O Brasil é um país cristão e conservador e tem na família sua base. Deus abençoe a todos. O que é ser conservador?
O conservadorismo é uma das ideologias mais influentes no mundo nos últimos dois séculos, inclusive no Brasil. Muita gente não sabe, mas foi apenas recentemente que ele incorporou um pilar importante: a religião. Não existe uma definição única do que é ser conservador e esse entendimento muda com o tempo e de acordo diferentes grupos sociais.
Como, então, definir o conservadorismo? E como ele foi parar à direita na política? E mais: o que significa ser conservador no Brasil de hoje?
Em uma definição ampla, o conservador tende a defender a preservação de tradições e hierarquias, o nacionalismo, a proteção da família, as bases religiosas e as instituições. Ele também rejeita mudanças sociais bruscas. Ao longo do tempo, ele foi incorporando, em muitos momentos, a defesa do liberalismo econômico e da menor intervenção do Estado.
Mas por que o conservadorismo é ligado à direita? Para entender isso, vamos voltar à Revolução Francesa. Em 1789, num debate na Assembleia Constituinte sobre quanto poder a monarquia deveria continuar tendo na França, a discussão foi tão acalorada e apaixonada que os adversários se separaram na sala conforme suas afinidades.
Nas cadeiras à direita do presidente da Assembleia, o lado da nobreza, ficaram os integrantes da ala mais conservadora. Eles eram os leais à Coroa, queriam conter a revolução e defendiam que o rei Luís 16 conservasse o poder e o direito ao veto absoluto sobre todas as leis. Mas por que eles se sentaram desse lado?
Porque a direita era o lado nobre e porque, segundo a tradição cristã, é uma honra se sentar no lado direito de Deus ou de um patriarca ou uma matriarca, explica o cientista político Pierre Bréchon. Do lado esquerdo, ficaram os que defendiam os ideais republicanos que guiavam a revolução. Eles eram os mais progressistas na sala, os que clamavam por uma mudança radical de ordem – incluindo no fim do poder absoluto do rei.
Os conservadores foram derrotados nessa disputa. O rei Luís 16 perdeu todo o poder e foi executado na guilhotina em 1793. Mas os ideais conservadores não morreram com ele, muito pelo contrário.
Enquanto a revolução acontecia, o filósofo e político irlandês Edmund Burke lançava as bases do que seria o conservadorismo moderno. Ele não inventou o conservadorismo, mas foi o primeiro a organizar o pensamento. Para ele, teorias políticas deveriam derivar da prática política, e não ser impostas sobre a prática política, como pregavam os revolucionários com suas ideias abstratas sobre igualdade, liberdade e fraternidade.
Segundo ele, as grandes instituições humanas não surgiram de discussões abstratas, mas sim da experiência construída e transmitida ao longo de gerações e gerações. Outro nome fundamental é o do filósofo e teórico político inglês Michael Oakeshott. Em um ensaio, ele diz: "Ser conservador é, pois, preferir o familiar ao estranho, preferir o que já foi tentado a experimentar, o fato ao mistério, o concreto ao possível, o limitado ao infinito, o que está perto ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, a risada momentânea à felicidade eterna".
Isso não quer dizer os conservadores se oponham a qualquer tipo de mudança. Na ampla maioria das formas de conservadorismo, são aceitos "ajustes" necessários para preservar tradições, práticas e costumes. Essa ideologia desaguou naquilo que muitos pesquisadores contemporâneos chamam de "neoconservadorismo", corrente que teve origem na política americana no século 20.
E o principal gatilho foi o avanço do lado oposto, a esquerda. O pano de fundo foi a Guerra Fria, disputa geopolítica entre Estados Unidos e União Soviética, que foi do fim da Segunda Guerra Mundial até a queda do muro de Berlim, em 1989. Nesse contexto, houve uma espécie de união entre diversos grupos de direita, como cristãos evangélicos, intelectuais que se afastaram do liberalismo, defensores da família tradicional e de leis mais duras, grandes empresas e militares anticomunistas.
A cientista política e escritora brasileira Marina Basso Lacerda explica que o movimento neoconservador americano começou a ganhar força a partir dos anos 1950. Suas bandeiras, detalha a escritora, eram o anticomunismo, a segurança pública com punições mais duras contra condenados, o livre mercado e principalmente a defesa da família tradicional e da moral religiosa – aqui, como reação ao feminismo e ao movimento negro. No Brasil, os conservadores compõem uma força política desde a época do Império, no século 19.
Mas a atuação deles girava em torno principalmente da defesa do poder vigente e dos interesses da elite e da Igreja, além da disputa com os liberais por cargos públicos. Ou seja, havia um embate muito mais pragmático (por poder) do que ideológico (por ideais). No século 20, os conservadores ganhariam mais espaço a partir dos anos 1940, a exemplo do partido União Democrática Nacional, que tinha membros defensores de menos intervenção do Estado, por exemplo.
Os conservadores apoiaram em peso o golpe militar em 1964 e nos anos seguintes passaram a se organizar como força política dentro do partido do governo, chamado Arena. Nos anos 1990, a principal característica que definia a agenda conservadora no Brasil pós-ditadura era o discurso pró-mercado, ou seja, a abertura ao capital estrangeiro e redução do Estado. Nesse caso, claramente era uma tentativa de ruptura, de mudança radical com um modelo vigente e não de conservação, como a palavra sugere.
Mas no início dos anos 2000 começam a ganhar mais força entre os conservadores outras bandeiras e propostas: oposição à reforma agrária, políticas mais rígidas contra criminosos e pautas ligadas à moral da chamada família tradicional e valores religiosos. Ou seja, assim como nos Estados Unidos, o neoconservadorismo brasileiro se fortalece como uma reação ao espaço conquistado pela agenda feminista e LGBT, principalmente durante os governos do PSDB e PT, como explica a Mariana Lacerda. Grande parte dessa transformação dos conservadores se deu na internet, onde a direita cristã também passou a se organizar.
Um marco foi o movimento pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, do PT, que acabou perdendo o cargo em 2016. Depois disso, grupos de direita conservadora se fortaleceram – um exemplo foi a candidatura vitoriosa de Jair Bolsonaro à Presidência em 2018. Nesse período, vários grupos divergentes entre si se uniram em torno do antiesquerdismo e do antipetismo, explica a pesquisadora Camila Rocha.
Naquele mix de ideias que surgiu nos Estados Unidos, a religião também passou a ter um papel bastante importante. Assim, a direita cristã se tornou a coluna cervical do neoconservadorismo. O pensador inglês Roger Scruton explica que a religião desempenha um papel fundamental para os conservadores porque, abre aspas, “as características fundamentais da ordem democrática ocidental são ordenadas por Deus: a propriedade privada e a troca voluntária; a responsabilidade e os direitos e deveres que dela emergem; instituições autônomas pelas quais o Espírito Santo opera entre nós e a partir das quais aprendemos os caminhos para a paz".
Outros pensadores explicam que, para o neoconservador, a religião dá coesão à comunidade e define o que é verdadeiro e falso, certo ou errado. A cientista política Mariana Basso Lacerda explica que esse ideais se adaptaram muito bem ao ambiente político do Brasil. Aqui, a questão dos costumes se tornou central para os conservadores nos últimos dez anos – principalmente para o público evangélico.
O cientista político Ronaldo de Almeida explica que o principal argumento pró-conservador dos costumes é que "o Estado é laico, mas a sociedade é religiosa". Ou seja, os conservadores defendem que o Estado não deve interferir nas religiões, mas ele precisa refletir os valores de uma sociedade de maioria cristã. Por exemplo, com a defesa da moral, a oposição ao aborto, o discurso da ordem e do endurecimento penal e um Estado menos intervencionista.
Com o crescente espaço para divulgar suas posições morais, os evangélicos acabaram se tornando centrais na onda conservadora recente no país. Isso porque foram capazes de impulsionar e resumir o conservadorismo em torno da família, educação, moralidade e segurança. Algo parecido com o que ocorreu com o catolicismo conservador na ditadura militar, explicam os pesquisadores Paulo Gracino Junior e Carlos Henrique Souza.
E o antipetismo seria o elo e o combustível dessa onda. E como isso se reflete nas opiniões populares? O Ibope criou um índice de conservadorismo calculado a partir de cinco tópicos: legalização do aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte, prisão perpétua e redução da maioridade penal.
Segundo levantamento em 2016, 54% dos brasileiros seriam classificados como conservadores máximos ou radicais e 41%, como conservadores médios. Ou seja, o conservadorismo da sociedade brasileira nesses temas não é novidade. O Datafolha também criou uma metodologia para identificar esses valores.
Em 2022, 83% dos brasileiros apoiam a proibição do uso de drogas, 64% defendem que adolescentes que cometem crimes devem ser punidos como adultos, 32% dizem que o aborto deveria ser proibido em todas as situações, ou seja, incluindo casos de estupro e risco à vida da mãe e 79% afirmam que acreditar em Deus torna as pessoas melhores. E o que dizem os críticos? Boa parte argumenta que os conservadores desfrutam de forma egoísta de seus recursos e privilégios enquanto resistem a mudanças.
Tudo isso às custas dos mais pobres. Em 1960, o economista austríaco liberal Friedrich Hayek escreveu o artigo "Por Que Eu Não Sou Um Conservador". Nessa publicação, faz duras críticas à crença conservadora da existência de seres superiores que herdaram normas, valores e posições que precisam ser preservados e devem exercer maior influência no debate público que os outros.
Hayek critica ainda os conservadores por não oferecerem propostas (mas apenas obstáculos) para a evolução da sociedade. Ele escreveu: "A única coisa que diferencia conservadores e progressistas é a velocidade da mudança que não deixará de ocorrer, restando aos conservadores ser arrastados ao longo do caminho", já que "por natureza, não podem oferecer alternativas para qual direção a sociedade deve seguir". Hayek também aponta similaridades entre o conservadorismo e o socialismo.
"Como o socialista, (o conservador) também se acha no direito de impor às outras pessoas os valores nos quais acredita. " Nas críticas do campo da esquerda ao conservadorismo, o sociólogo Michael Löwy afirma em artigo que os conservadores brasileiros manipulam há décadas a luta contra a corrupção para justificar o poder das oligarquias tradicionais e legitimar golpes militares. Löwy acha que, entre aspas, o “o chamado a uma intervenção militar, o saudosismo da ditadura militar, é sem dúvida o aspecto mais sinistro e perigoso da recente agitação de rua conservadora no Brasil”.
No início do século 20, os marxistas, inspirados pelo pensador alemão Karl Marx, apontavam uma proximidade entre conservadorismo e fascismo. A questão de classe está presente em diversas críticas. Segundo o próprio ideólogo conservador Roger Scruton, o conservadorismo é frequentemente criticado como uma ideologia elitista da classe dominante – porque garantiria estabilidade aos detentores de poder enquanto explora outras classes sociais.
Mas além do embate de ideias, o uso do termo conservador na briga política passou a ser cada vez menos interessado em significados e cada vez mais preocupado em ofender. No Brasil, conservador passou a ser usado por vezes como sinônimo de termos pejorativos como reacionário, moralista, hipócrita, intransigente, elitista e autoritário. A forte conotação negativa em torno do termo conservador, aliás, carrega um dado curioso.
Essa palavra praticamente não existe em nomes de partidos ao redor do mundo, e muitos políticos conservadores preferem se identificar como uma das formas mais populares do conservadorismo: democratas-cristãos. Uma das poucas exceções vem daqui, do Reino Unido, onde o Partido Conservador é muito forte – hoje, governa o país desde 2010. Por hoje eu fico por aqui, mas fique de olho em mais vídeos da nossa série sobre termos da política.
Até a próxima!