Pensar após Gaza: desumanização, trauma e a filosofia como freio de emergência | Vladimir Safatle

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Pensar após Gaza: desumanização, trauma e a filosofia como freio de emergência, com Vladimir Safatle...
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[Música] muito bem eh então podemos começar eu primeiro devo dizer que o professor Alberto chefe do departamento está adoentado acho que essa é a melhor palavra e o vice-chefe tá na mesma condição então acabei tendo o prazer de fazer essa apresenta para vocês eu gostaria de agradecer a presença de todos vocês aqui eh costumo dizer que a universidade não existe sem os alunos né então os alunos aqui na universidade deixa os professores felizes pelo menos me deixa feliz vê uma sala dessa assim cheia de alunos para mim é o paraíso na terra essa é a
aula inaugural do departamento do ano de 2024 um pouco tardia para chamar de inaugural mas ninguém liga porque quem vai falar aqui é o Professor Vladimir safatle meu caro colega e eu espero que vocês aproveitem as sábias palavras do professor pensar após Gaza é o título da conferência não é prae em aulas inaugurais infelizmente de abrir pergun plateia depois então depois vocês abordem o professor e Façam as perguntas que quiserem formalmente vu Ok então primeiro eu queria agradecer infinitamente a oportunidade de estar aqui dando essa aula inaugural para mim é uma grande honra agradecer a
presença dos meus colegas Eduardo Val todos os outros colegas que estão aqui aqui né agradecer muito a presença de todos vocês e dizer que quando eu recebi o honroso convite de proferir a aula Magna do nosso departamento eu inicialmente eu apresentei um outro tpico de discussão porque a minha ideia Inicial era falar da tradição de pensamento crtico na a qual me vinculei desde a época que eu era estudante de filosofia ocupando exatamente o mesmo lugar que vocês ocupam agora né bem eh eu refiro Me refiro a essa tradição que mobilizou a dialética para compreender os
impasses dos processos de formação e de desenvolvimento Nacional né com as suas defasagens entre ideia e efetividade essa mesma tradição que se dedicou de maneira rigorosa a repensar as potencialidades de orientação do pensamento crítico através da recuperação da lógica de dialética exatamente no momento histórico em que essa mesma dialética era recusada nos países centrais do capitalismo global min ideia era partir desse ponto né e começar a falar das razões dessa interessante defasagem de uma tradição crítica que se constitui em um país periférico no exato momento em que a dialética era recusada como modelo crítico no
outro lado do Atlântico falar dessa defasagem para melhor pensar o nosso lugar de pensamento assim como as crises do presente e as suas potencialidades de transformação Na verdade essa era a minha forma de prestar uma homenagem ao trabalho superlativo desenvolvido no nosso departamento por nomes como Paulo Arantes Rui Fausto José Artur janot além de Michel Levi e de uma forma mais distante mas nem por isso menos importante na configuração desse debate por Rubens Rodrigues tes filho e principalmente por Bento Prado Júnior a quem eu devo muito mais do que eu conseguiria expressar nesse momento nomes
que eu espero que todos vocês possam conhecer e aprender a admirar no entanto dias depois eu pedi ao departamento para mudar o título da minha saudação a quem ingressa nesse curso e Pode parecer inicialmente que essa mudança seria fruto do impacto relativo digamos a questões mais prementes do noticiário como se fosse uma capitulação da filosofia a leitura dos jornais bem na verdade ao contrário acho que ela diz respeito algo de fundamental sobre o que afinal nós devemos compreender por filosofia essa mudança já é a sua maneira pelo menos para mim uma forma que eu encontrei
de procurar realizar o que se espera de uma aula inaugural a saber uma certa reflexão sobre a natureza da atividade filosófica e a maneira singular com que cada um de nós a ela se vinculou Michel Foucault um dia alertou contra aqueles que acabavam por compreender a filosofia como uma eu cito uma Perpétua reduplicação de si mesma um comentário infinito dos seus próprios textos e sem relação à exterioridade alguma como se fosse possível descrever o sistema de motivações de um texto filosófico simplesmente a partir das negociações com problemas herdados de outros textos filosóficos e uma espécie
de cadeia fechada de textualidade que atravessa o tempo como um bloco intocável como se fosse desejável ler textos filosóficos como quem procura explicitar as suas ordens internas de razões sem levar em conta sua responsividade a contextos socio-históricos e a acontecimentos por isso eu gostaria de começar sugerindo uma outra compreensão da atividade filosófica e essa compreensão eu aprendi de outro professor que muito me influenciou e a quem eu gostaria aqui de prestar uma homenagem a lambad essa compreensão vê na filosofia um certo tipo de escuta de acontecimentos capazes de produzir o desabamento do tempo presente e
essa formulação eu diria ela insiste inicialmente filosofia seria uma escuta voltada a seus exteriores como se fosse o caso de afirmar que ela seria uma reflexão pra qual qualquer matéria estranha serve ou diríamos mesmo pra qual Só serve a matéria que lhe foi estranha bem essa frase é de Jorge kilem e eu creio que a melhor frase para aqueles que começam curso de Filosofia porque ela fornece uma boa resposta ao problema do objeto próprio a filosofia que haveria um conjunto de objetos que nós poderíamos chamar Afinal de objetos filosóficos Assim como nós falamos que existem
objetos e fenômenos próprios economia a teoria literária a sociologia entre tantos outros mas se existir esse conjunto de objetos poderia um filósofo falar de um texto literário fazer considerações sobre um problema econômico ou discorrer sobre a natureza dos papéis sociais ao fazer isso ele deixaria de ser filósofo bem quando Ken afirma que só serve a filosofia a matéria que lhe for estranha é para lembrar que H uma especificidade do discurso filosófico ele não tem objeto que ele seja próprio de certa forma a filosofia é um discurso vazio ela é vazio um discurso vazio porque não
há objetos propriamente filosóficos o que talvez nos explique porque por exemplo não pode haver teoria do conhecimento sem reflexões aprofundadas sobre o funcionamento de ao menos uma ciência empírica não há estética sem crítica de arte não há filosofia política sem a escuta de fatos políticos mesmo ontologia sem lógica impensável e em todos esses casos a filosofia toma de empréstimo objetos que lhe vem do exterior absorve saberes cujo desenvolvimento não lhe compete diretamente mas vejam não haver objetos propriamente filosóficos não significa afirmar inexistir questões propriamente filosóficas que a filosofia seja um discurso vazio não significa que
ela é irrelevante antes Essa é sua força real porque é um modo de construir questões que é próprio da filosofia e esse modo admite Praticamente todo e qualquer objeto a característica maior eu insistiria de uma questão filosófica é só a forma de se perguntar sobre como um fenômeno ou como um objeto se torna um acontecimento ou seja não se trata simplesmente de descrever funcionalmente o nem de justificar suas existências dar a eles razões de existências a partir de uma reflexão sobre algum Dever ser na verdade a filosofia tenta compreender como o aparecimento de certos objetos
e de certos fenômenos produzem modificações na nossa maneira de pensar no sentido Mais amplo possível porque um acontecimento não é apenas uma mera ocorrência ele é problematiza a continuidade do tempo exigindo o aparecimento de outra forma de agir de desejar e de julgar ele é sempre uma ruptura que reconfigura o campo dos possíveis nos levando mesmo que usemos as mesmas palavras de sempre a habitar o mundo totalmente diferente no fundo é desses acontecimentos e apenas desses que a filosofia trata por isso não seria incorreto dizer que toda experiência filosófica é necessariamente vinculada a um acontecimento
histórico ela é a ressonância filosófica De um acontecimento assim a filosofia cartesiana é solidária do impacto filosófico da física moderna ela é a elaboração até as últimas consequências da dissolução do mundo fechado preg alilico e do Advento de um universo finito de espaço homogêneo e a qualitativo a filosofia hegeliana por sua vez pode ser vista como fruto das aspirações emancipatórias da revolução francesa com as suas tensões e os seus desafios seja cada experiência filosófica original nasce da elaboração das crises do tempo seja essa crise trazida por acontecimentos políticos por abalos em nosso paradigma científico por
experiências estéticas portadoras de força de ruptura da linguagem ou por novas ordens dos desejos e o Ponto Central aqui é Tais crises são produzidas por acontecimentos portadores de força de instauração do que até agora foi subtraído a representação uma instauração impulsionada pelo que é capaz de colocar em questão a nossa forma de organizar os nomes e os pertencimentos no entanto eu gostaria aqui de falar da fidelidade a outra forma de acontecimento e aqui eu sigo um caminho que não é exatamente o caminho do badiu porque é possível que uma época seja marcada por acontecimentos que
não são portadores potenciais de novas formas de relação mas que são a expressão da dimensão do intolerável e a esses esses normalmente nós damos o nome de catástrofes e quem gostaria de pensar a partir de acontecimentos deve ser capaz também de fazer o pensamento parar diante de catástrofes parar não como quem se coloca diante do cultivo do incomunicável e da paralisia mas como quem entende que se trata de anunciar o signo final de uma época que não pode mais de forma alguma permanecer o termo catástrofe vindo do grego não deixa de ter uma etimologia bastante
significativa cata para baixo estrofa virar Inicialmente um termo usado na tragédia para indicar o momento no qual os acontecimentos se voltam contra o personagem principal ou seja o momento em que a história se vê obrigada a mudar brutalmente de direção bem eu falo isso porque o nosso presente se vê diante de uma catástrofe dessa natureza e a meu ver seria obsceno usar saula Magna para falar de outra coisa como se essa catástrofe não estivesse entre nós a corroe os nossos dias a gritar diante do nosso sono dogmático se eu falasse de outra coisa eu estaria
dizendo a vocês que a filosofia pode ignorar a dor ela pode ser indiferente ao despedaçamento dos corpos e ao genocídio de populações o que seria a meu ver uma péssima forma de começar um curso de Filosofia eu estaria ensinando a indiferença e dando a impressão de podermos continuar a fazer o nosso trabalho como se nada tivesse a ocorrer Decididamente não é silenciando a dor que se começa a pensar filosoficamente mas é a escutando é fazendo o pensamento passar através dela a catástrofe da qual eu tô falando ela tá associada a um lugar ele se chama
Gaza e eu gostaria de começar por lembrar que há vários sentidos do sintagma tão usado atualmente Todo pensamento é pensamento a partir de um lugar Afinal nós devemos necessariamente particularizar lugares ou nós devemos mostrar como certos lugares específicos nos permitem Ender a totalidade funcional do sistema social do qual nós fazemos parte um pensamento a partir de lugares tem sua força normativa restrita ao lugar de onde emergiu porque vejam alguns acreditam que nós devemos assumir uma limitação do pensamento a condição de ponto de vista como se eu estivesse necessariamente vinculado ao lugar que eu ocupo e
que definiria o meu ponto de vista um lugar que outro não poderia ocupar ou um lugar que limita minhas pretensões de fala de falar para todos e para quaisquer a isso Alguns chamam de pensamento situado só que eu entenderia de outra forma a ideia de que Todo pensamento é pensamento a partir de um lugar porque cabe a Todo pensamento pensar a partir da capacidade de se deixar afetar por certos lugares que funcionam como sintomas da totalidade social há lugares que são como sintomas isso no sentido de lugares onde uma contradição Global se Explicita uma verdade
expulsa retorna fazendo o corpo inteiro claudicar um sintoma é o que nos faz não conseguir mais desviar porque ele faz emergir algo que só poderá ser ignorado a condição de criar um dispositivo de não querer saber um sistema de silenciamento e de apagamento que sempre fracassa e quanto mais fracassa mais violento se torna se assim for Todo pensamento é pensamento a partir de um lugar não é necessariamente uma proposição que determina que só quem está em certo lugar geográfico ou social pode pensar certas situações antes ele nos lembra que há lugares que todo e qualquer
pensamento que Aspire um conteúdo de verdade não pode ignorar não pode se desviar há aquilo que nós poderemos chamar de uma universalidade de combate e que consiste em associar a um lugar a se associar a um lugar do qual nós não viemos são é um lugar habitado por pessoas que não têm nossas identidades sociais nem partilham necessariamente nossas formas de vida no entanto nós sabemos que a possibilidade de uma humanidade porv e eu creio que essa ideia faz cada vez mais sentido Depende de nos associarmos a elas e pensarmos a partir dos seus lugares e
paraa nossa época Esse lugar é Gaza Alguém poderia começar questionando o significado dessa excepcionalidade dada a Gaza mesmo que nós estejamos diante do maior massacre de civis em todo o século XXI 32.700 pessoas até hoje enquanto todas as as guerras combinadas entre 1919 e 2022 mataram 31193 crianças 12.300 crianças foram mortas apenas nos quatro primeiros meses da Guerra em Gaza nesse exato momento agora 50% da população de Gaza ou seja 1 milhão 100.000 pessoas está em condição de fome catastrófica que é o mais elevado grau de fome segundo o sistema de segurança alimentar integrado IPC
Este é o maior número de pessoas já registrado de vítimas de fome catastrófica em qualquer lugar em qualquer tempo segundo palavras do secretário geral da Organização das Nações Unidas mas não é essa magnitude que faz de gasa o ponto de partida de Todo pensamento que queira pensar a catástrofe que marca o nosso tempo Afinal nós poderemos entrar naquele exercício macabro e desprovido completamente de sentido de comparar extermínios e genocídios e A esse respeito eu só poderia aqui fazer minhas as palavras do antropólogo luí Eduardo Soares que diante da contraposição entre genocídios que Visa apenas a
nossa capacidade de sentir o intolerável quando ele está diante dos nossos olhos afirmou e um texto memorável as dores não são comparáveis elas são a mesma sim e é verdade não há por comparar a dor porque até segunda ordem não há em supermercados balanças de intensidades de dor medidores de gritos termostatos de edifício não se compara o que é o mesmo na verdade eu insistiria o que faz de gás esse ponto de partida do pensamento de nossa época é a conjunção entre quatro processos repetição dessensibilização desor vazio legal eu queria Então falar de cada um
deles por entender que eles não são apenas reações ao que vem de Gaza Mas eles são dispositivos globais de governo a serem aplicados em escala indefinida contra populações colocadas em Extrema vulnerabilidade ou seja gasa diz respeito a todos nós Porque nós estamos diante de uma espécie de laboratório global para novas formas de governo como nós já vimos em outros momentos da história práticas dispositivos de violência estatal e de sujeição desenvolvidas em locais específicos são paulatinamente normalmente nas periferias do mundo são paulatinamente generalizados em situações de crise nos países centrais do capitalismo global quando pensadoras como
Berenice Bento afirm existir uma Palestina do mundo a de se tomar essas palavras a sério e permitam-me sugerir uma rápida análise macrista para contextualizar o que eu tenho em mente nós estamos diante de uma conjunção inédita de crises que não tem como passar dentro do sistema capitalista que a gerou crise ecológica crise demográfica social Econômica política psíquica epistêmica crises que tendem em larga medida a se estabilizar tornando-se o regime normal de governo com a longa crise política das instituições da Democracia Liberal nos últimos 20 anos ou a longa crise econômica presente no horizonte de justificações
das políticas macroeconômicas dos nossos países e instituições internacionais desde 2008 essas crises elas não impediram a preservação dos fundamentos da gestão econômica neoliberal nem o aprofundamento da sua lógica de concentração e de silano de lutas sociais antes nós podemos mesmo dizer que elas forneceram o solo ideal paraa realização desses processos essa dinâmica de normalização das crises aponta para uma mutação das nossas formas de governabilidade porque essas podem cada vez mais normalizar o uso de medidas excepcionais violentas e autoritárias no interior de processos de gestão social já que nós estamos em situação de medo contínuo e
diante de uma situação dessa natureza algumas possibilidades se colocam diante de nós uma delas é a transformação estrutural das condições que geraram Esse sistema de crises conex outra é a generalização do paradigma da Guerra infinita como forma de estabilização da crise essa segunda opção a que nos parece atualmente infelizmente a mais natural exige a a generalização Da Lógica da Guerra infinita como um paradigma de governo porque a guerra infinita ela permite uma espécie de corrida paraa frente que nunca termina na qual desordem contínua é a única condição paraa preservação da ordem a desordem contínua é
a única condição paraa preservação de uma ordem que não tem mais como garantir horizontes normativos estáveis e diante da decomposição social a guerra permite alguma forma de coesão enquanto naturaliza repete e generaliza níveis de violência e de indiferença inaceitáveis em outras situações isso ajuda a entender por nesse momento histórico não há mais sequer órgãos de mediação multilateral como a ONU Gaza marcou fim de fato das Nações Unidas como Instância vinculante já que mesmo uma exigência de cessar fogo do seu conselho de segurança é recebido pelo Estado de Israel como indiferença Soberana Mas além da generalização
da possibilidade de guerras de conquista entre Estados com seus redesenhos de cartografias o fato fundamental dessa lógica da Guerra infinita e o que eu gostaria de chamar atenção é a reorganização da sociedade civil a partir da lógica da Guerra isso significa uma forma de gestão social baseada na militarização da subjetividades que passarão então a naturalizar a execução e O Extermínio que vão se que se organizam como milícias que se identificam com a virilidade vazia dos fracos armados que transformam a indiferença e o medo em afetos sociais centrais isso exige essa militarização das subjetividades exige também
a construção de inimigos que não podem e nem devem ser vencidos inimigos eternos que devem periodicamente nos lembrar da sua existência através de um ataque terrorista de uma explosão Espetacular ou de um mero problema policial elevada a condição de risco de estado por fim militarizar subjetividades significa também implodir todos os vínculos possíveis de solidariedade em nome de uma defesa da minha comunidade ameaçada da minha identidade colocada em risco que por estar em risco pode produzir as piores violências como se tivesse o direito soberano de vida e morte com contra o inimigo que se confunde com
o outro bem o que eu gostaria de defender com vocês é que esse processo tem como seu ponto de inflexão essa operação macabra que nós vemos agora todos os dias e que consiste em fazer as pessoas não sentirem Gaza e esse é o verdadeiro experimento social dessensibilizar sujeitos a catástrofes levar pessoas a não mais se indignar nem agirem para impedi-la e Se isso for possível então Gaza vai ser apenas o primeiro Capítulo de uma implosão social generalizada Vejam o que efetivamente me levou a trocar o tema da minha aula Magna Foi uma cena que eu
queria mostrar vocês de novo a rua al Rashid no qual mais de 100 palestinos foram mortos pelo exército israelense quando procuravam por comida o seja algo que deve ser visto como um fato qualquer que não merece nos determos muito nele no entanto esse massacre ocorreu duas vezes a primeira através da eliminação física de uma população reduzida a condição de massa faminta lutando pela sobrevivência elementar mas a segunda através dessas imagens que vocês viram agora o documento visual que atravessou o mundo foi a redução dessa população a pontos em movimento marcados como se marca um alvo
em um jogo de videogame a perspectiva não é a perspectiva humana dos corpos que caem ela é perspectiva fria do Drone que faz dos corpos entidades indiscerníveis pontos em movimento manchas e uma tela o que valeu como documento era uma imagem cirúrgica D sensibilizada da perspectiva do Drone mas da perspectiva do Drone essas pessoas já estavam mortas elas eram pontos e nada mais e esse foi o segundo massacre o massacre simbólico talvez ainda mais intolerável que o primeiro porque a expressão da redução do humano a um Limiar entre o nada e o alguma coisa redução
a um ponto essa imagem monstruosa no entanto Ela mostrou a verdade de um processo de dessensibilização que é uma dimensão insuperável do nosso discurso sobre justiça é o seu ponto cego constitutivo noss princípios normativos de justiça e reparação comportam necessariamente pontos cegos espaços de dessensibilização e de desumanização nesses lugares nesses pontos cegos nada se vê existe uma exigência fundamental de impedir o trabalho de dolo coletivo de luto público de indignação por isso lugares como Gaza são constituintes da nossa ordem política eles sempre existiram e em intensidade diferente Eles continuam a existir o que Gaza faz
é de certa forma ampliar essa lógica expô-la de forma crua em toda a sua brutalidade até hoje não houve ideal de Justiça Sem cegueira defesa da integridade física de sujeitos sem o direito de apagamento de outros isso não poderia ser diferente em um mundo sujeito a extensão ilimitada de um sistema de produção na qual possibilidade de igualdade radical é estruturalmente negada e é interessante perceber essa dessensibilização não apenas nos discursos políticos globais mas e é isso bem para nós aqui tem um interesse ainda particular em filósofos aparentemente comprometido com os mais altos desígnios emancipatórios do
pensamento crítico no dia 13 de novembro de 2023 nomes fundamentais da teoria crítica contemporânea essa mesma teoria à qual eu me sinto vinculado como junger habermas heiner forst Nicole dhof e Klaus gunter entenderam por bem publicar um texto a respeito do conflito palestino e as suas consequências intitulado princípios de solidariedade Começando por atribuir toda a responsabilidade dessa situação aos ataques do ramas como se tudo tivesse começado em 7 de outubro de 2023 defendendo o direito de Retalhação do governo israelense e fazendo considerações protocolares sobre o pretenso caráter controverso da Dita proporcionalidade da sua ação militar
o texto termina por afirmar que seria absurdo pressup genocidas ao governo de extrema direita de Israel conclamando todos ao mais profundo cuidado contra eu cito sentimentos e convicções antissemitas Por Trás De toda forma de pretexto bem o que eu posso dizer em 3 de abril de 2024 é que Até agora ninguém pediu desculpas por esse artigo o que me interessa aqui é como esse artigo demonstra que princípios universalistas de Justiça podem muito bem ser usados estrategicamente para espiar Fantasmas locais de responsabilização perante catástrofes passadas criando uma bizarra dessensibilização com argumentos Morais ele mostra como a
fidelidade a um trauma histórico o sentimento de responsabilidade diante do passado pode nos levar a uma profunda dessensibilização do presente psicanaliticamente eu teria milhões de coisas a dizer esse respeito mas eu deixo para depois né principalmente isso mostra como a exigência de memória pela qual passou o povo alemão não foi um trabalho de elaboração e de reflexão na verdade foi uma operação de adestramento porque reflexão ocorre quando nós entendemos por exemplo eu cito aqui dialética esclarecimento a horkeimer a cólera é descarregada sobre os desamparados que chamam a atenção e como as vítimas são intercambiáveis segundo
a conjuntura vagabundos judeus protestantes católicos cada uma delas pode tomar o lugar do assassino na mesma volup a cega do homicídio tão logo se converta na Norma e se sinta poderoso enquanto tal né Veja essa passagem ela nos lembra que nós não devemos olhar paraos atores das opressões sociais pois eles podem mudar de lugar a experiência da opressão não basta paraa produção de práticas de emancipação e justiça antes ela muitas vezes pode levar apenas a justificação de práticas de autopreservação Comunitária diante da lembrança constantemente reiterada de uma violência anteriormente sofrida fomos violentados e nós temos
o direito a tudo para que sequer a sombra dessa violência paire novamente e nós poderemos lembrar de vários momentos dos quais a opressão anterior acabou por justificar práticas de imunização do corpo social ela vai então mobilizar todos os recursos e forças para imunizar grupos reforçar a segurança constituir fronteiras e não por acaso o aparthaid foi criado por um povo os africaner que haviam sido que havia sido anteriormente vítima do primeiro uso sistemático de campos de concentração com práticas de extermínio na guerra dos bors quando nós não conseguimos refletir sobre processos nós nos adestram ao Imaginário
estanque ao invés de compreender estruturalmente as dinâmicas da violência do extermínio com sua mobilidade possível de ocupantes nós nos fixamos em imagens e representações mesmo que antigos oprimidos estejam a massacrar novos oprimidos contra esses nós devemos lembrar que genocídio ocorre todas as vezes em que o vínculo orgânico de populações ao genos ao que nos é comum é negada quando o comandante das Forças Armadas israelense diz que do outro lado a animais humanos ele Expressa de forma pedagógica intenções genocidas quando o presidente de Israel diz não haver diferença entre civis e combatentes e depois submeter toda
a população Palestina punições coletivas quando ministros do governo de Israel afirmam ser plausível o uso de bombas nucleares contra Gaza e não tem outra punição que o simples afastamento de reuniões de reuniões ministeriais futuras quando nós descobrimos planos de deslocamento em massa dos palestinos pro Egito Esse é o pior quando a ministra da igualdade social e empoderamento feminino afirma ter orgulho das ruínas de Gaza e que da daqui a 80 anos todos os bebês possam contar a seus netos sobre o que os judeus fizeram lá nós estamos não apenas diante de intenções genocidas mas de
uma uma das declarações mais sidas intoleráveis de culto à violência que se pode imaginar isso é sim uma expressão Clara imperdoável de prática genocid e nada disso provocou sequer a pressão de tirar esses indivíduos do governo genocídio não é algo ligado a algum número absoluto de mortes não há um número que começa a valer por genocídio ele diz respeito a uma forma específica de ação de estado no apagamento dos corpos na desumanização da dor de populações na profanação da sua memória no silenciamento Do Luto público que retiram tais populações de seu pertencimento ao gên e
de nada adianta utilizar a teoria espúria do escudo humano nesse esse contexto que é um clássico do colonialismo contra a violência dos colonizados mesmo aceitando mesmo aceitando para efeitos de argumentação que um grupo de luta armada tomasse uma população como refém e a usasse como escudo isto não dá a ninguém o direito de ignorar essa mesma população e tratá-la objetivamente como cúmplice ou como alguém cuja morte é um mero efeito colateral porque até segunda ordem ainda não inventar o direito de massacre e permitam ainda salientar um ponto nesse debate o que a história do Estado
de Israel nos mostra é que um estado nação não pode ser construído como Guardião da memória de um trauma coletivo sem posteriormente posteriormente se degradar nós sabemos como todo o processo de criação do Estado de Israel um processo único e singular foi feito a partir da lembrança do trauma da catástrofe intolerável do holocausto e da consciência global e justa de que nada semelhante deveria se repetir nós sabemos também como traumas podem construir vínculos sociais a parti da violência a que se foi submetido a lembrança do dolo e da perda são elementos fortes na criação de
Laços de toda sorte a identificação com trauma coletivo lida identidades e retira sujeitos da vulnerabilidade porque a comunidade que se cria pela partilha do trauma tem a força de produzir a partilha de memórias coletivas e fornecer a base para lutas mas eu queria insistir nesse ponto há dois momentos do vínculo social ao trauma coletivo e esse que eu descrevi é apenas o primeiro porque há um segundo momento né nos vínculos sociais produzir a partir da partida do trauma e há de se saber evitá-lo evitar esse segundo momento porque quando gerido pelo Estado nação o dever
de memória do trauma acaba necessariamente por abrir espaço a uma autorização de violência contra tudo o que se associa ao trauma dentro e fora da Nação não é o estado nação que pode ser guardião do trauma social mas a comunidade e essa diferença é fundamental Cabe à comunidade na verdade impedir o estado de se apossar do trauma a fim de evitar que a experiência do trauma perca sua força social de criação de vínculos ainda inexistentes de comunidades Sem Limites e sem fronteiras uma força vinda da certeza de que nunca mais o trauma deve se repetir
em nenhum lugar muito menos em territórios que ilegalmente mas há ainda algo a mais que impressiona no texto assinado por rmas e Compania trata--se da sua desist e da Sua Indiferença ao vazio legal a que os palestinos estão submetidos alguns gostariam de começar Toda essa discussão a partir dos terríveis ataques de 7 de outubro feitos pelo ramas minhas críticas ao ramas foram repetidas várias vezes nos últimos anos e minha recusa absoluta contra ações indiscriminadas visando civis é incondicional mas faz parte das práticas de dessensibilização privar populações da história das suas lutas palestinas e palestinos lutam
há décadas contra massacres periódicos e indiscriminados contra uma situação social de povo apátrida sem estado nem território constantemente submetido a vida precária há uma morte sem dolo a característica fundamental da Vida em Gaza é a repetição bruta do massacre operação chuvas de verão 2006 operação nuvens de outono 2006 operação chumbo fundido 2008 operação coluna de nuvem 2012 operação margem protetora 2014 conflito armado 2021 são apenas os últimos atos de violência contra palestinos Vivendo em Gaza repetidos de maneira constante sendo objeto da mesma indiferença pode falar que todas essas operações foram exercícios do direito de defesa
do Estado de Israel contra um grupo que quer eliminá-lo no entanto teria algumas coisas a dizer esse respeito Essa forma de se defender não é defesa alguma Vamos fazer um exercício elementar de projeção o que vai acontecer depois dessas ditas ações militares israelenses em Gaza ramas será destruído mas o que significa exatamente destruição aqui ao contrário não foi exatamente assim que o ramaz cresceu a saber depois de ações inaceitáveis de punições coletivas e de indiferença Internacional e mesmo se os líderes do grupo forem mortos não aparecerão outros grupos alimentados pela espiral cada vez mais brutal
de violência seria importante partir do dado histórico de que todas as tentativas de aniquilar militarmente o ramaz só aumentaram a sua força pois Tais ações militares criaram o quadro narrativo ideal para que ele aparecesse aos olhos de grande parte dos palestinos como representante legítimo da Resistência à ocupação e como se não bastasse eu posso alegar direito de defesa quando eu lido com reações vindas de um território que ocupei legalmente contrariamente ao que acreditam alguns a lei Internacional e ela diz claramente o que deve ser feito o direito internacional reconhece à Palestina o estatuto jurídico de
território ocupado ocupação considerada totalmente ilegal pelas resoluções 242 e 338 da ONU há mais de 50 anos Ou seja a melhor defesa é respeitar a lei Internacional e devolver Os territórios ocupados no entanto em Gaza a lei deixa de ter força de lei na verdade deixar um povo sem lei sem Estado sem cidadania é uma prática de construção de vazios jurídicos que nos permite que nos remete ao núcleo do colonialismo insuperável das nossas sociedades modernas nossas sociedades continuam coloniais a questão central é contra quem quem são os colonizados atualmente pode falar da permanência do colonialismo
porque nós estamos diante de um poder soberano que decide quando a lei vige quando a lei é suspensa em que território ela se aplica em que território ela é impotente a isso Alguns chamam de democracia no entanto isso é apenas a partilha de uma geografia da Lei típica das relações coloniais por isso eu terminaria deploro o vigor o vigor acadêmicos e acadêmicas que se dizem Guardiões do guardiães do pensamento pós-colonial e que se calaram vergonhosamente diante de uma típica catástrofe Colonial que fizeram declarações protocolares que parecem mais indignados diante de problemas pronominais do que diante
de de Corpos enterrados sob escombros de bombas quem quiser pensar criticamente deve estar disposto a não colocar seus interesses pessoais diante dos engajamentos necessários eu realmente desconfio que o pós-colonialismo de alguns termina nos limites do comitê de diversidade do Magazine Luiza e eu queria aqui aproveitar inclusive e reconhecer a coerência profunda e a honestidade intelectual desses outros acadêmicos e acadêmicas que sofreram as piores retalhaço drama palestino em um momento no qual a solidariedade se tornou uma das armas mais raras e a meu ver eu creio que algumas dessas pessoas entenderam que nessas horas a filosofia
deve funcionar como um freio de emergência vocês devem conhecer esse fragmento de Walter bejamin eu cito Marx diz que as revoluções são A locomotiva da história Universal mas talvez as coisas se passem de maneira diferente Talvez as revoluções sejam o gesto de acionar o freio de emergência por parte do gênero humano que viaja nesse vagão eem um momento no qual fica cada vez mais clara as relações orgânicas entre últimos aparatos da Civil últimos anteparos da civilização ocidental e extermínio últimos anteparos da democracia e catástrofe vale a pena lembrar que os verdadeiros gestos revolucionários são esses
que decidem puar o freio de emergência por isso eu gostaria de terminar essa aula inaugural apelando a essa lngua falada pelos habitantes de Gaza a lngua que foi a língua dos meus antepassados mas que nunca foi fada n nosas casas a lngua que nunca ouv porque o seu silêncio representava a crença de que haveria uma integração perfeita ao ocidente eem um momento de desintegração eu queria Então terminar com essa língua silenciada pela crença em uma integração que nunc ocorreu da forma como foi Prometida como se fosse o caso de resgatar das Ruínas aquilo que foi
excluído da nossa voz para que essa língua silenciada possa trazer a dor das promessas não realizadas e da continuidade das lutas com a língua dos habitantes de Gaza eu gostaria de terminar essa aula inaugural Lembrando que não há liberdade sem terra e que não há vida possível sem Liberdade lê rá Bidu na rud Muito obrigado é como eu disse no começo essa aula não é de praxe ha perguntas mas eu pelo menos como professor sentado aqui nessa mesa tenho o privilégio de apertar a mão do Professor Vladimir Muito obrigado pela presença
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