O ciclo litúrgico do Natal é repleto de celebrações belíssimas. Depois dos quatro Domingos do Advento, depois das várias missas do Natal do Senhor, a da vigília, a Aurora do dia e a da noite, temos a da Sagrada Família, que nós já comentamos aqui. Temos a festa da Epifania; Epifania significa manifestação.
À superfície, nós percebemos a palavra grega fenômeno, de epiderme. A superfície da pele é um fenômeno que se manifesta na superfície; é a manifestação de Cristo aos povos estrangeiros, ao Oriente, dos magos, dos sábios que vêm visitar, presentear e adorar nosso Senhor. Isso quer dizer que nosso Senhor é o único Deus para todos os povos, para todas as gentes, para todas as nações, como dizia antigamente e a linguagem da Sagrada Escritura.
E por isso, São Paulo diz aos Efésios, na segunda leitura da missa desta festa, que "se ao menos soubesses da Graça que Deus me concedeu para realizar o seu plano a vosso respeito". E como por revelação tive conhecimento do Mistério: este mistério Deus não o fez conhecer aos homens das gerações passadas, mas acaba de o revelar agora pelo Espírito aos seus santos Apóstolos e profetas. Os pagãos, todos os povos que não são judeus, são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.
E aqui cabe uma primeira reflexão: do escândalo que essa mensagem universal de um Deus único representa. A Igreja reivindica que, fora dela, da Igreja Corpo Místico de Cristo, dos sacramentos da Igreja, não há salvação; que só há um Deus, que este Deus é Cristo e que Cristo esposou a sua Igreja, a Igreja Católica Apostólica Romana, para salvar todo o mundo. Essa mensagem é escandalosa no mundo neopagão como o nosso, marcado pela ditadura do relativismo.
Como dizia o Papa Bento XVI, uma ditadura que impõe o fato de que nenhuma verdade pode ser absoluta, nenhuma verdade pode ser universal, nenhuma verdade pode valer para todos; a verdade é sempre subjetiva, apenas para cada pessoa ou cultural, apenas para cada comunidade ou sociedade, ou histórica, apenas em um determinado momento, para a geração dos nossos pais ou dos nossos avós, por exemplo. Esse relativismo liberal e multicultural é incompatível com o cristianismo, e, nesse sentido, um cristão não pode ser relativista, liberal e multicultural. Claro que ele deve respeitar e impedir que se imponha à força, à violência, a fé cristã aos outros; por outro lado, ele deve anunciá-la, pregá-la e compartilhá-la com a estrela de Belém, que brilha com a luz dos povos, que é a Igreja e que é cada cristão que porta a chama calorosa, incandescente, luminosa de Cristo no seu coração.
Então, nós estamos diante desse paradoxo de um Príncipe da Paz que não veio com a espada, mas veio com a cruz. Não nasceu na capital, mas no interior; não nasceu na cidade, mas na zona rural, entre os animais. Não nasceu de dia, mas de noite; não nasceu no calor, mas no frio; não nasceu numa hospedaria ou numa casa, mas numa estrebaria com os animais.
Não nasceu projetado ao mundo universalmente, como um César, como um rei, mas nasceu reservado, recolhido, quase escondido, de modo local e particular. Então, o que nós temos hoje no Evangelho é exatamente a oposição do Rei, que é Cristo e que é saudado como Rei, como homem, como Deus, pelos sábios do Oriente, ao Rei Herodes, que é a primeira figura que aparece aqui. Rei Herodes era um rei de fachada, era um rei que estava mancomunado com o Império Romano para supostamente ter autoridade sobre os judeus e ser conhecido, ser saudado e governar como Rei dos Judeus.
Mas vocês lembram que Pilatos colocou na cruz de Cristo, em três línguas: o grego, o hebraico e o latim: "Jesus Cristo Nazareno, Rei dos Judeus". E depois os judeus quiseram que Pilatos retificasse e dissesse: "Ele se disse Rei dos Judeus", como para que o povo soubesse que aquele que se arroga o poder que não tem de ser rei será crucificado. Mas Pilatos disse: "O que eu escrevi, está escrito; o que eu fiz, está feito", como que confessasse que Ele é Rei dos Judeus.
E de fato, Ele é Rei dos Judeus; Ele é o Rei de todos os homens; Ele é Rei do Universo, como nós celebramos no último domingo do ano litúrgico. Herodes, por outro lado, era idumeu; ele era edomita. Vocês lembram que Esaú, no Antigo Testamento, foi chamado de Edom.
Então, ele vivia naquela região da Idumeia, como a palavra grega diz, porque ele era edomita. Ele era herdeiro não de Jacó. Vocês lembram que Jacó vendeu o seu direito de primogenitura, desculpa, comprou o seu direito de primogenitura do primogênito, que é Esaú, por um prato de lentilhas, e depois, unido com sua mãe Rebeca, enganou o seu pai Isaac para receber a bênção patriarcal e ser o verdadeiro herdeiro da linhagem patriarcal e sacerdotal de Isaque, que era filho de Abraão.
Então, Cristo, da linhagem real de Davi, Cristo é filho de Jacó, é filho de Isaque, é filho de Abraão, portanto, como nós lemos exatamente na genealogia deste livro de Mateus, que é o livro do qual se extrai o Evangelho de hoje. E esse Herodes era totalmente violento, totalmente maníaco, tinha uma mania de perseguição, e matou a sua mulher e os seus dois filhos; matou o seu cunhado, achava que todo mundo iria traí-lo. Queria poder e manifestou esse poder reformando o segundo Templo de Jerusalém, morava num grande palácio, né?
Claro que ele reconhece duas profecias do Antigo Testamento em jogo nessa passagem, quando os sábios do Oriente chegam até Herodes perguntando: "Onde está o Rei dos Judeus? ", porque teriam visto a sua estrela no Oriente e vieram adorá-lo. É claro que Herodes reconhece a profecia do profeta Balaão, do profeta pagão de Moabe, que a pedido do rei Balac, segundo o livro de.
. . Números que é o livro do Pentateuco da Torá Judaica seria exatamente uma estrela que ilumina o povo e que vai derrotar os seus inimigos, inclusive os edomitas; ou seja, Herodes edomita será derrotado pelo verdadeiro Rei dos Judeus, que é a luz que resplandece.
Essa é a chamada profecia da estrela que nós lemos no livro dos Números no Antigo Testamento. Então, o rei Balac pede ao profeta Balaão, filho de Beor: oráculo do homem de visão penetrante, oráculo daquele que ouve as palavras de Deus, daquele que conhece a ciência do Altíssimo. É isso que os magos, os sábios, procuram: a ciência do Altíssimo.
Ele vê aquilo que Shadai faz ver, alcança a resposta divina e os seus olhos se abrem. "Eu o vejo, mas não agora; eu o contemplo, mas não de perto. Um astro procedente de Jacó se torna chefe; um cetro se levanta procedente de Israel e esmaga as têmporas de Moabe.
O cran de todos os filhos de Edom se torna uma possessão e possessão também Seir. Israel manifesta o seu poder; Jacó domina sobre seus inimigos e faz perecer os restantes". Balaão viu Amalek e pronunciou o seu poema.
Disse: "Amalek, primícias das nações; contudo, a tua proster perecerá para sempre. " Então, Herodes, provavelmente, conhecia essa profecia e, como a serpente que era, pediu para os magos lhe dizerem. Perguntou aos sumo sacerdotes onde seria o Rei dos Judeus, e disseram: "Belém".
E ele vai e diz aos magos: "Vão a Belém, me digam, encontrem o menino, que eu também quero adorá-lo. " Mentira; queria matá-lo. E, de fato, vai se sentir traído pelos magos e vai mandar matar todos os meninos até 2 anos de Belém, que é o martírio dos Santos Inocentes, uma festa muito bela da Igreja que nós celebramos no dia 28 de dezembro.
Por outro lado, temos o rei de Roma, o imperador romano Augusto, que era quem tinha o poder absoluto e deu a jurisdição a Herodes. O ocidente, Roma, está a ocidente de Jerusalém. Augusto era chamado Divino, filho de Deus, porque Deus era Júlio César.
Ele era sobrinho e adotado por Júlio César, filho adotivo de Júlio César. Então, era chamado filho de Deus. Mas é claro que não são esses os reis.
Então, temos a figura de Herodes e, por trás dele, a de Júlio César Augusto, Otaviano, imperador de Roma nesse tempo, como as figuras do poder, mas de um poder que não está ligado à verdade, que não está ligado à sabedoria. É isso que os magos do Oriente buscam, esses sábios do Oriente, como eu prefiro chamá-los. Realizam as profecias da primeira leitura e dos Salmos.
Na primeira leitura do profeta Isaías, nós lemos: "Os povos caminham à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora. Levanta os olhos ao redor e vê: todos se reuniram e vieram a ti. Teus filhos vêm chegando de longe, com tuas filhas carregadas nos braços.
" Ao vê-los, ficarás radiante, com o coração vibrando e batendo forte, pois com eles virão as riquezas de além-mar e mostrarão o poderio de suas nações. Será uma inundação de camelos e dromedários de Madian e Efa a te cobrir. Virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando a glória do Senhor: ouro de um rei, incenso de um Deus.
Então, o profeta Isaías profetiza com muita clareza o que acontece no Natal, o que acontece na Epifania com esses magos do Oriente. E os Salmos, o Salmo 71, que a liturgia nos apresenta hoje, diz: "Os reis de Tarsis e das ilhas hão de vir e oferecer-lhes seus presentes e seus dons. E também os reis de Seba e de Sabá hão de trazer-lhe oferendas e tributos.
Os reis de toda a terra hão de adorá-lo e todas as nações hão de servi-lo. " Vejam quem são esses chamados magos aqui no evangelho. Primeiro, nós não sabemos se são três; temos três presentes e, por isso, deduziram na tradição que eram três, mas no evangelho não consta o número três.
Depois, não são reis; pelo menos, o evangelho não os chama de reis. Nós costumamos chamá-los de três reis magos, mas o que tem no evangelho é que eles eram magos. Só que essa palavra também induz ao erro, porque não é que eles praticassem magia, não é que eles fossem feiticeiros.
Eles eram sábios, eram estudiosos dos fenômenos naturais; eram astrólogos porque interpretavam o sentido dos astros. Eles procuravam a verdade das coisas. A sabedoria aqui significa a filosofia e a ciência no seu patamar mais elevado de buscar uma explicação geral para o mundo que só a religião e a metafísica podem dar.
A razão não consegue explicar a origem do mundo, o fim do mundo. Então, esses estudiosos desenvolveram a razão natural com que o próprio Deus nos presenteou para buscá-la. Lembrem-se que Santo Agostinho dizia que Deus escreveu dois livros: o da natureza e o da Sagrada Escritura.
Eles não tinham a Sagrada Escritura, mas provavelmente conheciam a profecia dos judeus. Por isso, identificaram naquela estrela a estrela de Belém; identificaram naquela estrela a estrela que o profeta, que eu expliquei ainda há pouco, Balaão moabita de Moabe tinha previsto. Eles souberam ler os sinais dos tempos, coisa que nem Herodes nem os sumo sacerdotes souberam e tiveram a coragem e humildade de buscá-la numa viagem tortuosa, desafiadora, com a chacota provavelmente do seu povo.
A união entre eles, né? E, chegando, prostraram-se diante do Deus verdadeiro e não adoraram a estrela como um deus, como era comum no paganismo do seu tempo. E o mais interessante é que, avisados em sonho — o evangelho não diz, mas provavelmente por um anjo de Deus ou pelo próprio Deus — porque essa.
. . A passagem está intercalada entre as duas passagens de José: aquela que ele tem no Capítulo 2 de Mateus, em que José é avisado do parto virginal de Maria, e o Capítulo 1 de Mateus, em que José é avisado da concepção virginal de Maria.
No Capítulo 2, já, em que José é avisado pelo anjo a fugir para o Egito, temos uma inversão do Êxodo de Moisés, que foge do Egito para a Terra Prometida. Agora, Jesus sai da Terra Prometida para o Egito, porque é o novo Moisés, e porque Herodes, como o faraó, matou os primogênitos hebreus no Egito. Herodes, o novo faraó de coração endurecido, o novo rei de coração endurecido que se volta contra o plano de Deus, matará os santos inocentes, as crianças até 2 anos, tentando matar Jesus.
Assim como Moisés foi salvo, Jesus será salvo, obviamente, pelos seus pais. E vejam que esses magos ou sábios retornam para sua casa, retornam para sua terra. Isso encerra uma mensagem muito importante para a gente: de naturalidade, de cotidianidade.
Nós temos que viver a nossa vida cristã na nossa terra, na nossa casa, com o nosso ofício. Aliás, eles estavam trabalhando, pesquisando os astros, que era o seu trabalho, quando tiveram uma iluminação interior e uma convicção de que aquela estrela era a estrela de Cristo; ou seja, uma iluminação que vem confirmada por uma força do Espírito Santo. Poderíamos dizer, como os padres antigos da Igreja, que aquela estrela era um anjo que os guiava, e que, quando chegou a Herodes, desapareceu.
E eles continuaram convictos, perguntaram e procuraram e foram para uma cidade na zona rural, uma cidade do interior, uma cidade aparentemente insignificante que era Belém. E lá a estrela voltou a aparecer diante de Jesus, de Maria e de José. E, por fim, o evangelho nos diz que, seguindo outro caminho, a gente pode interpretar não só para desviar de Herodes, mas desviando do caminho do pecado.
Eles se converteram a Cristo, buscaram uma outra forma de viver a mesma vida; ou seja, a vida no mesmo local, com as mesmas pessoas e o mesmo trabalho, mas interiormente transformados. Isso é a conversão, é a metanoia, é a mudança de mentalidade pregada por João Batista para preparar o caminho do Senhor, pregada por São Paulo: “Não nos conformemos com a mentalidade do mundo; antes, nos transformemos interiormente, mudemos a nossa personalidade para mudar o mundo pelo apostolado. ” Esse é o sentido da Igreja como luz das gentes, como diz o Concílio Vaticano I na sua constituição dogmática Lumen Gentium.
Essa é a função do cristão: ser luz do mundo, sal da terra. Cristo disse: “Vós sois a luz do mundo; ninguém acende uma lâmpada para colocá-la debaixo da mesa. Vós sois o sal da terra.
Ninguém joga fora o sal, senão ele será pisoteado. O sal serve para conservar e para dar sabor aos alimentos. ” O cristão é a luz do mundo; a Igreja é a luz do mundo.
Nós estamos acostumados a pensar muitas vezes a Igreja como o templo no qual se reúne a assembleia eucarística, mas a Igreja somos nós, o povo de Deus, a comunhão dos santos. Nós pensamos na Igreja na figura da hierarquia: episcopal, presbiteral, diaconal. Nós pensamos no Santo Padre, o Papa, nos cardeais.
Claro, são membros da Igreja e estão à testa, à cabeça da Igreja; nós lhe devemos obediência. Mas nós somos a Igreja; nós somos a luz do mundo. Isto quer dizer que nós temos que buscar a Deus, e uma vez encontrando a sua luz, continuar seguindo a sua luz mesmo numa viagem obscura, tortuosa, passando por um deserto, mesmo encontrando um rei assassino, sem medo, sem respeito humano, conhecendo a Palavra de Deus, conhecendo as profecias e como elas se cumpriram na história.
São Leão Magno, por exemplo, diz que quem quer que viva piedosamente na Igreja, que saboreia as coisas do alto e não as da terra, é de certo modo semelhante a esta luz celestial da estrela de Belém, na medida em que conserva em si mesmo o resplendor de uma vida santa, mostrando a muitos, como a estrela, o caminho que conduz a Deus. Animados por este zelo, ajudai-vos uns aos outros, queridíssimos, para que brilhem como os filhos da luz no reino de Deus, que se alcança pela reta fé e pelas boas obras. Grande Papa São Leão Magno, tão importante na antiguidade, numa homilia sobre a Epifania do Senhor, fala exatamente que nós somos como tochas; nós somos tochas acesas no mundo entenebrecido, obscurecido por esse neopaganismo que nega o valor transcendente do matrimônio, da vida humana, da família, da justiça.
Esse mundo materialista, consumista, hedonista que nós vivemos, relativista, pautado no poder, sem a sabedoria, como a autoridade dos novos Herodes, dos novos Césares Augustos. Portanto, para concluir, há três respostas básicas a esta manifestação, a Epifania de Nosso Senhor: A de Herodes, que é marcada pelo egoísmo, pela imoralidade, pela sede de poder, de quem não quer se abrir. Porque Herodes poderia ter sinceramente buscado o Senhor e se prostrado diante dele.
O verbo que o grego usa nessa passagem do evangelho é “se prostrar”, far-se a terra para adorar ao Senhor, e este verbo só é usado para Deus. Adoraram aquele menino que era, na verdade, Deus. Em segundo lugar, nós temos a reação dos sacerdotes e dos escribas, que tinham o conhecimento de que o Cristo nasceria em Belém, mas, pelo seu comodismo, pela sua indiferença, com a sua fé morta, exterior, ritualística, sem a humildade de ir a Belém, sem a coragem, o vigor de buscar nosso Senhor, não acompanham os magos.
E, em terceiro lugar, é claro, a humildade, a coragem, a disposição, a busca e a abertura desses magos que vêm do Oriente para adorar o Senhor, que são certamente exemplos para nós, exemplos também pela oferta que trazem a nosso Senhor e claro que eu não poderia deixar de. . .
Mencionar esse elemento que talvez seja o mais famoso e o mais rico na hermenêutica cristã tradicional, que tanto significado farejou nesses elementos simbólicos: o ouro, o incenso e a mirra. O ouro é imediatamente o sinal da realeza; é um presente que se dá ao rei. Como o rei está no topo da hierarquia social, o ouro está no cimo entre os metais preciosos.
O ouro é o que há de mais precioso, por isso ele cabe ao rei, que é a excelência social. Ora, o que há de melhor em nós, isso nós temos que dar a Deus. Se o que há de melhor em você é a sua inteligência, se o que há de melhor em você é a sua caridade, é a sua força de ação, é a sua família, é o seu trabalho, entregue a Cristo, entregue a Cristo o que há de melhor em você.
O ouro simboliza também a virtude da fé. Sempre que a gente encontrar algum elemento tripartido na Sagrada Escritura, a gente pensa na Trindade e também nas três virtudes teologais: fé, esperança e caridade. O incenso, por sua vez, simboliza Deus que sobe, a fumaça que sobe aos céus.
Por isso, os holocaustos, que eram consumados em honra a Deus, e Ele, no Antigo Testamento, se beneficiava com o odor, um aroma suave. Por isso que a gente fala do bom odor de Cristo. E significa também a nossa oração que sobe aos céus e a virtude, portanto, da esperança.
Então, o incenso é o incenso da oração e da esperança que Deus escuta as nossas preces e cumpre as suas promessas. Por fim, em último lugar, a mirra, que simboliza o homem mortal e sofredor. Vocês lembram que Jesus recebeu a mirra na cruz, tanto no vinho que Ele não aceitou quanto no embalsamento do seu corpo por José de Arimateia e por Nicodemos, que acolheram Jesus, compraram o corpo de Jesus e o sepulcro.
Então, a mirra significa o nosso sofrimento, a nossa mortificação e o fato de que nós podemos lhe oferecer não só o ouro das nossas virtudes, dos nossos talentos, do nosso trabalho, mas também a mirra do nosso sofrimento, do nosso fracasso, dos nossos pecados. Sim, nós podemos oferecer a nossa humanidade, porque Cristo participou dessa humanidade. Ele não pecou, mas Ele se fez pecado por nós.
Ele tem a vida eterna em si, mas quis participar da nossa morte, do nosso sofrimento, da nossa angústia, do nosso abandono. Por isso, pode dizer: “Bem-aventurados os que choram, bem-aventurados os que sofrem, os que são caluniados, perseguidos, execrados por causa de mim”, porque esta é a virtude do amor. A mirra simboliza, portanto, a virtude da mortificação, que é a forma elevada de amor.
O mesmo São Leão Magno, que eu mencionei ainda há pouco, fala que, se quiséssemos considerar atentamente como é possível para todos os que se aproximam de Cristo pelos caminhos da fé, aquela tríplice classe de dons, não descobriríamos que esta oferenda se realiza no coração de quantos realmente creem em Cristo. Retira efetivamente ouro do tesouro de seu coração quem reconhece a Cristo como Rei do Universo, oferece mirra quem crê que o unigênito de Deus assumiu uma verdadeira natureza humana, venera Cristo como o incenso, quem confessa que Ele é em nada diferente da majestade do Pai, ou seja, que Ele é o próprio Deus. São José Maria Escrivá, por sua vez, menciona o ouro do desprendimento dos bens materiais, da nossa generosidade.
Quando nós usamos dos bens materiais para servir o próximo, servir a Igreja, usando-os como instrumentos de justiça e de caridade, porque onde estiver o nosso tesouro, aí está o nosso coração. O nosso tesouro, os nossos bens materiais, o que há de melhor em nós, oferecemos a Cristo na Sagrada Eucaristia, na Santa Missa: o ouro da nossa vida para Cristo. O incenso são os desejos que sobem até o Senhor, de uma vida nobre, da qual se desprende o bom odor de Cristo, impregnando as nossas palavras e ações, semeando compreensão, amizade.
A nossa caridade deve ser também carinho, calor humano. Esta interpretação de São José Maria do incenso. E, por fim, a mirra é o sacrifício que não pode faltar na vida cristã.
A mirra nos traz à lembrança, imediatamente, da cruz, como o grande Fontes também menciona, relacionando o nascimento de Cristo à sua consumação, à consumação da sua vida na cruz. E essa mortificação deve ser constante, discreta, singela, desapercebida, sem grandes estardalhaços, como Cristo ensinou: que a tua mão direita não saiba o que fez à esquerda ao dar esmola; ao fazer o jejum, que a tua cara não fique desfigurada para se exibir nas praças públicas; e a oração no quarto com as portas fechadas, porque o teu Pai ouve que está em silêncio. Temos que conquistar intimidade com Deus, privacidade com Deus, segredos com Deus, confidências com Deus, que está no nosso coração.
Certamente, esses sábios do Oriente têm muito a nos ensinar. Com esses presentes, nós também espiritualmente podemos dar a nosso Senhor. Viva, portanto, a festa da Epifania!