puro luxo, com pé direito duplo na sala e acabamentos em mármore italiano, representavam mais do que apenas um imóvel.
Era a materialização de tudo que conquistei nos últimos anos. Eh, esplêndido", meu pai conseguiu dizer finalmente, visivelmente impressionado. "Mas não entendo por nos trouxe aqui.
" Sorri enquanto tirava do bolso do blazer um envelope com o logotipo da imobiliária. "Feliz aniversário de 30 anos de casamento", disse entregando um envelope para minha mãe, que o abriu com mãos trêmulas. Dentro estavam as escrituras do apartamento, já transferidas para o nome deles.
Vocês sempre sonharam em morar em Higienópolis, não é? Perto do shopping pátio, com segurança, conforto. Deixei a frase no ar enquanto observava meu pai, sempre tão contido, lutar contra as lágrimas.
"Nós não podemos aceitar isso, Giovana. É demais. " Ele protestou fracamente.
"Podem sim. " "E vão,", respondi com firmeza. Já está decidido.
O apartamento de vocês imperdizes já tem comprador, inclusive. Depois que meu pai saiu para inspecionar a cozinha, claramente uma desculpa para se recompor em particular, minha mãe segurou minhas mãos. Você fez tudo isso para provar que estávamos errados sobre você?
Sua pergunta veio carregada de culpa, arrependimento e uma pitada de admiração. Olhei diretamente nos seus olhos, os mesmos olhos castanhos que herdei. Não, mãe.
Fiz porque vocês estavam errados. Ela assentiu lentamente, compreendendo o peso daquelas palavras. E também continuei mais suavemente.
Porque apesar de tudo vocês são minha família e família é complicado, não é? Nos abraçamos em silêncio. Um abraço que dizia mais que qualquer discurso elaborado de perdão, jamais poderia.
Um ano depois da formatura de Gustavo, o Grind App havia se transformado. De uma pequena startup de educação financeira para baixa renda, evoluímos para uma plataforma completa de inclusão financeira, atendendo desde catadores de material reciclável até microempreendedores urbanos. Nosso escritório agora ocupava um andar inteiro em um edifício comercial na Faria Lima, com equipe de 75 pessoas e investimento acumulado de 15 milhões de dólares.
O projeto que meu irmão desenvolveu com o Banco Central se tornou referência nacional, rendendo-nos um prêmio de inovação social e entrevistas em programas de TV. Acho que precisamos conversar sobre a estrutura societária. Comentei com Amanda durante nosso ritual semanal de cerveja artesanal às sextas-feiras após o expediente.
A empresa estava em negociações avançadas para uma nova rodada de investimento que poderia nos catapultar para expansão na América Latina. Gustavo merece uma participação real agora. Amanda sorriu como se esperasse por isso.
Finalmente admitindo que ele é um bom sócio, provocou. Rolei os olhos, mas sorri de volta. Digamos que ele superou minhas expectativas e as dele próprio também.
Na reunião familiar de domingo, agora realizada no novo apartamento dos meus pais, observei com estranha satisfação como tudo havia mudado. Meu pai perguntava detalhes sobre o negócio, realmente interessado. Minha mãe mostrava orgulhosa para as amigas as matérias sobre a empresa dos meus filhos.
E Gustavo, bem, Gustavo finalmente parecia confortável em sua própria pele, sem o peso esmagador das expectativas. Às vezes penso, ele comentou enquanto lavávamos a louça juntos depois do almoço, que se eles tivessem pagado faculdade particular para você e me mandado para a pública, talvez hoje eu estivesse desempregado e sem direção. Sorri de lado.
Ou talvez você tivesse aprendido mais cedo a lutar pelo que quer. Molhei a ponta dos dedos e espirrei água no seu rosto, como fazíamos quando crianças. A contagem, eu havia parado de contar meses atrás.