Nós estamos vivos, e isso é estranho. O fato de nós estarmos aqui hoje só é possível graças a uma série de coisas que aconteceram ao longo de bilhões de anos. Em um vídeo recente eu apresentei o conceito da Terra rara pra vocês, que eu recomendo assistir.
Muitas das coisas que possibilitaram a vida parecem ser aleatórias. No vídeo eu abordo algumas características do nosso planeta que não são tão observadas em outros planetas. E quando a gente junta todas as características, a vida parece ser improvável.
Nós até hoje não sabemos se nós estamos em um planeta raro ou se as condições da Terra são comuns em planetas pelo universo, que nós só não encontramos ainda devido a limitações tecnológicas. Diversas buscas por uma Terra 2. 0 têm sido feitas por diferentes missões, e acho que a mais famosa delas é o próprio telescópio espacial James Webb, lançado em dezembro de 2021.
Planetas parecidos com a Terra em composição, atmosfera e tamanho são os alvos principais dessas buscas. Mas existe uma característica que é ainda mais importante. O planeta precisa estar em uma região ao redor da sua estrela, que é conhecida como zona habitável.
Essa região ao redor de uma estrela é definida como a região em que a temperatura da estrela fica no intervalo perfeito para que a água possa existir no estado líquido. E cada estrela tem uma zona habitável diferente. Estrelas mais quentes e luminosas possuem zonas habitáveis mais distantes delas, enquanto estrelas mais frias possuem zonas habitáveis mais próximas.
O nosso Sol possui uma zona habitável estimada entre 0,75 a 1,5 unidades astronômicas, sendo que a Terra está a cerca de uma unidade astronômica da nossa estrela, cerca de 150 milhões de quilômetros. Mas eu gostaria de introduzir nesse vídeo um conceito que talvez você nunca ouviu falar. Será que assim como as estrelas têm zonas habitáveis, a nossa própria galáxia não tem uma zona habitável também?
Ou colocando essa pergunta de outra forma, será que a região da Via Láctea que nós estamos não foi importante para o surgimento da vida como nós conhecemos? E deixando tudo ainda mais interessante, será que o buraco negro no centro da galáxia não está direta ou indiretamente ligado com a possibilidade de vida na galáxia? Ok, pra essa daqui eu já vou dar um spoiler, sim, buracos negros supermassivos no centro da galáxia podem ter relação com o fato de você estar vivo agora.
Buraco negro todo dia. Mas eu acho que estou me adiantando muito e eu gostaria de começar essa história do começo. O Sistema Solar é um dos inúmeros sistemas planetários que habitam a Via Láctea.
Ele está localizado a uma distância aproximada de 27 mil anos-luz do centro da Via Láctea, onde nós encontramos o buraco negro supermassivo Sagitário A*. Mas estamos localizados numa região calma e tranquila da galáxia, que fica na borda de um dos braços espirais chamado de braço de Órion. Mas podemos até considerar que nós estamos relativamente sozinhos nessa parte da galáxia, porque a estrela mais próxima está localizada a 4,37 anos-luz de distância.
É comum que estrelas possuam companheiras, e aí elas se tornam sistemas binários. Mas o Sol é uma estrela solitária. Talvez isso não tenha sido verdade para toda a história do Sol, mas atualmente ele está sozinho.
E esse aqui já é o primeiro ponto de como nós estamos numa região especial. Um dos grandes eventos que tanto o Sistema Solar quanto a Terra passaram durante o início das suas vidas foi um período de grandes impactos e colisões de asteroides. E durante a história da Terra nós temos evidências de que colisões com asteroides não foram incomuns.
E uma delas até causou uma das extinções em massa da vida no nosso planeta. Então asteroides parecem ter uma importância considerável quando nós falamos sobre a manutenção de vida em um planeta. De fato, se o Sol tivesse uma estrela companheira, ou até mesmo uma estrela muito próxima, provavelmente ela interferiria na dinâmica gravitacional do sistema solar.
Uma das possíveis interferências seria desestabilizar a nuvem de Oort, que é uma região que fica mais distante do que a óbita de Plutão, onde nós encontramos rochas, gelo e poeira congelados. A maior parte dos cometas vem de lá. Agora imaginem a presença de uma estrela constantemente perturbando essa região, fazendo esses cometas serem disparados em todas as direções, inclusive em direção ao nosso planeta.
Encontros assim já aconteceram no passado, e provavelmente vão acontecer no futuro, mas eles não são tão constantes a ponto de oferecer um perigo frequente. E é por isso que o fato de o Sol estar sozinho é tão importante. E aqui eu acho justo nós abrirmos um parênteses para falarmos sobre a anatomia da Via Láctea.
A Via Láctea é uma galáxia espiral. Isso significa que ela possui braços espirais formados por estrelas mais jovens, gás e poeira. Apesar dos braços serem os protagonistas quando observamos uma galáxia espiral, ela possui outras características.
No centro, ela possui um buraco negro supermassivo com 4 milhões de massas solares chamado Sagitário A* Uma coisa errada de se pensar é que o buraco negro interfere gravitacionalmente com toda a galáxia. Isso não é verdade. O buraco negro é grande para parâmetros de um objeto, mas ele é pequeno demais para interferir com toda a galáxia.
Então ele só afeta, de fato, estrelas muito próximas dele. Além dele, existe uma barra de estrelas que gira em torno do núcleo e tem uma dinâmica um pouco diferente do resto da Via Láctea. Tanto a barra quanto o buraco negro estão associados a uma estrutura chamada de Bojo, que é uma região no centro que se assemelha muito a uma bola de futebol americana.
O Bojo é denso, ou seja, ele contém muitas estrelas em uma região pequena. E são estrelas mais velhas, com órbitas mais aleatórias do que as do resto da galáxia. E eu preciso que você guarde essa informação porque nós vamos precisar dela em alguns instantes.
Outra parte da Via Láctea é o disco com os braços espirais que tem regiões mais densas de estrelas e regiões menos densas. Nos braços em si existe uma quantidade maior de estrelas, principalmente jovens e mais luminosas. Mas entre os braços existe uma densidade menor com estrelas menores e menos luminosas, como é o caso do Sol.
Por fim, existe um halo galáctico com aglomerados de estrelas e estrelas isoladas mais velhas, onde é possível encontrar a segunda geração de estrelas do universo, que tem poucos metais. E também tem um halo de matéria escura englobando todas essas outras estruturas. Cada estrutura da galáxia tem as suas próprias características, seja na densidade de estrelas, seja no tipo de estrelas encontradas ou na idade dessas estrelas.
E de alguma forma, nós estamos no exato ponto onde é provável a existência de vida, ou melhor, a zona habitável de uma galáxia. E aqui nós podemos voltar em uma coisa que eu deixei no ar, que é a importância de o Sol estar sozinho. Mas por que exatamente ele está sozinho?
Como eu disse antes, o Sol está localizado na borda do braço de Órion, que é praticamente entre dois braços. E essa é uma região menos densa no disco, então a chance de nós encontrarmos estrelas mais isoladas e sem um aglomerado em torno é bem maior, como é o caso do Sol. Não se sabe exatamente o que causa esses braços e a densidade de estrelas maiores, mas alguns modelos tentam explicar isso com uma onda de pressão de gás que vai formando estrelas.
Mas isso não importa agora. O que importa é que o sistema solar está localizado bem nesse vão onde a probabilidade de interações é baixa. Tipo, quais as chances?
E além disso, as estrelas ao redor do Sol são, na maioria, estrelas de sequência principal que ainda possuem uns bons bilhões de anos de vida. Isso também significa que nós estamos a salvo de diferentes ameaças cósmicas. Se estivéssemos um pouco para o lado, exatamente no braço, nós teríamos que lidar com uma densidade maior de estrelas jovens, quentes e azuis.
E isso traz basicamente dois problemas. O primeiro deles sendo a radiação que essas estrelas emitem, que chegariam em uma frequência muito maior. Estrelas mais jovens e quentes possuem picos de emissão voltados para o azul.
E essa luminosidade dessas estrelas, além do fato de elas esquentarem tudo ao redor delas, poderia interromper a formação do Sol, que necessita de uma nuvem fria. Mas mesmo se o Sol já existisse com os seus planetas, então uma grande quantidade de radiação no planeta Terra seria perigoso para a vida como nós conhecemos, e até mesmo para a vida primitiva. Se até a radiação do Sol já é um perigo para nós, podendo causar doenças como câncer de pele, imagina isso várias vezes, só que mais intenso e o tempo todo.
E o segundo problema seriam os assassinos silenciosos, os neutrinos. Na Terra, a fonte mais próxima de neutrinos é o próprio Sol. Mas a quantidade que chega até nós não é grande o suficiente pra causar algum problema.
Porém, se nós aumentarmos isso com fontes maiores, então poderíamos sim alterar a química do interior do planeta. E quem sabe até o nível de radioatividade natural, tornando o nosso planeta inóspito. E isso que eu nem falei de possíveis explosões que varreriam qualquer coisa no seu caminho.
Supernovas. Quando falamos dos braços espirais, em geral nós estamos falando do hábitat de estrelas mais jovens, maiores, mais massivas e mais luminosas. E adivinha o que essas estrelas fazem quando chegam no final da vida delas?
Várias delas entram em supernova, uma explosão extremamente potente que empurra tudo ao seu redor. Não importa se sejam planetas, estrelas ou até buracos negros que estejam por aí. E pra piorar, essas estrelas maiores e mais quentes possuem um tempo de vida muito curto, já que elas queimam o combustível muito mais rápido do que estrelas como o Sol.
Então, supernovas não seriam raras. E como essas estrelas vivem apenas alguns milhões de anos, se uma atingisse o sistema solar poderia impedir a vida que estaria evoluindo nos seus primeiros bilhões de anos. Mas sim, é possível que o Sol tenha nascido em uma região assim, já que uma das hipóteses é que foi uma supernova que fez a nuvem que formou o Sol colapsar.
Só que com o tempo o Sol foi se distanciando até chegar no ponto em que nós estamos agora em uma região particularmente calma, sem muitas estrelas por perto e sem tantos perigos cósmicos. O mesmo perigo aconteceria se nós estivéssemos em um local um pouco mais próximo do centro da Via Láctea. Lembra que eu pedi para vocês guardarem uma informação?
De que ali seria a região mais densa de estrelas? Ela não é só a região mais densa de estrelas, mas de outros objetos compactos como buracos negros e estrelas de nêutrons também. Tudo isso que eu falei estaria ainda pior na região do Bojo da Galáxia e próxima ao centro, que juntaria com as órbitas aleatórias das estrelas que fariam tudo ser um verdadeiro caos.
Tanto a radiação quanto os neutrinos quanto as interações gravitacionais seriam muito mais frequentes do que no braço, mesmo considerando o braço com estrelas jovens. E coloque dentro desse cálculo também os buracos negros estelares ou até mesmo os intermediários, porque vai que eles estejam escondidos lá. Eles emitem radiação quando eles estão se alimentando.
Seria um verdadeiro caos com ameaças cósmicas vindo de todos os lados possíveis. Dificilmente seria um ambiente que a vida conseguiria prosperar. Qualquer coisa poderia oferecer um perigo razoável para nós, e imagina para uma forma de vida primitiva que ainda está nos primeiros momentos de evolução.
Você deve estar pensando, ok, nós estamos numa região entre dois braços estirais, que é distante o suficiente do centro, mas a galáxia ainda tem todo o halo, que é muito maior, então a nossa posição não é tão especial assim, ou é? Bom. .
. O halo é realmente o maior lugar da Via Láctea se a gente desconsiderar o halo de matéria escura que envolve tudo. E nele são localizadas as estrelas que podem ser da segunda geração de estrelas e isso é importante para a nossa discussão.
Qual é a definição de uma estrela de segunda geração? Esse tipo de estrelas são as que se formaram depois da morte das primeiras estrelas do universo, que eram feitas só de hidrogênio e hélio. E graças a essas primeiras estrelas, mais elementos foram formados, como oxigênio, nitrogênio, carbono, ferro.
E esses elementos estavam presentes em uma quantidade muito baixa quando a segunda geração se formou. Então essas regiões onde encontramos muitas dessas estrelas, são regiões com uma taxa de metallicidade muito baixa. E o que isso tem a ver com tudo que nós estamos falando nesse vídeo?
Para formar planetas e consequentemente tudo que habita um planeta, como nós, nós precisamos de uma quantidade razoável de metais. E aqui, quando eu falo metal, lembre-se que para um astrônomo o metal é tudo que não é hidrogênio e hélio, então sim, o oxigênio para um astrônomo é um metal. Para a Terra se formar foi necessária uma quantidade considerável de ferro e outros elementos para fazer desde o núcleo até a atmosfera.
Como um planeta e como a vida se formaria numa região onde não há tantos elementos, além de hidrogênio e hélio disponíveis, onde a quantidade é escassa. Até mesmo se nós formos considerar outro tipo de vida que não seja baseada no carbono, é necessário que pelo menos tenhamos elementos além dos dois primeiros da tabela periódica. Se o nosso Sol ou uma estrela semelhante ao Sol se formassem nesse ambiente, dificilmente teriam elementos o suficiente para formar muitos planetas, porque até mesmo os gigantes gasosos possuem um núcleo com ferro.
A chance de sequer existirmos seria extremamente baixa. Simplesmente não existiria um elemento o suficiente para possibilitar nossa existência. Para nossa sorte, e a da nossa existência, o Sol foi formado por uma nuvem que foi alimentada com metais após várias e várias estrelas nascerem, viverem e morrerem.
E esse é um dos motivos para estarmos aqui. Levando em conta tudo o que foi mostrado nesse vídeo, nós podemos argumentar que existe sim uma zona habitável na nossa galáxia. Se nós estivéssemos um pouco pra frente, um caos cósmico ofereceria perigo a todo momento.
E se por alguma sorte nós escapássemos, nós ainda teríamos que lidar com radiação fritando nosso planeta. Se nós estivéssemos mais para trás, a falta de elementos para nos criar e até para criar o planeta Terra também seria uma barreira logo de início. Nós estamos exatamente em um vão entre dois braços, numa distância correta do centro da galáxia e é por isso que toda a evolução do sistema solar e da vida no planeta Terra foi possível.
Agora uma nova pergunta pode surgir. Por que que essa região existe? Será que ela não é algo comum?
E é aqui que entra o último fator que eu quero apresentar pra vocês, que provavelmente fez toda essa conversa ser possível. O buraco negro supermassivo Sagitário A*. Nossa, Pedro, como assim algo tão destrutivo e tão perigoso quanto um buraco negro pode ter possibilitado nossa vida?
A resposta é que os buracos negros podem ter uma relação bem próxima com a dinâmica e composição da galáxia. Alguns estudos mostram que os buracos negros podem interferir na quantidade de estrelas que uma galáxia forma. Enquanto um buraco negro está se alimentando, pode ocorrer um fenômeno no disco de acreção chamado ventos.
E esses ventos seriam uma tela extremamente energética que escaparia de ser engolida pelo buraco negro. Ou seja, ventos muito rápidos que conseguiram escapar antes de atingirem o horizonte de ventos. Nesse caso, esses ventos poderiam chegar a distâncias grandes e encontrar nuvens que poderiam formar estrelas.
Eles esquentariam essas nuvens, cessando a formação de estrelas na região. É uma forma que a própria galáxia tem de naturalmente controlar a quantidade de estrelas que se forma nela. Sem esse controle de população que o buraco negro cria, era esperado que mais estrelas fossem formadas e a galáxia seria ainda mais densa do que ela já é.
Então eu acho que agora eu consegui convencer vocês de que estrelas demais seria um problema, né? Sem o buraco negro no centro da galáxia, provavelmente ela se tornaria um ambiente muito denso de estrelas. E aí regiões de zonas habitáveis como a que nós estamos ficariam ainda mais raras ou inexistentes.
É curioso pensar que a nossa existência pode estar relacionada com um buraco negro supermassivo localizado a uma distância de dezenas de milhares de anos-luz. Tudo que eu apresentei nesse vídeo cria uma série de fatores que apenas certas regiões da galáxia satisfazem, como é o caso da região em que o Sol e consequentemente nós estamos. Mas podemos chamar essa de a zona habitável da galáxia.
Agora, a pergunta que nós devemos nos fazer é o quão comum são essas zonas habitáveis pelo universo? Será que é somente dentro delas que nós vamos encontrar respostas para se nós estamos sozinhos no universo? Eu andaria a saber o que vocês acham aqui nos comentários.
Muito obrigado e até a próxima!