Continuando nossa leitura da primeira carta de São João, onde ele diz: "Caríssimos, quem é o vencedor do mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus? " Basicamente, ele reitera a última frase que nós líamos na primeira leitura de ontem: "Esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé. " [Música] E então ele diz: "Este Jesus Cristo é o que veio pela água e pelo sangue; não veio somente com a água, mas com a água e o sangue, e o Espírito é que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade.
" Ora, vocês vejam os autores que estudam o Novo Testamento. Eles já se debruçaram muito sobre isso, sobre o que seriam, aqui na primeira carta de João, esses três que dão testemunho, como ele diz no versículo 7: "Assim são três que dão testemunho: o Espírito, a água e o sangue, e os três são unânimes. " Ora, eu creio que nós temos uma pista disso lendo as cartas de Santo Inácio de Antioquia, que foi discípulo de São João e que fala sobre esses assuntos ao longo dos seus textos.
Por exemplo, na carta aos Magnésios, ele diz: "Cuidai, por conseguinte, de permanecer firmes nas doutrinas do Senhor e dos Apóstolos, para que tudo quanto fazeis se encaminhe bem na carne e no Espírito, na fé e na caridade, no Filho e no Pai, e no Espírito Santo. " Ele diz: "Honrado com um nome de esplendor divino a nos grilhões que carrego, canto às igrejas das quais desejo a união da carne e do Espírito de Jesus Cristo, que é nossa vida para sempre; a união da fé e da caridade, a qual nada supera. " E, para dizer coisa ainda mais sublime, a união de Jesus com o Pai.
Depois, na carta aos Tralianos, ele diz: "Não que tivesse conhecimento de algo assim entre vós, tento sim prevenir-vos como a pessoas queridas, prevendo as ciladas do diabo. Adotai, pois, a mansidão e renovai-vos na fé que é a carne do Senhor e na caridade que é o sangue de Jesus Cristo. " Na carta aos Romanos, Santo Inácio de Antioquia diz: "Meu amor está crucificado e não há em mim fogo para amar matéria.
Pelo contrário, Água Viva murmura dentro de mim, falando-se ao interior: 'Vamos ao Pai. Quero o pão de Deus, que é a carne de Jesus Cristo, da descendência de Davi, e como bebida quero o sangue d'Ele, que é amor incorruptível. '" Na carta aos Esmirnenses, ele diz: "Glorifico a Jesus Cristo, Deus, que vos fez tão sábios.
Cheguei a saber efetivamente que estais aparelhados com fé inabalável, como que pregados de corpo e alma na cruz do Senhor Jesus Cristo, confirmados na caridade, no sangue de Cristo, cheios de fé em Nosso Senhor, que é, de fato, da linhagem de Davi segundo a carne, filho de Deus, porém consoante a vontade e o poder de Deus, de fato nascido de uma virgem e batizado por João, a fim de que se cumpra nele toda a profecia. " Nesses trechos, o que nós vemos é que Santo Inácio de Antioquia sempre associa a fé e a caridade; a caridade com o sangue do Senhor, a fé com a carne do Senhor. Quando São João diz que ele veio pela água e o sangue, ele está dizendo muita coisa.
Ele está dizendo que veio pela água, ou seja, começou seu ministério público pelo batismo, e pelo sangue, ele concluiu seu ministério público pela morte redentora na cruz. A água e o sangue também significam a humanidade santíssima do Senhor, no sentido de que, alguns hereges do tempo em que o evangelho foi escrito, os chamados docetistas, críam que Ele fosse uma espécie de holograma, ou seja, que ele não tivesse matéria. Então, os cristãos davam como demonstração de que Ele veio na carne o fato de que Ele foi batizado; ou seja, ele se molhou.
Não tem como você mergulhar um holograma na água. Então, quando ele fala da água e do sangue, isso tem como paralelo o que Santo Inácio diz aqui sobre a fé e a caridade. E ele diz, assim: "O Espírito é que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade.
" Ou seja, eu só posso chegar à fé e à caridade pela inspiração do Espírito Santo, impulso do Espírito Santo. Esse é o único modo. É o Espírito que testifica o nosso espírito, que nós somos filhos de Deus.
Ou seja, a graça me leva à união entre a fé e a caridade, como ele diz aqui, que é a maior união que existe. Acima dessa, apenas existe a união entre o Pai e o Filho. Portanto, o que São João está, possivelmente, nos dizendo aqui — talvez fosse esse o entendimento dos seus destinatários — é que o evangelho tem uma força probatória que vem dessas três testemunhas: a testificação interior do Espírito; ele me ilumina a fé, que me faz tocar a carne do Senhor; a fé que é para mim como a água que tocou o corpo de Cristo; a fé que, para mim, é o ponto de conexão com Ele; e a caridade, que é o sangue de Cristo.
Ou seja, o Espírito Santo me leva à fé e à caridade, e é muito importante isso. Vejam, por exemplo, uma pessoa que apenas acredita na medida em que as coisas são razoáveis e que fica o tempo todo tentando encontrar desculpas para as suas exceções. Existem muitas pessoas assim, hoje em dia.
Elas dizem: "Uma coisa é a Igreja, outra coisa é a fé ortodoxa. " Então, se a Igreja disser o que eu professo como fé ortodoxa, então a Igreja está certa. Mas essa não é a fé do Novo Testamento, porque a fé do Novo Testamento é aquela que diz: "Eu creio porque assim a Igreja nos ensinou.
" Isso é muito importante. Os protestantes se escondem por trás do Sol, a escritura. E aí entra a confusão dos diabos, porque, por exemplo, no evangelho, nós lemos: "Isto é o meu corpo" ou "Quem come a minha carne e bebe meu sangue, permanece em mim e eu nele.
" Quantas interpretações possíveis podem se dar a essas infinitas? Porque todo texto é passível de interpretação. Por outro lado, os tradicionalistas ficam no "sola trad", então aquilo que foi dito ao longo dos concílios e que não sei o que, que não sei qual santo disse aqui, aqui, aquilo ali, tal T, tal e tal T, tal, sem prestarem atenção de que existe um órgão chamado magistério da igreja, no qual eu creio.
Porque quem vos ouve a mim, ouve. A fé católica depende disso, ela não é um conjunto de ideias soltas, e a igreja, assistida pelo Espírito Santo, não pode induzir o cristão ao erro. Por isso que muitas pessoas estão redondamente enganadas, achando estar certas.
Elas, na verdade, têm uma fé humana, uma fé que está dentro de um certo círculo de ideias, nas quais as suas crenças estão de alguma maneira autorreferendadas. Por outro lado, quem tem apenas a água e não tem o sangue é aquele que tem uma fé ortodoxa, mas que é morta. E é muito fácil alguém ter fé ortodoxa, basta dizer "eu credo", basta repetir o catecismo, repetir São Tomás, repetir os doutores da igreja.
A fé ortodoxa, porém, essa fé é morta se ela não tem obra. E como explica São Paulo, a fé opera pela caridade. Ou seja, eu preciso da luz da fé e do calor da caridade.
Esse calor é o sangue. Eu preciso da caridade, do amor divino. Uma caridade sem fé é pietista e hoje existe muito disso: sentimentalismo, devocionismo, um monte de coisas.
As pessoas se perdem em mil devoções, aparece a cada momento uma onda nova, uma moda nova, e as pessoas vão atrás daquilo e ficam repetindo, e tal, e as modas vão passando e as novidades vão chegando e assim por diante. É uma tentação que nós todos temos. A caridade sem fé é só um amor atemático.
Por outro lado, a fé sem a caridade é uma ortodoxia morta, e, por outro lado, sem a revelação interior do Espírito Santo, eu apenas tenho uma fé humana. Eu não creio por uma razão sobrenatural; eu creio apenas por uma razoabilidade de um discurso. Mas isso não é fé em sentido teologal pleno.
É por isso que a força probatória do Evangelho está no Espírito, na água e no sangue. São esses que dão testemunho, e o seu testemunho é unânime. Ou seja, o Espírito testifica.
Eu creio com o coração e amo com toda a intensidade do meu espírito a Deus e aqueles que estão ao meu lado com esse amor que transborda através de mim. O Espírito, a água e o sangue dão testemunho, dão testemunho de que Jesus é o Filho de Deus. Isso só pode vir dele, isso decorre de quem ele é.
É muito interessante que existem alguns manuscritos muito antigos, gregos do quarto século, mais ou menos, e alguns latinos a partir do oitavo século, que acrescentam uma frase, que é conhecida como Coma Yahanum. É uma polêmica que existe entre os exegetas, em que esse texto ficaria levemente alterado. Seria algo assim: "Na terra, são três que dão testemunho: o Espírito, a água e o sangue; e no céu, o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
" Ou seja, alguns dizem que esse foi um acréscimo feito por Prisciliano, ninguém sabe exatamente se foi isso. Contudo, há um belo paralelismo aqui. Supondo-se que esse texto poderia ser de alguma maneira inspirado, se aceitamos o testemunho dos homens, o testemunho de Deus é maior.
Este é o testemunho de Deus, pois ele deu testemunho a respeito de seu Filho. Como esse, no fundo, é o grande mistério da epifania: ele deu testemunho do seu Filho, por exemplo, sobre as águas do rio Jordão, dizendo: "Este é o meu Filho amado, no qual encontro todo o meu prazer. " Ele deu testemunho sobre o Filho na transfiguração.
No capítulo 12 de São João, há um testemunho que o Pai dá do Filho, que é bem impressionante, em que um trovão brada. O texto diz que o Pai lhe disse: "Eu te glorifiquei e te glorificarei de novo. " E todos pensaram que fosse um trovão; uns diziam que era um anjo, outros ficaram assustados e assim por diante.
Outro testemunho do Pai, mas maior testemunho do Pai sobre o Filho, no Evangelho de São João, é a sua própria morte redentora, que sai do lado de Jesus: água e sangue. Quais são os altares que havia na entrada do Templo de Jerusalém? O altar dos holocaustos, em que as vítimas eram sacrificadas e o sangue fluía.
O sangue não podia talhar; tinha que ser fluido. E a piscina de bronze, onde havia água para purificação. Água e sangue.
Ou seja, Jesus é o novo templo de Deus, tal como apresentado pelo próprio Pai: templo consagrado com o seu sacrifício, templo ungido com a entrega do seu Espírito. Aquele que crê no Filho de Deus tem esse testemunho dentro de si. Aquele que não crê em Deus faz dele um mentiroso, porque não crê no testemunho que Deus deu a respeito do seu Filho.
Vejam isso; isso, para nós, é muito importante: o nosso vínculo com Jesus Cristo é a fé. É muito interessante que, ao longo da história da Igreja, muitos quiseram fazer uma dialética, uma oposição entre o Cristo histórico, ou o Jesus histórico, e o Cristo da fé, para dizer que o Cristo da fé é um mito e o Jesus histórico foi um personagem que existiu e cujos rastros aparecem no evangelho. Mas nós temos que escavar fundo para descobrir realmente quem foi.
Qual é o. . .
O problema desse tipo de tese é que ela, na verdade, é uma pegadinha bem diabólica. Por quê? O que a gente chama de Jesus histórico não passa da humanidade de Cristo vista por olhos incrédulos; ou seja, Pilatos viu Jesus histórico, Herodes viu Jesus histórico, Caifás viu Jesus histórico, Anás viu Jesus histórico, o mau ladrão viu Jesus histórico, e nenhum deles foi salvo.
Mas o bom ladrão viu o Cristo da fé. Os apóstolos que permaneceram fiéis viram o Cristo da fé, o Cristo da fé, aquele que São Pedro diz: "Tu és o Messias, o Filho do Deus Vivo". E aí Jesus diz: "Não foi a carne e o sangue que te revelaram isso, mas meu Pai que está nos céus".
Ou seja, se eu não entendo que Jesus é o templo de Deus, que nele está Deus, nele está a própria vida de Deus, conhecê-lo é como conhecer qualquer pessoa; isso não vai produzir nada em minha vida. Mas quando eu conheço quem ele é: um com o Pai e o Espírito Santo, então eu descubro a força desse testemunho dentro de mim. Portanto, o Cristo da fé, na verdade, é o único Cristo que existe.
Mesmo, é o Cristo eterno, é o que nos dá acesso ao Jesus histórico; é o único que existe. Nele não há divisão, nele não há cisão nenhuma. Pela fé, eu agarro; pela fé, eu toco nele; pela fé, eu me envolvo com ele.
A fé consiste exatamente nisso. Mas, o interessante é que São João continua dizendo: "E o testemunho é esse: Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está em seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho, não tem a vida".
Eu vos escrevo estas coisas a vós que acreditastes no nome do Filho de Deus, para que saibais que possuís a vida eterna. Dizendo de outro modo: a vida mesma de Deus, que é eterna, não tem princípio nem fim. Esta vida está na alma santíssima de Jesus Cristo, e é da sua plenitude que todos nós recebemos graça sobre graça.
Ou seja, se eu me uno a Cristo pela fé, eu me uno à fonte da vida eterna. Por isso Jesus diz: "Aquele que crê que, quem tiver sede, venha a mim e beba; do seu interior fluirão rios de água viva". E o evangelista comenta: "Ele falava do Espírito que haveriam de receber todos os que nele cressem".
Ou seja, quando eu creio, a mim me acoplo a Jesus Cristo, que é o terminal mesmo da vida eterna para nós. Agora, se eu não me uno a Cristo pela fé e pela caridade, se eu não aceito a força do testemunho do Espírito Santo com a água e o sangue, o que acontece comigo é que Jesus, para mim, torna-se um personagem do passado, que eu não sei direito quem é, que talvez tenha umas ideias interessantes, mas não é o Cristo que muda a vida de quem crê — aquele Cristo que pega um bandido e o transforma em apóstolo, que pega uma uta e a transforma numa santa contemplativa, que pega um assassino e o faz se tornar um santo até o fim da sua existência. Isso só pode ser feito pelo Cristo da fé, e isso só pode ser feito pela fé em Cristo, pela fé unida à caridade.
Queridos irmãos, nós precisamos unir a fé e a caridade. Nós precisamos ter uma vida de oração em que haja a fusão da fé e do amor, fusão que é operada pela verdade, que é o Espírito Santo. Vamos abrir o nosso coração para que isso aconteça, a fim de que o Senhor não seja para nós um personagem teórico, longínquo, mas seja o que ele é: a vida da nossa vida.