Ei galera, eu voltei com o glossário para falar de um conceito muito, muito, muito, muito, muito importante para todo mundo que reconhece o valor da comida no prato das pessoas. Então, hoje, nós vamos de S de soberania alimentar. (Vinheta) Para falar de soberania alimentar, a gente tem que falar antes de um outro conceito que é o de segurança alimentar.
A ideia de segurança alimentar é usada há muitas décadas para se discutir fome no mundo. No começo, segurança alimentar era um conceito padrão e significava disponibilidade contínua de alimentos básicos. beleza?
De modo a garantir uma expansão de consumo desses alimentos. Depois, a FAO, que é a organização das Nações Unidas que lida justamente com alimentos e agricultura, a FAO acrescentou que essa segurança alimentar é para que todas as pessoas tenham acesso econômico e físico aos alimentos básicos que elas necessitam. Com o tempo, o conceito foi ficando mais e mais completo e hoje a gente pode afirmar que o debate sobre segurança alimentar, ele entende segurança alimentar como uma situação em que todas as pessoas têm sempre acesso físico, social e econômico a alimentos seguros e nutritivos, também em quantidade suficiente e que garante as suas necessidades de dieta e, também, preferências alimentares para uma vida saudável e ativa.
O conceito foi melhorando muito, mas a ideia de soberania alimentar vai muito mais além, porque soberania alimentar exige que a gente considere as relações socioeconômicas que estão por trás da oferta de comida, que não é só sobre suprir uma demanda, mas mexer também na produção, considerando, inclusive, as diferentes situações em cada território para que ninguém passe fome, para que todos comam bem e a cadeia de produção tenha trabalhadores remunerados justamente numa lógica cada vez mais ecológica. Soberania alimentar é um conceito já usado na década de 80, mas ele foi popularizado principalmente pela Via Campesina na década de 90. E a Via Campesina, caso você não saiba, é uma organização internacional pra articulação de dezenas e dezenas de movimentos sociais e organizações do campo, e tem o foco na luta dos trabalhadores do campo.
Por exemplo: o MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é parte da Via Campesina. Eu entendo o conceito de soberania alimentar como superior ao conceito de segurança alimentar. Apesar do trabalho ao redor da segurança alimentar ser muito importante no combate à fome, ele não resolve o problema da fome.
Justamente porque ele não vai à raiz do problema. Ele acaba que exige pouco e isso permite corporações que contribuem para o problema da fome através da concentração de renda, por exemplo, possam parecer "socialmente responsáveis" quando eles doam para programas de segurança alimentar ou algo assim. Então, como a gente pode definir soberania alimentar?
A proposta da soberania alimentar exige enxergar os alimentos a partir de uma cadeia de produção e consumo, estando juntos. E essa cadeia seria pautada por justiça social para quem produz e para quem consome, para quem compra. Com possibilidade também de escolha sobre os alimentos e variedade alimentar.
Então, para muito além daquilo que é definido por grandes empresas que vai estar ali na prateleira do supermercado. A soberania alimentar é um paradigma que entende que os alimentos são produzidos de acordo com as condições da natureza, então a agroecologia também é um elemento muito importante nesse debate. E há também uma crítica forte às propostas da "revolução verde", que é sobre os químicos, a sua monocultura, tem um vídeo sobre isso aqui.
Isso quer dizer que quando a gente fala de soberania alimentar, a gente também acaba falando de mudança climática, de água, de reforma agrária, de questões animais e muito mais. A soberania alimentar bate de frente com o alimento como mercadoria, e ela bate mais ainda no alimento como commodities do mercado financeiro. Então, isso exige construir alternativas econômicas na produção e na entrega de alimento, que sejam alternativas justas de verdade.
E aí para falar de justo, a soberania alimentar reconhece os contextos locais de trabalho. A importância de investir na pequena agricultura, em garantir uma boa variedade de alimentos e que essa variedade chegue a população em geral, e que a partir disso mais e mais pessoas possam escolher comer uma coisa em vez de uma outra coisa, o que pode promover também boas substituições nutricionais para que as pessoas possam abrir mão daquele industrializado barato, por exemplo, que faz mal, ou adaptar sua dieta para excluir animais do prato. Então, é sobre criar as condições gerais de soberania na produção para que todo mundo possa desenvolver a sua autonomia no consumo de alimentos também.
Por isso, também, o paradigma de soberania alimentar é bem crítico aos modelos atuais de desenvolvimento rural capitalista, (agronegócio) e também envolve bastante debate pedagógico, de educação mesmo sobre alimentos, sobre a sua produção, natureza e o sistema em geral. Um outro ponto muito importante desse debate sobre soberania alimentar é que ele enfatiza o papel das mulheres na alimentação da casa e da comunidade em geral, e também da produção, as mulheres no campo. Então, numa sociedade que exclui e violenta mulheres, a soberania alimentar não vai poder ser realmente implementada.
Então, esse combate ao patriarcado faz parte do debate. Como coloca a Via Campesina, "A soberania alimentar só pode ser alcançada através da solidariedade e da vontade política de implementar alternativas. " Então, quando se fala de soberania alimentar se fala não somente de garantir alimentos para as pessoas, mas principalmente sobre construir uma alternativa real de produção e consumo de alimentos.
Se você ainda não conferiu os outros itens aqui da nossa playlist do glossário, aproveite a oportunidade porque é agora né. É uma playlist como uma introdução bem basicona a conceitos que eu uso com frequência nas explicações aqui no tese onze. Então, pode ser útil para vocês.
E eu vejo vocês em breve, claro. Legendas: R.