O brasileiro não teve um minuto de sossego na última década. Há uma perda de esperança para o futuro do país Existe um risco muito grande de perdermos parte da geração de jovens. Foi uma crise atrás da outra desde 2013, quando explodiu aquela onda de protestos.
Crise social, econômica, política. Sem descanso. E com uma pandemia no meio do caminho para piorar.
Não dá pra negar. Essa foi uma década de turbulências, que arrastaram uma juventude inteira para uma era de incertezas. O Brasil está diante de uma geração perdida?
Eu sei que tem um peso dizer geração perdida. Ainda mais num Brasil historicamente tão machucado. É um desalento quase.
Mas isso só torna a reflexão mais importante: até que ponto a vida dos filhos nascidos ali no fim dos 90, começo dos anos 2000 está sendo - ou será - pior que a dos pais? Não vou entrar aqui no debate sobre as consequências de junho de 2013, se aquilo foi ou não a porta para toda a instabilidade que se seguiu no Brasil. Essa é outra conversa.
Só que as manifestações foram sim o marco de uma sequência de crises: interna, política, economica e social. Com componentes globais graves, como a pandemia. Bom… como a gente falou em geração perdida, antes de avançar vou explicar esse termo, porque ele já foi usado para descrever o Brasil num passado não tão distante.
A primeira geração perdida moderna, segundo historiadores, foi a que atravessou a Primeira Guerra, lá no início do século anterior a esse. Eram adolescentes que haviam acabado de vivenciar o conflito - na linha de frente ou não - e foram atirados num mundo estranho, com uma pandemia de gripe espanhola. E, mais tarde, a chamada Grande Depressão, que a gente estuda na escola como crise de 1929.
Tudo isso afetou o que aqueles jovens tinham talvez de mais precioso: os ideais de futuro. Ernest Hemingway, um dos escritores mais influentes do século 20, fez um retrato dessa juventude arrasada no livro “O sol também se levanta“. Ele teria pegado emprestado o conceito e o termo da também americana, a escritora Gertrude Stein.
A autoria no contexto da nossa discussão não importa. Eles no fundo estavam falando da mesma coisa: como circunstâncias trágicas marcam para sempre o destino de quem está começando a vida. Jovens brasileiros do final da década de 1980, por exemplo, carregaram esse peso nos ombros.
Saíram de uma ditadura, com o fôlego da liberdade devolvida, mas num Brasil ferido, juntando os cacos, com a economia quebrada. Como se tivesse mesmo saído de uma guerra. Não deixava de ser.
A ditadura matou muita gente. Especialistas costumam inclusive usar geração perdida para falar da geração 80, embora o intuito não seja uma comparação direta. É um recurso retórico para discutir um fato: crises e tragédias que duram, em menor ou maior proporção, se tornam um fardo difícil de carregar para os mais novos.
Trazendo para a atualidade. . .
no caso do Brasil, quem chegou à idade adulta no meio de uma pandemia, vindo de anos turbulentos, pode estar passando por algo ao menos parecido. É a opinião de especialistas ouvidos pela nossa reportagem. Mas será que é parecido suficiente para falarmos em geração perdida?
Se crise é o elo que liga as gerações perdidas, o Brasil enfrentou muitas. Como a gente falou no início do vídeo, teve aquele momento histórico das manifestações de 2013 inicialmente contra os altos custos de vida, e os gastos do governo com eventos esportivos. Ali teve início uma sequência de anos conturbados.
Em 2016, o Brasil passou pela pior recessão da história. Pela primeira vez, todos os setores econômicos tiveram queda. Em parte, segundo especialistas, por causa de escândalos na política ligados a corrupção, como a Operação Lava Jato.
Ela, você deve se lembrar, revelou uma extensa rede corrupta envolvendo empresas estatais, políticos e empreiteiras. A exposição dessas práticas acentuou uma descrença nas instituições políticas e nos partidos tradicionais. Resultado: uma polarização que resultaria no impeachment da presidente Dilma Rousseff.
O processo agravou o clima de instabilidade no país e teve implicações tanto para o cenário político interno, econômico como para a reputação internacional do Brasil. Ganhou força numa parcela da população uma vontade em comum: ir embora. Não por acaso, estudiosos atribuem a esse caos todo um fenômeno único: o maior êxodo brasileiro da história.
De 2012 a 2018, o número de brasileiros vivendo no exterior saltou de quase dois milhões (1,9) para mais de 4 milhões (4,2). Uma diáspora jamais vista, que afetou as chances de recuperação do Brasil, segundo a historiadora Renata Geraissati. Esse êxodo] afeta a recuperação do país.
Em grande medida, as áreas de ciências e tecnologia estão sendo as mais impactadas e que seriam possibilidades de crescimento para o Brasil. Ela diz isso não sem razão. Entre os expatriados estava uma extensa lista de intelectuais e profissionais qualificados, inclusive acadêmicos.
Por isso, cientistas sociais também chamam essa migração em massa de “fuga de cérebros”. E ela aconteceu justo num momento de perdas de investimento na ciência. De 2013 a 2020, o orçamento do ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações reduziu em 52%, voltando a patamares de décadas atrás.
Perder tanta gente que ajudaria o Brasil a dar certo tem um preço. Há uma perda de esperança para o futuro do país, o que talvez não afetasse tanto a geração dos nossos país. Isso é complexo, porque temos uma população que está envelhecendo e isso impactará na população economicamente ativa que teremos nos próximos 40 anos.
Pensar na imigração de jovens brasileiros é pensar sobre o impacto futuro na economia do país. Está percebendo como essas coisas criam um cenário de desesperança, especialmente para os mais jovens? Como pensar ou construir um futuro em um ambiente de tanta dúvida, sem perspectiva, sem trabalho?
Infelizmente, sempre pode piorar. E a pandemia só piorou a situação. Aumentou a pobreza, o desemprego.
Escancarou um Brasil ainda mais desigual. (prints de reportagens) Sabe aquela história de geração “nem-nem”, nem estuda nem trabalha? Uma pesquisa da FGV mostrou que quase 30% dos jovens de 15 a 29 estavam assim em 2020, o auge da pandemia, contra 23% em 2019.
A OCDE fala em 36% de “nem-nem” no ano em que a covid-19 virou uma emergência de saúde global. Na análise do Vinicius Pinheiro, diretor da Organização Internacional do Trabalho, o jovem brasileiro foi vítima de um choque triplo. Por um lado, há uma perda de emprego e renda, porque grande parte dos setores que foram desproporcionalmente afetados pela pandemia são os que empregam jovens, como o setor de serviços.
Houve também interrupção da educação e oportunidades de treinamentos. Em muitos casos, em especial para os jovens de menor renda, não foi dada a possibilidade de tele-estudo e teletrabalho. E também houve um aumento nos obstáculos para se entrar no mercado de trabalho.
As pontes entre a escola e o mercado de trabalho foram limitadas. Pois é. Todos esses elementos.
. . crises econômicas, políticas, sociais, pandemia.
. . são elementos comuns para classificar uma geração como perdida.
Porque envolvem perda, física inclusive. Com mortes. No Brasil, por exemplo, mais de 700 mil pessoas morreram de covid-19.
Mas os especialistas são cautelosos em usar o termo para se referir à geração que passou por todas essas crises que eu citei. O argumento é que, na verdade, o marco da nova geração perdida no Brasil, nos moldes daquela do século passado, não é 2013, e sim 2020, quando a pandemia começou. Ou seja, a geração perdida, ainda estaria por vir.
Nós podemos perder algumas pessoas dessa geração do confinamento [causado pela pandemia da Covid-19]. Uma geração é um contingente inteiro e aí sua comparação com a primeira guerra é bastante pertinente, porque ali se tem uma perda. Neste caso, podemos perder vários jovens.
Existe um risco muito grande de perdermos parte da geração de jovens que sofreu as mazelas da pandemia. É consenso é que a juventude brasileira está com uma cicatriz profunda, meio paralisada, e com a saúde mental comprometida. De certa forma despreparada para lidar com o inevitável: um Brasil com menos oportunidades, mais pobre.
E o futuro? Uma palavra óbvia resume: imprevisível. À margem de todos os conflitos e crises, o mercado de trabalho brasileiro sofreu sucessivas transformações – por causa da tecnologia e por alterações em regras trabalhistas.
Isso fez com que a juventude de 2000 perdesse o que a da época dos nossos pais tinha: uma certa previsibilidade, capacidade de planejamento de longo prazo. Antes, por exemplo, ter uma formação até a aposentadoria e eventualmente ficar num emprego só a vida toda era uma espécie de destino. Agora não.
A previsibilidade foi bastante enfraquecida. Essa ideia de uma vida laboral com início, meio e fim, que desemboca no sistema previdenciário e que está articulada com uma formação que prepara a pessoa para o mercado de trabalho é o que, de certa forma, foi descontinuado. Em outras palavras, além de terem que passar a vida provavelmente se atualizando, com formações complementares, os jovens se afastaram da certeza da aposentadoria com um benefício suficiente para uma vida digna.
A saída, na opinião dos especialistas ouvidos pela DW, é uma só: preparar quem está chegando para esse futuro incerto. Então é possível, sim, reverter essas tendências [negativas] e evitar uma geração perdida desde que as políticas de formação profissional e também de estímulo estejam bem implementadas.