Há 5 décadas, o mundo declarou guerra contra as drogas. Durante esse período, incontáveis famílias foram destruídas pelo tráfico de drogas, montes de dinheiro foram gastos na luta contra o problema, e muitas vidas foram perdidas pra sempre. Infelizmente, esse é um fenômeno que ainda parece estar longe de acabar – pelo contrário, em alguns lugares, as drogas receberam reforços de peso: novos entorpecentes muito piores que os “tradicionais”.
Em grandes cidades dos Estados Unidos, é possível se deparar com cenas assim: pessoas completamente debilitadas pelo uso de drogas, em um estado de consciência quase que “zumbi”. Há alguns anos o país vive uma verdadeira epidemia do uso indiscriminado de drogas chamadas de opióides, algumas tão fortes que são capazes de matar uma pessoa com apenas 2 miligramas da substância. Os opióides abrangem drogas bem conhecidas, como a morfina e a heroína, mas também incluem algumas bem mais fortes e perigosas, como a oxicodona e o fentanil.
O problema é que essas substâncias também são altamente viciantes, e relativamente fáceis de produzir, fazendo com que o tráfico de drogas visse uma oportunidade perfeita de lucrar com elas. Só que a parte ilegal do uso dos opióides não é necessariamente o pior de tudo. Na verdade, os opióides entram na vida de muita gente de maneira totalmente legal: muitas vezes o que começa com simples tratamentos médicos, especialmente pra dores, acaba virando um vício incontrolável que destrói completamente a vida do indivíduo.
Enquanto isso, uma verdadeira dinastia farmacêutica lucrou bilhões de dólares e impulsionou estratégias de marketing pra incentivar o uso de opióides nos tratamentos e receitas médicas nos Estados Unidos – o mesmo que pode estar prestes a acontecer aqui no Brasil também. Como um país desenvolvido como os Estados Unidos caiu diante dos opióides? Quem são os responsáveis por fomentar essa epidemia?
E por que a mesma coisa pode estar prestes a acontecer no Brasil? Tudo começa com a indústria da dor. No início dos anos 1800, o alemão Friedrich Serturner conseguiu isolar uma substância contida no ópio, extraído da papoula.
O ópio tinha propriedades medicinais analgésicas, mas era necessário ter uma substância isolada a partir dele pra conseguir dosar o uso e controlar melhor seus efeitos, e foi isso que o jovem alemão conseguiu fazer. Foi assim que nasceu a morfina, um analgésico amplamente usado desde aquela época até os dias de hoje. Era também o primeiro dos opióides, muito eficiente contra dores, mas também altamente viciante.
Tão viciante que muito antes dos tempos contemporâneos, ela foi responsável por uma epidemia de viciados durante e após a Guerra Civil americana, nos anos 1860. Isso porque a morfina e o ópio puro eram alguns dos medicamentos mais usados nos soldados na época, tanto pra aliviar dores quanto pra outros tipos de tratamento. Só que como eram substâncias muito viciantes, muitos veteranos se viram presos no vício, na “escravidão do ópio” ou “mania da morfina”, como chamavam.
Pra piorar tudo, a sociedade americana em geral tratava os viciados como “imorais”, e esses veteranos raramente conseguiam ajuda. Já durante a Segunda Guerra Mundial, os americanos chegaram a incluir pequenos frascos de morfina nos kits de primeiros socorros dos soldados, o que também gerou veteranos viciados na substância, que quando voltaram pra casa, se viram na busca por morfina ou mesmo heroína pra alimentar seus vícios. Mas foi nos anos 90 que o vício dos opióides começou a se disseminar como nunca antes nos Estados Unidos.
Esse é um ponto crucial na história, porque nessa época a prescrição de opióides como tratamento contra a dor começou a virar algo comum, principalmente devido a campanhas de marketing enaltecendo medicações como a OxyContin, conhecida como oxicodona no Brasil. Isso acabou “banalizando” a prescrição dessas drogas, mesmo em casos onde drogas mais fracas já poderiam ser suficientes. O resultado foi um fenômeno batizado de Primeira Onda da crise dos opióides.
De 1999 a 2010, o número de vendas de opióides por receita médica simplesmente quadruplicou – nesse mesmo período, o número de mortes por overdose de opióides também cresceu, saindo de 3 mortes a cada 100 mil habitantes, pra quase 7. O preço de um opióide em específico começou a baixar cada vez mais nas ruas: a diamorfina. A diamorfina – ou como você deve conhecer melhor, a heroína – já era um opióide ilegal nos Estados Unidos, mas isso não impediu traficantes de trazerem a droga pra dentro do país.
No fim dos anos 2000, os cartéis mexicanos começaram a produzir e contrabandear cada vez mais heroína pra dentro dos Estados Unidos, tomando o lugar dos traficantes sul-americanos, e garantindo preços baixos e muita disponibilidade de heroína nas ruas. O resultado não poderia ser outro: mais um aumento no número de viciados, e consequentemente, de mortes por overdose. Teve início a Segunda Onda da crise dos opióides.
De 2010 a 2016, o número de mortes por overdose de heroína nos Estados Unidos quintuplicou, e em 2015 a heroína se tornou o principal opióide responsável por overdoses fatais. Uma das vítimas foi o ator Philip Seymour Hoffman, que foi encontrado morto em seu apartamento em 2014, e morreu com uma seringa no braço devido a uma overdose de heroína e cocaína. A heroína causa uma sensação de prazer imediato, seguido de uma sensação de bem-estar e sonolência.
Mas a droga é comumente injetada na veia com seringas compartilhadas, aumentando o risco de infecções e contaminação de AIDS, além de provocar inúmeros problemas de saúde, e causar um alto risco de morte. Um estudo apontou que mais da metade dos usuários de heroína já tiveram uma overdose, e isso só considerando os que sobreviveram. Mas, por incrível que pareça, a situação ainda nem chegou no pior.
Entra a Terceira Onda – dessa vez, com opióides sintéticos muito mais potentes, muito mais viciantes, e muito mais fatais. O principal deles, o Fentanil, é 100 vezes mais forte que a morfina, e 50 vezes mais potente que a própria heroína. Em 2016, esses opióides ultrapassaram a heroína e os opióides receitados como a principal causa de morte por overdose de opióides nos Estados Unidos.
O fentanil é o principal responsável por imagens como a que mostramos no início do vídeo, onde multidões são vistas nas ruas de grandes cidades em um estado “zumbi”, sem qualquer consciência do que tá acontecendo ao seu redor. O fentanil é mais uma droga que surgiu na indústria farmacêutica, como um remédio pra dores severas, mas rapidamente foi adotado pra uso como entorpecente em versões “similares” fabricadas de forma ilícita. Essa substância é fabricada também pelos cartéis mexicanos, com contribuição de fornecedores chineses, e chega sem muita dificuldade até as ruas norte-americanas.
Um dos perigos do fentanil, é que ele pode ser usado de várias maneiras: puro, misturado a outras drogas, ou mesmo colocado em medicamentos falsificados – e por isso, muitas vezes as pessoas acabam consumindo essa substância tão perigosa sem nem fazer ideia – também se tornando vítimas do vício. O fentanil é tão forte que só 2 miligramas da droga são capazes de fazer a sua respiração simplesmente parar em segundos, levando você à morte. As três ondas da crise dos opióides já mataram mais de 645 mil americanos de 1999 a 2021, sendo que a terceira onda é de longe a pior.
Só em 2021, mais de 75% das mais de 100 mil mortes por overdose nso Estados Unidos foram causadas por opióides. Como se não bastasse, durante a pandemia muitos traficantes começaram a misturar o fentanil a um sedativo veterinário chamado xilazina, ou “tranq”, formando uma combinação ainda mais letal, chegando a causar necrose no corpo dos usuários, e que já virou uma nova epidemia nos Estados Unidos. É a pior crise de drogas que os Estados Unidos já enfrentaram, e tem tomado as ruas do país como nunca antes visto.
Atualmente, o número de mortes por opióides por ano já supera o número de mortes por armas de fogo e por acidentes de trânsito. Mas se a situação chegou a esse nível crítico, grande parte se deve a um fato ocorrido lá no começo dos anos noventa, quando uma grande farmacêutica usou o marketing pra minimizar os efeitos dos opióides e fingir que tava tudo bem. Durante a história humana, não são raros os casos onde a ganância excessiva acabou gerando episódios trágicos.
Infelizmente, o mesmo aconteceu com os opióides. Lá nos anos noventa, antes da primeira onda, um novo medicamento prometia ser o melhor tratamento disponível contra as dores. Era o OxyContin, fabricado pela Purdue Pharma.
Esse medicamento, que tem como princípio ativo a oxicodona, é um opióide semi-sintético que atua no sistema nervoso bloqueando as mensagens de dor, e trazendo alívio aos pacientes. Só que assim como os outros opióides, ele também causa vício e tem um alto risco de overdose. Mas não era exatamente isso que a Purdue Pharma dizia lá nos anos 90.
Na verdade, eles fizeram uso de uma extensa e intensa campanha de marketing pra dizer basicamente que era seguro tomar o OxyContin, incentivando também os médicos a prescrever a medicação. Veja esses anúncios da farmacêutica que circulavam na TV americana na época. Mas o que tava longe de ser verdade eram justamente essas campanhas da Purdue Pharma e eles sabiam disso.
A companhia de propriedade da família Sacklers introduziu o OxyContin em 1996, e a campanha de marketing foi tão forte e bem sucedida, que as vendas cresceram de 48 milhões de dólares em 1996 pra mais de 1 bilhão no ano 2000 – como explica o artigo “A promoção e marketing do OxyContin: Triunfo Comercial, Tragédia de Saúde Pública”. Só que documentos internos da farmacêutica indicam que foram feitos maiores investimentos em publicidade justamente nos estados americanos que tinham menos controle sobre os medicamentos receitados, chegando a ser explicitamente recomendado que o OxyContin só fosse apresentado a médicos de estados menos regulados. Isso demonstra que a Purdue Pharma mirou intencionalmente em estados mais vulneráveis, onde eles poderiam ter máximo lucro, mesmo que isso significasse a prescrição indiscriminada do opióide pra milhares de pacientes.
Além disso, a companhia pagava médicos pra apresentarem estudos pra convencer seus colegas, e oferecia viagens 100% pagas a médicos pra que comparecessem a seminários sobre controle da dor. Hoje, a primeira onda da epidemia dos opióides é amplamente associada às campanhas publicitárias da Purdue Pharma, e principalmente pela falsa promessa de benefícios exacerbados sem o risco de causar vício ou outros problemas. Tanto que a farmacêutica sofreu várias consequências judiciais pelas suas ações.
Quase todos os estados americanos abriram processos contra os responsáveis pela empresa. Em 2022, a Purdue Pharma concordou em pagar 6 bilhões de dólares em compensações pela sua participação na crise dos opióides. Membros da família Sackler, bilionários donos da farmacêutica, foram os principais nomes que dirigiram de perto as agressivas campanhas de marketing do OxyContin, mesmo alguns deles sendo médicos.
Só que o acordo com a justiça também garantia imunidade à família Sackler contra futuros processos envolvendo o caso dos opióides. Isso gerou muita controvérsia, já que os Sacklers estariam de certa forma se livrando de mais consequências do seu papel na crise, e o caso acabou caindo na Suprema Corte americana em dezembro de 2023, onde ainda deve ser decidido se o acordo vai ser desfeito, ou se os Sacklers vão de fato garantir sua imunidade, e possivelmente manter bilhões de dólares em lucros com a Purdue Pharma. A Purdue entrou com pedido de falência em 2019, e o acordo ainda prevê a reformulação da empresa, que passaria a se chamar Knoa Pharma, e teria uma missão “voltada ao público”.
Mas não pense que a Purdue Pharma é a única farmacêutica a pensar primeiro no lucro, e por último na ética. Na verdade, como a gente expôs em um vídeo dedicado exclusivamente às práticas obscuras da indústria farmacêutica, esse é um mercado repleto de controvérsias. Um estudo da Universidade de Washington descobriu que as farmacêuticas fabricantes de opioides na verdade aumentaram seus esforços de marketing depois que o caso da Purdue veio à tona – ao invés de reduzir, a concorrência aumentou os gastos com publicidade dos seus opióides, numa tentativa de garantir o mercado que antes era do OxyContin.
Apesar de tudo isso ter acontecido principalmente nos Estados Unidos, seria ingenuidade pensar que o Brasil tá imune a esse tipo de estratégia. , Então, como o nosso país também pode estar no radar da indústria da dor? O Brasil já lida com o problema do vício em drogas há muito tempo, e também tem sua boa parcela de lugares onde é possível encontrar situações trágicas de uso de drogas, como a cracolândia em São Paulo.
Mas isso não quer dizer que os opióides não possam fazer um grave estrago por aqui também. Na realidade, há muitos indícios de que se não prestarmos a devida atenção ao problema dos opióides, a mesma coisa que aconteceu nos Estados Unidos vai acontecer por aqui também. Isso porque o Brasil representa uma excelente oportunidade de lucro pra indústria da dor: a cada dez brasileiros, quatro sofrem com dores crônicas – ou seja, por volta de 80 milhões de pessoas.
Além disso, a disseminação do uso de medicamentos opioides aqui durante muito tempo nem chegou aos pés do que acontecia nos Estados Unidos, ou seja, ainda é um mercado a ser explorado pelas fabricantes de opioides. Alguns especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que até alguns anos atrás, a medicina brasileira usava muito pouco os medicamentos opióides, mesmo em casos de dores mais severas. Mas esse cenário tem mudado, e rápido.
Já em 2019, as pesquisas indicavam que as vendas de opióides no país tinham crescido incríveis 465% em 6 anos. No mesmo ano, uma pesquisa da Fiocruz revelou que quase 4 milhões e meio de brasileiros já tomaram opióides sem prescrição médica. Por enquanto, não é possível encontrar opióides considerados fortes nas farmácias brasileiras, apenas medicamentos como a codeína e o tramadol, que são considerados opióides leves.
O fentanil, responsável pela terceira onda da crise nos Estados Unidos, por aqui só pode ser encontrado em ambiente hospitalar, e ainda assim é fortemente regulado pela Anvisa. Mesmo assim, isso não impediu que o fentanil caísse na mão do tráfico por aqui. As primeiras ampolas da substância apreendidas no Brasil foram encontradas pela Polícia Civil em fevereiro de 2023 em posse de traficantes.
De qualquer forma, a gente sabe que a indústria farmacêutica e a ética definitivamente não andam de mãos dadas, e segundo a médica pesquisadora Adriane Fugh-Berman, da Universidade de Georgetown, países como o Brasil estão vulneráveis à principal estratégia das fabricantes de opióides: achar um local com uma epidemia de dor não tratada, e introduzir os opióides, assegurando a médicos e pacientes que essa é a melhor alternativa e que não há risco de dependência – e o resultado disso, a gente vê nas ruas americanas atualmente. Em uma audiência em 2020, quando foi pedido que Kathe Sackler, médica e ex-vice-presidente da Purdue Pharma, se desculpasse às vítimas da crise dos opióides, ela simplesmente respondeu: “Eu não teria feito nada diferente” Então, depois dessa, será que dá pra confiar nessas farmacêuticas? Você acha que o Brasil pode sofrer o mesmo que aconteceu nos EUA?
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Então aperta nele aí que eu te vejo lá em alguns segundos. Por esse vídeo é isso, um grande abraço e até mais.