meu nome é Lourdes e hoje eu tenho 77 anos vivo minha vida tranquila aqui no interior cercada pelo som dos passarinhos e pelo cheiro das plantas mas houve um tempo em que a paz parecia algo impossível para mim era como se minha vida fosse um pesadelo do qual eu nunca conseguia acordar e esse pesadelo tinha nome João meu irmão mais velho ela parou por um instante olhando para o chão como se as memórias ainda pesasse com 18 era o orgulho da nossa casa trabalhador bonito e forte forte demais era aquele tipo de homem que todos
admiravam mas ninguém via o que ele fazia quando as portas se fechavam Lourdes ajeitou o lenço na cabeça e respirou fundo o primeiro dia ah eu nunca vou esquecer foi depois do almoço num Domingo todo mundo tava descansando minha mãe lavava roupa no riacho meu pai cuidava dos porcos João me chamou para dentro do quarto dele vem cá Lourdes quero te mostrar uma coisa ele disse eu fui sem pensar ele era meu irmão ou é por que eu desconfiaria a voz de Lourdes ficou mais baixa quando eu entrei ele trancou a porta meu coração começou
a bater mais rápido mas eu não sabia porquê ele sorriu aquele sorriso que parecia Gentil para todo mundo mas que me deu medo naquele instante então ele começou a me tocar eu fiquei paralisada sem saber o que fazer quando tentei sair ele me segurou e foi ali que tudo começou ela enxugou uma lágrima que escorreu depois daquele dia João dizia que era nosso segredo que se eu Contasse para alguém ele ia machucar minha mãe meu pai e até me matar eu acreditava ele era tão grande tão forte e eu só uma menininha às vezes eu
tentava resistir e quando fazia isso ele me batia me deixava cheia de marcas mas me fazia jurar que não diria nada o silêncio tomou conta da sala por um momento antes de ela continuar a vida foi virando um inferno eu tinha medo até de respirar perto dele e enquanto todo mundo achava que a gente era uma família feliz dentro de mim crescia uma revolta que nem eu sabia de onde vinha eu só sabia que um dia aquilo precisava acabar de um jeito ou de outro depois daquele primeiro dia a vida nunca mais foi a mesma
toda vez que o João dizia meu nome meu corpo tremia eu vivia com medo olhando pelos cantos tentando adivinhar quando seria a próxima vez ele sabia exatamente quando ninguém estava por perto era como se planejasse tudo e eu eu não tinha para onde correr Dona lourd suspirou o olhar fixo em um ponto como se enxergasse as cenas da infância diante de si teve uma vez logo depois de começar que eu tentei contar para minha mãe eu juntei coragem e fui até ela mas na hora que abri a boca João apareceu Ele ouviu tudo e quando
a mãe saiu Ele me puxou pelos cabelos até o quintal se você falar mais uma vez eu juro que te mato ele dis ela apertou as mãos no colo a voz ficando mais firme como se quisesse enfatizar cada palavra a partir D eu calei minha boca mas dentro de mim começou a crecer uma coisa diferente não era só medo era ódio cada vez que ele me machucava eu imaginava um jeito de me livrar dele mas como uma menina de 7 anos pode enfrentar um homem era impossível Ou pelo menos parecia o sol começava a se
pôr lá fora enquanto Lourdes continuava o tom de sua voz oscilando entre a tristeza e a raiva João Não tinha limites se eu resistia ele me batia teve uma vez que ele me empurrou com tanta força que batia a cabeça na parede quando vi tinha sangue escorrendo na minha testa ele só olhou e disse agora você aprendeu a obedecer depois me deixou lá Caída no Chão ela respirou fundo tentando controlar a emoção eu me perguntava todos os dias porque ninguém via minha mãe meu pai meus irmãos todo mundo parecia cego talvez fosse porque João era
perfeito aos olhos deles mas eu sabia a verdade eu carregava a verdade no meu corpo nos meus machucados e na minha alma um leve sorriso amargo apareceu no rosto de Lourdes foi nessa época que comecei a pensar em como aquilo ia terminar eu sabia que não podia viver assim para sempre ou ele acabava comigo ou ou eu acabava com ele foi quando eu comecei a sonhar com o dia em que seria livre e pouco a pouco comecei a planejar eu era só uma menina mas dentro de mim já existia de que eu precisava fazer alguma
coisa eu não sei dizer exatamente Quando aconteceu mas teve um dia em que o medo deu lugar à revolta era como se alguma coisa dentro de mim tivesse quebrado eu já não chorava mais quando ele vinha até mim em vez disso eu ficava pensando imaginando como poderia acabar com aquilo era como se a raiva fosse me alimentando aos poucos Dona Lourdes parou por um momento passando a mão no lenço que cobria sua cabeça e continuou eu era só uma criança mas estava aprendendo a observar eu sabia os horários em que o João ficava sozinho sabia
os lugares que ele gostava de ir e acima de tudo sabia que ele não acreditava que eu tinha coragem para enfrentá-lo ele ria de mim me chamava de fraca de Inútil mas mal sabia ele que enquanto Me insultava eu criando coragem ela olhou pela janela observando o horizonte como se buscasse força para lembrar o que veio a seguir um dia depois de mais uma vez que ele me machucou eu decidi que não ia mais aceitar meu corpo tava cheio de marcas mas Minha Alma Minha Alma já estava endurecida foi nesse dia que peguei um pedaço
de pau que estava jogado no quintal era pesado grande quase do tamanho de um uma vassoura eu não sabia como ia fazer mas sabia que tinha que acabar com aquilo a voz de Dona Lourdes tremeu um pouco mas ela continuou esperei o momento certo meu pai tinha saído pra roça minha mãe tava no riacho lavando roupa e meus irmãos menores brincavam no terreiro João tava sozinho no galpão afiando uma faca que ele usava para cortar carne eu me aproximei de com o pau escondido atrás de mim meu coração tava batendo tão forte que parecia que
ia sair do peito mas eu sabia que não podia hesitar ela fez uma pausa longa como se revivesse cada detalhe Quando entrei no galpão Ele olhou para mim e riu O que foi agora Lourdes vai chorar de novo ele nem viu quando eu levantei o pau com as duas mãos não sei de onde tirei tanta força mas quando bati na cabeça dele foi como se todo o peso do mundo tivesse saído de mim os olhos de Lourdes se encheram de lágrimas ele caiu no chão imóvel o sangue começou a escorrer e eu fiquei ali parada
sem saber o que fazer Por um momento achei que ele ia levantar que ia me machucar de novo mas ele não se mexeu ele não respirava e eu eu sabia que tinha acabado ela respirou fundo tentando se recompor eu não senti alívio naquele momento não senti nada só fiquei olhando para ele pro homem que tinha destruído minha infância e pro sangue que agora estava nas minhas mãos foi o dia em que eu descobri que a liberdade também pode ser pesada depois que tudo fiquei ali parada olhando corpo do João no chão o pedaço de pau
ainda estava na minha mão e eu tremia tanto que mal conseguia pensar não sei quanto tempo fiquei ali mas parecia que o mundo inteiro tinha parado junto comigo só o som dos passarinhos lá fora me trazia de volta à realidade O João estava morto e eu sabia que minha vida nunca mais seria a mesma Dona Lourdes fez uma pausa como se revivesse o peso daquele momento depois que o choque passou meu primeiro pensamento foi e agora o que eu faço eu era só uma menina de 7 anos mas sabia que aquilo ia mudar tudo fiquei
com medo de alguém descobrir de me culparem de acharem que eu era um monstro mas ao mesmo tempo sentia um tipo estranho de alívio pela primeira vez em eu tinha medo o João não podia mais me machucar ela ajeitou o lenço na cabeça os olhos marejados quando meu pai voltou da roça e minha mãe chegou do riacho eu já tinha arrastado o corpo do João para dentro do galpão e escondido eu era pequena mas a adrenalina me deu força não sabia como explicar o que tinha acontecido então não falei nada só sentei no terreiro e
Fingi que tudo estava normal mas por dentro minha cabeça era um turbilhão os dias seguintes foram difíceis contou Dona Lourdes a voz pesada minha mãe começou a perguntar onde o João estava meu pai achava que ele tinha saído para caçar Ninguém imaginava o que tinha acontecido e eu não tinha coragem de dizer só consegui manter o segredo porque o galpão ficava afastado e ninguém ia lá com frequência até que depois de uns dias o cheiro começou ela respirou fundo a voz quebrada Foi meu pai que encontrou o corpo quando ele me chamou eu sabia que
não tinha mais como esconder Ele olhou para mim e perguntou Lourdes você sabe o que aconteceu aqui eu desabei contei tudo Contei sobre os abusos sobre o medo sobre a paulada Achei que ele ia me odiar me bater me expulsar de casa mas ele chorou pela primeira vez na vida vi meu pai chorar Dona Lourdes enxugou uma lágrima Minha mãe ficou devastada Não por mim mas pelo João não sei se ela acreditava em tudo no que eu disse acho que ela não queria acreditar mas meu pai Ele acreditou e foi ele quem decidiu o que
fazer enterramos o corpo no fundo do quintal sem dizer nada a ninguém ele me olhou e disse isso morre aqui você vai seguir sua vida e ninguém nunca vai saber e assim foi o tom de Dona lourd suavizou mas ainda carregava tristeza Eu segui cresci casei tive filhos e netos contei Minha História para muito pouca gente a maioria nunca entendeu Mas isso não importa o que importa é que depois de tudo eu sobrevivi e hoje olhando para trás eu só quero que ninguém mais tenha que viver o que eu vivi nenhuma criança merece o que
aconteceu comigo nenhuma Dona Lourdes olhou para o céu como se conversasse com alguém que já se foi João tirou minha infância mas não tirou minha vontade de viver e foi isso que me trouxe até aqui é isso que me faz contar minha história hoje para que ela nunca mais se repita