No Rio de Janeiro, a tranquilidade pode ser o maior sinal de que algo está muito errado. Entre ruas aparentemente tranquilas, mercados movimentados e novas construções, existe um poder invisível que organiza a cidade sem precisar mostrar a força. O que começou como promessa de proteção hoje decide quem pode trabalhar, onde você pode morar — e até quem merece ser atendido num hospital.
Mas como essa estrutura criminosa, nascida em bairros esquecidos, conseguiu se infiltrar tão fundo no cotidiano do Rio? E o que é o paradoxo do Rio de Janeiro? Antes de entender isso, é preciso voltar ao começo — e descobrir como a cidade se acostumou a ser controlada por quem deveria combater.
Campo Grande é o bairro mais populoso do Rio de Janeiro. E foi ali, entre ruas largas, conjuntos habitacionais e comunidades esquecidas pelo Estado, que nasceu uma das formas mais sofisticadas de organização criminosa do país: a milícia. Nos anos 90, o Rio vivia uma crise profunda de segurança.
O tráfico de drogas se espalhava, o poder público mal chegava nas periferias, e a população se virava como podia. Foi nesse cenário que grupos formados por policiais e ex-policiais começaram a organizar a “segurança” nos locais onde moravam, cobrando uma espécie de taxa de proteção dos comerciantes e moradores. Era o início de algo que foi visto com bons olhos por parte da população.
Afinal, era um tempo em que o medo do tráfico era maior do que o medo de qualquer outro tipo de controle. Esses grupos surgiram como “uma espécie de solução comunitária para o problema da violência que assolava os cariocas naquele período”. Um morador entrevistado, conta que “Várias cenas do Tropa de Elite 2 aconteceram ali onde eu moro.
Assassinato de motorista de van, miliciano que virava vereador e depois morria. . .
” Com o tempo, a lógica da segurança foi virando negócio. E o negócio cresceu rápido. O transporte alternativo, por exemplo, virou a principal fonte de receita.
O transporte alternativo no Rio é composto principalmente por vans e minivans que circulam em rotas populares sem o mesmo controle rígido aplicado aos ônibus públicos. Virou um sistema controlado por milícias e traficantes, que cobram taxas, exploram motoristas e usam violência para manter o domínio sobre as rotas, com a complacência de parte do poder público. O transporte alternativo é tão importante que já gerou disputa.
Em certo momento, lideranças rivais começaram a brigar por rotas, cobrando taxas e ameaçando uns aos outros. Em uma escuta registrada à época, uma das lideranças deixa claro que o domínio do transporte era uma questão pessoal e econômica: “Eles têm que devolver o que é meu. Não vou medir consequência, não”.
E não é só isso que eles controlam. A cobrança de taxas também se espalhou: TV a cabo, internet, gás, cesta básica, venda de imóveis e máquinas caça-níquel — nada escapava da estrutura montada por esses grupos. A CPI das Milícias, instaurada em 2008, revelou como essa transformação aconteceu: “Eles precisavam de recursos financeiros e começaram a explorar determinadas atividades, entre elas, o transporte alternativo, que é a principal fonte de recursos financeiros dos milicianos”.
E quanto mais dinheiro girava, mais influência política eles ganhavam. Algumas lideranças locais começaram a se candidatar e conquistar mandatos. Era a milícia entrando para a política, com apoio de moradores e de redes organizadas nos próprios territórios.
Essa articulação entre segurança, economia e política criou uma nova forma de controle territorial. Um modelo que misturava ameaça e conveniência. E foi se tornando comum ver figuras ligadas a esses grupos disputando eleição, virando representantes oficiais, enquanto mantinham o controle da segurança “informal” das suas áreas.
Quando algumas das figuras mais conhecidas foram presas, outras assumiram. E a tática mudou: os novos chefes passaram a atuar de forma menos escancarada. Menos armas à mostra, menos discurso de combate ao tráfico.
Mais foco em expandir os lucros. A milícia continuou eficiente no controle moral do território, mas sofisticou suas atividades econômicas. Mas foi quando uma nova geração assumiu o comando que a milícia realmente mudou de cara.
Diferente dos antigos líderes, que vinham das forças de segurança, alguns desses novos chefes vinham diretamente do tráfico. E trouxeram com eles uma outra lógica. A partir daí, o discurso moral de “proteger a comunidade” foi ficando pra trás.
Começaram a surgir acordos entre milicianos e traficantes. O comércio de drogas voltou em alguns territórios. A milícia, que antes dizia combater o crime, passou a fazer negócio com ele.
E pior: começou a funcionar como uma franquia. Grupos menores podiam atuar sob a bandeira do grupo maior, desde que repassassem parte dos lucros. “A firma funcionava como uma milícia guarda-chuva, cobrando taxas de proteção dos pequenos milicianos”.
Mas aqui é onde as coisas começam a se misturar. “A fronteira moral que existia entre tráfico e milícia se modifica cada vez mais, o que não significa que eles se tornaram a mesma coisa”. Inclusive, existem disputas entre eles.
Quando encontram bocas de fumo, os milicianos avançam a golpes de metralhadora para ocupar o território e mercadejar a droga. A disputa entre milicianos e traficantes pelos pontos de venda tem sido particularmente violenta. E o modelo acabou se espalhando.
Foi da Zona Oeste para a Baixada, de bairros populares para áreas cada vez mais estruturadas. O cidadão que não estava nas comunidades da milícia também começou a sentir os efeitos de um estado paralelo. E o mais impressionante: mesmo com todas essas transformações, muita gente ainda via esses grupos como os responsáveis pela “ordem”.
Isso porque o Estado nunca se fez presente de verdade nessas comunidades. Mas essa história, que começa com a promessa de proteção, termina com um sistema completo de dominação: política, econômica e cultural. E esse é só o começo.
Porque o que foi criado em Campo Grande, hoje afeta toda a cidade do Rio de Janeiro. O que começou como um modelo de “proteção comunitária” cresceu rápido. Muito rápido.
E hoje, o domínio miliciano não é mais uma questão de bairro. É uma forma de organização da cidade. Segundo o levantamento da Fundação Heinrich Böll, esses grupos “controlam ilegalmente ou cobram taxas extorsivas sobre os mercados de serviços essenciais como água, luz, gás, TV a cabo, transporte e segurança, além do mercado imobiliário”.
E isso tem um impacto direto na vida de milhares de pessoas. Porque não é só sobre violência. É sobre o custo de viver num lugar onde até o básico tem dono.
Tem regiões em que os moradores são obrigados a pagar taxa até pra fazer uma roda de capoeira. Um dos relatos do estudo conta que atividades culturais, como feiras e eventos, só podem acontecer com autorização informal — e pagamento, claro. Segundo um entrevistado: “Você quer fazer algum ato no centro de Campo Grande, você tem que pedir autorização.
E não é autorização para a prefeitura” Mas talvez o mais curioso — e assustador — é que, em muitos desses lugares, a sensação é de tranquilidade. Mesmo com ameaças, extorsão e violência, há quem diga que é tranquilo morar nesses locais. E essa percepção não é por acaso.
Ela vem do controle total. Não há confronto aberto, como nas áreas de facções rivais. Não tem tiroteio o tempo todo.
E pra muita gente, a ausência do caos é confundida com segurança. Só que isso não significa paz. Significa que o poder está consolidado.
Que já não há disputa. Que a milícia manda — e todo mundo sabe disso. E aqui a gente começa a entender como essa lógica não está restrita às periferias.
Ela avança por toda a cidade, inclusive por bairros de classe média e até alta, ainda que de formas diferentes. Na Barra da Tijuca, por exemplo, o estudo mostra que, mesmo onde não há confronto armado, há uma intensa atividade imobiliária associada a interesses milicianos. Você pode viver nesses bairros e não perceber.
Quando passa por uma nova obra ou uma fachada bonita pensa que as coisas estão prosperando. Até estão, mas é o crime que está prosperando. Você vai até uma padaria, uma loja, até o metrô.
Você muitas vezes não percebe a presença deles, mas eles estão lá. Outra forma de ampliação do seu lucro é controlando alguns hospitais como o Hospital Geral de Bom Sucesso, onde os milicianos controlam quem será atendido e cobram taxas pelo atendimento que deveria ser acessado por todos. E existe até a “Milícia Marítima, que é uma milícia que obtém informações privilegiadas do Ministério da pesca e Agricultura.
Os milicianos adquirem conhecimento de quem não tem licença para realizar o serviço e se aproveitam desses pescadores sem licença para cobrar valores semanais como uma forma de pedágio”. Você vê um corretor de imóveis num prédio ou terreno, e não sabe que ele faz parte disso tudo. Terrenos são invadidos e vendidos ilegalmente — prática conhecida como grilagem —, prédios são erguidos sem qualquer fiscalização, e o lucro vai para quem domina a terra, muitas vezes por meio da força.
“A RA da Barra da Tijuca, embora apresente predomínio de grupos milicianos, possui uma intensa atividade imobiliária que se dá em áreas onde não há controle armado visível”. Ou seja, mesmo sem violência aparente, o modelo de cidade criado por esses grupos também opera no asfalto, em áreas comuns, com fachada legal, CNPJ e anúncio em outdoor. No Rio de Janeiro, o que era crime virou serviço e o que era exceção virou regra.
Esses grupos não só controlam territórios — eles organizam a cidade definindo preços, impondo normas, arrecadando impostos e até controlando o transporte. E fazem isso com a força de quem não precisa de autorização oficial. A cidade acabou se adaptando.
E o criminoso, que deveria ser combatido pelo Estado, agora age como se fosse o Estado. Enquanto isso, o próprio Estado — que deveria proteger a população — age como cúmplice, omisso ou dependente. Porque em muitos casos, é conveniente que esses grupos assumam a função de organizar o território.
É mais barato, mais “eficiente”, e mais previsível. Só que também é mais perigoso. No Rio de Janeiro, o crime ocupa o lugar do Estado — e o Estado aprende a conviver com o crime.
Esse é o verdadeiro paradoxo. Mas essa convivência não acontece por acaso. Por trás dessa estabilidade, existe um sistema bem armado de proteção, acordos e interesses que mantêm tudo funcionando — de dentro das próprias instituições.
Então, como o Estado virou parte da engrenagem do crime no Rio de Janeiro? Ainda falta uma parte essencial de toda essa história: como as milícias conseguem se manter tão fortes por tanto tempo? A resposta não está só na força ou na ameaça.
Está também em algo bem mais profundo — e mais difícil de combater: o apoio e a proteção que esses grupos recebem de dentro do próprio Estado. E quando falamos de Estado aqui, não estamos falando do território do Rio de Janeiro, mas sim de todo o aparato público oficial - os políticos eleitos, a polícia, o judiciário, os órgãos que deveriam garantir a ordem e proteger o cidadão. De acordo com o relatório da Fundação Heinrich Böll, “O que caracteriza uma milícia enquanto tal é sobretudo a participação de agentes públicos – como membros do Judiciário, parlamentares e policiais civis e militares da ativa e reserva”.
Ou seja, não é só uma organização criminosa com domínio territorial. A milícia é, acima de tudo, um projeto político. E é aí que mora o problema.
Porque não dá pra combater o crime quando o crime está infiltrado nas mesmas instituições que deveriam combatê-lo. Tem deputado eleito com base em voto de cabresto. Tem policial que faz vista grossa.
Tem vereador que atua diretamente para aprovar interesses do grupo em sua área de influência. E tem fiscal que simplesmente finge que não vê. “É possível afirmar que as prefeituras e seus órgãos de fiscalização simplesmente fingem ignorar esses empreendimentos”.
E não é exagero. Em muitas áreas dominadas pelas milícias, a construção civil avança sem alvará, sem licitação, sem nada. Prédios são erguidos em áreas públicas, vendidos à margem da lei, e ninguém faz nada.
Além da blindagem institucional, tem também a questão da segurança pública seletiva. Enquanto algumas áreas vivem operações constantes, outras simplesmente não são tocadas pelas forças policiais. “Em 27,7% dos bairros sob o controle de grupos armados há predomínio das milícias e, no entanto, apenas 6,5% das operações policiais realizadas no ano de 2019 ocorreram nesses bairros”.
Compare isso com os bairros controlados por facções de tráfico, onde se concentram 40,9% das operações. A diferença é gritante. E esse dado levanta uma questão incômoda: Se a milícia domina mais território que o tráfico, por que o foco das operações policiais está quase sempre do outro lado?
A resposta está na percepção de "tranquilidade" que muitos moradores relatam. Só que essa tranquilidade é falsa. “A ‘tranquilidade’ seria, antes, um indicador da estabilidade dos acordos entre as polícias e os grupos armados, do que de uma atuação menos violenta por parte da milícia.
” Ou seja, nas áreas controladas pela milícia há menos tiroteios, não porque há menos violência, mas porque o controle é mais estável — e a atuação da polícia é muito menor. Entre 2017 e 2020, por exemplo, apenas 2,97% dos tiroteios envolvendo forças de segurança aconteceram em áreas dominadas pela milícia, enquanto 78,8% ocorreram em favelas sob domínio de facções de tráfico. Isso cria a impressão de que “não acontece nada” nessas áreas.
Mas na prática, elas estão entre as regiões mais violentas da cidade. Segundo outro estudo citado no relatório, os bairros dominados por milícias apresentam algumas das taxas mais altas de homicídios no estado. Ou seja: a ausência de confronto visível não é sinal de paz.
As milícias aprenderam a jogar o jogo da institucionalidade. Elas se adaptaram. Com acordos silenciosos, menos barulho e mais controle, elas se tornaram praticamente invisíveis ao sistema repressivo, mesmo enquanto continuam extorquindo moradores, ameaçando dissidentes e lucrando milhões.
E o mais perigoso: elas não agem sozinhas. Existem redes, alianças e interesses compartilhados entre criminosos, políticos, empresários, servidores públicos e até setores do Judiciário. É por isso que, no fim das contas, o combate às milícias é sempre tímido, fragmentado e ineficaz.
Porque para combater de verdade, seria preciso mexer nas próprias bases do poder. E aí, o paradoxo se completa. No Rio de Janeiro, o crime que deveria ser enfrentado pelo Estado é protegido por ele.
O poder que deveria garantir justiça e igualdade se ajoelha — ou se vende — para grupos armados e a população, como sempre, é quem paga a conta. E você concorda com isso? E o que acha dessa situação que vive o Rio de Janeiro, onde a tranquilidade muitas vezes esconde um problema muito mais profundo?
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